MACHIAVELLI, Niccolò, 1469-1527. Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Tradução de Sérgio Bath, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1994, 3ª ed. Título original: Discorsi sopra La prima deca di Tito Lívio.
DISCORSI SOPRA LA PRIMA DECA DI TITO LIVIO - RESUMO INTRODUÇÃO Discorsi (Discursos), obra de Maquiavel escrita entre os anos de 1513 e 1517, onde o autor faz um giro pelos dez primeiros livros de Tito Lívio, discorrendo sobre a sua política, conflitos e divergências. Maquiavel afirma logo em sua introdução que a natureza dos homens é invejosa, ao ponto de tornarem a criação de novos métodos e sistemas algo tão perigoso quanto o descobrimento de novas terras e mares. E é justamente por essa senda, ainda não trilhada, que o autor deseja seguir sem dúvidas, por considerar útil. O autor atesta com espanto que os homens têm uma verdadeira veneração pelas coisas antigas, no entanto, as virtudes que são assinaladas pela história não concebidas como exemplo na atualidade. Conhecimentos como o direito, a medicina e outros, são baseados na antiguidade, entretanto a política, a guerra, o modo de istrar, por exemplo, são ignorados pelos príncipes, repúblicas ou cidadãos. Aponta a falta de uma análise dos acontecimentos históricos e uma busca pela sua imitação como a principal causa dessa forma de ordenamento de uma república. CAPÍTULO PRIMEIRO: Como começaram as cidades, de modo geral; e como Roma, em particular, teve o seu início. Maquiavel começa discorrendo sobre a origem das cidades, lembrando que foram fundadas por “naturais” do país ou por estrangeiros. As cidades fundadas por “naturais” ocorreu pela necessidade de se defenderem dos agressores externos. Dessa forma, os habitantes decidem ajustar-se em um local para morar que lhes proporcione comodidade e segurança. As cidades de Atenas e Veneza são exemplos citados pelo autor. Já as cidades fundadas por estrangeiros acomodavam uma população excedente de algum império ou para concentrar e manter as conquistas mais seguras tornado-as mais
istráveis. Esse caso é característico das colônias. Por exemplo, o Império Romano que fundou muitas cidades desse tipo.
CAPÍTULO TERCEIRO: Os acontecimentos que levaram à criação de tribunos romanos, instituição que aperfeiçoou o governo da república. Nicolau Maquiavel afirma que todos os homens, por natureza, são maus e que estão dispostos a agir com perversidade sempre que haja ocasião, mesmo que essa característica não se manifeste em algum momento o tempo vai revelá-la. Esse é um princípio que deve ser observado por quem quer estabelecer uma forma de Estado ou promulgar leis. Com a expulsão dos Tarquínios, imperou uma harmonia em Roma entre o povo e o Senado. Os nobres demonstravam uma disposição pelo povo. A nobreza, que até então temia os Tarquínios, agora medo que o povo tão ofendido se afastasse dela e, por isso o tratava com comedimento. Isso durou apenas enquanto os Tarquínios (refreavam os nobres pelo terror imposto) viveram. Todavia, com a morte dos Tarquínios os nobres perderam o medo, não se importando mais com o povo. Experimentou-se, então, um período de crises entre nobres e plebeus, com distúrbios e muita reclamação. Consequentemente, após inúmeras reivindicações populares foram criados os tribunos da plebe. Afirma, ainda, que as leis tornam os homens bons. Mas, existem coisas boas sem a intervenção das leis, consequentemente, tornam as leis inúteis, mas isso que não é uma garantia de que haja sempre uma disposição propícia às coisas boas, portanto, a lei é indispensável. Portanto, foram necessárias as criações dos tribunos, cercados de autoridade que representavam as prerrogativas e prestígio dos plebeus, recuperando dessa feita, o equilíbrio entre o povo e o Senado, pois, impossibilitaram as intenções dos nobres em prejudicar o povo.
CAPÍTULO QUARTO: A desunião entre o povo e o Senado foi a causa da grandeza e da liberdade da república romana. O autor não omite as comoções ocorridas na Roma daquela época, no período compreendido entre a morte dos Tarquínios e a instalação dos Tribunos. Os interesses do povo versus os da classe aristocrática são antagônicos, íveis de conflitos. No entanto,
“[...] não se pode esquecer que uma excelente disciplina é a consequência necessária de leis apropriadas, e que em toda parte onde estas reinam, a sorte, por sua vez, não tarda a brilhar.” (p. 31) Essa desordem vivida em Roma não significa uma fase negativa, pois nunca provocaram o exílio ou violências prejudiciais ao bem público, todas as leis nascem da desunião, e foi dessa agitação e desalinho que os plebeus conquistaram alguma liberdade, participando do poder. O comportamento extremado do povo romano compeliu os aristocratas a ceder. No final do capítulo, o autor pondera o fato “de que tudo o que de melhor produziu esta república provém de uma boa causa” (p. 32). Afirma que a origem dos tribunos é devida à desordem, e que essa desordem merece aprovação e elogios, e essa foi à forma encontrada pelo povo de assegurar participação no governo, sendo os tribunos asseguradores das liberdades conquistadas por Roma. . CAPÍTULO QUINTO: A quem se pode confiar com mais segurança a defesa da liberdade: aos aristocratas ou ao povo? Quais são os que têm mais motivos para instigar desordens: os que querem adquirir ou os que querem conservar? Quem funda um Estado inclui, entre as instituições essenciais, a salvaguarda da liberdade, a qual vai ser mais ou menos duradoura conforme o modo como foi implantada. Tomando Roma como exemplo, deve-se confiar o direito de guardar a liberdade a quem tem por ele menos avidez, ou seja, os plebeus, pois os nobres são sedentos por domínio. Em Esparta e Veneza, a salvaguarda da liberdade foi confiada aos poderosos, com duas vantagens: 1) contempla a ambição de pessoas influentes na república e detentoras das armas, o que garante o poder; 2) impede que o povo, de índole inquieta, use o poder de forma desmedida, levando, assim, os nobres a atitudes desesperadas. (G.T.: tirania, por exemplo) Sobre a quem conceder o direito de guardar a liberdade, portanto, depende do tipo de república de que estamos tratando, se visa a um império (o povo pode garantir) ou apenas à sua conservação (os poderosos podem garantir). As pessoas mais perigosas numa república são as que já possuem bens ou poder, pois temem tanto a perda disso que desenvolvem desejo igual ao dos que querem isso adquirir. E quanto mais as pessoas possuem, maior o seu poder, logo, maior capacidade de alterar a ordem. Ainda, a ambição desenfreada dos poderosos acende o desejo de posse dos que nada tem, podendo levar a dissensões. CAPÍTULO SÉTIMO:
Como o direito de acusação pública é necessário para manter a liberdade numa república Acusar perante o povo, ou diante de um magistrado ou tribunal, os cidadãos que atentam contra a liberdade de um Estado, é um direito útil e necessário para os que desejam salvaguardar a liberdade em uma república. A acusão pública causa dois efeitos: 1) provoca temor de serem acusados publicamente, o que confere segurança ao Estado, e 2) impede que se venere algum cidadão em particular e que, se usados meios extraordinários para o conter, poderia provocar a ruína da república. As leis da república e seus tribunais permitem que o povo manifeste legitimamente sua cólera contra algum cidadão aspirante ao poder. Este será julgado (mesmo que injustamente) por meios legais, com base na força da lei e da ordem pública, o que garante a preservação do Estado. Os juízes em uma acusação pública contra um cidadão poderoso devem ser muitos, pois se forem poucos, serão facilmente manipulados e não haverá lisura no julgamento. Quando não instituições jurídicas em um Estado que permitam este tipo de julgamento, recorre-se a meios extraordinários (forças estrangeiras ou particulares) e isso pode abalar a ordem vigente. As acusações públicas, portanto, são úteis para a manutenção da liberdade em uma república, pois significam organização e fortaleza de instituições que conseguem conter as dissensões através de sua organização interna, sem recorrer a outras formas. Capítulo IX É preciso estar só para fundar uma nova república, ou para reformá-la de modo totalmente novo Regra geral para as repúblicas e reinos que não receberam as suas leis de um único legislador: é necessário que apenas um homem imprima a forma e o espírito do qual depende a organização do Estado. Um príncipe não deve deixar a autoridade para seu sucessor, pois este poderá usar ambiciosamente o que aquele se serviu de maneira virtuosa. Um grupo de homens é incapaz de fundar uma instituição, mas é indispensável na conservação dela, pois não pode um só homem ar todo o peso da istração de uma república. A instituição de uma república depende da ação de um só homem. Capítulo X
Os fundadores de uma república ou de um reino são dignos de elogio, tanto quanto merecem recriminação os que fundam uma tirania Os mais dignos de elogio são os fundadores ou chefes de religiões; em segundo lugar, os fundadores de repúblicas ou de reinos e, depois, lideranças militares que extendem os domínios de seu reino. Aqueles que fundam uma república ou reino e transformam o governo numa tirania perdem renome, glória, honra, segurança, paz e satisfação espiritual, expondo-se à infâmia, às críticas, à culpa, a perigos e inquietações. César não merece todos os elogios que os escritores a ele conferiram, pois foi tirano em planejar e praticar crimes que levaram à ruína de Roma. Um fundador de uma república ou reino deve levar em consideração os elogios que os imperadores que seguiram as leis cumularam e isso é possível através do estudo da história e a imitação daqueles que fizeram um bom governo. Quando um príncipe reformador (como foi Rômulo e César) estiver ameaçado de perder o trono e renunciar, poder-se-á desculpá-lo, mas se tiver condições de conservar o trono, reformando o Estado e não o fizer, não se pode absolvê-lo. O
fundador
de
uma
república deve
instituí-la
onde
há (ou
possa
haver) ampla
igualdadepara, assim, não nascer um Estado desproporcional em seu conjunto, sem condições para uma longa vida. Capítulo LVI As grandes transformações que ocorrem nas cidades e nos países são precedidas de sinais ou de homens que as prenunciam Os acontecimentos importantes são previstos por profecias, revelações, prodígios ou outrossinais dos céus, pois os ares (como pensam alguns filósofos) podem estar repletos de inteligências celestiais naturais conhecedoras do futuro, que podem avisar os homens de certas coisas. Depois dessas manifestações, os impérios sofreram transformações extraordinárias e inesperadas. O povo que deseja evitar tais perigos deve eleger um chefe para dirigi-lo e defende-lo, mantendo-o, assim, unido. Capítulo LVIII O povo é mais sábio e constante do que o príncipe
Muitos historiadores (incluindo Tito Lívio) consideram o povo inconstante e ligeiro, porém Maquiavel afirma o contrário, através de argumentos racionais. Os defeitos atribuídos à multidão são os mesmos em que os príncipes também podem incorrer. Todos os homens sem leis para regular sua conduta cometem os mesmos errosque um povo sem freio (excetuam-se os monarcas, fala-se aqui dos príncipes naturais, que podem ser comparados à multidão). O povo romano durante a república nunca obedecia de modo vil ou covarde, tampouco comandava com orgulho. Se era preciso erguer-se contra um poderoso, não hesitava; mas, se preciso obedecer a um ditador ou aos cônsules para o bem comum, faziam. Não se pode criticar o caráter da multidão como o dos príncipes, pois todos estão sujeitos aos mesmos erros quando não há freio que controle suas paixões. Um povo com poder sob um império de boa constituição será tão estável, prudente e grato quanto um príncipe, podendo ser até mais do que o príncipe. Um príncipe que não segue as leis será mais ingrato, inconstante e imprudente do que o povo. A diferença na conduta entre um e outro não está no caráter deles, mas no respeito às leis sob as quais vivem. Quanto à sagacidade e à constância, o povo é mais prudente, menos volúvel e mais judicioso que o príncipe. Também na escolha dos magistrados procede melhor que o príncipe, pois nunca esquece a imagem de um corrupto ou de uma má instituição. O príncipe é superior em promulgar leis, estabelecer as normas da vida política e criar novas instituições, enquanto que o povo supera em constância com a qual mantém as constituições que acrescentam glória aos seus legisladores. Se compararmos o povo e o príncipe isentos de leis ou qualquer restrição, veremos que aí o povo é superior e comete erros menos graves, menos frequentes e mais fáceis de serem corrigidos do que os príncipes nesta situação. Quando o povo se entregar à fúria, não são os excessos que tememos, mas a emergência de um tirano entre as desordens. Por outro lado, quando um mau príncipe governa, o mau presente traz temor e a esperança se dirige para o futuro. A distinção se faz entre medo(quando o povo erra) e esperança (quando o príncipe erra). O povo é cruel quando suspeita que alguém está usurpando o bem geral e, então, volta-se somente contra este. O príncipe, por sua vez, é cruel contra todos que considera seus inimigos.