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São Paulo é uma cidade de paisagens construi horizonte parece insistir em se recolher para longe ep prédios, viadutos e muito concreto.. O':--,;f Além de sua estética de dimensões, formas e coloridos m~f'f'().:. politanos, outra imagem freqüentemente evocada é aquelat~~e retrata uma São Paulo que não pode parar de trabalhar. ÉÍtttetanto, a julgar pela quantidade de luminosos que se acendem-em ruas e avenidas ao cair da tarde, a impressão é a de que o pauli's.: tano não pode deixar de se di tiro Eé de lazer que trata este texto, mais especificamente de dua mancha da cidade - o Bexiga e a esquina da avenida Paulista com a rua da Consolação ~istrando a particularidade de seus- ~, personagens e ~ de comportamento. ~
BEXIGA,
BEXIGAS
Postal do Bixiga
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Do alto da escadaria uma paisagem bizarra se desnuda ante meus olhos. Reflexo de meu fascínio
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pelo bairro que tanto amo,
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de onde retiro alimento para os sonhos que sustento. Como poeta' solitária em um mundo tão povoado,
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os fantasmas do ado acalento entre meus braços. \ .•••. t~f· :..: ;:''i~o
A pêsquisa que deu origem a este texto fez parte do projeto Os Ped(lÇOS'~lÚlo,Çidade (Departamento de Aotropologia da FFLCH-USP). f' ,,1:1 (''',J
a~ct\J,tet.\J~~ ~i~ca,
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~tt(~ Bixiga tradicional, por contraste, de vanguarda. Região de tantas luzes e de sons alucinados. De pureza e sedução, . de extravagantes pecados, prostitutas, travestis, parzinhos apaixonados. De casais bem comportados, de motéis sempre lotados. De prédios ensolarados, de becos, vilas, malocas, de malandragens, macumbas, de entusiastas do samba, de paulistas de costado, de imigrantes arraigados. De pizza, macarronada, de vinhos, queijos, salames, de um chopinho bem gelado. De feiras, festas e crimes, teatros, bares, cantinas, buzinas, vaga ocupada, guarda-carros e ambulantes. Da Aquiropua famosa, de campanários e fé. Da via expressa, da pressa, dos eios demorados. De encontros despreocupados, de luar, de serenata, de meus antigos cismares, de meus projetos futuros. Do meu fervor, do meu pranto, do meu gáudio, do meu riso, Bixiga do meu encanto!
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BEXIGA.RUA 13 DE MAIO. MAI/91 Amaryllis
Schloenbach,
Gazeta do Bixiga, n. 6, abril de 1991.
grantes italianos, transformados em sua arquitetusa; absigam ~ modernidade do neon em letreiros de cafés e bares: .menes .paredes internas e mais luzes na rua, numa composição de cenáries em que6ente e ado mesclam;!; deixando entrever.novas dinâmicas. Lugar de movimentaxão intensa de pedestres e carro! na memória dos descendentes de italianos, entretanto, nada parece substituir por completo um tempo de "eios demorados". "encontros despreocupados", "serenatas ao luar", quermesses. procissões e jogos de palitinho ou bocha nas cantinas, bares e clubes do bairro tradicional. ~ i ~io O Bexiga "bairro"l nunca foi internamente homogêneo: corr um~bação étnica diversifica~esde suas origens, serviu de sconderijo de escravos e alternativa de moradia para negros "ecém-alforriados, a que seguiram portugueses, italianos (que ieram em maior número) e ingleses. Até hoje ruas e regiões de eairro remetem à ocupação social diferenciada do espaço geográfico: a rua Treze de Maio, onde acontecia a festa de Santa Cruz ~uando os negros libertos comemoravam a abolição; o,Morro do: Ingleses, na parte mais alta, onde se instalou a parcela rica dos \ d ores, composta por mvesn . id ores estrangeiros . mora .lng'Ieses) ( fazendeiros de café, em oposição a italianose.negros, qu.e.:habita· vam a região mais baixa, (Coimbr~,:!J,Q~7\:lj~),;l:ti:arhistió~iamais recente, migrantes nOJ;dçlstiflo~l~~§~l.,fi~ªr~.;:1»~~~il:n~Ona áres central da cidade !!l0radia§, q~:J.!lª,iJP;.S\l,&j92,~. Não é somente Q '~l~dq,b~i#;~q't~;:ij~;;:n):IiEls
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jazz, rock, dance, reggae, lambada, música sertaneja, forró; teatros, restaurantes, cantinas italianas, cafés, bares, botecos, shows eróticos, boates gays - a lista é grande e ainda inclui uma escola de samba, .urn cinema e uma livraria. Personagens e equipamentos diversos, escolhas que refletem preferências e exclusões, modos particulares de agir, identificação e reconhecimento, estranhamento e conflito: tudo se amalgamando em um cenário de ruas estreitas, encravado entre o centro da cidade e a avenida Paulista, gue resistiu ao .pr.ocesso d~<::r.ti.fl!!i::a.s;ão do entorno formando um núcleo que dá a impressão de espaç~õ3,,--~'-Elltretantôs Bêiigas, qual prevalece> NeIihtiin: Ou melhor, no j a in',' do aulistano é o diálogo entre eles ue sustenta a ~11dade deGW§RijklJHi jAo. ,com ritmos e aces tão diversos, tornou-se inevitavel delimitar o campo da pesquisa . Primeiramente, a observação restringiu-se ao "Bexiga do lazer dos eqiienta' ore ., sem pretender abordar o lazer desfrutado pelos(mora. ores' (bótecos·nGf;desmrtos, Escola de Samba Vai-Vai,
o BEXIGA
DO LAZER' UMA RETROSPECTIVA
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S nhoraAchiropita,a balho sobre a res ta de NO~'~ na "i sa gern tra a a , ermanência dos annggran d e de herdeiros, torCf. Coirn ra, 1987:39._ Neste de heranç . autora atribui a quedistoes pelas casas envolvia um ta o a spu .• do bairro: com 'imóveis na regiao, nava-se dificil negociar
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de ser o Igreja A filha
veio fazer
frente.
Essas
anos,
gerente
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foi um açougue.
não tinha
o Igrejinha,
janelas
foi tudo
do Café
como
Era
tocar
o açougue
[ ... ] Eu me lembro ampliada,
né? Era
evendeu;.!}í",ql!rfD.
do açougue. tudo
parede
Tinha
com-
três p.oFtas na
fechada
[Hé1cio,
,26
Soçaite].
ejinha" já havia fechado quando foi inaugurado o afé , ze e aio. Seus I ores inspiraram-se no Café Paris, localizado na entrada da Cidade Universitária, que tinha um palco e oferecia música ao vivo". 4.
5.
_\n. "'~ .1=~O '''- cx.
\61
6,
No entanto, Montechiaro,
permanecia marcando presença na rua Santo Antônio a cantina que reunia boêmios, artistas, intelectuais e roqueiros no final dos anos
70 (informação pessoal de Marinês A, Calil). ' ~ Na casa vizinha ao Café Soçaite e do mesmo proprietário, funciona ,no lugar de um antigo cortiço do bairro, A frente do casarão dá para a rua Santo Antônio e ainda mantém a fachada original, tendo sido seu interior reformado e ampliado, O ex-Café Brasil, instalado em outro casarão da mesma rua, à época da pesquisa já havia fechado e em seu lugar estavam uma lamba teria e um salão de bilhar. O grupo que montou o Café Paris, com uma pequena variação, também foi responsável pelo projeto do Café do Bexiga e, posteriormente, no mesmo bairro, pelo Ópera
JleIlaW
----
Cabaret, uma casa de shows de MPB.
~
mero estilo de consumo.;.,propiciand:0A!lnl :espa~"'õ\'P~ntã1mirliifêsta ções culturais e políticas .no'IYem()do>dàfti;f.tírêtn
,,
o
Café é uma proposta,
quequalquer
assim, muito democrática, ,e
alguns discos, Milton Nascimento,
sido outros bares no ado
oão Pedro, 39 anos, sócio do Café do Bexiga.
E no Bexiga, tinha essa demanda. Então foi feito um bar que não era restaurana toda linha eX19~~
•••••••••_'''''fJ;_'IiII_i!ií·~ím=ç;trr~~~;3~
Você tinha o Café, os bares,mas
Num espaço com forte tradição de vida noturna, a proposta do Café do Bexiga encontrou ressonância nas necessidades dos usuários. Se, por um lado, começava a ocorrer um sensível esvaziamento das boates.de MPB, ainda restaya.,o_públicQ.dos te~tr ~ e esse fõJ6pliblico-alvodü-café. ._
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I'favliín
[Ércules).
Ç:!(
ue a maioria das casas
A cidade não tinha esse núcleo dos Jardins, então as coisas se espalhavam.
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Chico. [.. _] Ele,aglutinava,coin'i,H!sííâçô~';te1
No final dos anüs 70 e início da década seguinte, o Bexigapas süu por novo. processo de mudança. Na rua Treze de Maio, e ape nas residualmente na Santo Antônio, foramii6erros cafés e bare com música ao vivo - ~afé Soçai~e, Piu Piy, falé Aurora, Pedaço, Café Moderno:t;ate Yrasl~ - tem como espaços'*éíe expe -riências de vanguarsa"a - ;EsôacQ l®Mtü, Taverna Büêmi.Çiarbo, no, 149, Persona, Cinec1ube do. Bexiga, Livrada do BexiW ~ (Fie ~ '~'1 Mil ~ '" • nzeram desse bairro boemlO um ocãI' de encontro para artistas intelectuais, poetas marginais, punks, freaks, junkies e roqueiros.
né? O Café propiciou
te.Você podia sentar ~II)..f~rs;!~:",~;:~~-::, de bebidas importad~cules, 40 anos, sócio do, Cafe ,o
nummomersto
permitia e aglutinava uma certa discussão fora da' uníversídadecemo-
pessoa - foi uma inovação na época - , qualquer estudante pudes-
se sentar na mesa e j:Jedir,um café Je não perrmn
.';;-',,-.~'~.<J-:Jç~,,;:~i';~J-)~'~~d '~H.n)~'
t1e 'resisteifêl~, pÔlfÓb:i; lança mento de livros, algumas tentativas dos índependentes. P:~,IHLari'çâtt{êntós rel="nofollow">id Ele foi palco de lançamentos
•••
você tinha o Cineclube, :um:a1liyrariár;•..Istc
tudo, eu acredito, tinha uma importância
maior num momento
eae que osespa
ços políticos dos partidos estavam fechadoaBntão, a,martifc:fsrá~ão;,qtrtf'Sobrav: era não deixar que certos valores, certos.filmes,
ceF,to"S:lliVlrõ&inOlrssemtesqileci
dos. Então aquilo tinha uma força 'muito .grande';porqlle:dnl:raJ"ij,m'dado''Cultu, ral que era um dado político' [;ÉliculesJ(,.
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"C
:,~,,,-
Durante
algum tempo
a Igreja foi o palco da nata da MPB. Maísa, Elis,
Milton chegaram a tocar ali. [...) Com o tempo, com o profissionalismo pessoal, começou a fica~,ag~-.u_a~~§>:mÚ~. Proposta das boates foi termiriando, ~a
desse
Então essa
foram esvaziando. [... ) O pessoal não tinha
alternatiya, depois que saísse de um teatro, de sentar na'mesa de um bare
it~,ªr,,!lt;n chope, porque só tinha as cantinas e PizzEJj,?ã~~
, A "proposta
democrática"
do Café do Bexiga ultraou
,<;::.asanoturna que oferece serviços de restaurante e bar, além de contar Ir5!s', músicos) que se apresentam regularmente. '-·d~ae»e:stabelecimento caracteriza-se por vender bebidas) salgados 'lJçfIl·de fornecer
leite e pão.
um
com artistas e lanches
no
o Cinec1ube do Bexiga, na-ruaTreze de Maio, abriu suas portas em jumêr l1'ê1~o·luga~j§>1il(jie,funci0narauma antiga , laxanderia. Com cadeiras numeradas, ,seus freqüentadores podiarr -'fazer reservas com antecedêaeiacNaante-sala havia um bar que: • vendia bebidas e revistas. No toldo de entrada, desenhos animados experimentais eramprojetados para um público que se aglo- --\; merava na calçada. . A ~iYraria do Bexjwlocalizada na rua .§.antü...AntÔRi2, err frente à esquina com a Treze de Maio, transformou-se no inícic 9.
o Carbono
14, localizado na rua Treze de Maio, surgiu como um espaçopolivalente que englobava atividades nas áreas de artes plásticas, música, dança, vídeo, cinema teatro. Na época da realização da pesquisa já havia fechado.
(
"'-'Ir
''7ícc
de 1982 em ponto de encontro de intelectuais. Idealizada pelo psiquiatra Flávio Gikovate, abria no mesmo horário dos bar§. - a partir das dezoito horas - e so fechava ae madrUjada ("quando sai o último freguês"). ~unclOna~a§aãos e ã~ming~"s,lá podiam ser encontrados desde os clássicos da psicologia e SOCiO-,. logia até os livros de Raineesh e obras de esoterismo. Não raro fechava suas portas com algum retardatário que, ao som de músi7 ca ambiente renascentista, tinha adormecido recostado em almoi fadões colocados entre as estantes. Nessa fase, o público que afluía para o Bexiga tornou-se mais heterogêneo. Se, por um lado, havia um lazer que se ancorava nos cafés, bares com música ao vivo, restaurantes e cantinas, outro tipo de usuário-fez da rua seu ponto de encontro.
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o primeiro
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nãotinha
momento foi o da consolidação dos bares. A rua era tranqüila,
público. Os bares ficavam muito cheios. Num segundo momento, a
rua virou um
hett,ening.
Era uma CRise muito grande, era uma festa [joão
Pedro).
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~:eet~ ~\la. t"~
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Em alguns bares, as janelas ficavam abertas e a música era ouvida do lado de fora, com os mais diferentes sons misturandose. ,Q-,públiconão só se concentrava nas calçadas, formando pontos.de.aglutinação, como também estabelecia um movimento de +,va.~:!J?~;?ge§çer,sms!m~ pessoas e:am a atr~ção; o lmpteer er e ser V1StO. ultos·mmao Bexiga para circular, a p~ e em,peq,uenos,,~pos, pêi~ua. ..-:-Já era outro tipo dege . e,'pÍtbllcofjove de madrugada, ficavam 'Oscar
,-lholeeada, garotada. Tanto é que,
os na rua, aí, tal, bêbados de tanto tomar'
vinho. Compravam o vinho ali em .címa, tomavam tudo e ficavam aí deitados,
t~ t-We
J~ ~\)~t"
entende? [Carioca, 48 anosy.dono do boteco Carioca).
A distribuição dos estabelecimentos nos dois lados da rua' Treze de Maio não era homogênea. Segundo Carioca, havia um "lado nobre", o dos cafés e bares com música ao vivo, de um nível' de 'consumo mais elevado, porém com atendimento impessoal. Do lado de lá é o seguinte: ali é uma outra camada. É como eu digo: ali é o
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a.~~aç&
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Canoca começou com uma barraca na calçada, ao.la~~."qó~~~ Piu Piu, servindo lanches de pernil e batidas com nomes e cOFes bastante originais: "chiclete com banana" (cor-de-rosa e com sabor tutti-frutti), "bananinha azul" e "canelinha". Desde ojní~. cio trabalhou com a mulher e dois filhos. A maioria de se~ ~nha de outras regiões da cidade, notadamente do Ipiranga, ABC, Santo Amare, Santana, Mooca, Carrão e Penha. Ressalto a,característica de centralidade do bairro ("todas as conduções d,~.todos os bairros, vêm desembocar aqui") como propícia par a aglutinação de um público bastante diversificado. Na fase em que o movimento da rua intensificou-se, houve um ~,l;traimentodos freqüentadores mais identificados com o período aterior.
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era um pessoal mais boêmio, de teatro 'ornalistas .Na realidade, era
certa e ite eu tural. Aí o que aconteceu? Começa a sair no jornal, começa .farnoso. Então começa a invadir a praia, né? [Paulinho,.37 anos, perito i~l, morador do Jardim Paulista).
i'7rf.ua Treze de Maio ou por um "apogeu, declínio e aco"aç~o", como disse João Pedro, um dos donos do Café do Em meados dos anos 80, com a expansão das opções ~ de lazer na cidade de São Paulo, o centro velho deixou ,pm importante pólo de atração na medida em que, em ,:iI.irros., surgiram o que se poderia chamar de "novas cenes" (Moema, Pinheiros, Santana, Jardins, Freguesia do Ó, tros), ,~
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DO BEXIGA: NA ESCALA DO PEDESTRE, UM PONTO DE EI'!~9~Jllb",
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única) o tráfego é lento, com os motoristas procurando vaga na rua ou em estacionamentos e constantemente diminuindo a velocidade para grupos de pessoas atravessarem de um lado para outro, Para quem não dispõe de condução própria, o o de ôn'h u met cilitado ela roximida o centro e I a au ista: a pa egar a pe pela rua da Censolação, rua Augusta, avenida Nove de Julho, avenida Brigadeiro Luís Antônio, estações do metrô República ou Anhangabaú, no centro, e Brigadeiro, na Paulista, ar pelo Bexiga é' ar pela Treze de Maio, A chegada, a pé ou de carro, introduz o visitante numa paisagem que mistura o tradicional ao modernovem que se sobressai a fachada do Bar Café Soçaite, com um letreiro' de neon encimado por dois anjos barrocos e, entre eles, quase'iri'di'stinguível, a data de construção do prédio onde funcionou-o antigo'açougue (1903 ou 1905?), O Soçaite fica na basedeumasuave, mas perceptível, elevação da rua Treze de Maio e, por estar construido em terreno de base triangular, sua visão assemelha-se à de um pórtico de entrada 10. Partindo desse ponto, a sensação causada pelas luzes coloridas, suaves e difusas é a de espaço coberto ou protegido. Como observou Walter Benjamin, em estudo sobre o flâneur e as "agens" parisienses de meados do século XIX, o cuidadoso tratamento das fachadas, decoração e iluminação concorre para gerar uma ambigüidade interno/externo ou casa/rua (Kothe, 1985:65). No Bexiga, sons, cheiros, vozes, música, gente que a, tudo está ao alcance dos sentidos: a relação Com os espaços de lazer aco ala do edesl'rt-. Para vai ao Bexiga sem efinição prévia de onde' ficar, - az parte das regras de ocupação desse espaço. subir e desçer a rua, procurar, ouvir os conjuntos que estão tocã'i'iCÍo,pesquisar preços e freqüênCia. Diversos grupos se aglomeram nas calçadas, em rodas de conversa, as pessoas
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10. As discussões que vêm ocorrendo em torno da necessidade de reviralização do bairro abrangem projetos como o do calçadão da Treze de Maio, o do estacionamento subterrâneo na praça Dom Orione e o de um Portal do Bexiga, este último encaminhado à prefeitura durante a gestão [ânio Quadros. Segundo o presidente da Sociedade
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de Defesa das Tradições e Progresso da BelaVista (Sodrepo), WalterTaverna, o por~-.ls..tal teria 7,5 metros de alrura, iluminação própria e gôndolas venezianas, que repre~sentariam a ocupação italiana do bairro. O Bexiga tem um museu próprio, criado e dirigido por Armando Puglisi,
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de. CDn~ 1,11
em pé e encostadas em carros estacionados, 01:1 sentadas.nasperta de estabelecimentos que só funcionam em horário comercíat-êíá quem prefira as mesas colocadas dO ladg de fora dOS bjlVPS§.IiQi;e~ue propicra;, em relação a quem fica nos interioresç-uma maior observação do movimento e da circulação na rua11,Verrde. dores ambulantes também ocupam as calçadas e oferecem desd~ órios como anéis, brincos, pulseiras e botzons até alimentes-e bebidas, A justaposição de estabelecimentos acirra os contrastes. Na medida em que diferentes atores sociais d'rigem-se para a mesma área, em ora não para as mesmas casas noturnas, e chegam a pé ao local escolhido - independentemente de possuírem ou não condução própria -, é inevitável que se encontrem na rua. A experiência da diversftiade de contatos gera reações que vao desde a sensação de W%s..!.flÇ&ç,ão, .•~~~to pela diversificação. ----Você chega lá tem dez mil bares. Antes só tinha dois ou três. Então-você tinha facilidade de estacionamento,
você chegava fácil. Lá não era.essa -eoisa-de
você ter dez bares e o cara vai no primeiro tá cheio, ent:ão ele vai' no segundo. Antes você ia lá, você falava~u.no.-Gafé1>[Uo~gaj:E
a~~'~ue:>a'coilte-
cer Virou um monte de·bare.s,llI Ja)V1ro~'t1,m..shol]Pw.gl~ntedfR.a:üJin,hQ]~1
~
•.~--"!'~~~
,.... .".{"
Então, essa miscigenação, essa mistural.€:qqe;,é fantástica
no' Bexiga. [...[Você
vai pros Jardins é um' pesso~\:.tmâist~ri.Q.Q;,.tí:>d.õ,il~.mhans'ado
'de roupa,
mais estilizado. [...] Então;.Yeja's.ó1~J\:l,eSs;pàli!tlild~~ios,éngomadinhos, Você vai pra Vila Madalena;mmbém;já;há"~mi$túFitlá;,p0Nue
•
•••
hexi,guento,é'=pesse.alrquecurte •
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-•••••• .,...
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glado BeXIga [VlcennIllt 34 artosÚ~t0rrdeJtcwro, mor;ldor d
né?
há uma moça-
da mais jovem que freqüenta, háiuma;~a.1'te1délintelectuais. AJora vem gro Bexigª,i
.
° Bexiga, 9!!rm curte a ener.~$
P·....T$Ç"
do B.exlga].
,
11. Em frente ao Café do Bexiga; as mesas-da calçada são separadas por vasos com folhagens ornamentais que, ao mesmo tempo em que compõem a decoração externa do local, criam ambientes protegidos e dão a sensação de espaço fechado. Além disso, a inovação representada por essa alternativa ajudou a aumentar o consumo no Café: "O
processo de poder colocar mesas na calçada foi ótimo, porque o Café tinha dificuldade de trabalhar no verão. O café tinha uma aura de 'casa quente' [..lfícou com cara de 'bar de inverno'" [Ércules].
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No Bexiga, o adensamento de equipamentos de lazer revela relações de complementaridade (ou troca) e oposição. O ~ate do Bexiga, espaço idealizado como "um-lugar para conversar", atraiu desde o início um público ligado a artes, cultura e política, mantendo uma ambiência de "bar de intelectuais". Foi o primeiro café implantado na região e, diferentemente das boates de MPB, não oferecia música ao vivo. Internamente há dois pisos: no nível da rua, o usuário depara com um salão com janelas amplas e mesas colocadas muito próximas umas das outras; ao fundo, um balcão com bancos altos, espelhos e prateleiras em que ficam em exposição as bebidas. Uma cabine telefônica em estilo inglês completa a decoração, mais uma vez remetendo à ambigüidade interior/extérior. O andar superior é composto por ---' mesas, sendo um dos cantos laterais reservado ao piano lê, No verão é possível ver o céu através de uma clarabóia instalada no teto, havendo também uma varanda 13. O Café do Bexiga mantém uma relação de complementaridade com o Cipeclnbe vepezª Cex-Cjpeç]phe do Be"l'i&ê) e com os teatros d~ua Rui Barbosa.
o
Cineclube
Oscarito, na praça Roosevelt, nasceu dentro do Café. [...) O
Café tem. também um dos primeiros painéis de colocação.de cartazes pra teatro [Ércules).
No circuito da MPB e do jazz, os freqüentadores do Café do Bexiga podem se deslocar para o bar Piu Piu ou então, invertendo o trajeto, depois de um show de música ao vivo, terminar a noite saboreando um café. Essas trocas também podem ocorrer com as demais casas. noturnas que oferecem opções musicais semelhantes (Boca da Noite, Porque Hoje é Sábado, Café Pe-
,
12."[ ... ] muita gente que é freqüentador novo do Café começou a se ressentir do Café não ter música. Nos últimos dois anos colocamos música de câmara, sem amplificação. Então tem um violonista, tem um piano e tem um pessoal do Aquilo Dei Nisso e do Nouvelle Cousine" [Ércules].. 13. A época da realização da pesquisa, o imóvel' vizinho, antes ocupado pelo bar Persona, havia sido comprado e estava sendo reformado. O projeto previa a instalação de uma livraria, a Arte Pau Brasil, com uma agem interna interligando-a ao andar superior do Café do Bexiga. Deveria funcionar no mesmo horário do café, ou seja, a partir das dezoito horas.
_queno). Nesses estabelecimentos, não só hadim~~_iên~ ;~r69 cõffi~a o palco é uma constante. A, -rr~l';llf){jaGn '" s: O~"-lklnclUl lugares como Persona14j"'€ovefJBar g (ex-Qualquer Nota D ho Haaus e Fre'lfaC;O'l'"Ha -e ares que concentram sua programação musica em um>umc'o l=v; ;: gênero - caso dos bares de rock, do Café Aurora (música CQúittr.!y) e do Scubaruba (música caribenha) -; em outros, hã uma oferta mais diversificada, dependendo do dia da semana - no Piu Piu, por exemplo, os estilos variam do jazz, blues, swing, música instrumental brasileira até reggae, jazz funk, lambada, samba, bem IOOmO covers dos Rolling Stones, U2, Pink Floyd e Guns'n Roses; no Café Soçaite ouve-se MPB, choro e samba. Diferindo do padrão dos bares e cafés, ~~anduicheda Baguet~~s, inaugurada em maio ~~vizinha do CaU do BeXiga """'I! dos mesmos proprietários, abre a partir das vinte horas e trinta minutos e caracteriza-se por um estilo de consumo rápido, com lanches compostos de frios que ficam expostos em vitrines à vista do consumidor. Os pedidos são feitos através de fichas-tiradas no caixa. Com balcões laterais e bancos altos, seu espaço central é livre, permitindo um circular constante entre inteliier"e"'rua. Grupos de pessoas concentram-se na calçada emift:ente\Mporta sob a intensa luminosidade que a para 'o lado,,1déi1fotanHá quem prefira ficar em pé, do lado de dentro, obsel.'Y.ãtído,ô·''ffi0vimento externo, com um,C9P,o,.q~,Ii:h:é:p::emJ(~ã~mUitbf:n'à:rrdo'i1m café. O padrão atquitetôniç,o~mats;.~J;a!llltproxi~11",al~â'0sibares mais tradicionais, com amp,las .1l0li,naS\ de-aço, que, são fechadas apenas no final da madrugada, Ã"B,aguette, bem como os b~ e padarias distribuídos ao longo da rua Treze de Maio (Nova Treze, Espaço Alternativo, Fogazza da Mamma, Carioca, Skylab, Boteco do PT, Banana Bêbada, Psiu, Terra Tombada, Skina do Bexiga, entre outros), também funciona como estabelecimento L... apoio para os bares com música ao vivo, proporcionando uma opção de consumo mais rápido e barato de cigarros, lanches e
res
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14. À época da pesquisa, o Persona ocupava um imóvel na calçada oposta à do Café do Bexiga. Anteriormente, havia sido vizinho dele e, não raro, os clientes do Café reclamavam do som alto (rock) e das brigas muito freqüentes. 15. "O projeto da Baguette era um projeto pra gente sair da noite" [Ércules].
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bebidas, principalmente chope, no caso da Baguette, e cerveja, nos botecos"'. Na rua Santo Antônio, além dos bares de MPB (Boca da Noite, Porque !-foje e SabaddJ, há um trajeto gay (Bug Fto~se, ScubãI'nÚã, l"'elllIfI Bár, Segredu's, Skadinha, Sky, Perepepês) que se comunica com o bar e restaurante Ferro's, na rua Martinho Prado, conhecido pela freqüência de mulheres homossexuais, e com outras casas noturnas semelhantes na rua Rui:·Barbosa (Shock, Heaven Up)17. Eduardo, argentino, 52 anos, arquiteto e morador do bairro de Pinheiros, comparou o tipo de lazer oferecido pelo Bexiga à "vivência de rua" característica da cidade de Buenos Aires: Como eu te falei: eu sou produto de uma cultura de rua. Então, há um tipo
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de coisa que eu acho horrorosa
aqui em São Paulo: algumas pessoas que saem,
assim, pra comprar um 'maço de cigarro, o cara pega o carro. E vai de carro na
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casa de fulano. E sai de carro da casa de fulano e vaipra
j
casa de sultano, E a
rua não existe. Em Buenos Aires eu ia me sentar na calçada, com uma toalha
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branca em cima da mesa, e pedir um bife na pimenta. Vem um garçon, todo ves-
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tano e fulano. Acho que, dentro do panorama de' São Paulo, o Bexiga é o lugar
11
mais semelhante.
tido de branco, com borboleta preta, e me 'traz umvinho
francês'. E am sul-
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Para Eduardo, e Bexiga;' como espaço que reúne opções e público heterogênecsu preporcióna a "mistura", o contato Ç,2m gostos ,estéticase,'coFll!ô'ortamentos ue antes se com lementam, numa,elação de tro' , o que se opõem, através de exclusão ou segregaçao. a e nas demais entrevistas, surgiram contrapontos com diferentes manchas de lazer da cidade, ora evocando semelhanças - vila Madalena, Pinheiros, Centro - ora oposições
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16. Na maioria das casas com música ao vivo, a opção fica entre o chope e a meia cerveja. No boteco Carioca) havia a prática de guardar a garrafa de cerveja na geladeira enquanto o cliente circulava pela rua. . 17. A rua Rui Barbosa ou por um processo de ampliação e desapropriações, transformando-se em avenida com várias pistas e canteiro cent,raI.:_Conc~ntra os teatros da região e, ao longo de seu novo traçad lararn-se bares Doates, lambatenas casas ? e r[o. m cuso tráfego viário que a caracterIza, vaI ange o tempo
em que os mora ores do bairro reuniam-se em frente ao cine Rex (arual Teatro Záccaro), conhecido como ponto de encontro de amigos e casais de namorados \ __ (CO,im~~a(1987:32).
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- Jardins, a "prainha" da rua Joaquim Eugênio de Lima ea.avenida Henrique Schaumann. Tem aquele "Ipanema" cantinho Henrique
da Henrique
Schaumann,
por exemplo, tem aquele
da' Joaquim Eugênio de Lima, essa "prainha" Schaumann
que tem ali. Porque a
tá lá em cima e você tá aqui embaixo. Os bares estão lá
em cima e você aqui embaixo. [... ) Aqui no Bexiga é um recanto [Eduardo).
ruas Treze de Maio e Santo Antônio há uma concentração dI! ;qulpamentos de lazer..liga!1~r,.conti~iQãQli.;~Qic1al, POuC2S$mÍQ§!~ntenda-se casas desabitadas e estabeleci~t~~omerciais que funcionam somente durante o dial8. Sendo a infra-estrutura do lazer no Bexiga a do próprio bairro o casario antigo -, a comunicação dos estabelecimentos com a rua é direta, proporcionando, inclusive, a visão dos interiores para quem a na calçada. O contrário ocorre na avenida Henrique Schaumann (no bairro de Pinheiros), outro local de concentração de bares e casas noturnas em São Paulo. Aqui a relação com os espaços de lazer é mais indireta, ando pelo uso do carro: chega-se e olha-se de lon e. É uma "avenidizaçãodelazerêsem I que não á o e espelham c Q Bexi a",9nd lado da rua re ,ete o outro e ,ssi 'a'ssar, 'e.c 'íU'a11ál!Iill gran e aCl) a e: a Henrique SaumanJil'\~ é J:Ul').it'3l«Ü:Üd'â cbm 'tàfiás tfl~, c"a7iteirocentral e trªf&g~(ln.t~~to:tistas reduzem a veloci~a4~;;aplffl!l~'R~r~mtlMt.lp:í;.:gltriºYim:~Qs~bares. Além disso, .é,p,~~il'~iAi.i-», ' riores: daí a alusã,4p:t,ª.ª,J~g,~ lá em cima e vocêaqw ~ijI~~Sl_,., da rua Joaquim EugêJ.!,i~}Ig:~·~~ conhecido por ser um ponte de.eQ.Sl,Q,Ill:!'\> A~C;§~.Jll~'Pt;O-
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18. Entre os estabelecimentos comerciais 'esta~ainfal-~~~í~Qlíaf;ia
tipografia Linoart, uma tapeçaria, os' edificiQs;!i~BA~ Il'~'~:!~"\r,; bearia, uma marcenaria e a agência Solução Propaganda. A.ut
jUntcf,::Tcj~~dfjg,~êo~tifu~~lli::
e oficinas mecânicas funcionam durante a noite ~) pamentos de apoio às atividades de lazer. '" , .j 'i'b li:", ''',. 19. Em meados dos anos 80, a avenida Henrique Schaumann.~vçu~~el!'I'P9gJl.Jli,ofluxo de carros e pedestres era tão grande que, não raro, o trânsíro ~~~~~ ~t ~
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tre~~~ ~"i.&>
,,\1 ximidades estão o prédio da Gazeta, com seus-três cinemas _ Gazeta, Gazetinha e Gazetão -, o curso Objetivo ea faculdade Cásper Líbero) e de pessoas que trabalham em escritórios da região. Também serviu de contrapomo ao Bexiga: embora forme um "cantinho", a "vista" é a da avenida (o "mar" de carros) e os freqüentadores mantêm um comportamento mais reservado. Não é a mesma coisa, as pessoas não são as mesmas. A "paisagem do mar" não é a mesma. A "fauna" que circula não é a mesma. [... ) Cada um tem seu
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domínio fechado. Você olha, você critica e ninguém se aproxima
Outro entrevistado, Paulinho, deixou de freqüentar o Bexiga na época em que a rua tornou-se mais movimentada e aquele "clima intelectual" deu lugar à diversidade de estilos.
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[Eduardo).
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Eu não vou mais lá porque não tem nada a ver. Primeiro pela rua: violência. Muita gente: virou uma prainha igual à Henrique
Schaumann
[Paulinho).
Pauliahovmigrou" para casas noturnas de outras regiões da cidade-e-seusnovos trajetos incluíam os bares Royal e Avenida, em Pinh:e~os".hem'C0n10 a Sanduicheria Baguette e o restaurante Baguette~re'lhados e Massas, localizados no cruzamento da avenida f?'áirtista-~6m a rua.da: €Jonsólação, ambos dos mesmos proprietáriO$i4J;!llI~~êt~~~é7..wgiti'i 1
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Euiv.ou iri0M(gil,(é1\(ip,,'BWQgãl;ílil'!l'i!i;!JIS'iriã
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por ele.. pelos outros bares [Paulinho].
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zantes. A mancha de lazer, por ser uma área cO'n"ttÍgüa(!G~tfi~'e~nt~173 -;:;i centrãção de e Ul amentos e recortada or traietos'iiltêfkô§ll'Yh~ ~ ;: ~ ,co,rn o,Lpor atores s~~iji~~fif2h que interligalll"c~s estabelecimentos e não outros. Cada grupo faz desses espaçoS' o i! p,.~~Wagnani, 1992:19<5':99)-:---·~· -~-~ := . Os trajetos, portanto, não são aleatórios: refletem preferêrróias ';": e exclusões.A relação com os equipamentos ai localizados é marcada por códigos compartilhados pelos usuários: remetem a um modo de vida, uma linguagem, estética corporal e preferências musicais. Configura-se, então, o pedaço, pois, ao mesmo tempo em que se está entre iguais e no local escolhido, há uma contraposição a outros grupos, que perfazem outros trajetos (Magnani, 1992:195). Existe ainda a possibilidade de os usuários "migrarem" de uma mancha para outra, o que reflete a dinâmica maior das mudanças do lazer na cidade. Isso aconteceu com Paulinho, que, ao deixar de freqüentar o Café do Bexiga para reunir-se com os amigos no restaurante Baguette Grelhados e Massas, interligou dois espaços de entretenimento conhecidos dos paulistanos; no seu caso, transformados em marcos de referência para sua biografia pessoal.
"
A
ESQUINA DO LAZER
Uma das esquinas mais tradicionais da cidade de-Sãe-Paulo a da avenida Paulista com a rua da Consolação - extrai sua parcela de popularidade, ao contrário do que seria-esperado, do Jazer e não do trabalho. Na verdade, mesmo como esquina não é muito ortodoxa: a avenida Paulista sofre uma "quebra" e, em parte, segue por um vã020 sob a rua da Consolação (bifurcando-se nas avenidas Dr. Arnaldo e Rebouças), tendo uma estreita e curta pista que desemboca, por fim, na Consolação, porém sem cruzá-Ia, já que há obstáculos formados por respiradouros e correntes naquilo que seria o espaço de travessia. Por obra dessa descontinuidade >-
20. As altas paredes laterais do vão sob a Consolação dos em toda a sua extensão.
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foram cobertas por grafites colori-
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espacial, o pedestre, que obrigatoriamente atravessa essa via por uma agem subterrânea, encontra do lado oposto um cenário urbano algo diferenciado daquele que caracteriza O outro pólo: na esquina poderá ler o nome da avenida Paulista, porém a paisagem agora é composta, em grande parte, por casas, sobrados e praças" em vez de monumentais edificios - signos de modernidade e referenciais externos do capital financeiro. É nessa região que, em termos de opções de lazer, os equipamentos concentram-se e compõem uma mancha, em que são encontrados cinemas, livrarias, restaurantes, cafés, bares, botecos, lanchonetes, casas de jogos e espaços culturais. Alguns desses espaços - principalmente de alimentação durante o dia atendem um público formado por trabalhadores de escritórios e bancos da região. A comunicação com outro núcleo bastante próximo - o cruzamento da avenida Paulista com a rua Augusta - permite um diálogo que se traduz em outras opções de trajetos: entre eles, o Conjunto Nacional, o.Ceneer Três e o Viena, os dois primeiros caracterizando-se como centros comerciais, com lojas, cinemas, lanchonetes, bares e serviços diversos, e o último, um misto de restaurante, ,bar e doceria. Da esquina da rua Augusta até o bairro do Paraíso, no lado oposto da avenida Paulista, outros pontos de concentração de equipamentos de Jazer podem ser observados-": o cruzamento com a rua Joaquim Eugênio de Lima, conhecido como "prainha", em que estão o prédio da Gazeta, o shoppingTop Center (com o cineTop Center), a galeria do cine Gemini, bares,lanchonetes e o McDonald's; o cruzamento com a avenida Brigadeiro Luís Antonio, com o cinePaulistano e o Cartola Club (salão de samba e gafieira); e, por fim, já na altura do Paraíso, um último núcleo, com equipamentos mais dispersos, incluindo o shopping Paulista, o Ponto Chie e, numa transversal, o Café Maravilha, pizzarias e restaurantes. Tomando o metrô ou descendo a rua
2 L Nesse espaço, praça Marechal Cordeiro de Farias, está exposta a obra de arte Caminho, de Lilian Amaral e Jorge Bassani, e, n,a parede lateral de um edifício situado na mesma praça, um mural de autoria de Alfredo Volpi. 22. Há um circuito de Jazer que não é perceptível da avenida, pois composto de espaços internos aos edifícios: auditórios, boates) salões de dança e restaurantes cinco estrelas. é
DINÂMICA DA CIDADE, DINÂMICAS DO LAZER
Nessa paisagem destacam-se o bar Riviera, referência na cidade de São Paulo há mais de quatro décadas; o cinema Belas Artes, agem obrigatória no circuito cinematográfico de arte; a Sanduicheria Baguette, confluência de diversos trajetos possíveis entre esta e outras manchas de lazer; o restaurante Baguette Grelhados e Massas; o bar Metrópolis, conhecido ponto de paquera; e, por fimy.a LiYl'al'ia"B'elasj ~tes, .que.eo.mlllme;,: com o cinema, um consurn@,·çJ;lJ\tlW!'ªI;.\'Ál.;lt.~~!Va'lWatio~~;; ':.1. O bar Riviera já está íiH::órpoltiôo'aó'imagiriário'sobre"a 'cidade de São Paulo COlÍlo/~ímb@19 ,'à'e1:'um;;t'*,\éil!'é:cà\J\mil'tc~da pelo inconformismo político. Temade uma caução -de Sále 'Guarabira - "A gente já era no tempo do' blue Riviera" -,c,enáribd0 filme Besame Mucho, que retratou os anos de repressão da ditadura militar, foi também fonte de inspiração para o cartunista Angeli, que criou personagens como a Rê Bordosa, o Meia Oito e o [uvenal (garçom que trabalhou mais de trinta anos no bar). Do final da década de 40, época em que o paulistano andava de bonde, o Riviera manteve a decoração interior original, sendo que a única modificação que sofreu foi imposta pela dinâmica de expansão da metrópole: a construção da agem Subterrânea que liga os dois lados da rua da Consolação. Os respiradouros 23. A avenida Paulista é uma das vias principais da cidade, ligando a região do Paraíso à rua da Consolação em linha reta. Daí a denominação "eixo". O adjetivo" nucleado" advém do fato de, em algumas de suas transversais, formarem-se regiões .de concentração de estabelecimentos de lazer.
dessa obra encobriram parte da fachada do bar e reduziram a um espaço exíguo o terraço onde são colocadas as mesas externas. O Riviera recebeu esse nome em setembro de 1949, depois que a família Maniscalco, de Marília, comprou e reformou o bar Royal. Segundo Renato Hamilton Maniscalco, filho dos donos, o Riviera daqueles tempos absorvia, predominantemente, o público dos cinemas da região (Majestic, Astor, Ritz e Rio). Em Marília, a família ManiscaJco já trabalhava no ramo dos bares e, quando veio para São Paulo, além do Riviera, abriu uma leiteria-" situada nas proximidades. No início da década de 50, os freqüentadores do Riviera formavam um público homogêneo, de classe média, composto basicamente por famílias. A casa era bem, freqüentada
por. famílias, .aesembargadores,
renda, protn{jtores;,jtiiZes;,m'édiCós;,e.~atdE'é~pital
por fiscais de
tla's Clínicas também. Era
uma ,fr.éctiiêridCU6fí!h1iliá!tl'iê1iht()~6's.tilihiü'n()!j;!iíqi1i sorveres. Quer dizer, era um ambielÍte;q:u:ê'a.fâttí!llfl[~6mlí/Cli~~s'ehYílf/'torrlát·Um sorvete' [Rl!n"âto~$9f«rl{j~~â"6lícHitJ"Riviêb].·
lanche, um chá, um
.. ,;,\.
No. final-dos' anos 50, o..público sofreu Uma 'sensível transformação: as famílias deram lugar aos estudantes. Principalmente Começaram
uma freqüência
de estudantes
a freqüentar a casa justamente
de Direito da São Francisco.
à procura dos juízes, dos promoto-
res, essas pessoas ligadas à área jurídica. E foi até 54. Aí foi evoluindo essa parte de estudantes.
Aí veio já o pessoal do Mackenzie
[Renato).
Na década de 60, o Riviera caracterizou-se como ponto de encontro de estudantes de diferentes tendências políticas. A gente escutava todo esse movimento tinha mesa de comunista, da
UDN
que antecedeu
a revolução. Então
[Renato).
Ao mesmo tempo, havia um público ligado às áreas de cinema, teatro, televisão, música, literatura e artes em geral.
24. "Leiteria, na época, era venda de leite, sorvetes e chocolates",
segundo Renato.
Chico Buarque, Toquinho, Sá e Guarabira, Marílil!.~~Henfil, os irmãos Caruso. O pessoal do canaiS, do canald.l'~l também [Renato).
Durante os anos da repressão, o Riviera e dois ou região, o Joly, onde posteriormente foi aberto o b~r'!k o Ponto 4, hoje Sanduicheria Baguette, sofreram freq4en.t __ . -d·~.,: sões policiais. Fechado o Ponto 4, no local ou a funcf uma loja de lustres-", até que, em 1986, os donos da Bag;;;ltt.~;) . ~1tt4",~-(I~ compraram o ponto e inauguraram uma filial. No imóvel ao lacro. havia o Café Europa, que, em 1988, se transformou no restau~~ri~, te Baguette Grelhados e Massas. A Baguette do Bexiga, que antecedeu em três anos sua filial, abriu um novo caminho no mercado de fase food. O impessoal (ficha, balcão) uniu-se ao artesanal: os sanduíches, feitos com frios e queijos, sempre à vista do consumidor, eram complementados com patês preparados na própria loja. As duas sanduicherias ainda mantêm o estilo original de atendimento e os lanches, inspirados no serviço das "copas" das padarias paulistanas tradicionais, continuam tendo, inclusive, nomes de bairros da cidade (Higienópolis, Ipiranga, AClimação, entre -outrosj ". O mercado de fase food pressupõe produtos feitos em serie, semiprontos, bem como· maior rapidez no atendimento: são tiradas fichas no caixa e o pedido é feito no balcão. atrativo principal é a mercadoria oferecida, e não o espaço enquanto local de convivência. Comparando o Café do Bexiga à Baguette, um de seus donos salientou o caráter de espaço de "agem" desta: "Um é um lugar de estar, outro um lugar de ar". Entretanto, tal como ? Bagt!l@~80Ei91Jexjga. a d" Consolação também se rrrn1!oo Thrmou em ponto de encontro. S u padrão arquitetõnico segue, e gerais, o a ma nz a!cões laterais com bancos altos, caixa na entrada e forte iluminação em seu interior), inovando.por oferecer, no espaço central, mesas altas, com apoio para os:p~s)~o. que ainda sugere "agem" e rapidez. Há um ambiente mais;j,so,r"· •
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25. A rua da Consolação é um conhecido ponto de comércio de material 26."[ ...] nomes dos sanduíches não remetem à casa. Se você pegar o McD~ não-sei-o-quê'. Os nossos sanduíches são uma homenagem à cidade"{,:Bô:í<)~~l~'·
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lado do movimento da rua, no subsolo, ocupado por casais e pessoas em busca de uma permanência mais prolongada.
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Eu acho que esse ponto, falando especificamente
da loja da Consolação,
é
tão importante hoje em São Paulo feito foi a Ipiranga e a São João na década de 60. Eu acho esse ponto epicêntrico
em São Paulo, na frente de cinco salas de
cinema, o melhor cinema de São Paulo, encostado na avenida Paulista, o centro financeiro do país hoje, e um corredor por onde as pessoas am estando no centro e indo para a zona sul. É muita vida. Isto aqui parece um coração que tá pulsando 24 horas. [...) É um lugar onde as pessoas se encontram pra ir pra festas. Quando saem das festas vêm pra cá, pra comer, tomar um cafezinho. Ficou um referencial feito foi o Aeroporto no ado. [...) E a Baguette é um lugar que funciona muito com o movimento da rua, com o movimento de escritórios, com o m'ovimétito
do cltl~tiiá '[JoãQ>pedról.
Na relação de cornplementaridade com outros equipamentos da mesma mancha, a Baguette da Consolação dialoga com o cine Belas An.. e"s.-Jl.Liyraria.Belas..Ar.tes.t::~,61~)Jpª-te..gay_h.Jostmmondo. Sê~b~iSg.LSoE!Pn();to'.,.?31§.i~IBsp.~t;.Ç,~Ro.u.s,t.1,!.dal).~e ..s1,.im~lec". tüãis; Mm cEmo"" .. o's"W'tt'ã'tlos,qi1"e~t"expressam atravé~ estetica que vai do underground ao c· tque. ~~fãC!ã errÍl~te~ í'3'agu~ê'IT-rtfici'Porta;;e espaço gay, fazendo parte. de um trajeto que liga a sanduicheria ao bar Chamego (na rua da Consolação) e à boate Nostromondo (localizada na calçada oposta ao bar Riviera, do mesmo lado da rua). O Chamego, que durante o dia também serve refeições, é, como a Baguette, um espaço marcado pela diversidade, porém corri um perfil mais popular. Logo na entrada [do bar ChamegoJ, próximo ao balcão e pelas calçadas há grupos de populares, na maioria negros, acompanhados
ocasionalmente
de algu- ..
mas mulheres; espalhados pela calçada em frente e também no interior do bar, há diversos grupos homossexuais provenientes
masculinos freqüentadores
Não me agrada ficar me sentindo caça, sabe? Aqui [no restaurante Grelhados e Massas) posso conhecer alguém interessante
...
,
/
Baguett
sem precisar estar n
"vitrine", sabe, exposta, sentada na mesa, e o cara ficar oh, oh ... [M. L.).
Para Paulinho, entrevistado já citado, o Baguette Grelhados, Massas éumespaço em que é possível paquerar e conhecer pes soas, porém essa é a "conseqüência" de estar ali, e não "objetivo" como dizia ser o caso do Metrópolis.
do Nostromondo,
das camadas mais pobres da sociedade; encontram-se,
eventuais grupos de lésbicas, jovens darks - parecidos
Mais afastado da concentração principal de estabelecimentos já na parte final da avenida Paulista (depois da esquina com avenida Angélica), encontra-se outro adensamento em que s destacam o bar Metrópolis, a livraria Kairós, uma barraca d água de coco e o bar punk Fogo Fátuo. O bar Metrópolis não é iFlediatamente visível para quer chega pela rua da Consolação, sendo necessário dobrar a esquin do Riviera e percorrer dois quarteirões. Inicialmente idealizado como um "museu da cerveja" - proje to que cedo foi abandonado -, o Metrópolis começou a funcio nar em junho de 1986, cinco meses depois da Sanduicheri Baguette. Aliás, na época; o imóvel em que seria aberta Baguette quase foi alugado pelos donos do futuro Metrópolis. Se após sua inauguração, ficou·conhecido como "reduto do PMDB" quando a pesquisa foi realizada, era freqüentado, durante a sema na, por executivos, yuppies, publicitários e jornalistas. Nosfinai de semana podia serdefinido como um "bar de paquera", COE um público jovem de classe média. No Metrópolis, há Um "correio elegante" interno, eom osgar çons levando as mensagens -'-"os' "torpé-dinh.'ós"i ~ de 'unúl mes: para outra. M. L., tril'Í.'1!a~'il1iôs;'·\}áfÍcat'ia é,ie-cdhtJFrflstlí:, ,fu'orãddr: da zona N orte, freq'frêfítavá' ess'ê c15âriespbrll.ffi'eám&t1té)pPiHéipal mente por serrtir~se'éot:i9rrà"tIgicrá~Wám' ã:in~i~iítêremql:iêâ:\fegr: éa abordagem. ','.t',·, '\' ,
também;'
com os clientes dó
Você quando vai "premeditado"
para um lugar é um sentido, quando "acon
tece" é diferente. [... ) Se você vai pra "caçar" e não "caça", sei lá, você sai frus
Madame Satã, no Bexiga - garotas com o cabelo pintado ou quase raspado e, já
trado do bar. Agora, quando
na alta madrugada, gangs de marginais e travestis [Magnani ez alii, 1989:24).
interessante,
você vai pra beber e te acontece
ou seja, você conhece uma mulher, é muito
uma cois:
mais prazeroso. [...
"
Quando você vai com o intuito de beber, se divertir e conversar com a moçada,
minha casa, porque algumas coisas estão definidas',n~m1fPl
é o intuito principal. Qualquer coisa que aconteça lá é conseqüência.
interessa. Masnão é nenhum preconceito. Não me ags
Lá [no
Metrópolis} não. Lá é o objetivo [Paulinho].
sas já me agradam, por que eu vou querer outras? [...] E.\ltp'tê> pra ir a algum lugar, né? Se eu leio no jornal "Saiu o Infesmr
Favorecendo a circulação e a visibilidade panorâmica, o espaço interno do Metrópolis é composto por corredores e pisos situados em diferentes níveis.Tal como em outros estabelecimentos já citados, há um andar superior, construído de forma a circundar o piso térreo e que oferece ampla visão do mesmo. Nesse espaço podem ser encontrados, predominantemente, casais de namorados em busca de maior privacidade. M. L. e Paulinho, ambos entrevistados no restaurante Baguette Grelhados e Massas, são habitués desse espaço. No verão, ficam nas mesas colocadas na calçada em frente à porta de entrada, seu ponto de encontro às sextas-feiras. É ali que conversam e se reúnem com os amigos, em meio à movimentação da rua da Consolação - trânsito, buzinas, sirenes, faróis, fumaça -, ao intenso fluxo de pedestres, que caminham quase correndo, e mais' mendigos, meninos de rua, vendedores ambulantes e outros. personagens típicos das.grandes cidades, Pode-se dizer que estão "rodeados de.São .Paulo" .por ,.to.d,o~. 01>; Ja.~os. Como.o re,s,~l'JWf!m~,:S-f!gu.x!*t4icaQQ!imóyelvlz.inho ao da sanduicheria, a contjg\ijºf!~º l,:;S~I\I~~~liP,~Ji:FQl.t;<;,a observação dos grupos e da dinâmica daquele estabelecimento. A sensação de segurança foi a tônica das declarações de M.L. e Paulinho: o facilitado em relação aos locais de trabalho e moradia, proximidade de estacionamentos, privacidade e familiaridade com garçons e donos. Estavam integrados às regras de conduta do lugar e inseriam-se numa particular rede de relações que articulava freqüentadores, trabalhadores e proprietários. M. L., à época da entrevista - fevereiro de 1991 -, residia na zona Norte, porém não só havia morado como trabalhava há muitos anos na região da Paulista. Embora tendo mudado de local de residência, continuou a desfrutar os momentos de lazer naquela área. Pode-se dizer que não saiu do seu pedaço, fruto de longo período de escolhas e identificações sedimentadas. Não moro mais aqui. Mas volto aqui: Não freqüento nenhum lugar perto da
praça Roosevelt, eu leio, pô, acho que não me agrada. Por quê?! das pessoas que estão comigo, gosto de rock, não gosto ... Você.se sabe mais ou menos o que você quer, entendeu? [M. L.].
Esse sentido de ponto de referência mais estável, de'}es'é'a'1tm:;~' criteriosa, compõe o sentimento de ser de um pedaço. 'üil·tfff~ M. L. busca não é a variação, a aventura instável da novidade~;'maS' a possibilidade de fazer parte de uma particular rede de relações e ser reconhecida por seus iguais.
o que
faz parte da 'minha vida, pra mim, o que é legal, não é eu variar, sabe?
:j
":i~ ~',)
Queria estar não sei onde comendo este sanduíche. Pra mim o que me dá pra-
~
zer é estar aqui, comendo sanduíche, conversando com quem eu conheço. [... ) Eu busco estar perto das pessoas que me agradam, que são muito poucas, entende? [...] Pra você entender: se o Baguette mudar de dono e mudar a freqüência)
eu não venho mais aqui. A hora que eu começar
a ver que não tem mais
nada a ver, eu não venho [M. L.],
Observe-se que nem sempre o pertencimento ao pedaço expressa-se na identificação de usuários específicos:estar dentro das regras do lugar já é pertencer à rede. Comparando o Baguette '"GrelrflmOs c lobSsM ao bar Metr6poÍis, M. L. ressaltou o sentimento de anonimato que experimentava quando se dirigia para o segundo local: Eu gosto de me sentir bem nos locais que não são tão impessoais, entendeu? Que eu sou um número lá [no Metrópolis). Aqui eu não sou. [...] Se me-acon-, tecer alguma coisa aqui, alguém me conhece. Aqui eu me sinto mais protegida. Lá eu não me sinto nada. Eu sou zero à esquerda, entendeu? Não conhe§q~r.-",{· çom, não conheço ninguém,
M.L. e Paulinho incluíram o restaurante Baguette.ems cuito de lazer das sextas-feiras, quando lá tomavaItil!l{)6i
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eventualmente, jantavam antes de ir ao bar Avenida?", em Pinheiros, para dançar. Já Edilene, Marcos e Cláudio, outros três entrevistados, incluíram o restaurante Baguette em outro circuito, conferindo a esse espaço um significado de "agem". Edilene, 27 anos, bancária e moradora de Campo Limpo, havia sugerido a um grupo de amigos comemorar um aniversário no Baguette Grelhados e Massas, que, com freqüência, destina seu andar inferior para grupos maiores e faz reservas de mesas com antecedência. No caso dos entrevistados, haviam combinado, primeiramente, jantar e, depois, sair para dançar em alguma lambateria na região de Pinheiros ou ir para um karaokê. Em sua entrevista, Edilene disse trabalhar no Banespa da Consolação e freqüentar eventualmente o restaurante Baguette, não demonstrando ligações expressivascom a rede local. Quando incentivada a falar de outros estabelecimentos da mesma mancha, suas respostas restringiram-se a impressões gerais.
li
Não costumo ir ao Riviera. (...] Acho muito chique lá. Eu acho assim pela
'ti
fachada. É um pessoal, assim, de classe média mais alta. Eu tenho impressão,
.J.. T'
J; T,
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nunca entrei. [...] Do Metrópolis eu não posso te falar nada porque também não conheço. Já ouvi falar, mas nãocortheço
[Edilene].
:~! J! 'ti
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"Então eu falaria mais essa parte aqui da Panamericana,
porque tem oSenzala,
, o Well's Burguer, tem assim um monte de lanchonetes. Então fica mais fácil pra você juntar a turma. [...] De fim de semana eu vou com ela [namorada] pro shopping. Vou com ela proshopping,
vou pro cinema. [.. ;] Daí a gente vai pro
shopping Morumbi ou Iguatemi, porque é mais perto da casa dela. Aí no shopping a gente vê, né? Ou pega um cinema, ou, se estiver com a.rurma, vai pegar um boliche ou vai patinar [Marcos].
Mesmo durante a semana, depois de sair do trabalho e antes de ir para casa, Marcos costumava ar no Shopping Paulista para comprar roupas ou fazer uma refeição. Na área do cruzamento da Paulista com a Consolação, sua freqüência era mais esporádica, privilegiando as áreas de lazer dos sheppings, que oferecem opções diversificadas e complementares. A gente vai em shopping justamente
porque você sai do cinema e já vai
comer [Marcos].
Marcos tinha ido uma única vez ao Metrópolis e o identificava como um ponto de paquera. Comparou o Metrópolis ao Riviera, dizendo ser '0 primeiro um "ambiente jovem", enquanto no segundo pfedominà'lam"boêmt0s~', "casais" e "gente demais idade". Conh ecia a Bágu" , ette do, , ·í <% \Xi"'firà ,'\\,.p. e tomava-a como referência para pen'S~rna fil.i~tfdaCo&Sô1a:ão. ..-.• T ••••
Se, em relaçãoaosbares, não sê mostrou identificada com as opções locais, pareceu percorrer com maior freqüência o trajeto dos cinemas da região, citando, inclusive, um espaço que nem sequer é visível a partir da rua - a sala existente na Secretaria da Cultura. Outro entrevistado, Marcos, 24 anos, morador do Brás, encarregado financeiro de uma empresa japonesa na avenida Paulista, compunha seus programas de lazer com idas a shopping centers e bares da região da praça Panamericana, na zona Oeste.
~.::':~.: ... '
... "
Baguette? Seria mais:;lji~.~onto
de encôntro.rápido,
aquela paquerada mais
rápida, também; Agora, o Metrópolis, não. Você já senta, já fica.já
vai olhando
o pessoal [Marcos].
Comparando a paquera no bar Metrópolis à "paquera motorizada" da rua Augusta, disse: Não faz meu gênero, deixa eu ver, acho que por três motivos: na atual crise,
Talvez porque o pessoal more lá praqueles lados (praça Panamericana].
não tenho como ficar gastando combustível ali; segundo motivo, tô namorando,
Acho que nos Jardins já seria meio dificil, viu? Pelo fato do poder aquisitivo.
não tem como; e, terceiro motivo, que é uma encheção de saco de madrugada.
27, No bar Avenida, dependendo do dia da semana, é possível encontrar uma programação variada que vai das big bands aos anos 60, da salsa ao samba.
coisa e tal, o cano anda, o cara a e te fala assim: "Filho da puta"! PÔ! Daí
[...] Na hora em que pára o trânsito, você acabou de conversar com a garota,
L I:
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acaba ficando nervoso. [...] Então não dá pra uma paquera, assim, mais firme
como no Metrópolis, de você chegar, conversar,trocar
uma idéia, ficar mais
tempo conversando, né? [Marcos].
Cláudio, o terceiro entrevistado daquele grupo, dizia preferir os bares da mancha da Henrique Schaumann, em Pinheiros. Eu gosto de música, música e dança. Então eu procuro lugares assim. E que dê pra conversar também. [".] Quando for pra comer pizza frita, assim, eu vou
Na mancha da Paulista e Consolação, Cláudio nem o Metrópolis nem o Riviera; costumava pas.sar. ou no Jota's (lanchonete próxima da boate Nostrori jantar, preferia as pizzarias Zi Tereza e Michelueéié cinemas, freqüentava o CenterTrês. Para paqueraraê melhor lugar era a praça da fonte, na Cidade Utij:M~I: domingo, durante o dia. Quando indagado sobre oprcrgt_ noturno ideal, respondeu:
muito no Bora-Bora, Pra dançar, uma época eu freqüentava o Cave, uma danceteria que tem lá.quase nl\:.eSquina,ÇQ11;l. Cardeal.Arcoverde engenheiro, moradorde.Campo
·I.ti).Jmo].
••
BEXIGA. RUA 13 DE MAIO. MAI/91.
[Claudio, 26 anos,
Lambada, karaokê e comida farta. Primeiro iria a um 'restaurante; depoispro karaokê; depois, pra terminar a noite, uma lambateria [Cláudio] .
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CONSIDERAÇOES FINAIS
>- REFER~NCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Os programas de lazer observados ou narrados pelos entrevistados remetem, na maior parte das vezes, a uma combinação de estabelecimentos - não necessariamente situados na mesma mancha - que obedece a uma lógica de compatibilidades: ora se alia a segurança e proximidade dos locais de trabalho e moradia ao encontro com os amigos; ora os momentos de fruição da vida aparecem associados à possibilidade de contato com o "diferente" em vez do diálogo preferencial com os "iguais"; ora o importante é variar e, por isso, percorrem-se diversas manchas de lazer da cidade em busca de opções que se complementem; ora é fundamental sentir-se pertencente a uma rede paericeíar, Alguns usuários ressentem-se com as mudal'l,ças;gct>rridasem espaços de lazer com que mantêm uma relação d~fà:fuiliaridade. Quando isso ocorre partem em busca de' outrps-locais que possibilitem recompor uma identidade em' moldes semelhantes. Outros constróem seus circuitos il'l!terligal'ldoestabelecimentos localizados em regiões distanciadasj o que facilita a migração de um ponto para outro em 9!lSc(çiettiarrsformaçõesna dinâmica do lazerda área originahnel1'~~,'es.çol~4~1 (abertura de novos estabelecimeàeos, .mudança ~4~Iil~1DH(3ó~freqüentador, inovações no atendimento e nas op.çÕ'tts'e·o'fé..tie.cidas, entre outros). Assim, as manchas dialogam entre"si'atr~vê~,das práticas dos usuários. Relações diferenciadas com espaços e equipamentos de lazer e suas particulares formas de sociabilidadec- remetem àquilo que pode ser apontado como uma das características da cidade: a diversidade cultural interna ao meio urbano. Não se trata de uma diversidade caótica: há uma ordenação, porém não há "o" padrão urbano, mas uma multiplicidade de padrões. É esta heterogeneidade que faz do espaço urbano contexto proficuo para a pesquisa antropológica: a diversidade, questão fundante da antropologia, está muito perto de nós, está na cidade em que vivemos.
. 'CARDOSO, Ruth (org.) (1986). A Aventura Antropológica. Rio de Janeiro, Paz,
1
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CO!~~;Maria C. C.-(i987; Nos;a S;~~~';Ãchir~pic;;;:o Be~iga: Religiosa doCatolicismo Popular na Cidade de São Paulo (dissertação de rnes·•.•.·~'~.trado) __usP. • --_ •..' •. KOTHE, Flávi;;(f985).Wa/ter Benjamin. São Paulo, Ática. MAGNANI, José Guilherme C. (1984). Festa no Pedaço. São Paulo, Brasiliense. (1992). "Da Periferia ao Centro: Pedaços e Trajetos". R"";ista d. Antropologia, São Paulo, 35. , MAGNANI, José Guilherme. C.; TORRES, Lilian de L. & FRÚGOU JR., Heitor (1989). Pedaços e Trajetos: Formas de Lazer e Sociabilidade na Metrópol, (comunicação apresentada no XIII Encontro Anual da ANPOCS). Caxambu OLIVEN, RÚben,G.·~(WB!ii~;.:4A'ntropologia'de Grupos Urbanos. Rio de Janeiro Vozes, _,';', :-";·~.~·f~~f~:~j;,~, ~_ . SANTÓS, eát.Ii1S;N:;iF{:a~~l~~~~~)Of~ê
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