Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A. Núñez de Balboa, 56 28001 Madrid
© 2005 Diana Palmer. Todos os direitos reservados. ANTES DO AMANHECER, N.º 170 - Janeiro 2013. Título original: Before Sunrise. Publicada originalmente por HQN Books. Publicado em português em 2008.
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV. Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência. ™ ® Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV. ® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.
I.S.B.N.: 978-84-687-2523-9 Editor responsável: Luis Pugni
Conversão ebook: MT Color & Diseño www.mtcolor.es
Dedicatoria
Para Doris Hunter Samson (14 de Junho de 1941 - 13 de Junho de 2004), a minha amiga
Um
Knoxville, Tennessee, Maio de 1994
Havia muita gente presente, porém, ele chamava a atenção. Era mais alto do que a maioria dos espectadores e tinha um aspecto elegante, com o seu fato caro e colete cinzento. Tinha um rosto bronzeado e fino, levemente marcado por cicatrizes, uns grandes olhos pretos e amendoados e pestanas curtas. A sua boca era larga e os seus lábios eram finos. O seu queixo era obstinado e proeminente. O seu cabelo era denso e preto, apanhado com um rabo-de-cavalo que lhe caía pelas costas, quase até à cintura. Alguns homens sentados nos degraus tinham o mesmo penteado. Contudo, eram brancos. Cortez era comanche. Havia por detrás daquele penteado tão pouco convencional um ado ancestral. Parecia sensual, selvagem e até um pouco ameaçador. Outro homem com rabo-de-cavalo, um homem ruivo com entradas e uns óculos enormes, sorriu e fez-lhe o sinal da vitória. Cortez encolheu os ombros com indiferença e concentrou a sua atenção na cerimónia de fim de curso. Estava ali contra a sua vontade e não lhe apetecia mostrar-se cordial. Se não se tivesse deixado levar pelos seus impulsos, ainda estaria em Washington, a rever os casos que tinha de levar a tribunal. O decano da universidade ia recitando os nomes dos finalistas. Chegara à letra «k» e, segundo o programa, Phoebe Margaret Keller era o segundo nome daquela letra. Estava um bonito dia de Primavera na Universidade do Tennessee em Knoxville, por isso a cerimónia teve lugar ao ar livre. Phoebe era fácil de distinguir pela longa trança loira sobre as costas da sua túnica preta quando recebeu o diploma com uma mão, enquanto com a outra apertava a do decano. ou à frente do palco e arranjou o chapéu. Cortez conseguia ver o seu sorriso de onde estava. Conhecera Phoebe um ano antes, enquanto investigava um caso de contaminação ambiental em Charleston, na Carolina do Sul. Phoebe, como
estudante de Antropologia, ajudara-o a localizar um despejo ilegal de resíduos tóxicos. Na altura, Cortez achara-a pouco atraente, com a sua aparência um pouco masculina, porém, com o tempo, ela conquistara-o. Ele prometera ir assistir à cerimónia de fim de curso e ali estava. No entanto, a diferença de idades continuava a ser enorme: ele tinha trinta e seis anos e ela apenas vinte e três. Cortez conhecia Derrie, a tia de Phoebe, por ter trabalhado com ela no caso de contaminação de Kane Lombard. Se precisasse de uma razão para ir à cerimónia, Phoebe era filha do irmão mais velho de Derrie, e ele era quase um amigo da família. O decano continuou a recitar num tom monótono e os finalistas foram, um atrás do outro, receber o respectivo diploma. A cerimónia foi breve e os gritos de júbilo e as felicitações ecoaram no ar do Tennessee. Cortez, que já não chamava a atenção entre a buliçosa multidão que se aproximava dos finalistas, ficou à parte, a observar. Os seus olhos pretos entreabriram-se quando teve uma ideia: Phoebe não gostava das multidões. Era, como ele, uma solitária. Se tentasse encontrar a sua tia Derrie, fá-lo-ia longe da multidão. Assim, Cortez começou a procurar caminhos alternativos para ir para o estacionamento. Alguns minutos depois, encontrou-a a caminhar por um dos lados do edifício. Ia a refilar com a longa túnica, que quase fazia com que perdesse o equilíbrio, e resmungando em voz baixa sobre as pessoas não saberem tirar medidas. – Vejo que continuas a falar sozinha – disse, encostando-se contra a parede com os braços cruzados sobre o peito. Phoebe levantou o olhar e viu-o. Surpreendida, a alegria invadiu o seu rosto de traços regulares com uma luminosidade que deixou Cortez sem fôlego. Os seus olhos azuis, muito claros, brilharam e a sua boca abriu-se numa exclamação. – Cortez! – exclamou. Parecia disposta a atirar-se nos seus braços e ele sorriu com indulgência, afastouse da parede e abriu os braços. Phoebe abraçou-o sem hesitar e apertou-se contra ele, enquanto Cortez a abraçava com força.
– Vieste – murmurou alegremente. – Disse-te que vinha – recordou e, sentindo o seu entusiasmo incontrolável, desatou a rir-se. Levantou o queixo de Phoebe para olhar para ela. – Vejo que quatro anos de trabalho árduo finalmente deram fruto. – Sim. Já sou licenciada – disse, sorrindo. – E com um diploma para o provar – disse. O seu olhar pousou nos lábios rosados e suaves de Phoebe e escureceu de repente. Desejava aproximar-se dela e beijá-la, contudo, havia muitas razões para não o fazer. Tinha a mão apoiada sobre o seu braço e, tentando lutar contra os seus instintos, começou a apertá-la. Ela afastou-se um pouco. – Estás a magoar-me – protestou suavemente. – Desculpa – Cortez soltou-a com um sorriso. – O treino em Quântico não perdoa – acrescentou num tom ligeiro, referindo-se ao seu trabalho no FBI. – Então não me dás um beijo, eh? – brincou com um suspiro, enquanto olhava para ele. Ele entreabriu os olhos, divertido. – És licenciada em Antropologia. Diz-me porque é que não vou beijar-te – desafiou-a. – Os nativos americanos – começou a dizer com orgulho, – sobretudo os homens, raramente mostram os seus sentimentos em público. Beijar-me em público parecer-te-ia de tão mau gosto como despires-te à frente de uma multidão. O olhar de Cortez suavizou-se enquanto contemplava a sua cara. – Os teus professores fizeram um bom trabalho. Ela suspirou. – Demasiado bom. De que vai servir-me em Charleston? Vou acabar a dar
aulas... – Não, nada disso – respondeu. – Uma das razões por que vim foi para te falar de um emprego. Os olhos de Phoebe iluminaram-se. – Um emprego? – Sim, em Washington – acrescentou Cortez. – Estás interessada? – Claro! – um movimento chamou a sua atenção. – Olha, a tia Derrie está ali! – exclamou e chamou a sua tia. – Tia Derrie! Olha! Sou licenciada. Tenho provas! – levantou o seu diploma enquanto corria para abraçar a sua tia. Depois, apertou a mão ao senador Clayton Seymour, que durante anos fora o chefe da sua tia, antes de se tornar seu noivo. – Estamos muito felizes por ti – disse Derrie calorosamente. – Olá, Cortez! – sorriu. – Já conheces Clayton? – Pessoalmente não – disse Cortez, apertando-lhe a mão. Os lábios firmes de Clayton esboçaram um sorriso. – O meu cunhado, Kane Lombard, falou-me muito de ti. A minha irmã Nikki e ele queriam vir, mas os seus gémeos portaram-se mal. Kane não vai esquecer o que fizeste por ele. Vai estar sempre em dívida para contigo. – Eu só fiz o meu trabalho – recordou Cortez. – O que aconteceu a Haralson? – perguntou Derrie com curiosidade, referindo-se ao responsável pelo despejo de resíduos tóxicos e ao homem que pa em perigo o lugar de Clayton no Congresso e o negócio de Kane. – Apanhou vinte anos – respondeu Cortez, enquanto punha as mãos nos bolsos e com um sorriso frio. – Gosto mais da fase de instrução de alguns casos do que de outros. – Da fase de instrução? – perguntou Derrie. – Mas no ano ado disseste que trabalhavas para a CIA.
– Trabalhei para a CIA e para o FBI durante algum tempo – respondeu. – Mas estou a trabalhar para o Ministério Público há alguns anos. – Então como é que apanhaste os responsáveis pelo despejo dos resíduos tóxicos? – insistiu. – Foi uma questão de sorte, suponho – respondeu. – Isso significa que está farto de falar neste assunto – murmurou Phoebe com ironia. – Desiste, tia Derrie – Clayton lançou um olhar curioso a Phoebe, que ela recebeu com um sorriso. – Cortez e eu somos amigos – disse. – Podes agradecer ao seu instinto por ter salvado o teu cargo. – Claro que sim – respondeu Clayton, relaxando. – Grande confusão – acrescentou, olhando para Derrie com afecto. Ela sorriu. – Se vais ar a noite na cidade, adoraríamos que jantasses connosco – disse a Cortez. – Vamos levar Phoebe a celebrar. – Oxalá tivesse tempo – disse calmamente. – Mas tenho de voltar esta noite. – Claro. Bom, então vemo-nos em Washington – disse Derrie, espantada com as poderosas vibrações que sentia entre a sua sobrinha e Cortez. – Tenho de falar com Phoebe sobre uma coisa – disse, virando-se para Derrie e Clayton. – Preciso que a deixem comigo por uma hora ou assim. – Está bem – disse Derrie. – Vamos ao hotel beber um café, comer uma fatia de bolo e descansar até às seis horas. Depois vamos buscar-te para jantar, Phoebe. – Obrigada – disse. – Ah, a túnica! – tirou-a e deu-a à sua tia. – Espera, Phoebe! Os licenciados de honra não foram convidados para um almoço em casa do decano? – perguntou Derrie. Phoebe nem hesitou. – Não vão sentir a minha falta – disse e despediu-se, acenando, enquanto se ia embora com Cortez. – Para além de tudo, acabaste o curso com uma excelente média – comentou, ao
mesmo tempo que atravessavam novamente a multidão em direcção ao seu carro alugado. – Porque será que não estou surpreendido? – A antropologia é a minha vida – disse com simplicidade e parou para felicitar uma amiga. Sentia-se tão feliz que quase flutuava. – Belo toque, Phoebe – murmurou o acompanhante da rapariga, olhando com ironia para Cortez. – Trazeres os trabalhos de Antropologia para a cerimónia. – Bill! – exclamou a rapariga. Phoebe teve de abafar um risinho. Cortez não sorriu. Porém, também não se irritou e apenas dedicou um olhar severo a Phoebe. – Desculpa – murmurou. – É um dia um pouco louco. Ele encolheu os ombros. – Não é preciso pedires desculpa. Lembro-me de como são estas festas. – Tu estudaste Direito, não foi? – Cortez assentiu. – A tua família foi à tua cerimónia de fim de curso? – perguntou com curiosidade. Cortez não respondeu. Foi um desprezo intencional e talvez Phoebe devesse terse sentido envergonhada, porém, nunca se inibia com ele. – Fiz asneira outra vez – disse. – E eu que pensava que estava curada. Cortez riu-se com desinteresse. – Continuas tão incorrigível como me recordo. – Surpreende-me que te tenhas lembrado de mim e que tenhas vindo até aqui – disse. – Não pude enviar-te um convite – acrescentou timidamente, – porque não tinha a tua morada e também não esperava que viesses. No ano ado só ámos uma ou duas horas juntos. – Mas foram memoráveis. Eu não gosto muito das mulheres no geral – disse quando chegaram ao carro. Cortez virou-se e olhou para ela com solenidade. – De facto – acrescentou, – eu não gosto muito de conviver com as pessoas.
Ela levantou as sobrancelhas. – Então porque é que vieste? Ele pôs as mãos nos bolsos. – Porque gosto de ti – disse. – E não quero gostar. – Ena! Muitíssimo obrigada! – replicou, exasperada. Cortez olhou para ela. – Eu gosto que as relações sejam sinceras. – Nós temos uma relação? – perguntou. – Não tinha reparado. Cortez fez uma careta. – Se tivéssemos, saberias – disse com suavidade. – Mas vim porque te prometi. Para além disso, a oferta de trabalho é a sério. Embora não seja muito ortodoxa – acrescentou. – Então, não vais pedir-me para tratar dos arquivos do Smithsonian? Que desilusão! Cortez riu-se. – És muito engraçada – abriu a porta do acompanhante com uma paciência exagerada. – Irrito-te mesmo, não é verdade? – perguntou, enquanto entrava no carro. – A maioria das pessoas tem o bom senso de não falar nas minhas origens – respondeu Cortez depois de entrar no carro. – Porquê? – perguntou. – Tens muita sorte de viver numa época em que se valorizam as raízes étnicas sem cair em estereótipos. – Pois! Phoebe levantou as mãos.
– Está bem, está bem, não é verdade, mas tens de reconhecer que as coisas estão melhores agora do que há noventa anos. Cortez ligou o carro e afastou-se do eio. Conduzia como parecia fazer tudo o resto: sem esforço. Colocou a mão no bolso do casaco e fez uma careta. – Estás à procura de alguma coisa? – perguntou. – Cigarros – disse com tristeza. – Tinha-me esquecido de que deixei de fumar. – Os teus pulmões e os meus agradecem o teu sacrifício. – Os meus pulmões não falam. – Os meus falam – replicou com petulância. – E dizem «não fumes, não fumes...». Cortez sorriu levemente. – És mesmo venenosa, não és? – comentou. – Nunca conheci ninguém assim. – Sim, bom, isso é porque sofres de uma incapacidade sensorial por ares tanto tempo com o nariz nos livros das leis. Coisas insípidas e aborrecidas. – As leis não são aborrecidas – repôs Cortez. – Isso depende do lado em que estiveres – Phoebe franziu o sobrolho. – Esse trabalho de que queres falar-me não tem nada que ver com assuntos judiciais, pois não? Porque só tive uma cadeira de Direito e poucas horas de História, mas... – Não preciso de um estagiário – respondeu. – Então precisas de quê? – Não ias trabalhar para mim – explicou Cortez. – Tenho os com um grupo que luta pelo poder das tribos nativas americanas. Mas já têm advogados. Pensei que, com os teus estudos de antropologia, podias ser uma grande ajuda. Puxei alguns cordelinhos para conseguir uma entrevista para ti. – Parece-me que te esqueceste de uma coisa. Eu estudei Antropologia Física. Os
ossos. Cortez olhou para ela. – Não trabalharias nisso. Phoebe olhou pela janela. – O que faria então? – É um trabalho de escritório – reconheceu. – Mas é bom. – Agradeço-te que tenhas pensado em mim – disse com cuidado. – Mas não posso renunciar ao trabalho de campo. Foi por isso que solicitei um lugar no departamento de antropologia do Smithsonian. Cortez ficou calado. – Tens ideia do que nós, indígenas, pensamos sobre a arqueologia? Nós não gostamos que escavem os nossos lugares sagrados, nem que desenterrem os nossos anteados, por muito velhos que sejam. – Acabei de me licenciar – recordou-lhe. – Claro que sei disso. Mas a arqueologia não consiste apenas em desenterrar esqueletos. Cortez parou num semáforo e virou-se para olhar para ela. O seu olhar era frio. – Mas mesmo assim queres conseguir um trabalho a fazer uma coisa muito parecida a saquear túmulos. Ela ficou boquiaberta. – Não se trata de saquear túmulos, pelo amor de Deus! Cortez levantou uma mão. – Podemos estar de acordo em discordar, Phoebe – disse. – Não vais fazer com que mude de ideias, nem eu a ti. Tenho pena de que não queiras ir à entrevista. Serias uma grande ajuda. Ela acalmou-se um pouco.
– Obrigada por me recomendares, mas não quero um trabalho de escritório. Além disso, talvez volte a estudar dentro de alguns meses, depois de digerir os últimos quatro anos. Foram quatro anos muito atarefados. – Sim, eu lembro-me. – Porque é que me recomendaste para o trabalho? Deve haver imensa gente que adoraria consegui-lo. Pessoas mais qualificadas do que eu. Cortez virou a cabeça e olhou para ela directamente nos olhos. Havia mais qualquer coisa que não estava disposto a dizer-lhe. – Talvez me sinta sozinho – disse. – Não há muita gente que se atreva a aproximar-se de mim. – Qual é o problema? Também não gostas que se aproximem de ti – disse. Phoebe analisou o seu perfil sério. Havia novas rugas no seu rosto, rugas que Phoebe não vira no ano anterior, apesar de terem ado pouco tempo juntos. – Ou a-se mais alguma coisa? Cortez levantou as sobrancelhas. – Como o quê? – perguntou, cortante. Phoebe ignorou a sua altivez. – Alguma coisa que não tem nada que ver com o trabalho – prosseguiu Phoebe, pensando em voz alta. – É qualquer coisa pessoal... – Esquece – disse. – Convidei-te para falar sobre um emprego, não sobre a minha vida privada. – Ah, não queres falar sobre a tua vida privada. Que interessante – olhou fixamente para ele. – Não será uma mulher? – Tu és a única mulher da minha vida. Ela desatou a rir-se inesperadamente.
– Essa é boa. – A sério. Não tenho aventuras casuais, nem relações estáveis – olhou para ela um instante e depois voltou a olhar em frente. – Contigo poderia abrir uma excepção, mas não te iludas. Tenho de pensar na minha reputação. Phoebe sorriu. – Vou ter isso em conta. Cortez parou o carro no estacionamento do restaurante de um hotel famoso e desligou o motor. – Espero que tenhas fome. Hoje não tomei o pequeno-almoço. – Eu também não. Por causa dos nervos – acrescentou. Cortez conduziu-a para o interior do restaurante, que àquela hora estava quase vazio, e sentaram-se junto à janela. Quando acabaram de ver o menu e pediram, ele recostou-se na sua cadeira e observou Phoebe do outro lado da mesa com interesse, sem dizer nada. – Tenho alguma coisa na cara? – perguntou Phoebe. Ele desatou a rir-se. – Não. Estava a pensar em como és jovem. – Nos dias de hoje ninguém é assim tão jovem – disse. Inclinou-se para a frente, apoiando o queixo nas mãos, e olhou para ele. – Não resistas – brincou. – Talvez nunca voltes a encontrar alguém que faça com que te sintas tão desconfortável. – Isso é bom? – perguntou, surpreendido. – Claro que sim. Tu vives no teu próprio mundo. Não sentes nada porque, para ti, os sentimentos são uma espécie de fraqueza. Alguma coisa deve ter-te feito muito mal quando eras mais jovem. – Não sejas bisbilhoteira – disse num tom de advertência. – Se ar muito tempo contigo, vou bisbilhotar muito – informou-o.
Cortez considerou a sua resposta. No que dizia respeito a Phoebe, tinha sérias dúvidas. Ela não era daquelas pessoas que se conformavam com uma relação superficial. Gostava de ir até ao fundo. Ele também era assim, contudo, fora seriamente magoado uma vez, graças a uma mulher que gostava dele por ele ser uma raridade. – Já fui uma peça para exibição – disse com calma. – Percebes? Phoebe viu o brilho fugaz de dor no seu olhar e assentiu lentamente. – Sim, entendo. Ela queria mostrar o seu indígena a todos os seus amigos? – o queixo de Cortez ficou tenso e alguma coisa ameaçadora brilhou nos seus olhos. – Foi o que eu pensei – murmurou Phoebe, atenta às mudanças subtis na expressão dele. – Pelo menos ela gostava de ti? – Duvido muito. – E descobriste tudo à frente de toda a gente, sem dúvida – ele inclinou a cabeça. – Lamento – disse Phoebe. – A vida tem momentos dolorosos. – Tu já viveste algum? – perguntou sem rodeios. – Assim não – reconheceu Phoebe, enquanto brincava com o seu garfo. – Costumo ser tímida com os homens. Para além disso, os rapazes da minha turma viam-me como uma deles. Escavar não é uma actividade muito sensual. – Pareceste-me muito bonita com as botas cheias de lama e aquele casaco demasiado grande para ti. Phoebe olhou para ele, zangada. – Não comeces. Os olhos pretos de Cortez deslizaram pelo seu vestido. Aquele vestido não deixava ver nada. Tinha gola alta e mangas compridas e franzidas nos pulsos. Chegava-lhe até aos tornozelos e usava uns sapatos muito elegantes. Tinha o cabelo loiro apanhado numa trança que lhe caía pelas costas. Maquilhara-se levemente e tinha uma fina linha de sardas no nariz. – Sei que não sou bonita – disse. – E que tenho corpo de rapaz.
Cortez sorriu. – Ainda és assim tão ingénua para acreditares que o físico é importante? – Não é preciso ser muito esperta para perceber que as raparigas bonitas são as únicas que chamam a atenção. – À primeira vista – disse. Phoebe suspirou. – Há poucos rapazes que gostam de ar uma noite a ouvir histórias emocionantes sobre a descoberta de uma jarra partida e partes de um cachimbo índio. – Do Mississípi – disse, recordando a sua conversa do ano anterior. Phoebe sorriu. – Sim! Ainda te lembras! O seu entusiasmo fez com que Cortez sorrisse. – Tirei alguns cursos de Antropologia Cultural – confessou. – Não de Antropologia Física – acrescentou com ênfase. – Como vês, a antropologia não é o meu forte. – Não foi o que me disseste em Charleston – replicou. – Não esperava voltar a ver-te – respondeu Cortez. Nem sequer planeara assistir à sua cerimónia de fim de curso. Nem sabia se ia arrepender-se de ter ido ou não. Os seus olhos escuros observaram Phoebe. – A vida é cheia de surpresas. Ela olhou para ele nos olhos e sentiu o seu coração a acelerar. Olhou para ele nos olhos e sentiu-se mais perto dele do que alguma vez se sentira de alguém. A empregada serviu-lhes as saladas, seguidas de bifes com legumes, e comeram em silêncio até chegarem à sobremesa e ao café. – Não tens medo de nada, pois não? – perguntou Cortez, enquanto acabava a sua segunda chávena de café. – Nunca te magoaram a sério.
– Estive apaixonada por um rapaz muito bonito da minha turma de Introdução à Antropologia – respondeu Phoebe. – E ele acabou por se apaixonar por um rapaz muito bonito de História da Civilização Ocidental. Cortez desatou a rir-se. – Pobre Phoebe. – Costumam acontecer-me coisas assim – confessou. – Não sou muito feminina. Gosto de andar com calças de ganga e camisolas largas e de desenterrar antiguidades. – Uma mulher pode ser como quiser. Para ser feminina não é preciso usar saias e comportar-se como um ser indefeso. Agora já não. – Achas que alguma vez foi preciso? – perguntou com curiosidade. – Repara em mulheres como Isabel I de Inglaterra ou Isabel, a Católica, que viveram como quiseram e governaram nações inteiras no século XVI. – Eram excepções – recordou-lhe. – Pelo contrário, nas culturas indígenas da América do Norte, as mulheres podiam ter propriedades e era frequente assistirem ao conselho quando as diversas tribos deliberavam a respeito de questões relativas à paz ou à guerra. A nossa sociedade foi sempre uma sociedade matriarcal. – Eu sei. Sou licenciada em Antropologia. – Já tinha reparado. Phoebe riu-se e ou os seus dedos pela beira da chávena de café. – Podemos encontrar-nos em Washington se conseguir arranjar emprego no Smithsonian? – Suponho que sim – respondeu Cortez. – Mas não sei se é boa ideia. – Porquê? És perseguido por espiões estrangeiros ou algo do género e tens de estar sempre alerta e à espera de ser atacado? Ele sorriu.
– Não acredito – disse, recostando-se na cadeira. – Embora tenha alguma experiência em trabalhos de espionagem. – Não duvido – Phoebe observou os seus olhos. – É caro viver em Washington? – Não, se não viveres com grandes luxos. Posso mostrar-te onde podes arranjar um apartamento ou podes partilhar casa com alguém. Ela manteve o olhar fixo no café. – Isso é um convite? Cortez hesitou. – Não. Phoebe sorriu. – Estava a brincar. Os dedos de Cortez fecharam-se em torno dos seus, fazendo com que Phoebe se arrepiasse. – Cada coisa a seu tempo – disse com firmeza. – Vais perceber que não sou muito impulsivo. Gosto de pensar bem nas coisas antes de agir. – Suponho que isso é uma virtude quando se está no FBI e estão a disparar sobre ti – disse, assentindo com a cabeça. Cortez soltou-lhe a mão, rindo-se. – Meu Deus, Phoebe. Dizes com cada coisa! – Desculpa, fugiu-me. Prometo que vou comportar-me. Ele abanou a cabeça. – Nunca vou esquecer a primeira coisa que me disseste – acrescentou. – «Tens incisivos em forma de pá?» – Chega! – gemeu Phoebe.
Cortez agarrou na sua longa trança e deu-lhe um puxão. Os seus olhos pretos desafiaram-na. – Odeio quando apanhas o cabelo assim. Gostava de lhe tocar. – Percebo-te perfeitamente – murmurou, olhando para o rabo-de-cavalo de Cortez. Ele sorriu. – Temos de soltar o cabelo juntos um dia – disse. – E comparar o tamanho. – O teu é muito mais comprido do que o meu – comentou. Imaginou-o solto, tal como o vira quando, no ano anterior, tinham tentado localizar os responsáveis pelo despejo dos resíduos tóxicos. Lembrava-se de estar com ele à beira do rio, a beijarem-se num arrebatamento febril cuja intensidade não parecia diminuir. Se não tivessem sido interrompidos, podia ter acontecido alguma coisa. Corou ao recordar o toque do cabelo de Cortez nos últimos minutos que aram juntos, enquanto a apertara contra a sua figura robusta. – Não vás por aí – disse Cortez, olhando para o seu relógio de ouro. – Tenho de ir apanhar o avião. Phoebe pigarreou e tentou disfarçar a sua confusão. Ele fingiu não perceber. Acabaram de comer e Cortez levou-a de volta para o hotel onde Clayton e Derrie estavam alojados. Estacionou à porta do hotel, debaixo de uma árvore, e virou-se para ela. A sua diferença de estaturas notava-se ainda mais quando estavam sentados no carro. A cabeça de Phoebe mal lhe chegava ao queixo. Aquilo excitava-o e não sabia porquê. – Tenho o meu próprio quarto – disse Phoebe sem levantar o olhar. – E Derrie e Clayton ainda não devem ter voltado. – Não vou entrar – respondeu com firmeza. – Não tenho muito tempo. – Oxalá pudesses ficar para jantar connosco – comentou. – Deixei um caso urgente para vir aqui. Foi muito difícil tirar um dia livre.
– Na verdade não sei nada de ti – disse com franqueza. – Disseste que eras do FBI quando estiveste em Charleston e depois disseste a Derrie que eras da CIA e agora dizes que trabalhas para o Ministério Publico. Tens muitos segredos. – Sim, mas não costumo mentir – disse. – Ter-te-ia contado mais coisas se tivesses ficado mais tempo. Mas não era necessário, porque não ias ficar e ambos sabíamos disso. Vim aqui contra o meu bom senso, Phoebe. Sou demasiado velho e estou demasiado cansado para uma mulher da tua idade. Tu ainda não chegaste à etapa dos beijos com língua e eu já ei há muito tempo a fase do cortejo. Ela sentiu-se a corar, no entanto, olhou fixamente para ele nos olhos. – Por outras palavras, se pudesses ficar mais tempo, acabarias por querer ir para a cama comigo. Os olhos pretos de Cortez deslizaram lentamente pela sua cara. – Já quero ir para a cama contigo – disse. – Não há nada que deseje mais. Por isso vou apanhar o avião e voltar para Washington. Ela não sabia muito bem como se sentia. Observou-o atentamente. – Podias perguntar – disse. – Perguntar o quê? – Se eu gostaria de ir para a cama contigo – disse. – Talvez eu não queira ouvir a resposta. Phoebe observou o seu rosto. – Qualquer mulher te servia? Cortez acariciou-lhe a face. – Sou antiquado – disse suavemente. – Eu não gosto de jogos. Houve poucas mulheres na minha vida. Todas significaram alguma coisa para mim e a maioria ainda fala bastante bem de mim.
Phoebe suspirou e sorriu com um olhar triste. – Oxalá pudesses ficar – disse com franqueza. – Mas não quero que te sintas culpado. Obrigada por teres vindo – acrescentou. – Foste muito amável. Ele olhou para ela com ânsia e esperou que ela não reparasse. – É uma sorte que tenha princípios tão firmes – disse. – As nossas culturas não se misturam facilmente, Phoebe. São demasiado diferentes. Estudaste Antropologia durante anos. Conheces as razões tão bem como eu. – Meu Deus, não estou a pedir-te em casamento! – exclamou, irritada. – Ainda bem – disse. – Porque sou casado com o meu trabalho. Mas, se alguma vez te apetecer ter um amante, estou disponível. Ela olhou para ele, furiosa. – Muito obrigada. – Era só uma ideia – respondeu, pensativo. – De qualquer forma, podes considerar-me um amigo, se alguma vez precisares de um. Washington é uma cidade muito grande e interessante. Estarei muito perto se alguma vez te meteres em alguma confusão. Phoebe observou o seu rosto sério e viu maturidade. De perto, Cortez era irresistível e ela nunca desejara nada como desejava, naquele momento, que aquele homem fizesse parte da sua vida. Contudo, estavam num beco sem saída, tal como no ano anterior. Entre eles havia um conflito de princípios, não só de culturas, e a questão da sua diferença de idades complicava ainda mais as coisas. Porém, Cortez era tão sexy... Phoebe sorriu enquanto percorria o seu rosto com o olhar. Ele arqueou o sobrolho. – Se continuares a olhar assim para mim, vais arrepender-te – brincou. Ela encolheu os ombros.
– Promessas, promessas... Ele tocou-lhe na ponta do nariz com o dedo indicador. – Se alguma vez te fizer uma, cumpri-la-ei. Parabéns. Estou orgulhoso de ti. Ela suspirou. – Obrigada por teres vindo. Significa muito para mim – olhou para ele e sorriu com melancolia. – Odeio os locais públicos. Ele agarrou na sua longa e grossa trança e, puxando-a, atraiu-a para si até que, com a cabeça apoiada no banco, o rosto de Phoebe ficou encostado ao dele. – Estamos num local público – murmurou contra a sua boca. Ela mal conseguiu sobrepor-se à sensação daqueles lábios quentes e duros a tocarem nos seus antes de Cortez se afastar e a soltar. Assim que se afastou, arrependeu-se do seu erro. Não quisera beijá-la. Fizera aquela viagem contra o seu bom senso, porém, já não podia voltar atrás. Ela olhou para ele como um gato de olhos azuis. – Estás a pensar em quê? – perguntou Cortez. – Já está? – perguntou provocantemente. – É só isso? – Desculpa? – perguntou. Phoebe suspirou e tocou-lhe suavemente no queixo com os dedos. – Não posso evitar comparar este pequeno beijinho com o beijo incontrolável e apaixonado que me deste no ano ado, na margem do rio – disse com descaramento. Cortez observou-a. – Isso foi no ano ado. As coisas eram menos complicadas na altura. Ela levantou as sobrancelhas.
– Ah, sim? – insistiu. Ele eou o seu dedo indicador pela orelha dela. – Tenho um irmão, Isaac – disse. – É catorze anos mais novo do que eu. É mais ou menos da tua idade. Os meus pais e eu conseguimos que acabasse o bacharelato, mas depois teve vários problemas com a justiça. Agora tem um problema com uma mulher. A minha mãe tem problemas de coração e o meu pai e eu receamos que esta situação a mate. Phoebe teve pena dele, contudo, sentiu-se lisonjeada por ter sido tão sincero com ela a respeito de um assunto tão pessoal. – Eu gostava de ter irmãos – comentou. – Mesmo que tivessem problemas. Cortez sorriu. – Sei que o teu pai morreu. E a tua mãe? – Morreu de cancro quando eu tinha oito anos – disse. – O meu pai voltou a casar-se e, seis anos depois, morreu no Líbano, num ataque ao quartel. A minha madrasta voltou a casar-se. Há anos que não a vejo. Os meus avós e a tia Derrie são a única família que me resta. Cortez franziu o sobrolho. Phoebe não estava a pedir a sua compaixão. Porém, Cortez sentiu pena dela. Amava a sua família e faria qualquer coisa por eles. – Meu Deus, não queria falar nisto! – exclamou, rindo-se, envergonhada. Olhou para ele, arqueando o sobrolho. – Apetece-te entrar e fazer amor comigo de forma selvagem no tapete e sem preservativo? Nos olhos dele brilhou uma faísca de humor. Phoebe era surpreendente. – Olha – insistiu, – uma vez ouvi uma rapariga a dizer que, se se usasse plástico... Cortez levantou uma mão. – Pára! – exclamou com firmeza, tentando conter o riso. – Não penso usar plástico como contraceptivo.
Ela suspirou teatralmente. – O que vai ser de mim? – perguntou. – Condenas-me ao ridículo quando tiver de preencher a ficha para arranjar emprego. Cortez inclinou-se para ela. – O quê? – Há sempre um quadradinho onde diz «sexo» e, como sou uma pessoa honesta, vou ter de pôr que não tenho, porque o único homem que desejo se recusa a cooperar. Cortez desatou a rir-se, abanando a cabeça. – Sai daqui! – inclinou-se sobre ela para lhe abrir a porta. Phoebe ficou apertada contra ele, com a boca a poucos centímetros da sua, porque não se mexeu, como Cortez esperava. Tão perto, ela conseguia ver a íris preta dos seus olhos e sentiu o aroma a menta do seu hálito contra os lábios entreabertos. Tocou com os dedos, suavemente, no seu pescoço. Estavam gelados. – Neste último semestre saí com três rapazes – disse. – Tinha de me esforçar para lhes dar um beijo de boas noites. – Estás a tentar dizer-me alguma coisa? O seu olhar dizia tudo. – Com os outros não sinto nada. – Querida, és muito jovem – disse num tom suave e terno, enquanto lhe tocava levemente nos lábios carnudos. Nem sequer tinha consciência da ternura com que falava. O seu rosto tinha uma expressão séria. – Um dia vais encontrar alguém. – Já encontrei, mas vai-se sempre embora – resmungou. – Tenho trabalho – recordou-lhe. Inclinou-se para a sua boca e roçou-a com a
sua, muito suavemente. Entre eles havia uma espécie de energia eléctrica. – E imensos casos pendentes. Não te menti. – Aposto que nunca tens férias – sussurrou contra os seus lábios, desesperada. – É raro – Cortez mordeu-lhe o lábio inferior e depois ou a língua pelo seu interior. De repente, o coração dele acelerou e sentiu o seu corpo a reagir com urgência. Sem se aperceber, colocou os dedos entre o cabelo dela e levantou-lhe a cara para ele. – Isto não é boa ideia – resmungou, porém, a sua boca já estava sobre os lábios abertos dela, beijando-a de uma forma que fazia com que vibrasse. Ela abraçou-o, esquecendo-se de que qualquer pessoa poderia vê-los. Estavam numa zona resguardada do estacionamento e este estava deserto. Contudo, se não tivesse estado, teria sido indiferente. Phoebe sentia-se a arder. Cortez gemeu, enquanto ela o beijava com a boca aberta, e introduziu a língua entre os seus dentes. As suas mãos grandes deslizaram pelas costas de Phoebe, até aos seus seios firmes e suaves. Envolveu-os com as mãos e começou a acariciar meigamente os seus mamilos até que endureceram. Ela tremeu. Ele levantou a cabeça e os seus olhares encontraram-se. O olhar de Phoebe reflectia a ânsia que sentia. Contraiu as mãos e viu que as pupilas de Phoebe se dilatavam enquanto o prazer fazia com que tremesse novamente. – Se fosses mais velha... – disse com esforço. – Isso não interessa porque tu também te sentes atraído por mim – murmurou, abraçando-se com mais força ao seu pescoço. – Fugirias como um gato escaldado antes de ires para a cama comigo, Jeremiah – murmurou, trémula. – Porque, da noite para o dia, ficarias preso. – Tu também – disse, espantado com a sua perspicácia. O som do seu primeiro nome nos lábios de Phoebe parecia-lhe estranhamente íntimo, tal como a forma como ela o abraçava. – Eu sei – disse com aspereza. Puxou-o para si e beijou-o com a ânsia que
acumulara durante um ano inteiro, desfrutando do modo como ele respondia ao seu beijo, com avidez e intensidade. No entanto, um instante depois, ele agarrou-a pelos braços e afastou-a. Levantou a cabeça e o seu olhar pareceu distante. – Neste momento tenho tantos problemas pessoais que não tenho tempo para isto – disse com voz profunda e lenta. – Não posso pensar em ti. – Mas queres – disse, desafiante. Os olhos dele brilharam. – Sim – respondeu. – Quero – aquela confissão mudou a atitude de Phoebe que, de repente, sorriu, espantada. – Mas primeiro tenho de tratar dos meus assuntos – acrescentou. Respirou fundo para se acalmar e olhou com desejo para a boca suave de Phoebe. Delineou a sua forma com o seu longo dedo indicador. – Talvez as coisas já estejam resolvidas no Natal. Tu vais para casa de Derrie, em Charleston? – Sim – respondeu com um sorriso radiante por não irem despedir-se para sempre. – Pensa na minha oferta de trabalho, está bem? Posso pedir mais informação e enviar tudo por correio. Qual é a tua morada? Distraída, ela remexeu na sua mala e tirou um caderno e uma caneta. Anotou apressadamente a morada da sua tia Derrie em Washington, onde vivia e trabalhava para o senador Seymour, excepto nas férias, e a sua morada em Charleston. – Acho que vou ficar uma temporada em casa da tia Derrie em Charleston, até saber o que vou fazer. – O emprego que estou a oferecer-te é muito bem pago – disse com um sorriso. – Para além disso, podia ver-te com frequência, porque trabalho como voluntário para eles e o muito tempo nos seus escritórios. Os olhos de Phoebe iluminaram-se, cheios de esperança.
– Isso é que é um incentivo. Ele desatou a rir-se. – Eu estava a pensar o mesmo – hesitou, olhando para ela. – As pessoas não são o meu forte – disse depois. – Tenho dificuldade em relacionar-me com os outros. E tu és muito exigente. – Tu também – replicou Phoebe. Ele fez uma careta. – Suponho que sim. – Não quero pressionar-te. Não estou a pedir-te nada – disse com calma. Cortez acariciou-lhe a face com os nós dos dedos. – Eu sei. Phoebe observou-o atentamente. – Soube como eras assim que te vi. Não entendo como. – Às vezes, é melhor não tentar entender as coisas – disse Cortez. – A sério, tenho de me ir embora – inclinou-se e beijou-a com uma ternura arrebatadora, brincando com a sua boca até que Phoebe se levantou para ele e gemeu suavemente, abraçando-se ao seu pescoço com força. Ele inclinou-se e apertou-a contra o seu peito, deixando escapar um gemido. Ela sentiu o seu corpo a palpitar de desejo enquanto se beijavam, até que pensou que não ia conseguir aguentar mais. Ele levantou a cabeça, contrariado. Porém, então soltou-a bruscamente e afastou-se. Parecia tão perturbado como ela. – Já temos muitas coisas em comum. Certamente encontraremos mais. Pelo menos não desconheces por completo os costumes e os rituais indígenas. Ela sorriu. – Estudei muito.
Ele suspirou. – Está bem. Vamos ver o que acontece. Vou escrever-te quando voltar para Washington. Não esperes cartas longas. Não tenho tempo. – Está bem – disse. Ele tocou-lhe no queixo com o polegar. – Tinhas razão numa coisa – disse inesperadamente. – Em quê? – Disseste que, se não viesse à tua cerimónia, me arrependeria para o resto da minha vida – recordou com um sorriso. – E ter-me-ia arrependido. Os dedos de Phoebe deslizaram sobre a sua boca e tremeram ao sentir o seu toque. – Eu também – disse, com o coração apertado enquanto olhava para ele. Ele inclinou-se e beijou-a uma última vez antes de esticar o braço para lhe abrir a porta. – Eu escrevo-te. Phoebe saiu e olhou para ele, inclinando a cabeça. – Eu também – fechou a porta e olhou para dentro do carro. – Espero que os teus problemas se resolvam depressa – acrescentou. – Vão resolver-se, de uma forma ou de outra – respondeu. Observou-a, desesperado, com um pressentimento aterrador. O seu pai, os seus tios e os seus anteados curandeiros teriam visto aquela intuição como um dom. Para ele, era um problema. O seu olhar era tão explícito que Phoebe perguntou: – O que se a? Ele remexeu-se no banco.
– Nada – mentiu, tentando ignorar aquela sensação. – Estava só a pensar. Cuidate, Phoebe. – Tu também. Diverti-me muito. Ele sorriu. – Eu também. Isto não é um adeus – acrescentou, ao ver a sua expressão desolada. – Eu sei – porém, sentia-se inquieta e não entendia porquê. Lançou-lhe um último olhar. Os seus olhos eram escuros, sombrios e pareciam cheios de desconfiança. Antes que ela pudesse perguntar porque estava a olhar assim para ela, ele fechou a janela. Acenou e arrancou. Phoebe ficou a olhar para o carro até o perder de vista. Ainda sentia o toque dos seus lábios na boca, e o seu corpo, cheio de sensações novas, pulsava dolorosamente. Maravilhada e atordoada pela emoção, virou-se e regressou lentamente ao hotel. Naquele momento, o futuro parecia-lhe luminoso e prometedor.
Dois
Três anos depois
O pequeno Museu Índio de Chenocetah, na Carolina do Norte, estava muito movimentado para um sábado. Phoebe sorriu a um grupo de meninos que ou pelo hall. Dois deles iam aos empurrões e a professora chamou-os à atenção, sorrindo a Phoebe. – Não se preocupe – disse Phoebe em voz baixa. – Tudo o que pode partir-se está atrás de uma montra. A professora desatou a rir-se e continuou o seu caminho. Phoebe olhou para o cartaz onde algumas palavras no dialecto cherokee apareciam traduzidas para inglês. A tradução não era muito exacta, contudo, era melhor do que o letreiro anterior. O museu chegara a um tal estado de abandono que as autoridades do condado tinham considerado encerrá-lo. No entanto, Phoebe encarregara-se da sua direcção e dera nova vida ao projecto. Na parte de cima do letreiro, figurava o nome da vila, Chenocetah, e a sua tradução: De onde tudo se vê. «É mesmo verdade», pensou, recordando as altas e majestosas montanhas que rodeavam a pequena vila. Phoebe acabara a sua pós-graduação em Antropologia, estudando à distância e ando algumas semanas obrigatórias na faculdade durante o Verão. Tinhamlhe confiado a direcção do museu de Chenocetah com a condição de que, entretanto, concluísse os seus estudos. Em Chenocetah, a poucos minutos de Cherokee, na Carolina do Norte, a terra era um bem escasso. A reserva índia de Yonah, um pequeno terreno índio, chegava quase até à tabuleta que assinalava os limites de Chenocetah.
Nos arredores da vila montanhesa, onde havia mais hotéis por metro quadrado do que em Myrtle Beach, na Carolina do Sul, três empresas de construção competiam por inaugurar vários complexos hoteleiros. Uma delas estava a construir um hotel temático ao estilo de Las Vegas. Os outros dois eram complexos turísticos luxuosos, que incluíam rotas para conhecer a vida selvagem. Tinham a atracção acrescentada de se encontrarem de costas para uma montanha que, sem dúvida, atrairia os apreciadores de espeleologia. Dois membros da Câmara Municipal tinham protestado veementemente devido ao impacto ecológico negativo daqueles projectos, porém, os outros três e o presidente da Câmara tinham votado a seu favor. Só os impostos pelo consumo de água iam encher o cofre municipal, para não falar dos visitantes que iam atrair para uma zona já orientada para o turismo. Phoebe, como os dois vereadores rebeldes, pensara no custo de aumentar o sistema de despejo de águas residuais e o de abastecimento hidráulico para satisfazer os pedidos dos novos hotéis. Estes estavam tão perto do museu cherokee de Chenocetah que iam certamente afectar a pressão da água do museu, que já era escassa para o seu gosto, tendo em conta a quantidade de visitantes que recebiam. Outro inconveniente seria o barulho que acompanharia o aumento do trânsito na vila. Comentara aquela possibilidade com um dos ajudantes do xerife, que tentava seduzi-la constantemente. Ela não respondia aos seus avanços. Ultimamente, qualquer homem que usasse um distintivo enojava-a. – Precisas de sorrir mais – murmurou, com ironia, a sua companheira, Marie Locklear, ao aproximar-se dela. Marie era meio cherokee e estudara na Universidade de Duke. Era a gestora económica do museu e um dos seus mais valiosos membros. – Sorrio quando estou sozinha – confessou Phoebe. – Não gosto de incomodar o pessoal. – O meu primo, Drake Stewart, vem almoçar cá outra vez – disse Marie, referindo-se ao ajudante do xerife que patrulhava aquela zona. – Disse-lhe para nos trazer aquelas saladas de frango picante daquele novo restaurante de comida rápida – acrescentou. – Está louco por ti. Phoebe fez uma careta.
– Estou farta dos homens. – Drake tem trinta anos e é lindo – recordou-lhe Marie. – E tem sangue cherokee – acrescentou. – Se não fosse meu primo, eu própria me casava com ele. – Também é ajudante do xerife. – É verdade. Esqueci-me de que não gostas nada das forças da lei. Phoebe entrou no seu escritório seguida de Marie. – Não gosto nada dos homens e ponto final – respondeu. – Porquê? Phoebe ignorou a pergunta. Desenterrar o ado era demasiado doloroso. – Podemos arranjar o buraco do estacionamento? – perguntou. – Estamos a receber queixas. – Se acabarmos de arranjar o telhado, sim – respondeu Marie com desinteresse. – Outro buraco, não! – resmungou Phoebe. – Onde é? – Na casa de banho dos homens – respondeu Marie. – Há uma poça em frente aos lavatórios. Phoebe sentou-se à sua mesa e apoiou a cabeça entre as mãos. – E já estamos em Novembro. Vai começar a nevar e o telhado vai cair sob o peso da neve. Porque é que aceitei este trabalho? Porquê? – Porque mais ninguém o queria? Phoebe desatou a rir-se. Marie era incorrigível. Sorriu à rapariga, um pouco mais jovem do que ela. – Não, foi porque mais ninguém me queria a mim – disse. – Não acredito. Licenciaste-te entre os melhores da tua turma e fizeste o doutoramento em tempo recorde – disse Marie. – Li o teu currículo –
acrescentou, ao ver o olhar de surpresa de Phoebe. – A formação académica não é tudo – replicou Phoebe. – Sim, mas tu especializaste-te em Antropologia Física – respondeu Marie. – Deve haver muitos empregos num campo tão específico. – Não havia nenhum quando precisei – disse com calma, aproximando-se de um armário. – Queria afastar-me da minha família, de tudo. Aqui não conheço ninguém. Aqui é pouco provável que encontre... – ia dizer «Cortez», porém, mordeu a língua. Marie apoiou-se na mesa e pôs o seu cabelo longo, denso e liso para trás. – Sei que não gostas de falar disso – disse, – mas acho que agora estás melhor, não estás? Phoebe assentiu. – Sim, acho que já o superei. – Vais superá-lo quando fores a correr para o carro de Drake, lhe deres um beijo e lhe suplicares que te convide para sair – disse Marie com um sorriso malicioso. Phoebe olhou para ela. – Pelo que me disseste, Drake tem uma namorada em cada esquina – disse. – Adora as mulheres de todas as formas, idades e tamanhos, e elas adoram-no. Não quero um homem tão usado. Marie ficou espantada. Phoebe desatou a rir-se ao aperceber-se do que dissera. – Bom, hipoteticamente falando – murmurou, corando. – E não te atrevas a dizer a Drake que disse isto. Marie tocou no seu peito. – Achas que eu faria isso? – Tenho a certeza – respondeu Phoebe. – Volta para o trabalho. Arranja-me uma forma de reparar o telhado e o buraco e de colocar tudo no orçamento deste ano
fiscal. – Podíamos ir à reserva de Yonah falar com Fred Fourkiller, o curandeiro – respondeu Marie. – Talvez consiga convencer a câmara a aumentar-nos o orçamento. Phoebe lembrou-se de Cortez, que descendia de uma longa linha de curandeiros. Apoiou involuntariamente a mão na gaveta da sua mesa e abriu-a. – Talvez tenhamos de tentar fazer isso se mais nada funcionar – disse, virando-se para o seu computador. – É melhor começar a tratar desta papelada antes que os miúdos comecem a chegar – acrescentou. – Temos outro autocarro às onze horas, de um liceu – olhou para Marie melancolicamente. – Quando cheguei aqui, tínhamos sorte se tivéssemos dois turistas por mês. Agora vêm autocarros carregados de crianças todas as semanas. – Muita gente daqui tem sangue cherokee. Como estamos tão perto da reserva... – recordou-lhe Marie com um sorriso. – Querem conhecer as suas origens, portanto os alunos de História gostam de vir aqui. – E deixam muito dinheiro, como todos os livros de história local que vendemos na loja de lembranças – teve de itir Phoebe. – Mas oxalá tivéssemos um patrocinador. – Ainda é cedo – disse Marie com um sorriso. – Vou trabalhar. Saiu, fechando a porta. Harriett White, a única ajudante de Phoebe, estava a mostrar a exposição aos meninos. Era viúva e tinha cinquenta anos. Fora professora de História na Universidade de Duke, contudo, não queria voltar a trabalhar a tempo inteiro. Pedira trabalho no museu sem muitas expectativas de ser aceite e Phoebe telefonou-lhe assim que leu a sua candidatura. Ao princípio, não conseguia entender porque é que alguém com a formação de Harriett queria um cargo de ajudante, no entanto, descobriu que Harriett queria um trabalho pouco exigente que lhe permitisse dedicar-se ao campo de estudo que adorava. Aquela mulher acabara por se mostrar uma trabalhadora incansável e uma colaboradora imprescindível.
Phoebe hesitou um instante antes de abrir a gaveta e tirar um pequeno círculo no qual estava pendurada uma pena, porém, não era uma pena de águia, ou ter-se-ia metido numa confusão. Era um presente estranho. Cortez enviara-o por correio na semana a seguir à cerimónia de fim de curso. Chegara acompanhado de uma das duas únicas cartas que recebera dele. A carta continha aquele amuleto, embrulhado em pele, com a pena presa e uma folha de erva de búfalo no meio. Cortez dissera-lhe na carta que o seu pai queria que ela tivesse aquele amuleto e que o usasse sempre. Ela não era supersticiosa, contudo, aquele amuleto era um bem muito prezado na família de Cortez. Phoebe nunca se separava dele. Ao seu lado, havia outra carta, muito fina, com o seu nome e morada rabiscados com a mesma letra que a carta do amuleto. Mesmo três anos depois, Phoebe ainda lhe tocava como se fosse um objecto venenoso. Obrigou-se a tirar o breve recorte de jornal que continha, pois o envelope não trazia mais nada, e a olhar para ele. Aquilo recordava-lhe que não devia ficar sentimental quando pensava em Cortez. Leu apenas o cabeçalho: Jeremiah Cortez casa-se com Mary Baker. Não havia nenhuma fotografia do casal feliz, apenas os seus nomes e a data do casamento. Phoebe nunca ia esquecer o momento em que o recebera, apenas três semanas depois da cerimónia. Voltou a guardar o recorte no envelope, tentando espantar a angústia que sentia desde o dia em que o recebera. Guardava sempre o recorte com o amuleto, para se lembrar de que não devia pensar com muita nostalgia naquele breve romance. No entanto, continuara solteira. Não quisera voltar a arriscar-se. Entregara o seu coração em vão. Nunca compreenderia porque é que Cortez lhe dera esperanças para depois lhe enviar um recorte de jornal sobre o seu casamento. Nem sequer um bilhete, uma desculpa, uma explicação. Nada. Ter-lhe-ia escrito, mesmo que fosse apenas para lhe perguntar porque não lhe dissera que estava noivo. Contudo, a segunda carta não tinha remetente e, o que era pior ainda, a carta que lhe escrevera depois de ter recebido o amuleto fora devolvida por abrir por não encontrar o destinatário. Phoebe ficara destruída. Completamente destruída. Depois daquilo, o seu carácter risonho e optimista eclipsara-se. Ninguém que a tivesse conhecido há
três anos a reconheceria. Cortara o cabelo, adoptara um estilo formal e vestia-se como uma senhora. Parecia a directora de um museu. E era. Às vezes conseguia ar um dia inteiro sem pensar em Jeremiah Cortez. No entanto, aquele não era um deles. Guardou o envelope na gaveta e fechou-a com firmeza. Tinha um bom trabalho e o futuro assegurado. Na pequena casa onde vivia, tinha um cão de guarda. Não saía com ninguém. Não tinha vida social, excepto quando a convidavam para algum acontecimento institucional para angariar recursos para o pequeno museu. Infelizmente, os políticos que iam àquelas reuniões tinham pouco dinheiro para oferecer, apesar do bom estado da economia. Talvez isso se devesse ao facto de o seu pequeno museu não ter presença mediática suficiente para oferecer em troca dos recursos de que precisava. Conseguiam algum dinheiro através de doações privadas, porém, a maioria dos seus patrocinadores não era rica. O museu mal conseguia sobreviver. Phoebe recostou-se na cadeira e eou o olhar pelo escritório, tão despojado de objectos pessoais como a sua pequena casa. Já não coleccionava coisas. Na parede, havia uma mandala que um membro da tribo Pássaro da vila cherokee lhe oferecera e uma zarabatana feita pelo pai de um miúdo do sexto ano. Sorriu ao olhar para ela. As pessoas ficavam sempre surpreendidas quando descobriam que os cherokees tinham usado zarabatanas para caçar no ado. No geral, ficavam ainda mais surpreendidas quando descobriam que viviam em casas e não usavam penachos, nem tangas, nem pinturas rituais, a não ser que estivessem a recrear o histórico Caminho das Lágrimas na sua festa anual, «Nestas colinas», na reserva índia de Quallah, não muito longe de Cherokee, na Carolina do Norte. As pessoas tinham ideias estranhas a respeito dos nativos americanos.
O telefone tocou enquanto Phoebe estava ainda a responder aos seus e-mails. Atendeu, distraída. – Museu Cherokee de Chenocetah – disse amavelmente. – É a menina Keller? – perguntou uma voz de homem.
– Sim – respondeu, não tirando a sua atenção do ecrã do computador. O homem parecia nervoso. – O que posso fazer por si? Houve uma hesitação. – Consegue calcular a data de uma morte pelos seus resíduos orgânicos, não consegue? A sua fundação não tem um pequeno orçamento para essas coisas? – Bom, sim, embora também possamos calcular a data através dos troncos das árvores... – Refiro-me a restos humanos – acrescentou. – Tenho um crânio... Um esqueleto inteiro, de facto. Tem uma pátina muito grossa e está numa gruta com instrumentos líticos paleoíndios, pontas de lanças Folsom se não me engano... Há duas figuras humanas que, sem dúvida, datam do período Hopewell... O crânio tem uma cavidade cerebral bastante grande e cavidades nasais largas. A dentição indica... Bom, o crânio indica uma possível origem Neandertal. Phoebe deixou escapar um gemido de surpresa. Agarrou no telefone com força. – A sério? Nunca se encontrou nada com mais de dez ou doze mil anos e foi no Tennessee, não na Carolina do Norte. Simplesmente, não há restos de Neandertais na América do Norte! – Tem razão. Mas eu... encontrei qualquer coisa – disse. – Acho que... acho que os encontrei. Ela endireitou-se na cadeira. – Isto é uma brincadeira? – perguntou friamente. – Porque se for... – Compreendo que esteja desconfiada. Não a censuro – ele fez uma pausa. – Sou especialista em antropologia e estou a visitar esta zona. Sei o que estou a dizer. Não é uma fraude. Mas... estão a escondê-los – acrescentou precipitadamente, sussurrando. – Disseram-me que, se isto se soubesse, me matavam! São capazes de qualquer coisa para que o projecto siga em frente. Se o divulgarmos, terão de suspender as obras indefinidamente enquanto fazem as escavações. Naturalmente, isso também significaria publicidade a escala nacional! – Quem? – perguntou. – Onde é que são as grutas? E quem é você?
– Não posso dizer-lhe. Voltarei a telefonar-lhe quando puder. Estão a vigiar-me! – Phoebe ouviu barulho do outro lado da linha e uma porta a abrir-se. Ao fundo, ouviu a voz estridente de uma mulher, embora abafada. Phoebe pensou que o homem tinha posto a mão sobre o telefone. – Sim, estava... a falar com a minha filha. Sim, com a minha filha. Já vou! – exclamou à outra pessoa. Depois voltou a dirigir-se a ela. – Falamos depois. Adeus – disse a Phoebe. Ouviu-se um barulho repentino e a chamada caiu. Phoebe carregou na tecla de rechamada para saber o número de onde o homem telefonara, porém, fora bloqueado na origem. Apertou os dentes e desligou. Talvez fosse apenas uma fraude, disse para si. Já houvera algumas «descobertas» semelhantes, entre elas, a descoberta na Califórnia de restos humanos que, diziase, eram anteriores ao período Cromagnon. Aqueles presumíveis restos Neandertais tinham sido datados por um dos mais famosos antropólogos do mundo. Contudo, a datação fora incerta e muitos estudiosos tinham-na rejeitado. Houvera um caso parecido no Novo México, onde se tinham atribuído trinta e cinco mil anos de antiguidade a uns restos ósseos encontrados numa gruta. No entanto, os ossos tinham desaparecido misteriosamente antes que pudessem ser cientificamente avaliados. Nunca se conseguiria provar se aqueles casos eram fraudes ou não. A nova controvérsia arqueológica girava em torno do Homem de Kennewick, um esqueleto encontrado na Califórnia e que, segundo se dizia, pertencia ao período paleoíndio, porém, aparentemente não tinha traços predominantemente indígenas norte-americanos. Aquela polémica estava ainda por ser explicada. Talvez o homem que lhe telefonara fosse apenas um louco com muito tempo livre, pensou Phoebe. Porém, parecera sincero e assustado. Phoebe repreendeu-se por ser tão ingénua. Aquilo não era nada e estava a exagerar. Virou-se para o ecrã do computador e continuou com as suas tarefas.
A porta abriu-se de repente e um homem alto e musculado, com um tom de pele cor de azeitona, cabelo preto e curto e olhos escuros e brilhantes espreitou. – Almoço! – exclamou.
Phoebe desviou o olhar do computador e sorriu ao ajudante do xerife. – Olá, Drake. Marie disse que vinhas trazer o almoço. Obrigada! – Não tens de agradecer. Eu também tenho fome, menina Keller, e às vezes tenho de comer a correr – disse, arrastando as palavras enquanto entrava no escritório com dois recipientes de comida. – Por isso, a minha comida está no carro. Recebi uma chamada. Trouxe isto para Marie e para ti. Ela carregou num botão do seu telefone. – Marie, Drake trouxe o almoço. – Já vou – respondeu Marie alegremente. – Pelo menos alguém está feliz por me ver, embora seja a minha prima – comentou com uma desilusão fingida. – Pareces preocupada. – Estou – disse Phoebe, enquanto desligava o computador. Levantou o olhar, inquieta. – Recebi um telefonema há algumas horas. Talvez fosse um louco. Mas parecia assustado. O sorriso de Drake desapareceu e aproximou-se dela. – O que é que queria? – Disse-me qualquer coisa sobre uns restos humanos que podiam ser do período Neandertal e que aparentemente tinham sido desenterrados por um empreiteiro – disse, resumindo a conversa. – Desligou bruscamente. Tentei conseguir o seu número, mas estava bloqueado. – Restos do período Neandertal. Sim, pois – disse Drake. Ela sorriu. Esquecera-se de que o ajudante do xerife fizera um curso de Arqueologia que o museu oferecia. – Suponho que foi uma brincadeira – disse. – Deve ser algum espertinho. Mas vai cometer um erro, como aquele miúdo que mandou uma ameaça de bomba para a sua escola no papel timbrado do seu pai –
acrescentou. Ela assentiu. – Obrigada por trazeres as saladas. Aqui perto não há nenhum sítio onde comer – comentou Phoebe, enquanto pegava na sua mala para lhe pagar. – Não consigo convencer-te a saíres comigo – disse Drake com um suspiro. – Portanto tenho de me conformar com um almoço aqui contigo – acrescentou. – Tenho de ir. Marie espreitou para o seu gabinete. – Estou morta de fome! Obrigada, Drake. És um querido, embora sejas meu primo. Ele olhou para ela, arqueando o sobrolho. – Bom, pelo menos há alguém que pensa que sou um querido – disse, olhando para Phoebe. – Ora, Phoebe não quer saber de homens – disse Marie. Drake franziu o sobrolho. – Porquê? Phoebe lançou um olhar de advertência a Marie. Ela levantou as duas mãos, fezse de parva e mudou de assunto.
Três
Na manhã seguinte, ao acordar, Phoebe ouviu sirenas a ar a toda a velocidade à frente da sua casa. Esperava que não tivesse acontecido nenhum acidente. As estradas da montanha eram estreitas e perigosas naquela zona e era frequente os turistas terem acidentes, normalmente mortais. Vestiu-se e bebeu uma chávena de café antes de ir para o trabalho no seu velho Ford. O estacionamento do museu costumava estar vazio àquela hora, tirando o seu carro e o de Marie. Porém, naquela manhã, havia junto à entrada um carropatrulha com o motor a trabalhar. Phoebe franziu o sobrolho e saiu do carro, agarrando na sua mala. Então, Drake saiu do carro-patrulha, porém, não sorria. Parecia inquieto. – Olá – cumprimentou-o. – O que se a? Ele apoiou a mão na culatra da pistola que trazia e aproximou-se dela. – Ontem disseste que tinhas falado com um homem sobre uns restos humanos, não foi? – Sim – respondeu lentamente. – Disse-te o seu nome? – Não. – Podes dizer-me alguma coisa sobre ele? – insistiu Drake, muito sério. Ela hesitou, tentando lembrar-se. – Disse que era antropólogo... – Bolas!
Ela entreabriu os lábios. Nunca vira Drake tão zangado. – O que aconteceu? – perguntou. – Encontraram um cadáver na reserva – disse em voz baixa. Phoebe pestanejou. – Um cadáver na reserva – repetiu. Ele assentiu. – Quase no limite, a uns cinquenta metros. Parece ser de origem cherokee porque encontrámos também um cartão do arquivo tribal, com o número e o nome apagados, e parte de um cartão de sócio de uma sociedade antropológica. Supomos que era dele. Também falta a parte com o nome. E a carta de condução. Ela deixou escapar um gemido. – O homem que me telefonou? – Pode ser ele. Não podemos entrar em território cherokee a menos que nos peçam. Portanto isto é assunto dos federais. Mas tenho um o na polícia da reserva que me contou tudo. Estão a tratar de tudo em segredo. O FBI vai enviar um agente especial para investigar, um daquela nova Unidade de Investigação Criminal para os Territórios Índios. Só queria avisar-te de que vão querer falar contigo. – O quê? – Tu foste a última pessoa que falou com a vítima – disse Drake. – Encontraram o teu número num caderno, junto ao telefone do seu motel e procuraram-no na lista telefónica. Foi então que o meu primo Richard me telefonou. Sabe que venho muito ao museu – observou-a com uma expressão preocupada. – Alguém matou aquele tipo no motel, nos subúrbios de Chenocetah, ou no caminho de terra onde foi encontrado. Esse caminho leva a algumas zonas de obras, perto de uma montanha cheia de grutas. Uma corredora encontrou-o estendido na berma esta manhã, com uma bala na nuca. Ainda estão a tratá-la devido ao choque na clínica da vila – acrescentou.
Phoebe apoiou-se contra um pilar da entrada do museu, tentando recuperar o fôlego. Nunca imaginara que acabaria implicada na investigação de um assassinato. Era difícil habituar-se à ideia. – Talvez vá fazer-lhe companhia – disse. – Tu não corres perigo. Pelo menos... penso que não – acrescentou Drake lentamente. Ela levantou a cara e olhou para ele nos olhos. – Como? Ele franziu o sobrolho. – Não sabemos quem o matou nem porquê – respondeu. – Talvez a história que te contou fosse uma invenção. Mas, mesmo assim, há três grandes projectos em construção na zona. Se o que aquele homem te disse é verdade, não há forma de saber onde estava quando encontrou a gruta. – Para quem trabalhava? – perguntou. – Ainda não sabemos. A investigação está em fase preliminar. Mas há outra coisa. Não podes dizer a Marie. – Porquê? – Porque não sabe estar calada – respondeu com calma. – Há uma investigação aberta. Estou a contar-te isto tudo porque me preocupo com a tua segurança. Mas não quero que o condado todo saiba. Ela assobiou. – Meu Deus. – Por prevenção, tens uma arma? Ela abanou a cabeça. – Uma vez disparei com a pistola de um amigo, mas tive medo do barulho e não voltei a tentar.
Drake mordeu o lábio inferior e suspirou. – Vives no campo. Se conseguir arranjar um alvo, deixas-me ensinar-te a disparar? Phoebe sentiu o seu mundo a desabar. Normalmente, Drake era um tipo despreocupado e optimista, porém, estava a falar a sério. Estava sinceramente preocupado com ela. Phoebe engoliu em seco. – Sim – disse. – Podes ensinar-me, se achas que é necessário – lançou-lhe um olhar inquisitivo. – Drake, tu sabes alguma coisa que estás a esconder-me – murmurou. – Uma descoberta assim, de possíveis restos Neandertais... – começou a dizer lentamente. – Se existisse, ninguém poderia construir no local. Estamos a falar de milhões de dólares em materiais, trabalho e tempo deitados ao lixo. Algumas pessoas seriam capazes de qualquer coisa para o impedir. – Está bem – disse, forçando um sorriso. – Vou aprender a disparar. – Vou falar com o agente do FBI quando chegar – acrescentou, – e verei como podemos proteger-te. Contudo, ela sabia como aquilo ia acabar. As agências governamentais, tal como a polícia local, tinham os mesmos problemas orçamentais que ela. Pagar as medidas de segurança necessárias para a proteger vinte e quatro horas por dia não seria, sem dúvida, uma prioridade, e ela, certamente, não podia pagar do seu bolso. Mesmo assim, a ideia de tirar a vida a um ser humano deixava-a doente. – Estás a pensar que não conseguirias disparar sobre ninguém – adivinhou Drake, entreabrindo os olhos. Ela assentiu. – Eu sentia o mesmo antes de entrar para o exército – acrescentou. De facto, Drake abandonara o exército no ano anterior, depois de ar uma temporada destacado no estrangeiro. – Aprendi a disparar por reflexo. Tu também vais conseguir. Pode salvar-te a vida. Ela fez uma careta. – A vida era tão simples ontem... – Eu que o diga. Não estou directamente envolvido na investigação, mas a
jurisdição do caso depende de onde o assassinato aconteceu. O facto de o cadáver ter sido encontrado na reserva não significa que tenha sido morto lá. – E tu achas que um assassino ia querer que o FBI trate da investigação? – perguntou. – Não, mas talvez não soubesse que estava em jurisdição federal. Os limites não estão precisamente marcados com tinta vermelha – recordou-lhe com um sorriso. – O caminho de terra onde encontraram o corpo parece ser perto de Chenocetah, mas não é. O cartaz que assinala o limite da reserva estava no chão, a uns cinquenta metros de onde encontraram os rastos dos pneus. Ela franziu o sobrolho, pensativa. – O assassino não o viu. Talvez fosse de noite. Ele assentiu, sorrindo. – Bem pensado. Alguma vez pensaste em trabalhar do lado da verdade e da justiça, perseguindo os criminosos? Phoebe desatou a rir-se. – O teu departamento não podia pagar-me – replicou. – Que raios, nem sequer pode pagar-me a mim, mas mesmo assim contrataramme, não foi? – perguntou com um sorriso, mostrando os seus dentes brancos e perfeitos. – Tu cuida do museu, que eu farei o possível por cuidar de ti – acrescentou. Ela franziu o sobrolho. Drake levantou uma mão. – Profissionalmente – particularizou. – Sei que pensas que sou muito usado. Phoebe ficou boquiaberta. – Marie! – exclamou. Ele desatou a rir-se. – Não estou ofendido, mas não devias contar-lhe segredos – levantou as sobrancelhas. – A verdade é que sou um pouco como um pavão.
– Um quê? – Os pavões reais fazem tudo para atrair as fêmeas. Talvez as suas penas estejam um pouco maltratadas e as cores um tanto esvaídas, mas um pavão procura o efeito. Como eu – acrescentou com um sorriso. – Não sou um Don Juan. Mas, se fingir sê-lo – disse, inclinando-se para ela, – talvez tenha sorte – ela desatou a rir-se. – Não viste aquele filme com Johnny Depp, onde se pensa que é um Don Juan? – brincou Drake. – Funcionava. Portanto eu pensei: porque é que não posso fazer o mesmo? Nunca se sabe. Mas tive de deixar a capa e a máscara. O xerife já queria chamar um psiquiatra. – Drake, não tens remédio – disse, mas num tom mais suave do que alguma vez usara com ele. – Assim está melhor – disse, sorrindo. – ou muito tempo no frio do Inverno. Está na hora de procurar as flores da Primavera, menina Keller. – Às vezes até pareces um poeta – disse. Drake encolheu os ombros. – Sou meio cherokee. Lembra-te de que não somos simplesmente «o povo» na nossa língua, mas «o povo principal». Todas as tribos eram «o povo» na sua língua nativa, recordou Phoebe, excepto os cherokees, que se chamavam a si mesmos «o povo principal». Eram uma tribo inteligente e elegante que criou a sua própria linguagem escrita muito antes das outras tribos. – Não me contradizes? – perguntou. Phoebe levantou uma mão. – Eu nunca discuto com a lei. – Bem pensado – afirmou e endireitou-se, fazendo com que a sua farda, bem apertada, realçasse o seu corpo musculado. Antes que ela conseguisse responder, foram distraídos pelo som de uma buzina. Marie entrou no estacionamento com a sua velha carrinha, que deitava um fumo
preto pelo escape. Drake aproximou-se, intrigado, e fez gestos a Marie para que abrisse o capô. Ele afastou-se um pouco, abanando a mão, para que o fumo se dissie. Olhou para o motor e mexeu numa válvula. Depois endireitou-se, abanando a cabeça, enquanto Marie esperava com cara de preocupação. – É o carburador, Marie – disse Drake. – Se não o arranjares, a carrinha pode começar a arder. – Não sei se isso não é mais caro do que comprar outra – resmungou Marie. – Odeio esta carrinha! – É apenas velha – disse o seu primo com um sorriso. – E talvez esteja um pouco... usada. Marie corou. – Vou telefonar para a oficina do meu irmão agora mesmo – nem sequer olhou para Phoebe ao ar por ela a correr, remexendo na mala à procura das chaves ao aperceber-se de que a porta ainda estava fechada. Por sorte, não lhe ocorreu perguntar porquê. Drake e Phoebe desataram a rir-se. – Não vou dizer-lhe nada – prometeu Phoebe. – Vou ver o que consigo descobrir. Marcamos as aulas de tiro para sábado? – acrescentou. Ela assentiu. – Saio à uma hora. – Vou tirar essa tarde livre – prometeu. Olhou para o seu carro-patrulha e ouviu o rádio. – Espera um minuto. Aproximou-se do carro, levantou o microfone e identificou-se. Ouviu, assentiu e
voltou a falar. – Tenho de ir – disse a Phoebe. – O agente do FBI está a caminho. Precisa da nossa ajuda – acrescentou com um sorriso. – Suponho que o meu talento para a investigação impressionou alguém a nível federal. Phoebe desatou a rir-se. – Até sábado. Drake despediu-se, entrou rapidamente no carro e afastou-se.
– O que estava a ar-se lá fora? – perguntou Marie com curiosidade. – Drake vai ensinar-me a disparar – disse Phoebe. – Sempre quis aprender. Marie ficou calada. Aproximou-se da mesa e olhou para ela, preocupada. – Sei que não queres contar-me coisas importantes porque contei a Drake o que disseste. Desculpa – acrescentou. – Não estou zangada. Marie fez uma careta. – O meu irmão diz que esta manhã encontraram o corpo de um antropólogo na reserva e corre o rumor de que falou contigo ontem. Estás em perigo, não é? E agora não queres contar-me porque achas que vou contar a toda a gente. Phoebe ficou pasmada. – Como é que o teu irmão soube? – Ora, nós sabemos tudo – respondeu Marie. – É uma vila muito pequena. Alguém de uma tribo ouve uma história, conta a outra pessoa e, no fim, sabe-se pelas montanhas todas. – É terrível – disse Phoebe, ainda boquiaberta.
– A sério – disse Marie, – podes ficar em minha casa – acrescentou. – A tua casa é muito afastada. – Drake vai ensinar-me a disparar. Marie arqueou o sobrolho. – Antes não gostavas dele. – Cada vez gosto mais. Ela sorriu. – É meu primo. Parece-me incrível. Talvez seja um pouco fanfarrão, mas é esperto e valente. Há muito piores – acrescentou. Phoebe olhou para ela com irritação. – Só vai ensinar-me a disparar – disse com firmeza. – Os homens continuam sem me interessar, usados ou não. Marie ignorou-a. – Ele vai cuidar de ti. E os meus outros primos e o meu irmão, se for preciso – disse. – Fizeste muito por nós. Nós não esquecemos os favores. Sobretudo, se for alguém da família. – Eu não tenho nem uma gota de sangue nativo, Marie – disse Phoebe com firmeza. Maria sorriu. – Mesmo assim é como se fosses da família – replicou e deu meia volta. – Vou trabalhar. Phoebe olhou para ela distraidamente, pensando no morto. Era inquietante que alguém com quem falara na véspera tivesse sido assassinado. Contudo, também a preocupava a destruição de uma gruta potencialmente valiosa. Se, com efeito, havia restos Neandertais em alguma zona de obras, embora duvidasse, aquela descoberta ia reescrever a história, não só da Carolina do Norte, mas do
continente inteiro. Ia sem dúvida arruinar os construtores. Seria razão suficiente para matar um ser humano? Phoebe, que não dava muita importância ao dinheiro, sem ser ao pagamento das suas contas, não conseguia perceber que algumas pessoas fossem capazes de fazer coisas assim para enriquecerem.
Durante os dois dias seguintes, Phoebe andou ocupada com as suas coisas. Drake fora vê-la para lhe dizer que o agente do FBI já chegara, porém, mostrara-se reticente em contar-lhe mais. Olhara para Phoebe de uma forma que lhe tirara o sono. Na sexta-feira de manhã compreendeu porquê. Precisamente quando estava a preparar-se para receber um grupo de idosos de um lar da localidade, um carro preto parou junto aos degraus da entrada. Tinha matrícula governamental. O FBI, sem dúvida, pensou, procurando o autocarro dos visitantes com o olhar. No entanto, ao ver o homem que saiu do carro, ficou imóvel. Tinha o cabelo comprido e preto, apanhado num rabo-de-cavalo. Vestia um fato cinzento com colete e óculos de sol. Subiu os degraus e parou à frente dela. Então, tirou os óculos e pendurou-os no bolso do colete. – Olá, Phoebe – cumprimentou-a Cortez calmamente, sem sorrir. A sua cara cheia de cicatrizes parecia mais séria e dura do que ela recordava. Havia novas rugas à volta dos seus olhos e da sua boca. Parecia nunca ter sorrido em toda a sua vida. Os seus olhos pretos eram penetrantes, frios, profissionais. Ela levantou o queixo. Porém, não gritou, nem começou a atirar coisas, embora lhe apetecesse. Obrigou-se a parecer calma e eficiente. – Olá, Cortez – respondeu com idêntica formalidade, evitando usar o seu primeiro nome. – O que posso fazer por ti? – O ajudante do xerife, um tal de Drake... – tirou um caderno e fingiu procurar o nome, apesar de já o saber – Stewart, disse-me que falaste com a vítima na noite antes de encontrarem o cadáver. Eu gostava de falar contigo, se tiveres tempo. Ela engoliu em seco.
– Estás a investigar o caso? Ele assentiu. – Voltei para o FBI. Faço parte de uma nova unidade dedicada exclusivamente a investigar delitos violentos nas reservas índias de todo o país. Ela desejou perguntar-lhe porque deixara a advocacia, se gostava tanto. Desejou perguntar-lhe porque a abandonara sem lhe dar explicações, além daquele recorte de jornal, apesar de ter olhado para ela como se a amasse. Contudo, não o fez. – Vamos para o meu escritório. Só um minuto, por favor – parou para chamar Harriett, que estava a fazer um intervalo. – Harriett, vai chegar um autocarro do lar. Podes tratar disso? Eu tenho de falar com este senhor. Harriett olhou para Cortez, que as superava a ambas em estatura, e arqueou o sobrolho. – Pelo menos o gosto do governo melhorou – murmurou com ironia, e foi para a porta para receber o autocarro, que acabava de entrar no estacionamento. Cortez não respondeu ao comentário. Nem Phoebe. Ela entrou no seu escritório e ofereceu-lhe a única cadeira que havia à frente da sua mesa cheia de coisas. Ele não se sentou porque, de repente, Marie entrou com as folhas de pagamento, pois era sexta-feira. Marie parou ao vê-lo e os seus olhos vivazes repararam no seu cabelo comprido, na sua tez morena, no seu fato e no seu porte formal. – Siyo – disse em cherokee, palavra que era, ao mesmo tempo, de boas-vindas e de adeus. Ele levantou o queixo e olhou para ela com uma certa hostilidade. – Não falo cherokee. Sou comanche – disse bruscamente. Marie corou e pigarreou. – Desculpe.
Ele não disse mais nada. Afastou-se para a deixar pôr as folhas de pagamento em cima da mesa de Phoebe. Marie olhou para Phoebe, espantada, e saiu apressadamente, fechando a porta do gabinete. Phoebe sentou-se e olhou para Cortez, cruzando as mãos sobre a mesa. Eram umas mãos habituadas ao trabalho, com as unhas curtas e por pintar. Também não usava anéis. – Em que posso ajudar-te? – perguntou friamente. Ele olhou para ela durante alguns segundos. Os seus olhos obscureceram e Phoebe viu sombras neles. Tirou o caderno do bolso, cruzou as pernas, abriu-o e reviu as suas notas. – Falaste com o homem no dia antes de terem descoberto o seu cadáver – repetiu. Tirou uma caneta. – Podes dizer-me o que te disse? – Disse-me que uma construtora estava a tentar esconder a existência de uma descoberta arqueológica – respondeu. – Restos de Neandertal – a caneta parou e Cortez levantou os olhos, porém, não disse uma única palavra. – Sim, sei que parece absurdo – acrescentou. – Mas parecia estar a falar a sério. Disse que a construtora estava muito endividada e receava que se descobrisse a gruta, com medo de acabar na bancarrota por causa das escavações. – Não existem restos de Neandertal na América do Norte – disse. – Sou licenciada em Antropologia – replicou com frieza, ofendida por ele insinuar que não o sabia. – Queres que te mostre o diploma? Ele abriu muito os olhos. – Mudaste. – Tu também – respondeu. – Voltemos ao que é importante, por favor. Sei que parece absurdo, mas o homem parecia saber do que estava a falar. Tentei conseguir o seu número. Mas estava bloqueado.
– Encontraram o teu número num caderno junto ao seu telefone, no quarto do motel. Registou-se com um nome e uma morada falsos. Os seus documentos de identidade desapareceram, excepto um cartão que o identifica como membro de uma sociedade nacional de antropologia. – Se alguém lhe roubou os documentos, porque deixou esse cartão? – perguntou Phoebe. – Estava debaixo da cama. A carteira estava em cima do colchão, vazia, apenas com uma nota de vinte dólares. Talvez tenham rasgado o cartão da sociedade de antropologia e aquele pedaço tenha caído ao chão sem se aperceberem. Mas, de resto, fizeram um bom trabalho. Não há nenhuma outra pista, embora tenha pedido a um técnico forense para inspeccionar o quarto com luz azul para procurar pistas. Não havia nada. Isolei o quarto e já tenho a nossa unidade técnica a trabalhar lá – acrescentou, referindo-se a uma unidade cujo propósito era reunir e processar provas físicas. – Não tinha pegadas? Nem rastos de pneus? Cortez remexeu-se, inquieto. Estava a recordar, tal como ela, como tinham colaborado para localizar o responsável pelo despejo de resíduos tóxicos nos subúrbios de Charleston, seguindo os rastos dos pneus. Naquela época, ela era jovem e estava cheia de vida, esperança e ambição. Era outro mundo. Ele obrigou-se a esquecer o ado. – Ainda é cedo. Estamos a investigar. Reconheceste a sua voz? – acrescentou. Ela abanou a cabeça. – Não mencionou o nome do construtor? Nada que possa ajudar-nos a identificá-lo? – ela negou novamente. Cortez fez uma careta. – Disseram-me que há várias possibilidades. Entretanto – acrescentou, deixando o caderno e a caneta para olhar para ela, – és a única ligação que temos com o assassinato. – Eu posso ser a próxima vítima – disse. – Sim – respondeu, como se tivesse um gosto amargo na boca. – Já me tinham dito. Tenho um cão – disse Phoebe. – E um dos ajudantes do xerife vai dar-me aulas de tiro amanhã.
Algo ou pelo rosto de Cortez, algo frio e irado. – Tens uma arma? – Ele vai emprestar-me uma. Ele reflectiu um momento. – Vou ver se podemos oferecer-te protecção. Ela levantou-se. – Ambos sabemos que nenhum corpo de polícia tem meios para me oferecer segurança vinte e quatro horas por dia. Os primos de Marie ofereceram-se para me vigiar – acrescentou. Cortez entreabriu os olhos. – Este não é um assunto para civis. – Ainda bem, porque não são civis. São daqui. Vivem na reserva – respondeu com doçura. – E talvez tenhas jurisdição lá, mas não é por isso que vão receberte de braços abertos. Não gostam dos federais. Ele olhou para ela, irritado, e ela enfrentou o seu olhar. – Três anos – resmungou Cortez. – A decisão foi tua – replicou. – Não tem um crime para investigar, agente especial Cortez? Porque eu estou muito ocupada – aproximou-se da porta e abriu-a de repente. Tinha uma expressão tão hostil que Marie, que vinha a andar em direcção a ela, deu meia volta. Cortez tirou os óculos de sol do bolso do colete e pô-los. – Vou manter-me em o – disse com aspereza. Ela esteve quase a fazer um comentário sarcástico, contudo, sabia que não ia servir de nada. Já não havia nada a fazer. Desenterrar o ado só ia piorar as coisas. Tinha outras preocupações, entre elas, o seu próprio bem-estar.
Cortez, que aparentemente não esperava resposta, saiu do escritório. Um minuto depois, Phoebe ouviu o seu carro a arrancar e a seguir para a estrada. Cortez estava ainda mais frio do que antes. Marie entrou no escritório uns minutos depois e olhou para a sua chefe com receio. – Então é ele. Phoebe desejou dizer-lhe que não, porém, não fazia sentido. – Sim. – Não é de estranhar que tenhas ficado assim – respondeu. – Eu não saberia o que fazer com aquele pedaço de homem. – Pois. – Acho que Drake não vai gostar dele – disse Marie. Contudo, Phoebe não estava a ouvi-la. – Esqueci-me de muitas das coisas que estudei – murmurou para si. – Mas lembro-me de que na Carolina do Norte não há nenhuma gruta anterior à última Era Glaciar, uns dez mil ou doze mil anos antes da nossa era. Aquele homem disse que tinha encontrado um crânio numa gruta... – acrescentou lentamente. – Esta zona está cheia de grutas – recordou Marie. – Lembras-te daquelas histórias ridículas sobre o ouro perdido dos cherokees? Como se tivesse restado alguma coisa depois de termos sido cercados e levados até Oklahoma em 1838! – De todas as histórias trágicas que conheço, e conheço muitas, essa é a mais dolorosa – disse Phoebe com suavidade. – Nem sequer consigo visitar o Museu dos Índios Cherokee sem chorar. Foi um erro terrível por parte de Andrew Jackson. – A febre do ouro – disse Marie. – Nós estávamos no meio. – Sim. Mas a tua família fugiu – recordou Phoebe suavemente. – E outras também.
– Mas não as suficientes – disse Marie com tristeza. – Mas, relativamente ao ouro... Há imensas grutas. – Também nas zonas das obras? – Há imensas nos terrenos das três, perto do rio – respondeu Marie. – A semana ada, as escavadoras estiveram por ali. O mais provável é que, se esse homem encontrou alguma coisa, já esteja sepultado sob um monte de escombros. – E se conseguíssemos um mandado judicial para parar as obras até termos tempo de dar uma olhadela? – perguntou Phoebe em voz alta. – E os operários que ficariam sem trabalho? – perguntou Marie, pondo as coisas em perspectiva. – Muitos homens da reserva trabalham para essas empresas. Se as empresas fecharem, será um golpe enorme para muitas famílias. De qualquer forma, como conseguirias convencer as autoridades? Phoebe fez uma careta. – Oxalá soubesse. Voltaram para o trabalho. Quando ficou sozinha no seu escritório, Phoebe tentou habituar-se à ideia de que Cortez reaparecera inesperadamente na sua vida. Magoara-a ter de o ver novamente com o ado entre eles. Perguntava-se porque fora até ali. Sem dúvida, não sabia que ela trabalhava na vila. Se lhe tinham atribuído aquele caso, era óbvio que voltara para o FBI há algum tempo. Porém, onde trabalhava? Phoebe tentou recordar, palavra por palavra, o que o homem assassinado lhe dissera. Abriu um documento novo no computador e começou a escrever. Conseguiu reconstruir grande parte da sua breve conversa e recordar a pronúncia do homem. Era óbvio que tinha pronúncia do sul, o que ajudaria a identificá-lo. A sua forma de falar denotava uma gaguez acentuada, ou talvez uma certa incoerência de pensamento. Mencionara duas pessoas, um construtor e outra pessoa que, aparentemente, estava a dar-lhe informação. Isso podia ser útil. Enquanto falava com ela, alguém, uma mulher, abrira a porta e chamara-o. Isso acontecera exactamente às três e dez da tarde. Nada daquilo valia grande coisa, porém, talvez desse às autoridades indícios
suficientes para avançar na investigação. Não ia telefonar a Cortez. Como podia telefonar-lhe, se não fazia ideia de onde estava? No entanto, podia ar a informação a Drake na manhã seguinte, quando fosse a sua casa. Ele podia dá-la às pessoas indicadas. Phoebe fechou o documento e voltou a concentrar-se nos seus planos orçamentais. Infelizmente, a chegada repentina de um grupo que queria visitar o museu fez com que se esquecesse do assunto. Na manhã seguinte, estava a acabar o seu pequeno-almoço, quando ouviu uma carrinha a chegar. Jock, o seu chow chow preto, começou a ladrar no alpendre. Phoebe saiu, vestida com calças de ganga e uma camisola, com uma chávena de café na mão. Drake estacionou a sua carrinha preta ao pé dos degraus. – Há mais café? – perguntou ao sair da carrinha, com umas botas, calças de ganga e uma t-shirt preta sob a camisa de flanela vermelha. – Preciso de cafeína. O FBI deixou-me exausto!
Quatro
Phoebe olhou ele, pasmada. – O FBI? – perguntou com receio. – O teu amigo Cortez – respondeu, seguindo-a para o interior da casa. Tinha os óculos de sol postos, contudo, tirou-os e guardou-os no bolso da camisa. Sentou-se à mesa da cozinha. – Aquele homem impressiona qualquer pessoa! – exclamou. – O que é que queria saber? Drake olhou para ela com ironia enquanto deitava leite no café que lhe servira. – Podíamos fazer uma lista das coisas que não queria saber. Demoraríamos menos. Suponho que lhe disseste que ia ensinar-te a disparar. Ela fez uma careta. – Sim, desculpa. – Não acredita que sejas capaz de disparar sobre alguém em nenhuma circunstância – acrescentou Drake. Ela ficou boquiaberta. Teria gostado de desmentir aquela afirmação, contudo, não conseguia. Drake encolheu os ombros. – Tive de lhe dar razão, lamento – acrescentou com ironia. – Não tenho remédio. O que posso dizer? – Phoebe suspirou. – Mas acho que seria capaz de disparar para ferir alguém. – Isso custar-te-ia a vida. Estamos a falar de fracções de segundo, não de tempo
para pensar nas coisas. Ela olhou para ele com curiosidade. Drake parecia muito jovem quando ava pelo seu escritório para ver se estava tudo bem, no entanto, à luz da manhã, Phoebe apercebeu-se de que era mais velho do que pensara. Então ele sorriu. – Estás a pensar que envelheci. É verdade. Cortez envelheceu-me dez anos. Vês estes cabelos brancos? – perguntou, apontando para a sua cabeça. – São de ontem à noite. – É um pouco insistente – disse. – Um pouco insistente – resmungou Drake. – Sim. E as Smoky Mountains são umas pequenas colinas – ou os dedos pela beira da chávena, que estava a perder a cor, como quase toda a sua baixela, mas que ainda servia. – É óbvio que já se conheciam. Ela assentiu. – É uma espécie de amigo – respondeu vagamente. – Ele já sabia que estavas aqui antes de vir investigar o assassinato – disse bruscamente. Phoebe ficou boquiaberta. – Como? – Não me disse nada. Mas está preocupado contigo. Não consegue esconder – Phoebe não sabia como encarar aquilo, por isso olhou para a sua chávena de café. – Normalmente as pessoas que vêm para vilas pequenas como esta tentam afastar-se de alguma coisa que as magoou – acrescentou lentamente. – Marie e eu pensávamos que tinhas vindo por causa disso – ela levou a chávena aos lábios e bebeu um gole, ignorando o calor. – Agora entendo porquê – acrescentou com os lábios franzidos. – Mede quase um metro e oitenta e cinco e é tão carinhoso como um urso esfomeado – ela riu-se do seu comentário. – Ocorrem-me muitos outros adjectivos, mas não quero ofender os teus ouvidos – acrescentou e abanou a cabeça. – Meu Deus, aquele homem é feroz. Aposto que é muito bom no seu
trabalho. – Quando eu o conheci, trabalhava para o Estado. Era advogado – disse. – E era bom. – Deixou voluntariamente um trabalho de escritório para andar por aí a perseguir criminosos? – perguntou, surpreendido. – Por que razão alguém faria algo do género? – Não faço ideia. Se calhar a sua mulher não gostava de viver em Washington. Ele ficou calado uns segundos. – É casado? – Phoebe assentiu. – Pobre mulher! – exclamou. Phoebe desatou a rir-se, apesar da dor que sentia. – Isso explica o bebé, suponho – acrescentou Drake. Phoebe ficou novamente boquiaberta. – Qual bebé? – perguntou. – Veio com um bebé. Estão num motel da vila. Vi uma mulher a sair e a entrar. Deve ser a ama. Não parecia ser a mãe do menino. – É um menino ou uma menina? – Um menino. Deve ter uns dois anos. É muito giro. Ri-se imenso e adora o seu pai. Phoebe não conseguia imaginar Cortez com um filho. No entanto, isso explicava porque se casara com tanta pressa. Não era de estranhar que não tivesse querido ir para a cama com ela, se já havia outra mulher na sua vida. Porém, podia terlhe dito. Drake tirou-a dos seus pensamentos. – Trouxe um alvo. Pensei que podíamos pintar a cara de Cortez – ela desatou a rir-se. – Assim está melhor – disse, sorrindo. – Não te ris muito. – Tinha deixado de me rir, até tu apareceres – respondeu.
– Pois já estava na hora de voltares a rir-te. Vamos. O café estava bom e eu sou muito esquisito com o café. – Eu também – disse. – Vivo dele. Drake conduziu-a para a sua carrinha e tirou um revólver de calibre 38. – Esta é mais fácil de usar do que uma automática – disse. – E não perdoa. O único problema é que só leva seis balas. Portanto tens de aprender a não falhar. – Nem sequer sei se vou conseguir com ela – disse Phoebe, indecisa. Drake tirou um alvo com a forma do peito e a cabeça de um homem. – Vamos treinar com isto. Ela franziu o sobrolho. – Pensava que os alvos eram círculos concêntricos. – Na polícia usamos isto – respondeu com solenidade. – Se alguma vez estivermos num tiroteio, temos de ser capazes de disparar contra alvos reduzidos. O alvo fez com que Phoebe se lembrasse do perigo que corria e da desagradável ideia de talvez ter de dar um tiro a outro ser humano. – Na Primeira Guerra Mundial, aperceberam-se de que os soldados apontavam de propósito para cima ou além dos soldados inimigos quando disparavam – disse Drake. – Portanto deixaram de usar alvos convencionais e começaram a usar estes – deixou o alvo no chão, recuou, abriu a câmara e começou a colocar as balas. – É um revólver de dupla acção. Isso significa que, se carregares no gatilho, dispara. O gatilho é muito rijo, portanto é preciso apertar com força para que funcione – deu-lhe a arma e ensinou-a a segurar nela, com a culatra e o gatilho na mão direita enquanto com a esquerda segurava na pistola. – Isto é estranho – murmurou. – É difícil habituares-te. Aponta para o branco e aperta o gatilho. Levanta-a um pouco. Olha pelo canhão. Alinha-a com a ponta do canhão. Agora dispara.
Ela hesitou, com medo do barulho. – Ah, esqueci-me. Espera. Drake agarrou na pistola, abriu a câmara e deixou-a sobre um tronco. Depois tirou duas rolhas de espuma para os ouvidos do bolso. – Põe isto nas orelhas – disse. – Vão amortecer o barulho. A sério. Ela olhou para ele e imitou os seus gestos. Drake pegou na pistola, fechou a câmara e devolveu-a com uma vénia. Mesmo assim, ela hesitou. Então, Drake tirou-lhe a pistola, apontou e apertou o gatilho. Para surpresa de Phoebe, o barulho não lhe pareceu tão alto. Sorriu e tirou a pistola a Drake. Disparou cinco vezes. Três das balas acertaram no centro do alvo, fazendo uma linha perfeita. – Vês do que és capaz quando tentas? Vamos, outra vez – disse com um sorriso e voltou a carregar a pistola.
Duas horas depois, Phoebe já se sentia confortável com a arma. – De certeza que podes emprestar-me a arma? – perguntou. – Sim. Drake eou o olhar pelo terreno. A casa estava isolada, num caminho de terra. Atrás deles havia montanhas e, depois do jardim, corria um riacho. Não havia vizinhos nos arredores. – Sei que é muito afastada – disse. – Mas tenho Jock. Drake olhou para o cão, que dormitava no alpendre. – Precisas de um cão maior.
– Tem uns dentes enormes – garantiu-lhe. – Não queres mudar-te para a vila? Ela abanou a cabeça. – Recuso-me a fugir. Adoro a paz e a solidão que há aqui. Ele fez uma careta. – Bom, vou ver como posso proteger-te. – Com o vosso orçamento? Vão sugerir uma corda atada a uma campainha – respondeu, rindo-se. – Achas que não sei? De qualquer forma, vou tentar. Olha, se precisares de mim, só tens de telefonar. No escritório do xerife podem localizar-me a qualquer hora. Drake parecia sinceramente preocupado. Aquilo reconfortou Phoebe. – Obrigada, Drake. A sério – acrescentou. – Para que servem os amigos? – brincou. – Ah, quase me esquecia – abriu a carrinha e deu-lhe duas caixas de balas. – Deve chegar. – Tens de me dizer quanto te devo. Não vou permitir que compres as balas – acrescentou com firmeza. – Eu também tenho dinheiro, sabes? – Certamente menos do que eu – resmungou. – Temos de comparar os nossos salários um dia destes. Vá, diz-me quanto é. – Digo-te na segunda-feira – prometeu. – Vemo-nos no teu escritório, está bem? – Está bem e obrigada outra vez. – Não tens de quê. Fecha bem as portas e põe o cão dentro de casa – acrescentou. – Não vai servir-te de nada se o matarem. – Tens razão – assentiu.
Drake lançou-lhe um último olhar, preocupado, entrou na carrinha e despediu-se enquanto se afastava pelo caminho, deixando uma nuvem de pó atrás de si. Phoebe abriu a câmara da pistola, guardou as balas nos bolsos e voltou para casa com Jock.
Só teve medo quando anoiteceu. Então, cada pequeno som pareceu amplificar-se na sua cabeça. Ouvia os. Ouvia vozes. Até pensou ouvir alguém a cantar em cherokee! Por volta das cinco da manhã desistiu de dormir, levantou-se e fez café. Sentouse à mesa da cozinha, apoiando a cabeça nas mãos e, de repente, lembrou-se do documento que escrevera no escritório sobre as coisas que recordava da sua conversa com a vítima do assassinato. Pensara levá-las para casa e dá-las a Drake, porém, esquecera-se. Dar-lhas-ia quando Drake asse pelo escritório. Voltou a ouvir um som estranho ao longe, como um suave cântico em cherokee. Assustada, levantou-se e aproximou-se da porta. Olhou para o exterior, contudo, não viu nada. Riu-se de si mesma. Devia estar a enlouquecer. Foi para o trabalho meia hora antes do habitual. Ao entrar na estrada principal, viu um todo-o-terreno estacionado na berma, do outro lado do caminho de entrada para a sua casa. Dentro dele havia um homem a olhar para um mapa. Anteriormente, teria parado para lhe perguntar se precisava de ajuda. Porém, na sua situação, não se atrevia. Conduziu até ao museu meio distraída. Perguntava-se se devia telefonar à sua tia e contar-lhe o que estava a acontecer. No entanto, Derrie ia ficar preocupada e tentaria convencê-la a deixar o seu emprego e a voltar para Washington. Não estava disposta a isso. Estava a tentar fazer a sua vida ali. Ao entrar no seu escritório, abriu o documento que escrevera, detalhando a sua conversa com o morto, e imprimiu uma cópia. Pensando melhor, copiou-o para uma disquete e guardou-a numa capa de plástico para a dar a Drake. Talvez pudesse ajudar na investigação e resolver o crime. No entanto, sentia-se inclinada a descartar a história daquele homem a respeito dos restos de Neandertal. Se tivesse havido Neandertais na América do Norte,
sem dúvida já teria sido descoberto durante o século anterior.
Drake ou pelo museu naquela tarde com notícias sobre a investigação. – O FBI já descobriu algumas pistas interessantes – levantou uma mão. – Não posso contar-te nada – disse, antecipando-se às suas perguntas. – Já tenho muitos problemas. – Porquê? – perguntou, estranhando. – É uma longa história. Pedi aos rapazes para fazerem uma ronda extra pela tua casa de noite – acrescentou. – Por precaução. – Obrigada. Estou a dever-te as balas – disse. – E tenho uma coisa para ti. Drake seguiu-a até ao seu gabinete com um sorriso de surpresa. – Para mim? – Bom, para ti e para o FBI, na verdade – teve de confessar enquanto lhe dava a folha de papel e a disquete. – É tudo o que me lembro da conversa com o homem, da sua voz, dos ruídos de fundo, e tudo isso. Não é grande coisa, mas talvez encontrem alguma ligação quando souberem mais alguma coisa sobre ele. Drake leu-o. – Ouve, isto é muito bom – disse, assentindo. – Tens bom ouvido. – Não costumo ouvir música muito alta. – Ainda bem – repôs, rindo-se. – De qualquer forma, espero que essas notas ajudem a apanhar o culpado. Não se pode matar uma pessoa só porque é um pouco louca – disse. – Não acreditas que haja uma possibilidade de ter dito a verdade? – perguntou, pouco convencido. – É impossível – respondeu com firmeza. – Bom, quanto te devo pelas balas? É
melhor dizeres-me porque penso telefonar para a loja da vila para perguntar. Ele fez uma careta e disse-lhe. Phoebe estendeu-lhe um cheque. – E obrigada pelas lições de tiro e por me emprestares a pistola – acrescentou. – Estou-te muito agradecida. – De nada. Bom, é melhor voltar para o trabalho. Tem cuidado – acrescentou. Ela sorriu. – Claro.
Naquela noite, ao sair do trabalho, Drake bateu à porta do quarto do motel da vila onde estava Cortez. – Entre – disse. Drake abriu a porta. Cortez estava sentado numa cadeira, de meias, com umas calças de ganga e uma t-shirt preta, e com um menino a dormir sobre o seu peito. Tinha o cabelo solto e parecia estar cheio de sono. – Estão a nascer-lhe os dentes – disse Cortez. – Levei-o à clínica da vila para que lhe dessem alguma coisa para as dores. Para os dois – acrescentou sem sorrir, mas com um brilho nos seus olhos pretos. – O que quer? – Trouxe-lhe informação – entregou-lhe a folha de papel e olhou para ele enquanto a desdobrava. – É o que a menina Keller se lembra da conversa com o antropólogo. Estava numa disquete mas imprimi. – É muito minuciosa. – Devia dedicar-se à etnologia, em vez de gerir um pequeno museu – disse Drake. – É demasiado qualificada para o trabalho. Cortez olhou para ele. – O que é que percebe de etnologia?
– Está a brincar? Sou cherokee. Bom – corrigiu-se, – em parte. O meu pai era puro-sangue. A minha mãe era branca e fartou-se dos sarcasmos da sua família sobre o seu pequeno mestiço. Portanto fugiu quando eu tinha três anos. O meu pai morreu por beber demasiado. Eu fui para o exército aos dezassete anos e encontrei um lar. Lá há muita gente de diferentes origens – acrescentou com frieza. Cortez observou-o em silêncio. – Eu tive um anteado espanhol. – Não se nota – disse Drake sinceramente. – Imagino que encaixa perfeitamente no seu povo. – O seu supera-nos em número. – A qual dos dois se refere? – perguntou Drake com desinteresse. – À sua metade índia. E só nove por cento, mais ou menos, ainda fala comanche – disse Cortez. – A nossa língua está quase morta. Pelo menos, o cherokee está a recuperar-se. – Não há duas pessoas que falem da mesma forma – disse Drake. – Mas entendo o que quer dizer. Ainda é uma língua viável – olhou com ternura para o menino. – Vai ensinar-lhe a falar comanche? Cortez assentiu. Os seus olhos entreabriram-se pensativamente enquanto observava Drake. – Mas vai ter o mesmo problema que você. A mãe dele é branca. Drake olhou com intensidade para o menino adormecido. – Vive com a sua família? Os olhos de Cortez brilharam. Olhou para o outro lado. – Ela... morreu um mês depois de Joseph nascer – disse com reticência. – Lamento – disse Drake.
– Não era esse tipo de casamento – acrescentou com frieza. – Obrigado pelas notas. Foi Phoebe que lhe disse para as trazer cá? – Disse-me que podiam ser úteis para o FBI – respondeu Drake. A mão enorme de Cortez acariciou distraidamente as costas do menino. Olhava fixamente para a frente, sem ver nada. – Vive num sítio perigoso, muito longe da vila. – Disse aos rapazes para fazerem rondas extra por lá – disse Drake. – Phoebe sabe disparar. Acho que, se a sua vida depender disso, vai usar a arma para se defender. – Dispararia para ferir o seu atacante e estaria morta numa questão de segundos – disse Cortez. – É tão optimista – disse Drake com sarcasmo. Os olhos pretos de Cortez cravaram-se no seu rosto. – Porque é que a vítima lhe telefonou? – perguntou de repente. – Porque não foi às autoridades ou à polícia local? Porque telefonou a Phoebe? Drake franziu o sobrolho. – Bom... não sei. Cortez levantou novamente a folha de papel e observou-a. Entreabriu os olhos. – Disse que tinha uma filha. – É a única coisa que sabemos sobre o indivíduo – disse Drake. – Não o encontramos em nenhuma base de dados. Foi a primeira coisa que fizemos. – Eu sei. O nosso investigador reviu-as ontem à noite – disse Cortez. – Não temos pista nenhuma. – O antropólogo era de origem cherokee – disse Drake. – Isso significa que talvez tivesse parentes na reserva...
– Isso é só uma conjectura. A maior parte vive no Oklahoma – disse Cortez. Drake ficou boquiaberto. – É verdade! – Vivo no Oklahoma – murmurou Cortez distraidamente. – Portanto temos duas questões. O que raios estava esse homem a fazer aqui e de onde vinha? Talvez tivesse carro, mas noutro estado. – Vou seguir essa pista assim que voltar para o trabalho. E também vou ver o conselho tribal – disse Drake. – Talvez tivesse parentes em alguma das nossas tribos. Se assim for, a mesma tribo de Oklahoma vai reconhecê-lo, se é que era de lá. – Boa ideia. Mais uma coisa que descobrimos – acrescentou Cortez – é que um cliente do motel viu um todo-o-terreno preto estacionado na noite do assassinato. Ninguém voltou a vê-lo depois. Talvez os seus companheiros possam estar atentos a isso... Está a rir-se de quê? – Não sei se já reparou que neste condado quase todos os carros são todo-oterreno – murmurou Drake. – Como têm tracção às quatro rodas, são perfeitos para as estradas de montanha. – Bolas! – o seu amplo peito subiu e desceu num suspiro de exasperação. O menino murmurou qualquer coisa e depois mudou de posição e voltou a dormir. – Há outra possibilidade – disse Cortez, pensativo. – Disseram-nos que muitos cherokees desta zona trabalham na construção. E se o antropólogo era parente de um deles? Drake franziu os lábios. – É possível. Se descobrir a sua tribo, talvez possa ver isso. Vou pedir ajuda a Marie. Fala muito, mas é muito esperta. Temos mais primos na reserva do que o conselho tribal... – Marie? – A minha prima. Trabalha para a menina Keller no museu.
Cortez desviou o olhar. – Lembro-me dela. Falou-me em cherokee. Fui um pouco... brusco com ela. – Ouvi dizer. Cortez olhou para o outro homem, que sorria, divertido. – Há três anos que não via Phoebe – disse. – Foi um dia difícil. Drake hesitou. – Não o conheço e certamente não devia mencioná-lo, mas a menina Keller é uma mulher única e... – Cortez virou a cabeça e olhou para o jovem. Drake levantou uma mão. A expressão de Cortez era séria e fria. – Não estou envolvido com ela, nem é provável que venha a estar – acrescentou em seguida. – Deixeme acabar antes de se ofender – Cortez continuou a olhar para ele com irritação. Drake pigarreou. – Conheço-a há pouco tempo, mas Marie trabalha com ela há três anos. Diz que a menina Keller estava desfeita quando chegou. Uma mulher mais velha, a sua tia, creio, veio visitá-la e pediu a Marie que a vigiasse de perto, porque tivera um problema pessoal que quase lhe causara um esgotamento nervoso. Tomou uns comprimidos e... – Meu Deus! – exclamou Cortez. A sua expressão calou Drake. Engoliu em seco. O menino remexeu-se e protestou. Cortez tentou acalmá-lo. Acariciou-lhe as costas e respirou fundo. A sua mão tremia levemente. – A menina Keller não sabe que Marie me contou isto – disse em voz mais baixa e suave. – Mas pensei que devia saber. Cortez não olhou para ele. Tinha o olhar perdido e o corpo tenso. – O Coiote espreita em todo o lado – disse com fúria, referindo-se a uma personagem do folclore nativo que era comum a quase todas as tribos: o Coiote, o espírito maligno. – Sim – respondeu Drake suavemente. – Mas às vezes podemos enganá-lo.
Os olhos pretos e turbulentos de Cortez cravaram-se nele. – Preferia cortar uma mão a magoar Phoebe. O que aconteceu... foi uma questão familiar que me obrigou a tomar uma decisão que nunca teria tomado se tivesse tido liberdade para escolher. Drake franziu o sobrolho. – Tem alguma coisa que ver com o menino? – quis saber. – Tudo – respondeu Cortez com tristeza. Olhou para Joseph com amor. – Pensei que seria mais fácil para Phoebe se me odiasse – fechou os olhos. – Nunca pensei que... – nem sequer conseguia acabar a frase. Atormentava-o pensar que uma mulher como Phoebe, tão brilhante, generosa e cheia de vida, tivesse sofrido tanto por causa dele. Magoava-lhe a alma. – Todos fazemos loucuras num momento de desespero – disse Drake. – Mas normalmente temos a boa sorte de sobreviver. Cortez acariciou o cabelo do menino com a ponta dos dedos. – Mesmo depois de me casar, pedi férias e ei um mês a domar cavalos selvagens no rancho do meu primo. Drake compreendeu que Cortez estava a tentar dizer-lhe alguma coisa importante. – Imagino que não levou muitos coices – disse. Cortez desatou a rir-se. – Deram-me dois – olhou para Drake. – As pessoas não podem morrer quando querem. – Sim, eu sei. Eu não sou um suicida, mas fui para uma unidade de combate quando a minha namorada me deixou – respondeu. – A sua família não queria que tivesse filhos com um mestiço. Os olhos pretos de Cortez perderam os últimos traços de hostilidade.
– Alguém me disse uma vez que vivemos num mundo onde já não há discriminações. – Tolices – disse Drake com veemência. – Foi o que eu disse – respondeu Cortez. – A igualdade e a moralidade não são impostas por lei. É uma pena. Drake sorriu. – Sim. Cortez apontou para a nota de Phoebe. – Obrigado por me trazer isto. Amanhã vou informar a unidade e veremos o que encontramos. – De nada. Eu vou vigiar a menina Keller. – Obrigado. Drake encolheu os ombros. – Eu também gosto dela. Ela não vê a cor, já reparou? – Cortez lançou-lhe um olhar que falava por si só. Drake levantou uma mão e sorriu. – Até amanhã, então. Ah, outra coisa – acrescentou, da porta. – Sim? – Dadas as circunstâncias, não acha que é um pouco arriscado estar aqui sentado com um menino, com a porta aberta? Precisamente nesse momento, a maçaneta da porta rodou e uma mulher que parecia ter a idade de Drake entrou com um saco de fraldas descartáveis na mão. Olhou para Drake com os seus olhos pretos. Tinha o cabelo comprido, preto e denso e a cara arredondada. Sorriu e os seus dentes brancos refulgiram na sua tez morena. – Vai prendê-lo? – perguntou a Drake com entusiasmo, fazendo sinal para Cortez. – Posso pôr-lhe as algemas?
Drake ficou pasmado. Não lhe ocorria uma resposta. Cortez desatou a rir-se. De repente, parecia mais jovem. – Esta é Tina – disse, – a minha prima. A minha ama habitual está em Lawton, Oklahoma, com gripe. O meu pai é demasiado velho para fazer de ama e não podia deixar Joseph sozinho, portanto convenci Tina a vir comigo. Vive em Asheville. Trabalha na biblioteca da vila, mas aos fins-de-semana faz de guia turística na Vila Biltmore – acrescentou, referindo-se a um famoso lugar turístico. – Toda a gente aqui pensa que sou cherokee – disse com um sorriso. – Olá, sou Christina Falcão Vermelho – viu o olhar do seu primo e desatou a rir-se. – Ele usa o apelido Cortez, mas eu gosto mais do nome índio da nossa família. – Eu sou Drake Stewart – respondeu. – Vives aqui? – perguntou. – Sou ajudante do xerife. Ela fez uma careta. – Outro polícia – abanou a cabeça e foi pôr as fraldas em cima de uma das camas. – O meu primo tenta juntar-me com todos os seus colegas – apontou para Cortez. – Por isso é que me mudei para a Carolina do Norte. Em Asheville saio com um polícia – lançou um olhar sagaz a Cortez. – Naturalmente, não tem nada que ver contigo, Jeremiah – acrescentou com um olhar atrevido. – Drake estava a ir-se embora – disse Cortez imediatamente e levantou-se com cuidado para não acordar o menino. – Toma – deu Joseph à sua prima. – Esta noite vai ter de dormir no teu quarto. Tenho de trabalhar um pouco na Internet. – Vou cuidar bem dele – pegou em Joseph ao colo e parou à porta, junto à qual estava Drake. – Talvez voltemos a ver-nos – disse com um sorriso. Drake desatou a rir-se. – Talvez sim, se conseguirmos libertar-nos dele – apontou para Cortez em brincadeira.
– Gosta de moedas antigas – disse ela com um sussurro teatral. – Eu tenho um tostão de 1976 – disse Drake a Cortez, esperançado. O outro homem desatou a rir-se, levantou os olhos para o céu e aproximou-se do computador portátil que tinha instalado na mesa, junto à janela. – Assim que liga aquela coisa, não fala com ninguém – disse Tina. – É melhor irmos dormir. Boa noite, primo. Cortez assentiu enquanto se ligava à Internet. Drake fechou a porta do quarto e lançou um sorriso curioso a Tina. – És parecida com ele. – Somos primos – disse ela com simplicidade. – É uma pena que sejamos parentes tão próximos. É lindo. Mas, mesmo que não fôssemos, há uma certa jovem numa universidade do este. Ficou louco por ela. Depois o seu irmão morreu e a rapariga com quem vivia estava grávida. A sua família queria que abortasse, mas a mãe de Jeremiah ficou histérica e disse que morreria se isso acontecesse. Portanto Jeremiah casou-se com a rapariga – abanou a cabeça, virando-se sem se aperceber de que Drake sabia que estava a falar de Phoebe Keller. – Mas a coisa correu mal. A rapariga amava Isaac. Um mês depois de Joseph nascer, enforcou-se no alpendre da sua casa. Drake mal conseguia acreditar no azar de Cortez. – Mas o teu primo não voltou a procurar a tal rapariga. – Tentou. Mas a sua família não quis dizer-lhe nada, excepto que ela o odiava – respondeu Tina suavemente. – Diz que só lhe mandou um recorte de jornal com a notícia do casamento, mais nada. Ele voltou para casa. Perdeu o seu emprego como advogado porque a sua mãe morreu e não podia deixar Joseph com o seu pai – Tina abanou a cabeça. – ou muito mal. Perder a tal rapariga destruiu-o. Mas esta noite riu-se contigo – acrescentou. – É a primeira vez que ouço Jeremiah a rir-se em três anos!
Cinco
Ao nascer do dia, Cortez conseguiu finalmente algumas horas de sono depois de ar a noite toda a tentar descobrir a identidade da vítima. Às vezes, os casos resolviam-se sozinhos. No entanto, aquele ia ser difícil, tinha a certeza disso. Vestiu um fato, apanhou o cabelo num rabo-de-cavalo, deixou Joseph com Tina e saiu, movido por uma intuição. A única coisa que sabia era que a vítima estivera em o com uma pessoa que trabalhava na construção de um dos projectos urbanísticos da vila. Tinha a fotografia do morto que o laboratório lhe dera e tinha o seu poder do FBI. Ia bater a umas quantas portas e ver se conseguia enervar alguém. O projecto de maior envergadura ia ser um hotel com um parque temático incluído que estava a ser construído junto aos limites de Chenocetah. À volta de uma montanha cheia de grutas estavam a ser construídos mais dois hotéis quase do mesmo tamanho, também nos limites da vila. Havia uma caravana que servia como centro de operações do supervisor da obra. Cortez bateu à porta. Um homem alto, loiro e de aparência agradável, com uns trinta e cinco anos, abriu-a e olhou para Cortez com curiosidade. – Não estamos a contratar – disse amavelmente. – Não estou à procura de trabalho – Cortez mostrou a sua identificação. O homem fez uma careta. – Desculpe. Esta semana tivemos de rejeitar muita gente. Parece que metade da reserva veio procurar trabalho. Cortez seguiu-o para o interior da caravana e sentou-se na cadeira que o homem lhe ofereceu. A mesa estava cheia de plantas e de documentos. Entre eles, havia
uma fotografia de uma jovem bonita, loira e de olhos azuis, e um troféu de golfe. – Oferecer-lhe-ia um café, mas acabo de beber a última chávena e não há mais – disse o homem educadamente. Cruzou as mãos sobre a secretária improvisada. – Em que posso ajudar o FBI? Cortez tirou a fotografia do bolso e deslizou-a sobre a mesa. – Pode dizer-me se alguma vez viu este homem. O outro observou a fotografia em silêncio com o sobrolho franzido. – Não me parece. Trabalha para nós em alguma obra ou algo do género? – perguntou com genuína curiosidade. – Isso é o que quero saber – respondeu Cortez. – Foi assassinado. O outro ficou muito quieto. – Nas nossas terras? – Não. Houve um suspiro de alívio. – Ainda bem – murmurou e limpou a testa com um lenço. – Transformam a minha vida num inferno quando há algum atraso – explicou. – Chegou um carregamento de aço através de um intermediário e trouxeram-nos menos. Estivemos de braços cruzados até chegar o resto. Pensei que o chefe ia arrancarme a pele! Cortez tirou o seu caderno e a sua caneta. – O empreiteiro? – perguntou educadamente. – O empreiteiro sou eu. Lamento muito. Sou Jeb Bennett – apresentou-se. – Das Construções Bennett. A minha empresa tem a sua sede em Atlanta. – Há quanto tempo está a trabalhar aqui? – Três meses – respondeu Bennett. – Se tivesse sabido que íamos ser
pressionados por este tipo, teria pensado duas vezes antes de aceitar. Eu não gosto que persigam os meus homens enquanto trabalham. Tive de fazer algumas ameaças para ter alguma paz. Aquilo era interessante. Para um tipo com pressa por completar um trabalho, sem dúvida seria um inconveniente que se descobrisse uma gruta arqueológica nas suas terras. Cortez cravou os seus olhos pretos nos olhos azuis do outro. – Quem é o chefe? – Theo Popadopolis – respondeu. – No mundo hoteleiro chamam-lhe «O Grande Grego». Está sempre preocupado com dinheiro. Fez a sua própria fortuna. O seu pai veio para a América depois da Segunda Guerra Mundial para trabalhar como engenheiro eléctrico. Vinte anos depois, era dono de uma pequena construtora. Theo herdou o negócio e, vinte anos depois, era multimilionário. – Conseguiu fazê-lo legalmente? – perguntou Cortez. – Quem sabe? Tem poder e sabe usá-lo. – Tem o seu número de telefone? Bennett sorriu. – Claro. Oxalá pudesse ser uma mosca para ouvir a conversa que vai ter com ele – abriu a sua agenda e tirou um cartão-de-visita. – Tenho dois. Fique com este. Pode dizer-lhe que fui eu que lho dei – acrescentou com um brilho nos olhos azuis. – Isso vai dar-lhe que pensar. Os olhos de Cortez brilharam. – Quanta perversidade. – Acha? – perguntou Bennett. – Se fizermos greve, vai ver-se em apuros, não é? – levantou-se. – Se precisar de mais alguma coisa, estarei por aqui, ou o meu capataz saberá onde me encontrar. – Quem é o seu capataz? – perguntou Cortez, movido por um impulso. – Dick o Longo – disse Bennett. – É cherokee. Trabalha muito e é um
homem honrado – acrescentou, desviando os olhos como se não quisesse dizer mais nada. – Trabalhava para mim em Atlanta. – Um cherokee da Carolina do Norte? – perguntou Cortez. Bennett hesitou e depois abanou a cabeça. – De Oklahoma. – Posso falar com ele? – perguntou Cortez imediatamente. – Claro – Bennett saiu e chamou o capataz. Cortez fez uma careta ao ouvir os gritos do homem. Bennett desatou a rir-se ao reparar. – Os gritos vêm com o trabalho – disse. Um minuto depois, um homem alto e moreno com roupa de trabalho e capacete branco entrou na caravana. Parou quando Cortez tirou a sua identificação e a mostrou. – O que fiz? – perguntou imediatamente. Cortez arqueou o sobrolho. – Se não sabe, não me pergunte a mim. O cherokee desatou a rir-se e a sua cara relaxou. – Osiyo – cumprimentou no dialecto dos cherokee de Oklahoma; os cherokees de este omitiam o «o». Cortez entreabriu um olho. – Sou comanche. – Ah! Nesse caso, ma ruawe! Unha hakai nuusuka? – perguntou em comanche, sorrindo. – Olá, tudo bem? Cortez ficou impressionado e respondeu-lhe em comanche. – Tsaatu, untse? – sorriu. «Como é que fala a minha língua?», perguntou no seu próprio dialecto. – A minha mãe é comanche – respondeu o Longo amavelmente em inglês. –
O que faz aqui o FBI? Bennett está a ser acusado de fraude? – brincou. – Não. Estamos a investigar um assassinato – respondeu Cortez e, pegando na fotografia da vítima, mostrou-a a o Longo. – Conhece este homem? A reacção do capataz foi imediata, porém, foi imediatamente disfarçada. o Longo pestanejou duas vezes, franziu o sobrolho e inclinou-se para a fotografia. – Sim – disse. – Veio cá na semana ada, a perguntar por umas grutas. – Umas grutas? – perguntou Cortez. – Disse que era arqueólogo – prosseguiu o Longo. – Alguém lhe falara de uma descoberta importante, mas não lhe dissera onde procurar. Disse que a única coisa que sabia era que estava numa zona de obras, numa gruta. Por isso queria ver as nossas. – O que lhe disse? – perguntou Cortez. – Mostrei-lhe as grutas – respondeu o Longo. – Deu uma olhadela, agradeceu-me e foi-se embora. – Veio de carro? – perguntou Cortez. – Não sei – respondeu o Longo, inquieto. – Não o vi a chegar. – O que vão fazer com as grutas? – perguntou Cortez, no caso de ter de chamar os técnicos para procurar pistas. – Nada – disse o Longo, surpreendido com a pergunta. – Ficam atrás das obras, junto ao rio, escondidas por umas árvores. – Pensámos em deixar as grutas tal como estão – acrescentou Bennett. – Como atracção turística. «O Grande Grego» conhece um tipo daqui que é perito em espeleologia. Vai fazer visitas guiadas às grutas – sorriu. – Mais lucros pelo turismo, a não ser que alguém fique preso numa. o Longo desatou a rir-se. – Eu não penso entrar em nenhuma – disse. – Há morcegos!
– Diremos aos morcegos para se irem embora antes de começarem as visitas – prometeu Bennett. – Boa sorte – disse Cortez. Voltou a guardar a fotografia no bolso sem deixar de observar os dois homens, atento a qualquer reacção, porém, não viu nada suspeito. – Conhecem as outras equipas que trabalham nesta zona? – Bom, eu conheço uma – disse Bennett, mostrando-se aborrecido. – Paul Corland e o seu grupo. São algures da Carolina do Sul. Fizeram um centro comercial e uma parede caiu. Morreram dois operários. Fecharam-lhes o negócio durante a investigação do caso, mas acabaram por dizer que a culpa era dos materiais. – Mas você não acredita – disse Cortez, vendo a expressão fria do homem mais jovem. – Não, não acredito – disse Bennett. – Quando se está há algum tempo neste negócio, aprende-se a distinguir os bons dos maus. Corland é um presunçoso. Qualquer pessoa que o contrate precisa de um bom seguro – apontou para norte. – Está a construir um hotel para não sei que investidores da zona, mais ou menos a um quilómetro e meio daqui, perto do rio. Talvez devesse falar com a comissão de urbanismo local. É só um conselho. Cortez estendeu-lhe a mão. – Obrigado – disse. Bennett apertou-a e encolheu os ombros. – Eu tenho as mãos limpas. E não gosto de estelionatários. – Já somos dois – respondeu Cortez. – Três – acrescentou o Longo. – Vá com calma – disse a Cortez. – Você também – replicou Cortez. Agradeceu a Bennett pelo seu tempo e perguntou como chegar às grutas. – Importa-se que lhes dê uma olhadela? – perguntou a Bennett.
– Não, claro que não – respondeu o empreiteiro. – Quando quiser. – Obrigado.
Cortez ou com o carro junto às grutas ao sair da zona de obras. Talvez houvesse ali algum indício, alguma coisa que lhe desse uma pista. Não chovera desde a descoberta do cadáver e não se previam chuvas nos dias seguintes. Talvez houvesse rastos de pneus, um pacote de pastilhas elásticas, uma beata que pudesse conduzi-los até à vítima. Tinha de ir averiguar. No dia seguinte iria ver as obras de Corland. ou pelo motel para ver como estavam Tina e Joseph, vestiu umas calças de ganga e uma camisa de flanela aos quadrados, de manga comprida, sobre a tshirt preta. Pensando melhor, soltou o cabelo e pôs os óculos de sol. Deixando-se levar por um capricho, colocou o carro no estacionamento do museu e subiu os degraus apressadamente. Marie, que acabava de sair do gabinete de Phoebe, parou ao vê-lo. – Siyo – disse amavelmente em cherokee enquanto ela se afastava. – Desculpe – acrescentou e, ando por ela, foi direito ao gabinete de Phoebe. Fechou a porta quando entrou. Phoebe, que estava ao telefone, levantou o olhar. Espantada, abriu os lábios para deixar escapar um suspiro. O tempo parou. Estava novamente em Charleston, recuara, voltara a estar apaixonada. Cortez estava tal como no dia em que o conhecera, quando a levara a seguir o rasto da carrinha de um vândalo ecológico. Ele tirou os óculos de sol e olhou para ela. – Vou seguir uma pista – disse. – Queres vir? Ela continuava com o telefone na mão, suspenso no ar. Uma voz dizia: – Está a ouvir? Está a ouvir?
Phoebe pestanejou e aproximou-o do ouvido. – Desculpe, tenho de... Depois telefono-lhe. Obrigada. Então desligou o telefone. Levantou-se, atordoada, e olhou para ele com olhos brilhantes enquanto a surpresa dava lugar à fúria. Cortez pensava que podia apresentar-se ali, como se nada se tivesse ado, convidando-a para seguir uma pista com ele? Achava mesmo que ia ser assim tão fácil? Então perdeu a calma. – Três anos – disse friamente. – Três longos anos. Mandaste-me um maldito recorte de jornal! – procurou o recorte na gaveta e abanou-o no ar. – Um recorte de jornal, sem uma única explicação, sem uma única desculpa, nada! Nem sequer tiveste a delicadeza de me explicar porque me tinhas falado de um futuro juntos para depois te casares com outra mulher da noite para o dia. Agora apareces aqui quando estou a trabalhar, como se não se tivesse ado nada, e queres que vá contigo seguir uma pista? – atirou-lhe o recorte. Os seus olhos brilharam de raiva. – Vai para o inferno! És um insensível, maldito! Cortez deu a volta à mesa antes que acabasse de falar. Esticou os braços, puxoua para si, fê-la inclinar-se e beijou-a. – És...! – resmungou, debatendo-se. Tentou dar-lhe um pontapé, porém, ele enlaçou-lhe a perna com o tornozelo e Phoebe caiu pesadamente contra ele, agarrando-se aos seus braços para não cair. Cortez apertou-a com força e forçou-a a abrir a boca. O seu braço rodeava-lhe as costas com força. Phoebe deu-lhe um murro, contudo, ele não sentiu. Estava vivo, em chamas, o desejo ardia dentro dele pela primeira vez em três anos. Era como se todo o seu corpo vibrasse de alegria. Deixou escapar um gemido angustiado contra os lábios de Phoebe. Ela queria resistir. No entanto, a boca de Cortez era-lhe tão familiar, mesmo depois de três anos... Ele cheirava como recordava e o cheiro do seu perfume fazia com que pensasse em lugares solitários. A sua boca era ávida, hábil e exigente. O seu corpo, duro e quente. Cortez desejava-a. Não conseguia disfarçar. Nem ela, ados alguns segundos. Com um leve gemido de prazer, relaxou nos seus braços e abriu os lábios.
Levantou as mãos para a sua cara e colocou os dedos entre as madeixas compridas, densas e suaves do seu cabelo preto. O ado e o presente fundiram-se. Phoebe beijou-o com angústia. Contudo, depois de alguns instantes de loucura, conseguiu recompor-se. Ouviu vozes ao longe. Não falavam em cherokee. Riam-se suavemente. Afastou os lábios da boca devoradora de Cortez. – Jeremiah... esqueceste-te... de que a parte de cima da porta do meu gabinete... é de vidro? – perguntou. Ele pestanejou, atordoado. – Isso importa? Ela virou a cabeça para a porta. Ele fez o mesmo. Algumas carinhas risonhas estavam a espreitar. Por cima das cabeças dos meninos, sobressaía a cara pasmada de Marie. Atrás dela, cinco desconhecidos, entre eles uma mulher loira e bem vestida, observavam-nos com perplexidade. Cortez pigarreou e afastou Phoebe. Certificou-se de que recuperava o equilíbrio antes de a soltar e recuar, mantendo-se cuidadosamente de costas para a porta. Começou a recitar a tabuada numa tentativa furiosa de acalmar o desejo que se apoderara do seu corpo. Tinham-lhe caído os óculos de sol ao chão. Baixou-se lentamente para os apanhar e guardou-os no bolso. Phoebe alisou o casaco do fato e ajeitou o cabelo com nervosismo. Sentia a boca inchada. Alegrou-se por não ter um espelho. O público dispersou-se entre um bulício de risinhos. Então, ficaram novamente sozinhos... – Como pudeste? – perguntou. – És casado! – acrescentou. – Não, não sou – respondeu. – Enviuvei há mais de dois anos. Ela ainda estava a tentar respirar normalmente. Não era fácil. Sentia as pernas a
tremer. Deixou-se cair na cadeira, reunindo a pouca dignidade que lhe restava. – Ah... Ele também conseguiu relaxar. Apoiou-se na beira da mesa, observando-a. O seu rosto tinha uma expressão solene. – Um dia vou explicar-te tudo, quando estiveres pronta para ouvir. – Por mim, podes esperar sentado – replicou. – Uma vez disse-te que nunca faço nada sem ponderar primeiro todas as consequências – respondeu Cortez. – Pensei que... odiar-me poupar-te-ia ao sofrimento. – E porque haveria de sofrer? – perguntou com o que esperava ser uma voz normal. – Éramos só amigos. Ele abanou a cabeça. – Fomos mais do que isso. – Não. A expressão obstinada de Phoebe falava por si. Não pensava dar o braço a torcer, por mais paixão que sentisse e por mais que ele tentasse convencê-la de que ainda gostava dela. Cortez tinha de ganhar a sua confiança. No entanto, ela guardara o recorte de jornal, pensou Cortez. Então olhou para a gaveta aberta e viu o amuleto que o seu pai fizera para ela há três anos. Ainda o tinha! Phoebe viu o que estava a ver e fechou a gaveta bruscamente. – Lembras-te do que escrevi sobre esse amuleto? – perguntou. – O meu pai disse para o usares sempre contigo. Eu não entendi porquê. Disse que um dia ia salvarte a vida. Ela remexeu-se na cadeira. – Disseste que o teu pai era curandeiro.
– Sim. Ainda é. Quando lhe disse que te tinha encontrado, voltou a mencionar esse amuleto. Aquela era uma forma estranha de o dizer. Phoebe levantou os olhos para ele. – Que me tinhas encontrado? Ele desviou o olhar. – Expressei-me mal. Que tinha voltado a ver-te – disse. – Disse-me que deves guardar o amuleto no bolso e isto também. Deves fazê-lo sempre que saíres sozinha – tirou dois grandes pesos mexicanos do bolso das calças e deu-lhos. Eram muito pesados e ainda conservavam o calor do seu corpo. Ela sentiu o peso e a grossura das moedas. – O que são? – Pesos mexicanos muito antigos. Estão há muito tempo na minha família – disse. – O meu pai foi muito concreto em relação ao sítio onde devias levá-los. No bolso direito das calças. Ela apreciou as efígies das moedas, comovida pela preocupação do pai de Cortez. – Porque é que acha que isto vai salvar-me a vida? – Tem visões – respondeu. – Um psiquiatra diria que são alucinações ou efeito das enxaquecas... Mas ele sabe coisas. Tem dois irmãos. Um é asquerosamente normal e vive na Califórnia. O outro viveu com a sua esposa índia apache no Arizona até que ela morreu e depois ficou lá para criar o seu filho. Tem o mesmo dom que o meu pai. O seu filho trabalha para a CIA. O meu tio sabe sempre quando lhe acontece alguma coisa. – Conheci pessoas com esse dom – confessou, olhando para ele nos olhos. – O teu pai sabia que estava em perigo antes de tu vires – disse de repente, como se acabasse de entender. Cortez assentiu.
– Deu-me essas moedas há um mês. Disse que te veria quando viesse para a Carolina do Norte. – Sabia... sabia que vinhas? Cortez olhou para as grandes moedas que ela tinha na mão. – Sim. Sabe Deus como. Estive a trabalhar no Oklahoma até ao Verão. Mas, como sou índio e estão a organizar o novo departamento, destacaram-me para a Unidade de Investigação Criminal para os Territórios Índios. Mandaram-me para aqui esta semana, quando chegou a notícia do homicídio na reserva de Yonah – hesitou. – No Verão tirei uma semana de férias e fui a Charleston. Ela entreabriu os lábios. – Há três anos que não vou a Charleston – balbuciou. A expressão de Cortez era difícil de descrever. – Eu sei – disse com tristeza. – Foste... foste procurar-me – a expressão de Cortez permaneceu imível. – Mas nunca escreveste. Ele fechou os olhos. – Como podia escrever? O que poderia dizer para apagar a tua dor, Phoebe? Ela não queria pensar no ado. Era demasiado doloroso. Respirou fundo. Pelo menos, ele não sabia como ficara destruída ao receber aquele recorte de jornal. Isso salvava em parte o seu orgulho. – Isso foi há muito tempo – disse. – São águas adas. – Vem comigo – pediu Cortez Phoebe olhou para ele, perplexa. – Sou a directora do museu – começou a dizer.
– Pois tira duas horas livres. Aquilo era uma loucura, disse para si. – Não estou vestida para fazer trabalho de campo. – Podemos ar pela tua casa para mudares de roupa. – Não posso – respondeu. Bateram à porta e Marie espreitou. – Desculpem – disse. Aproximou-se de Phoebe e fez sinal com a cabeça para a mulher loira e elegante que permanecia parada junto a um homem ao lado do grupo de crianças. – Há uma professora ali fora. Estava a olhar pela janela há bocado. Diz que quer falar contigo sobre o decoro do pessoal – sorriu. Phoebe pigarreou e sentiu que corava. – Lamento muito, agora não posso. Vou sair algumas horas – disse a Marie. – Diz-lhe para falar com Harriett. – Harriett disse que ias dizer isso e também me disse para te dizer que amanhã terás de lhe oferecer um donut e um café. Phoebe levantou-se. – Que sejam dois. Diz-lhe que estou a ajudar o FBI. Os olhos de Marie brilharam. – É assim que lhe chamam agora? – perguntou, levantando as sobrancelhas. Phoebe, muito corada, ou por Cortez, agarrou na sua mala e saiu apressadamente do escritório. Cortez ficou para trás para tirar o amuleto da gaveta. Ao ar por Marie, não sorriu, porém, piscou-lhe um olho antes de pôr os óculos de sol. Marie ficou à porta, abanando a mão à frente do rosto para se refrescar. Cortez talvez tivesse mau feitio, mas era o homem mais bonito que alguma vez vira e
transbordava encanto e charme. A pobre Phoebe não podia fazer nada.
Era como nos velhos tempos. Cortez parou em frente à casa de Phoebe e ficou sentado no carro enquanto ela ava por Jock e entrava em casa para vestir umas calças de ganga e calçar umas botas. Quando voltou a sair, com os óculos de sol, foi como voltar ao ado. Phoebe usava óculos para ler, contudo, não precisava deles para ver ao longe. Cortez saiu para lhe abrir a porta. Ela entrou e pôs o cinto de segurança antes que ele se sentasse atrás do volante e fizesse o mesmo. – Que educado – murmurou. – A minha mãe insistia nisso. Isaac nunca lhe ligou. Eu, sim. Isaac. O seu irmão. Phoebe pensou sentir uma nota estranha na sua voz e olhou para ele com curiosidade. – Como está? – Morreu – respondeu secamente. Arrancou e fez marcha-atrás. Ela cruzou as mãos sobre o colo e ficou a olhar pela janela, sem saber se devia insistir ou não. – Recentemente? – perguntou. – Há três anos. Há três anos, ele casara-se com outra mulher. Havia um menino. Phoebe começou a ficar doente. E se...? Virou-se para Cortez, curiosa. – Estava grávida de três meses – prosseguiu, enquanto ia em direcção à estrada. – Os seus pais queriam que abortasse. A minha mãe teve um ataque de coração. Isaac morreu.
– Portanto sacrificaram-te para salvar o menino. Ele fechou os olhos um instante, sentindo uma onda de emoção. Phoebe continuava a ser tão intuitiva como recordava. – Joseph – insistiu – não é teu filho. É teu sobrinho! Houve uma longa pausa. Cortez respirou fundo. – É meu sobrinho. Ela voltou a olhar pela janela, sentindo-se atordoada. – Não podias dizer-me isso por carta? Quatro linhas teriam sido suficientes. – Estava casado. – Disseste que enviuvaste... Ele parou o carro ao chegar à estrada, pô-lo em ponto morto e desligou o motor. Virou-se para ela e tirou bruscamente os óculos de sol. – Um mês depois de dar à luz, deixou Joseph comigo para ir dar um eio. Precisava de estar sozinha, disse-me. Eu estava na Internet, a investigar um caso e não percebi que estava a demorar. Três horas depois, pensei que estava há muito tempo fora. Joseph tinha fome e eu ainda não sabia muito bem como preparar um biberão. Deixei-o no berço e fui procurá-la – o seu rosto contorceuse. – Tinha tirado corda do estábulo e prendeu-a à viga do alpendre das traseiras. Encontrei-a ali pendurada. Morta – ela levou uma mão à boca. – Não a amava. Era a namorada de Isaac. Estava apaixonada por ele e sofria por ele. Nunca teria sido um casamento verdadeiro, mesmo que estivéssemos casados durante dez anos. Ela não conseguia viver sem ele. Phoebe esteve prestes a dizer-lhe que sabia como aquela mulher se sentira. – Sei como se sentia. As palavras ecoaram no carro, mas ditas por Cortez, não por ela. Phoebe olhou para ele com os olhos enormes, pálida e angustiada.
– Três anos – disse com esforço. – Só conseguia imaginar o mal que te tinha feito. Quis explicar-te na altura, mas a minha mãe teve outro ataque de coração. Esteve a cuidar de Joseph enquanto eu trabalhava em Oklahoma City e o meu pai não podia cuidar do menino. Eu já tinha tido de deixar o meu trabalho como advogado porque precisavam de mim em casa. Telefonei ao meu antigo chefe no FBI. Agora tem um cargo importante. Ele deu-me trabalho e puxou os cordelinhos para que me destacassem o mais perto possível de Lawton. – Lawton? – No condado Comanche, em Oklahoma – explicou. – Não era muito longe de casa, portanto podia ir e voltar de carro. Quando a minha mãe morreu, tentei encontrar-te outra vez. Pensei que podiam destacar-me para o sudeste, que talvez te encontrasse em casa de Derrie, em Charleston. Mas não estavas lá. Dei-me por vencido e voltei para casa depois das férias. – Vim para aqui – disse. – Não podia ficar em Charleston. Tinha demasiadas lembranças – queria fazer-lhe uma pergunta, mas hesitou. – Queres saber porque não pedi a tua morada a Derrie – adivinhou. Phoebe assentiu. Cortez suspirou profundamente. – Eu pedi-lhe. Mas disse-me que lhe tinhas pedido para não o fazer. Disse que me odiavas – encolheu os ombros. – Mas mesmo assim não desisti. Demorei muito tempo a encontrar-te, mas consegui. – Como é que acabaste aqui, a trabalhar para o FBI? – quis saber. – Porque estou na Unidade de Investigação Criminal para os Territórios Índios. Encarrego-me do sudeste, até às terras dos seminole – sorriu lentamente. – Quando o meu antigo chefe ouviu falar deste assassinato e recordou que lhe dissera que te tinhas mudado para aqui, atribuiu-me o caso. É um bom trabalho e eu gosto de o fazer. Mas foram três anos muito longos, Phoebe. – Sabias que estava aqui? – perguntou. Ele assentiu. – Como é que é possível? – perguntou.
Seis
– Não ias acreditar, se te dissesse – disse Cortez. – Experimenta. – Foi o meu pai que me disse. Não sei como sabia – acrescentou. – Mas, para além de umas capacidades psíquicas assombrosas, tem alguns amigos nas altas esferas. Até na polícia. Simplesmente sabia – cravou nela um olhar ansioso. Phoebe tinha a incerteza escrita na cara. Cortez estava ali. Ela sofrera muito por ele. No entanto, não confiava nele. Não conseguia. Três anos antes, abandonaraa sem uma única explicação. Ele suspirou. – Sei o que estás a pensar. Vais demorar a voltar a confiar em mim – mordeu a ponta dos seus óculos de sol, pensativo. – Vamos fingir que acabámos de nos conhecer. Eu sou viúvo e tenho um filho. Tu és a atraente directora do museu da vila. Nada de complicações. Nem de recriminações. Seremos apenas amigos. Ela lançou-lhe um olhar receoso. – Só amigos? Mas deitaste-me na mesa do meu gabinete! – exclamou, tentando ocultar o calor que aquela lembrança lhe causava. – E agora vou meter-me numa boa confusão com a direcção se aquela professora apresentar uma queixa. – Se o fizer, eu falarei com a direcção. Dir-lhe-eis que ficaste com falta de ar e que estava a fazer-te respiração boca a boca – disse com ironia. – Podes desmaiar quando estiverem no teu escritório para lhes fazeres uma demonstração. Phoebe não queria rir-se, porém, Cortez tinha uma expressão extremamente maliciosa. Ela sufocou uma gargalhada e pigarreou. – Disseste que íamos seguir uma pista. Estamos à procura de quê?
– Não tenho a certeza – respondeu, mais relaxado, enquanto arrancava. – Mas, se o encontrarmos, saberei. Ao sair para a estrada, Phoebe olhou para o lugar onde estivera estacionado o todo-o-terreno na manhã em que levara a informação sobre a vítima do assassinato a Drake. Esteve quase a contá-lo a Cortez, porém, não havia motivo. Afinal de contas, não devia ser mais do que um condutor perdido. Phoebe decidiu esquecê-lo.
Fizeram o trajecto até às grutas da zona de obras de Bennett em silêncio. Cortez estacionou, parou um instante para tirar a pistola automática de calibre 45 que levava no porta-luvas do carro, numa capa de pele, e guardou-a sob o cinto. Phoebe olhou para ele com preocupação. – Não te preocupes – disse. – Trabalho para o governo e sei usar uma arma, se for necessário. Ela fez uma careta. – Eu também, mas não gostaria de ter de o fazer. – Por isso é que Drake te fez praticar. Se for uma questão de instinto... – Eu não consigo matar ninguém, Jeremiah – disse ela, angustiada. – Nem sequer para salvar a minha vida. Ele observou-a num silêncio tenso. – Talvez isso venha a acontecer. Quem matou o arqueólogo não vai parar se os seus negócios estão em perigo. Vi muita gente assassinada por menos de cinquenta dólares e assassinos surpreendidos por as suas vítimas terem tão pouco dinheiro. Não estamos a falar de pessoas inteligentes. Phoebe olhou para ele com o que esperava ser um olhar sedutor. Jeremiah Cortez continuava a ser o homem mais sexy que alguma vez conhecera. Era muito viril, mas também muito belo.
– Agora não temos tempo para isso – disse inexpressivamente. – Mas nem sabes em que estava a pensar! – replicou. Ao chegarem, ela saiu antes que ele tivesse tempo de lhe abrir a porta. – Pensava que gostavas das minhas maneiras refinadas – disse Cortez. Ela corou. – Posso abrir a porta sozinha. Ele não fez nenhum comentário. – Vamos por ali – apontou para os rastos de pneus meio apagados que havia no caminho. – Temos de procurar os rastos de um carro. – Aqui há muitos rastos – comentou. Cortez lembrou-se de um tipo de rastos que vira no estacionamento de terra do motel da reserva onde o arqueólogo estava alojado. Estavam em frente ao quarto da vítima. – Procura uns rastos que não têm um sulco vertical no meio. Acho que é à esquerda. Ela franziu os lábios. – Lembras-te? – inclinou-se e começou a procura. Era impossível não recordar a última vez que fora seguir uma pista com ele. – Disseste que irias à minha cerimónia de fim de curso e, como duvidei da tua palavra, ficaste sarcástico. – E tu atiraste-me com um ramo – recordou, enquanto se inclinava sobre um rasto suspeito. – Eras terrível – respondeu, olhando para ele. – Ainda és. Espero ainda ter trabalho quando aquela professora fizer queixa. – Podes vir trabalhar comigo – murmurou. – Num laboratório forense serias magnífica. Um dos teus professores da universidade disse que tinhas um talento natural para a análise da dentição.
– Eu não te disse isso – disse, surpreendida. – Como é que sabes? – Pensei que talvez os teus professores soubessem onde estavas – respondeu ele com simplicidade. Phoebe sentiu-se vazia. Oca. Doente. Toda a gente tentara protegê-la daquele homem. Ela pedira que o fizessem, pois ignorava o que acontecera. Agora que sabia, odiava perceber que, três anos antes, ela mesma se condenara. Cortez não a rejeitara por desinteresse. As circunstâncias afastaram-no dela. Ele endireitou-se bruscamente e franziu o sobrolho. Depois regressou ao carro, para surpresa de Phoebe, e tirou o que levara da gaveta da sua secretária. Então deu-lhe o amuleto. – Usa isto e os pesos no bolso direito das calças. Ela sabia que não ia servir de nada contrariá-lo. Cortez confiava demasiado nos poderes místicos do seu pai. – Está bem, está bem – guardou tudo no bolso. Depois virou-se para seguir um rasto e, de repente, sentiu um forte golpe e caiu ao chão. Uma fracção de segundo depois, ouviu-se um tiro. – Phoebe! Cortez tirou a sua pistola e começou a disparar, ajoelhado, para o lugar de onde viera o disparo. Ouviu-se outro tiro e um pouco de pó levantou-se junto de Cortez. Contudo, alguns segundos depois, ouviu-se um golpe seco e o barulho de um motor a arrancar, seguido por um veículo a acelerar não muito longe deles. Cortez não esperou que o barulho se dissie. Correu para junto de Phoebe, tocando-lhe ansiosamente. – Estás ferida? Fala comigo! Ela queixou-se e aninhou-se. – Ai! – gemeu.
– Phoebe! Acertaram-te? – perguntou. Ela conseguiu esticar as pernas com esforço e levou a mão ao lado direito, junto à barriga. – Não vejo... sangue – murmurou. Ele desabotoou-lhe as calças de ganga e desceu-as antes que Phoebe tivesse tempo de protestar. Não tinha nenhuma ferida aberta, porém, havia um hematoma enorme junto à zona do apêndice. Cortez apalpou-o e os seus dedos roçaram os pesos que ela acabava de guardar no bolso. De repente, sentiu-se enjoado. Olharam um para o outro. Ela enfiou a mão no bolso e tirou o amuleto e as moedas. Havia um buraco no meio de um dos pesos e uma bala incrustada no segundo. O dom do seu pai salvara-lhe a vida. – Quase te acertou na artéria femoral – disse, assustado. – Nem terias aguentado até ao hospital. Phoebe tremeu. – Sabia! O teu pai sabia! Cortez abraçou-a com força, sentou-se no chão e embalou-a, tentando não pensar no que podia ter acontecido. – Fugiu – murmurou Phoebe contra o seu peito. Cortez ficou tenso. – Não faz mal – beijou-lhe a testa e respirou fundo. Tirou o telemóvel, que levava no cinto, e marcou um número com uma mão. – Preciso de uma ambulância e que o ajudante do xerife do condado de Yonah, Drake Stewart, venha imediatamente à parte de trás da zona de obras de Bennett. É ao fundo da rua Deal, numa gruta, entre umas árvores, junto aos limites de Chenocetah – disse. – Estamos a uns cinquenta metros da reserva índia de Yonah, num caminho de terra.
– Com quem estou a falar? – perguntaram do outro lado da linha. – Com o agente especial Jeremiah Cortez, do FBI – respondeu. – Houve um tiroteio. Diga a Stewart para dar uma olhadela entre as árvores à direita do caminho. – Um segundo! – exclamou a operadora. – Não desligue. – Não há tempo – disse Cortez. – O culpado fugiu – desligou e voltou a marcar enquanto Phoebe continuava aninhada ao seu lado, ainda dorida. – Preciso que me mandem uma equipa técnica na carrinha de Jones – disse. – Vou dar as instruções. Voltou a desligar. – Era a minha unidade – disse a Phoebe quando acabou de falar. Apertou os dentes. – Olha, vou ter de te deixar na ambulância. Não posso ir contigo – parecia estar aborrecido por não poder acompanhá-la. – Tenho de esperar pela minha unidade para reunir provas. Com um pouco de sorte, talvez consigamos encontrar os cartuchos das balas. – Está bem – disse com voz rouca. – Já sou crescidinha. Posso ir na ambulância sozinha. Ele não sorriu, como talvez tivesse feito noutra ocasião. – Podiam ter-te matado – resmungou. Ela olhou fixamente para os seus olhos atormentados e obrigou-se a sorrir apesar da dor. – Cometeu um erro. Deu um o em falso. Vamos apanhá-lo. Não esperava que estivesses em perigo aqui – disse Cortez como se não conseguisse acreditar. – Não te teria pedido para vires comigo se soubesse que isto podia acontecer. Phoebe tocou-lhe na boca com uma mão. – Isto é muito melhor do que ter de dar explicações a uma professora, acredita. Ele agarrou-lhe na mão e beijou-a com ânsia.
A sua preocupação inquietou Phoebe, que não esperava uma reacção tão veemente. – Vou ficar bem. Depois vamos apanhar esse idiota. Está bem? – Está bem – respondeu, preocupado. – Não te culpes. Quem podia imaginar que iam começar a disparar? – Acho que assustei alguém – disse friamente. – Como? Ele começou a responder, porém, o barulho das sirenas abafou a sua voz. Drake parou o seu carro mesmo atrás da ambulância. Menos de três minutos depois, os paramédicos chegaram ao pé de Phoebe com uma maca. Cortez explicou-lhes o que acontecera, enquanto a examinavam. Drake estava fora de si. – Um de nós tem de ir com ela – disse sinceramente. – A minha unidade vem a caminho – respondeu Cortez depois de deixar Phoebe nas mãos dos médicos. – Não posso ir. Drake virou-se para ele. Cortez tinha o rosto rígido devido à preocupação. – Não se preocupe. Eu vou com ela. Vai ficar bem... Prometo-lhe. Aquilo pareceu acalmar Cortez, porém, só aparentemente. Não conseguia tirar da cabeça a imagem de Phoebe morta. – Está tudo bem – disse Drake com firmeza, muito sério. – Vá apanhar o culpado, está bem? Eu cuido dela. Cortez respirou fundo para se acalmar. – Quando o encontrar – disse, – vai desejar viver noutro continente. – Bem dito. Vou buscar-lhe mais balas para a pistola – prometeu Drake, dandolhe uma palmada no ombro enquanto sorria. – Agora, ao trabalho. Phoebe vai ficar bem.
Cortez parou junto à maca onde Phoebe estava deitada. Os paramédicos garantiram-lhe que não era grave. Agarrou-a pela mão e apertou-a com força. – Vou ver-te assim que acabar aqui. Drake vai contigo. – Ah! – exclamou. – Os índios fazem fila. Ele sorriu suavemente. – Alguma coisa parecida – beijou-lhe os dedos e pousou-lhe a mão sobre a cintura. – Faz o que o médico mandar. – Onde está o meu amuleto? – perguntou. Cortez fez uma careta. – É uma prova. – As moedas, sim, mas o amuleto não. Dá-mo – disse. Ele tirou o amuleto do bolso com um suspiro e pô-lo na sua mão. – O teu pai sabe o que faz – disse ela. – Eu disse-te. Tem cuidado. – Tu também. Não és feito à prova de balas e não tens um destes – levantou o amuleto. Cortez franziu os lábios, enfiou a mão no bolso e tirou um amuleto idêntico ao dela. – O meu pai disse que eu não precisava de moedas. Fez uma careta e depois sorriu para a reconfortar. Parecia muito preocupado. Drake entrou na ambulância com ela, depois de avisar por rádio que ia para o hospital. Os paramédicos fecharam a porta da ambulância perante o rosto sombrio de Cortez, que continuava com o amuleto na mão. – O que é esse amuleto? – perguntou Drake. – O pai de Cortez fê-lo para mim há três anos – respondeu, fazendo uma careta. O hematoma começava a doer-lhe muito. – Hoje deu-me mais dois pesos
mexicanos. Jeremiah acabava de me dizer para os guardar no bolso, exactamente onde o seu pai dissera, quando começaram os tiros. Se não os tivesse no bolso, estaria morta. A bala acertou junto à artéria femoral. Drake assobiou. – Isso é que é sorte. – Eu sei. O pai de Jeremiah é xamã e também é uma espécie de vidente. Não sei se antes acreditava nessas coisas... mas agora acredito. – Não é de estranhar. O que estavam Cortez e tu a fazer ali? – Fomos dar uma olhadela a umas grutas que o antropólogo assassinado visitou. Ficam atrás das obras de Bennett. Começaram a disparar quase assim que chegámos – Phoebe fechou os olhos e depois voltou a abri-los. – Só quero que me tratem para os ajudar a encontrar a pessoa que disparou. Depois quero ar cinco minutos a sós com ela! – Primeiro vou ter de te dar umas aulas de artes marciais – brincou Drake. Ela deixou escapar um suspiro. – Isto dói imenso. Não fiquei ferida, mas tenho uma grande nódoa negra – levou a mão ao lugar do impacto. Drake mudou de assunto. Não queria pensar no mal que um golpe traumático conseguia fazer à carne, mesmo que não houvesse ferida. Vira como um golpe nas costelas causava problemas pulmonares que levavam a uma hemorragia interna e até à morte. Mais tarde, no hospital, Phoebe fez todo o tipo de exames antes de a médica, uma jovem de cabelo preto, entrar no quarto que lhe tinham atribuído. Olhou para o seu relatório e levantou as sobrancelhas ao ver a jovem loira que jazia na cama. – Se me tivessem dado um tiro – disse, – estaria a subir pelas paredes. Está muito calma, dadas as circunstâncias.
Phoebe suspirou. – Sou antropóloga. Lembra-se de Indiana Jones? – perguntou. – Chapéu, chicote, um ar presunçoso... A médica desatou a rir-se. – Está bem, entendido. Drake espreitou. – Tenho de ir – disse a Phoebe. – Vêm buscar-me. Precisam de mim para interrogar as pessoas que havia perto das obras. Até chamaram os trabalhadores a tempo parcial. Vai ficar bem, doutora? – perguntou à médica. – Sim – respondeu. Drake levantou o polegar. – Depois telefono-te – disse a Phoebe e saiu. A médica apoiou-se contra a parede, junto à cabeceira da cama, e começou a folhear os resultados do laboratório. – Bom – disse, – tem um hematoma grave na virilha. Ocupa uma zona substancialmente maior do que um orifício de bala. O que me leva a perguntar: porque é que a bala não penetrou? – Levava dois pesos mexicanos no bolso – disse Phoebe com naturalidade. – Atravessou um e incrustou-se no outro. As finas sobrancelhas da médica arquearam-se. – Estava à espera que lhe dessem um tiro e preparou-se? Phoebe fez uma careta. – Às vezes a realidade supera à ficção. – Sou médica. Vi um homem que levou um tiro à queima-roupa com uma espingarda de canos cerrados. Caminhou dois quilómetros à procura de ajuda e
sobreviveu – disse a médica, abrindo a mão com a palma para cima. – Conte-me tudo. Phoebe assim fez. A médica ficou calada um minuto. Depois voltou a fixar os olhos nos resultados do laboratório. – Eu mandava um presente a esse xamã. – É o que vou fazer. Salvou-me a vida. – Porque é que fizeram isto? Sabe? – Estava a ajudar um agente do FBI a seguir o rasto de um veículo suspeito num caso de homicídio – respondeu Phoebe com calma. A médica pestanejou. – Do FBI? Ela assentiu. – Faz parte da nova Unidade de Investigação Criminal para os Territórios Índios do FBI. Veio investigar o homicídio da reserva de Yonah. – E estava a ajudá-lo com uma pista. – Sim – disse. – E foi com ele por alguma razão em particular? – Sim. Acabava de me beijar quase até me asfixiar no museu onde trabalho. Os alunos de uma escola pararam para olhar. Tinha duas opções: ou ia procurar pistas, ou tinha de dar explicações a uma professora muito zangada – fez uma careta. – Escolhi o mal menor. Eu gosto de pensar que se trata de um exercício de valentia no melhor sentido da palavra. A médica desatou a rir-se. – Pois tem muita sorte. Ou um dom. Talvez tenha um guardião entre as pessoas
pequenas. – Como os duendes? – perguntou Phoebe. – Os Nunnehi – respondeu a médica. – Os cherokees dizem que as pessoas pequenas protegem os viajantes nos bosques. Às vezes, ouvem-se a cantar ao longe. É uma lenda bonita, não é? Cantar. Ao longe. Em cherokee. Phoebe não disse nada, porém, lembrou-se da melodia que ouvira alguns dias antes, de madrugada.
Seis horas depois, Drake, que voltara ao hospital, levou-a para casa de carro. Os médicos tinham querido mantê-la em observação toda a noite, no entanto, não encontraram motivos suficientes para justificar o seu internamento. Phoebe tinha um bom seguro, contudo, não queria ter de o usar a não ser que fosse uma questão de vida ou morte. Quando chegaram a sua casa, Cortez estava a ear pelo alpendre. – Telefonou-me imensas vezes – confessou Drake. – Tive de lhe dizer que estávamos a caminho, ou teria ido ao hospital. Ela sorriu. – Não importa. De facto, estava comovida por Cortez estar tão preocupado, embora não quisesse iti-lo. Drake parou à frente da sua casa e desligou o motor. Saiu para lhe abrir a porta, contudo, Cortez adiantou-se. Rodeou-lhe a cintura com o braço e ajudou-a a entrar na casa. – Pensava que ia pegá-la ao colo e levá-la para dentro – brincou Drake. – Não pode levantar pesos – disse Phoebe com simplicidade. – Ficou com uma lesão da Guerra no Vietname.
Drake franziu os lábios. Os olhos de Cortez adoçaram. – Tinha-me esquecido de que te tinha contado isso – disse. Phoebe pigarreou, sobressaltada. – Às vezes a vida dá-nos uma segunda oportunidade – disse Drake sem se dirigir a ninguém em particular. – Como a Phoebe hoje – respondeu Cortez. Estava vestido com umas calças de ganga e uma camisa de flanela. Levava o cabelo solto, mas despenteado, como se umas mãos nervosas o tivessem revolto. – É por isso que não vou deixá-la aqui sozinha, no meio do campo, toda a noite. Phoebe hesitou. Então apercebeu-se de que faltava alguma coisa. – Jock! – exclamou, receando que quem tentara assassiná-la tivesse matado o seu cão. – Deram-lhe um quarto no hospital veterinário da vila – respondeu Cortez imediatamente. – Vão tratá-lo muito bem. – Não podes fazer isso! – exclamou. – Já fiz. Faz a mala, Phoebe – disse calmamente. – Vou levar-te para o motel com Tina e comigo enquanto isto não acabar. – Até quando? – Até apanharmos o responsável – respondeu Cortez. – É melhor não te esqueceres que atira a matar. Se não tivesse sido pelos pressentimentos do meu pai, agora estarias morta. Phoebe sentiu-se enjoada e sentou-se pesadamente no braço do sofá. – Desculpa – disse Cortez. – Não queria ser tão brusco. – Mas tem razão – acrescentou Drake. – Não podes ficar aqui sozinha. Esse tipo não vai parar. Da próxima vez não vai conformar-se com um tiro.
– Exacto – disse Cortez. Phoebe apertou os dentes. – Mas vai parecer que estou a fugir. Os dois homens olharam um para o outro. – Considera-o uma retirada estratégica – disse Cortez. – Até Quanah Parker, um dos chefes comanches mais famosos, o fazia de vez em quando. Nunca ninguém o acusou de ser um covarde, não foi? – perguntou a Drake. Drake assentiu. – É verdade. Ela mordeu o lábio inferior, preocupada. – Vai dar má impressão... – Ficarás no quarto de Tina, com Joseph – disse Cortez com paciência. – Eu estarei na porta ao lado. Estarás a salvo. No quarto do menino. O menino era o motivo por que a abandonara para se casar com uma mulher que nem sequer amava. A culpa não era do pequeno, contudo, a sua presença ia reavivar uma lembrança dolorosa. Phoebe não gostou da ideia, porém, não queria ficar ali sozinha, sobretudo quando Cortez lhe tirara o seu único guardião: Jock. – Vais gostar de Tina – disse Drake. – É muito simpática. – Sim, é verdade – garantiu Cortez. – É parente da tua esposa? – perguntou. – É minha prima – respondeu lentamente. Às vezes as pessoas casavam-se com os seus primos ou primas, pensou Phoebe, embora não o dissesse em voz alta. Aquilo não descartava a misteriosa Tina como sua rival no amor de Cortez.
Phoebe olhou para os dois homens. Então apercebeu-se de que pareciam tão cansados como ela. Fora um dia muito longo. – Desculpem – disse, levantando-se com esforço. Sentia a barriga terrivelmente dorida. – Estou a ser teimosa e vocês estão mortos de cansaço. Vou fazer a mala. Descobriram mais alguma coisa? – perguntou a Cortez. Ele relaxou um pouco e, pondo as mãos nos bolsos, aproximou-se da janela. – Não muito. Um cartucho de bala. Muito comum, de calibre 45. Pode ser de uma pistola ou de um revólver – virou-se para ela. – Mas, a julgar pela velocidade – acrescentou, olhando fixamente para ela, – foi uma pistola. Um disparo de revólver teria atravessado a moeda de prata. – Então, a pessoa que disparou estava perto – sugeriu. Cortez assentiu. – Encontrámos o cartucho a uns cem metros de onde estávamos. De qualquer forma, o atirador era um perito. Não é fácil acertar em alguém àquela distância sem mira telescópica. – Vai pedir testes balísticos? – perguntou Drake. Cortez assentiu. – Mandei a bala para o nosso laboratório em Washington – disse. – Com um pouco de sorte, talvez possam dizer-nos onde foi comprada e até que tipo de arma a disparou. – Havia rastos latentes? – insistiu Drake. – Poucos – disse Cortez com um sorriso. – Mas talvez ajude. Encontrámos mais uma coisa: uma beata. – Então a pessoa que disparou fuma – sugeriu Phoebe. Ele assentiu. – Se é que a beata era dele – acrescentou. – Não há forma de saber há quanto
tempo estava ali. – Anteontem à noite choveu – disse Drake. – A beata não estava molhada – respondeu Cortez. – Por enquanto, a investigação está a correr bem. – Pelo menos posso voltar para o trabalho? – perguntou Phoebe, depois de fazer uma mala para três dias. – Estaria rodeada de gente – disse Drake. – Tem razão – disse Cortez. – Está bem, mas não saias do teu escritório a menos que um de nós esteja contigo. Phoebe pareceu contrariada, porém, não teve outro remédio senão aceitar. Olhou para os dois. Não pareciam dispostos a dar o braço a torcer. – Está bem – disse. Cortez olhou para o seu relógio. – É melhor irmos. Tenho um compromisso cedo. – Com outro construtor? – perguntou Drake. – Quer apoio, no caso de haver outro tiroteio? Cortez desatou a rir-se. – Isso foi um golpe baixo. Drake encolheu os ombros. – Era só uma pergunta. – Vou fechar tudo – disse Phoebe. Percorreu a casa, divisão a divisão, verificando as janelas e as portas até ter a certeza de que estavam todas bem fechadas. – Parece uma casa desabitada – murmurou Drake. – Nem fotografias, nem
lembranças, nem figurinhas... – Quase todas as minhas coisas estão em casa da minha tia Derrie – disse Phoebe. – Pareceu-me absurdo trazer imensas coisas que depois teria de levar para outro sítio. – Estás a pensar partir? – perguntou Drake. – Hoje não – disse ironicamente. – Queria dizer algum dia. É uma forma de falar. Cortez não disse nada. Abriu a porta e foi para o alpendre.
Tina foi recebê-los à porta do seu quarto e lançou um olhar cheio de curiosidade a Phoebe. – Tu é que és a famosa Phoebe – murmurou. – Prazer em conhecer-te. Ele não me conta nada – fez sinal para Cortez. – Não tentes surripiar-lhe informação – avisou o seu primo. – Mas não a percas de vista – acrescentou com firmeza. Tina ficou séria de repente. – Sim, já ouvi o que aconteceu – disse. – Fico feliz por estares bem. Ainda bem que o pai de Jeremiah é xamã, não é? – Sim, ainda bem – disse Phoebe. – Só estou um pouco dorida. Podia ter sido muito pior. – Aqui estás a salvo – garantiu Tina. – Chamo-me Christina Falcão Vermelho. Também é o apelido dele, mas não gosta de o usar – disse a Phoebe, fazendo sinal para o seu primo. – Tem um sentido de humor horrível. – Ah, sim? – perguntou Drake com um sorriso e Tina corou. – Bom, o bisavô que raptou a bisavó de Jeremiah chamava-se Cortes, com «s» – disse Tina. Phoebe olhou para Cortez com curiosidade.
– Raptou-a? – perguntou. – Manteve-a duas semanas fechada numa cabana, até que ficou desonrada e teve de se casar com ele – prosseguiu Tina. – Tiveram dez filhos. Viveram com os comanches, aprenderam a sua língua. O avô de Jeremiah era o mais novo dos seus filhos. – Estiveram juntos muito tempo? – perguntou Phoebe. – Cinquenta anos – respondeu Tina com um suspiro. – Não é romântico? Eram inimigos. A família dela atacou a dele. Até mataram alguns parentes afastados deles. Suponho que o amor aguenta tudo. – Chega de conversa. Deixa-a ir para a cama – disse Cortez à sua prima, puxando-lhe uma madeixa de cabelo. – Teve um dia muito difícil. – Eu cuido dela – prometeu Tina. – Sei cuidar de mim, obrigada – disse Phoebe a Cortez com firmeza. Os outros três olharam para ela. – Ninguém vê uma bala a vir – defendeu-se Phoebe. – O pai de Jeremiah sim – relembrou Tina. – Vamos para a cama. Como está o meu menino? – acrescentou, entrando no quarto atrás de Phoebe e de Drake. Joseph estava sentado no meio de uma das duas camas, a brincar com uns blocos de pano. Olhou para Cortez e sorriu, abrindo os seus braços gordinhos. – Papá! – exclamou. Cortez levantou-o, abraçou-o com força e deu-lhe um beijo na face. – Como está o meu rapaz? – perguntou com tanta ternura que Phoebe sentiu um aperto no coração. – Já sei contar até cinco, papá! – exclamou, mostrando-lhe quatro dedos. – Onde estiveste? Estava sozinho! Tina não me deixou comer bolo. – Bolo de chocolate – disse Tina. – Teria ado a noite toda maldisposto.
– Eu queria bolo – resmungou Joseph. Olhou por cima do ombro de Cortez. – Quem és? – perguntou a Phoebe. – É Phoebe – disse Cortez, virando-o para ela. – Fizeram-lhe um dói-dói. Vai ar a noite com Tina e contigo. Tens de ajudar a cuidar dela. – Está bem – disse Joseph, observando Phoebe. – Tem o cabelo loiro. – Sim, tenho o cabelo loiro – disse Phoebe. Não queria gostar do menino, porém, ele tinha uns lindos olhos pretos e o sorriso de um anjo. – Gostas de ler? – perguntou. – Sim, gosto de ler – Phoebe apercebeu-se de que começava a parecer um papagaio. – E tu? Joseph sorriu. – Eu gosto de Bob! Phoebe olhou para Tina. – Bob, o Construtor – explicou. – Uns desenhos animados da televisão. – Ah! – Sabes contar histórias? – insistiu Joseph. – Sim, mas vamos cedo para a cama – disse Tina. Pegou em Joseph ao colo. – Isso significa que todos os que não sejam mulheres ou meninos pequenos têm de sair – olhou para os dois homens. – Estás a expulsar-nos – disse Drake. – Está bem. Se precisarem de nós... – Eu estou aqui ao lado – disse Cortez. – E eu não vou afastar-me do telefone – acrescentou Drake. – Cortez tem o número. Uma última coisa, não se aproximem das janelas. Phoebe fez uma saudação militar. Drake desatou a rir-se e saiu. Cortez piscoulhe um olho e saiu atrás dele.
– Os homens são mesmo chatos – disse Tina a Phoebe, enquanto levava Joseph para a cama. – E parece que tens os dois atrás de ti. – Eu não preciso de um homem – disse Phoebe com firmeza. Os olhos de Tina brilharam. – Isso é o que todas dizem! – Tenho muito sono – disse Phoebe. Tina desatou a rir-se. – Está bem. Percebi a indirecta. Eu também tenho sono. Os dentes de Joseph estão a nascer. Jeremiah e eu não dormimos muito ontem à noite. – Os dentes? – Receio que seja um processo longo – disse Tina. – Vais ver. Phoebe não soube a que se referia até que, às duas da manhã, Joseph soltou um gemido e começou a chorar. Parecia muito aflito. Tinha a carinha quente e babava-se.
Sete
– Dói-me, Tina – balbuciou contra o ombro de Tina. – Eu sei, bebé, lamento – disse Tina. – Vou buscar os remédios. Phoebe, podes segurá-lo? Espera, senta-te para que não te magoe na barriga. Suponho que deve doer-te muito. – Sim – respondeu Phoebe e deixou que Tina pusesse Joseph nos seus braços. – Dói-me – soluçou Joseph, agarrando-se a ela. Apertava a cabecinha contra os seus seios. Cheirava a sabonete e a pó de talco. Tinha o cabelo muito liso, de uma cor castanho-clara. Phoebe dormira com uma t-shirt de algodão e sentia a carinha molhada do menino através do tecido. Nunca soubera lidar com meninos pequenos. Na sua família não havia nenhum. Via-os no museu, claro, porém, não se relacionava com eles. Joseph era filho de Cortez, embora fosse adoptado. Era o filho do seu irmão. Tinham o mesmo sangue, eram da mesma família, partilhavam a mesma história. Ela ficou tensa ao princípio, contudo, a pouco e pouco, foi relaxando e começou a segurar no menino com bastante naturalidade. Pousou-lhe a mão nas costas automaticamente e começou a fazer-lhe festas. Tina voltou com uma colher de xarope. – É muito bom – disse, aproximando a colher de Joseph. – Engole, meu querido, e vais ver que a. Ele fez uma careta. – Não gosto – gemeu. – Muitas coisas de que nós não gostamos são boas para nós – disse Tina carinhosamente. Colocou um dedo na boca de Joseph e esfregou-lhe a gengiva
com o líquido quase transparente. – Não! – resmungou Joseph. – Vai fazer-te bem – garantiu Tina. Olhou para Phoebe enquanto limpava o dedo num lenço de papel. – Espera um segundo. Eu seguro-o. – Não! – gemeu Joseph quando Tina tentou afastá-lo de Phoebe. – Não quero ir contigo – elas olharam uma para a outra. – Gosto de «Bebe» – disse o menino, ensonado. – Cheira bem – esfregou a cara contra o seu peito. Phoebe nunca se sentira tão enternecida. O menino agarrou-se a ela. Não queria que o separassem dela. Até lhe pa um nome: «Bebe». Era estranho que alguém precisasse dela. Nunca lhe acontecera nada igual. O seu pai fora sempre um homem independente e saudável. A sua mãe raramente esteve doente até ter morrido. A sua madrasta, que se casara há muito tempo, ignorava-a. Derrie, a sua tia, tinha os seus próprios interesses e nunca precisava que cuidassem dela. No entanto, ali estava aquele homenzinho de que Phoebe guardara rancor desde o dia em que soubera da sua existência. Era irónico que ele precisasse dela. – Quero «Bebe» – balbuciou Joseph outra vez, agarrando-se a ela com todas as suas forças. Phoebe apertou-o instintivamente e um arrebatamento de pura alegria apoderouse dela. – Não faz mal – disse Phoebe, quando Tina pareceu disposta a tentar outra vez. – A sério. Pode ir dormir comigo. Não me incomoda. – «Bebe» é muito boa – murmurou Joseph com os olhos fechados, aninhando-se nos braços de Phoebe. – Vai magoar-te na barriga – disse Tina, reticente. – Não – respondeu Phoebe com ternura, enquanto acariciava o cabelo do menino. – Vamos, homenzinho – sussurrou. – Vamos tentar dormir, está bem? – Sim – murmurou. Phoebe voltou para a sua cama e aninhou Joseph contra o seu ombro. Sorriu a
Tina e fechou os olhos. Alguns minutos depois, o menino e ela adormeceram profundamente.
Na manhã seguinte, Cortez ficou parado à porta, boquiaberto, ao ver a cama ao lado de Tina. Joseph estava sobre os seios de Phoebe, a dormir profundamente. E Phoebe também. Pareciam uma obra de arte. – Não queria afastar-se dela – explicou Tina em voz baixa, rindo-se. – Pelo menos dormiu. Cortez observou Phoebe em silêncio, espantado. O coração disse-lhe para os apertar nos seus braços e nunca se afastar deles. Aquilo foi como uma revelação. Não esperava que Phoebe se afeiçoasse ao menino. Mostrara-se até reticente em ficar na mesma divisão que ele, embora tivesse fingido que não se importava. No entanto, pelos vistos, Joseph conseguira conquistá-la. Tina reparou na expressão do seu primo e disfarçou o seu regozijo. Durante os anos anteriores, Jeremiah vivera como um eremita. Não saíra com ninguém. Porém, ao vê-lo com Phoebe, Tina entendeu porquê. Compreendeu o que sentia por aquela mulher. Notava-se à distância. Não era de estranhar que Drake tivesse ficado tão estranho quando lhe falara da loira que Cortez amara e perdera. Era Phoebe e ele percebera! Além disso, também gostava muito dela, ou Tina era muito má a julgar o carácter dos outros. Perguntava-se o que Phoebe sentiria por Drake. – Tenho de a acordar – disse Tina com desinteresse – ou vai chegar tarde ao emprego. – Eu levo-a lá. Tina olhou para ele com ironia. O seu primo não notou. Aproximou-se da outra cama e tocou suavemente no ombro de Phoebe. Ela abriu os olhos. Eram do azul-claro de um dia de Outono. Pestanejou. – Jeremiah? – murmurou, atordoada. Ele afastou-lhe o cabelo da cara.
– Como te sentes? Phoebe remexeu-se, sentiu o peso de Joseph e fez uma careta quando, ao mexer a perna, a dor se intensificou. – Ai! – resmungou. Joseph sentiu-a a mexer-se e abriu os olhos. – Papá – murmurou, sorrindo. – «Bebe» cheira bem. – «Bebe»? Phoebe conseguiu esboçar um sorriso. – Sou eu. Estás melhor, pequeno? – perguntou a Joseph, afastando-lhe o cabelo húmido. – Sim – assentiu e bocejou. – Tenho sono. Tina aproximou-se e pegou-lhe ao colo. – «Bebe» tem de ir trabalhar. – Não – protestou Joseph. – «Bebe», fica! Phoebe levantou-se com esforço, dorida. Tocou na cara de Joseph com a ponta dos dedos. – Voltarei depois e com uma surpresa para ti. – Uma surpresa? Um tigre? Ela desatou a rir-se. – Logo se vê – olhou para Cortez com curiosidade. Ele tinha uma expressão... estranha. Então virou-se. – Espero por ti no carro – disse. – Vou levar-te ao museu. – Aonde vais? – quis saber.
– Falar outra vez com o construtor. – Leva um colete à prova de bala – replicou. Ele limitou-se a fechar a porta sem fazer comentários. – Ainda vai fazer com que o matem – resmungou Phoebe enquanto pegava na sua roupa e vestia as calças, uma t-shirt e um casaco. Estava tão dorida que tinha dificuldade em vestir-se. – Ele é forte – garantiu Tina. – A médica não te disse para descansares alguns dias? – acrescentou. – o o dia sentada. Isso não pode fazer-me muito mal – disse Phoebe. ou uma escova pelo cabelo, maquilhou-se um pouco e pintou os lábios com uma cor suave. – Conhece-lo há muito tempo? – perguntou. – Jeremiah? – Tina desatou a rir-se. – Desde sempre. Levava-me à escola de manhã, quando vivia em casa. O autocarro ava quando queria, porque vivíamos longe. O seu pai ainda vive no mesmo sítio. Odeia a vida moderna. Diz que é a causa de todos os nossos problemas, que as pessoas não foram feitas para viver em cidades. – Tem razão – teve de itir Phoebe. Apertou a zona ferida, sob as calças. – E tem um dom espantoso. Se não fosse por ele, estaria morta. – Às vezes mete medo – comentou Tina. – Sabe cada coisa. Phoebe rebuscou na sua mala. – Na Carolina do Sul, perto de onde a minha tia cresceu, havia uma mulher assim. Conseguia ver o futuro. Não como as pessoas que aparecem na televisão. Ela via mesmo o futuro. Dizia que era uma maldição. A maioria das coisas que via era má. Não era índia, nem xamã. Mas tinha um dom. Tina inclinou a cabeça. – Suponho que, com a tua formação, deves conhecer muitos indígenas. Phoebe assentiu.
– Eu acho que a sabedoria terrestre reside nas culturas indígenas antigas – respondeu. – Talvez um dia, o saber das vilas indígenas permita que uma parte da humanidade sobreviva. – Sobreviva? Phoebe pegou na sua mala. – A humanidade evoluiu num nicho ecológico muito estreito, dependente de energias não renováveis. Um dos meus professores de Antropologia dizia que qualquer cultura tão dependente de uma coisa está condenada à extinção. – Vais gostar do pai de Jeremiah. Fala como tu – Tina riu-se. – Está sempre a contar-nos a história do Guerreiro do Arco-íris. Phoebe sorriu. Aquele era o fundamento das suas ideias a respeito da sabedoria das culturas ancestrais, que estavam destinadas a salvar a raça humana. Os nativos chamavam-lhe a lenda do Guerreiro do Arco-íris. – Estava empenhado em que Jeremiah fosse para a universidade... tal como ele – acrescentou Tina. Aquilo surpreendeu Phoebe. Apesar da sua formação refinada e do seu profundo conhecimento dos povos indígenas, imaginava que a vida do pai de Cortez fosse menos convencional. Sentiu-se envergonhada por aquele preconceito. – Andou mesmo na universidade? Tina franziu os lábios. – Sim. Diz sempre que a educação é a única forma de fugir da pobreza. Adora História. Os olhos de Phoebe iluminaram-se. – Imagina. – Sabe tudo sobre ti, claro – continuou Tina. – Jeremiah não falava de outra coisa quando voltou de Charleston – fez uma careta. – Foi terrível que Isaac morresse daquela forma.
– Como? No entanto, antes que Tina conseguisse responder, a porta abriu-se e Cortez espreitou com impaciência. – Tenho pressa – disse. Phoebe aproximou-se da porta. – Não quero que te atrases por minha causa! Tina desatou a rir-se. Cortez não se riu. Os acontecimentos dos dois dias anteriores tinham-no deixado mal-humorado.
Parou à frente do museu e desligou o motor. Começara a chover de repente e, ao longe, viam-se relâmpagos. Olhou para Phoebe com os olhos entreabertos. – Eu não gosto de te perder de vista – disse sem rodeios. – Não vão tentar matar-me no museu – respondeu. – E, falando de matar, não estás a tentar a tua sorte ao ir a outra zona de obras? É óbvio que há alguém que não gosta que andes por aí a fazer perguntas. – Achas que há um esqueleto Neandertal escondido por aí, em algum lado? – perguntou, muito sério. – Não – respondeu imediatamente. – Não nego a possibilidade de que houvesse povos indígenas nesta zona, muito antes da Era Glaciar, mas o mais provável é que, se assim fosse, já tivessem encontrado vestígios. – Então, porque é que achas que o arqueólogo disse que sim? Ela reflectiu sobre a pergunta. Cada vez chovia mais. – Acho que queria que alguém investigasse um crime e que pensava que ninguém o ajudaria a não ser que contasse alguma coisa espectacular. Acredito que tenha descoberto restos humanos. Mas não Neandertais. Alguém está a
quebrar a lei para que as obras não se atrasem. Punha as mãos no fogo por isso. E tenho a certeza de que estão dispostos a matar para impedir atrasos. Cortez parecia pensativo. – Era o que eu pensava. – Deves ter assustado alguém da obra de Bennett – prosseguiu, escolhendo cuidadosamente as suas palavras. – Tens ideia de quem possa ter sido? Cortez ou as mãos pelo volante enquanto pensava. – O chefe da obra é de Oklahoma e tem sangue cherokee. O arqueólogo também parece ter ascendência cherokee. Acho que pode haver alguma ligação entre eles. – Eu também. Porque não pedes a Drake e a Marie para te ajudarem? – acrescentou. – Conhecem quase toda a gente na reserva. – Já pedi – respondeu. Olhou para os olhos azuis de Phoebe. – Mas tentarem matar-te não fazia parte do plano. – O teu pai salvou-me a vida – disse com um sorriso. – Sou muito forte. Agora vai apanhar o assassino. Ele soltou uma breve gargalhada. – Fazes com que pareça muito simples. – E é – respondeu. – Segue as pistas e vais encontrá-lo. Alguém está endividado até às orelhas e vai acabar por se saber. Não é? Ele franziu os lábios. – Sim. – Não podes pedir um mandado para rever as contas das empresas suspeitas? Ele desatou a rir-se. – Olha, trabalho para o FBI. Posso fazer quase tudo o que quiser – lançou-lhe
um olhar severo. – Mas não quero que andes por aí a fazer perguntas. Já corres perigo suficiente. – Considera-me a tua ajudante – disse. Cortez tocou-lhe suavemente no cabelo curto. – Adorava quando o teu cabelo era comprido – disse. Ela desviou o olhar. – Fiquei um pouco louca quando recebi o recorte – confessou. – Embebedei-me, fui a uma festa e acabei na cama com um tipo que nem sequer conhecia... Ele fechou os olhos e virou a cara. Era culpa dele. Dele! Phoebe desejava contar-lhe tudo, no entanto, a dor do seu abandono estava ainda demasiado presente. Virou a cara para a janela. – Agora sou mais velha e mais sábia – disse. – Suponho que não há forma de fugir da dor. Não há outro remédio senão enfrentá-la. Ele respirou fundo. Não se atrevia a dizer o que estava a pensar. Era suficiente estarem a falar outra vez. Não tinha o direito de a recriminar. – Tu não foste a única que agiu irresponsavelmente – disse, contrariado. – Eu não sabia o que estava a fazer. Aconteceram tantas coisas em tão pouco tempo... Pela primeira vez na minha vida, não soube o que fazer. Pensei que, se me odiasses, sofrerias menos. Ela riu-se friamente. – Nada disso. – Sim. A percepção é uma coisa maravilhosa – esticou a mão e segurou entre os dedos uma madeixa do seu cabelo. Os seus olhos pretos ardiam lentamente, repletos de sentimento, enquanto olhava para ela. – Tinha sonhos. O seu lábio tremeu.
– Eu também – murmurou. Cortez sofria pela emoção que via no seu rosto. Olharam um para o outro e a dor misturou-se com um desejo repentino e arrebatador. Phoebe pensou que ia desfalecer. – Estou morto de fome. Anda cá – disse, puxando-a para si. Beijou-a bruscamente, sem ternura, como se não fosse voltar a vê-la nunca mais. Ela gemeu, indefesa, ao primeiro toque dos seus lábios. Era como no dia anterior, no seu escritório, como se os seus três anos de separação se tivessem dissipado assim que Cortez lhe tocou. Abraçou-o, alheia à tensão do cinto de segurança e à dor na sua virilha. Devorou os seus lábios e naufragou no desejo de se fundir com ele. Cortez tirou os cintos de segurança de ambos e sentou-a ao seu colo. Contraiu os braços para que os seios de Phoebe se esmagassem contra o seu peito. O beijo tornou-se mais lento, mais impetuoso, mais profundo. Apenas se ouvia o barulho da chuva sobre o carro e as suas respirações ofegantes enquanto se beijavam febrilmente. Ele gemeu ao acariciar, com avidez, o pequeno seio de Phoebe e sentir o seu mamilo duro na palma da mão. – Jeremiah – ofegou na sua boca. Ardia de desejo por ele e tremia, indefesa, cravando as unhas na sua nuca. – Calma – murmurou, afrouxando o abraço. Levantou a cara e beijou-a meigamente nos lábios ao mesmo tempo que continuava a acariciar-lhe o peito. – Calma. Está tudo bem. Tenho tanta vontade como tu, Phoebe... Ela arqueou-se e sentiu a sua força quente, a dureza dos músculos do seu peito. Adorava as carícias lentas que os seus dedos faziam sobre o seu seio. O prazer fazia com que tremesse incontrolavelmente. Ele mordiscou-lhe o lábio de cima e depois o de baixo. Entretanto, tentava colocar a mão por baixo da sua t-shirt. Então, conseguiu. Procurou o fecho do sutiã e desapertou-o. Rodeou o seu corpo com o braço e sentiu o peso do seu peito quente e tenso na mão.
– Que maravilha – sussurrou contra os seus lábios entreabertos. – Que maravilha – repetiu ela, trémula, oferecendo-se à sua terna carícia. Ouviu-se o barulho de um motor a parar e uma porta a fechar-se. Contudo, não se aperceberam. De repente, alguém bateu na janela. Cortez levantou a cabeça e olhou à sua volta. As janelas estavam completamente embaciadas. Não se via nada. Havia uma sombra do lado do condutor. – Há alguém lá fora – disse Phoebe com nervosismo e, afastando-se dele, voltou para o seu banco. Tinha as mãos a tremer quando pôs o cabelo para trás. – Sim – disse Cortez. Endireitou a gravata e o casaco e abriu a janela. – O monóxido de carbono pode ser letal – disse Drake, muito sério. Cortez pestanejou. – Obrigado pelo boletim informativo, ajudante Stewart – respondeu no que esperava ser um tom formal. – Tinha um pouco de pó – disse Phoebe. – Jeremiah estava a ajudar-me a tirá-lo. – De onde? – perguntou Drake, olhando para a sua t-shirt. Ela cruzou os braços, indignada. – Não interessa. O que queres? Ele sorriu. – Lembras-te da professora que esteve aqui ontem, a que queria uma explicação? – perguntou Drake. – Marie telefonou-me. Estava à tua procura. Diz que vem cá para falar contigo. Suponho que foi ela que chegou há uns minutos no único táxi que há na vila. – Oh, não – resmungou Phoebe com a cara entre as mãos, imaginando o que teria visto aquela mulher antes de as janelas ficarem embaciadas. – Marie disse-lhe para se ir embora – disse Drake, rindo-se. – Mas está lá dentro, à tua espera. Talvez devas anunciar o teu noivado enquanto ainda estás a tempo
de salvar o teu emprego. – Não penso... – começou Phoebe a dizer, envergonhada. – Sim, pensas – disse Cortez com um olhar divertido. – Diz-lhe que te pedi em casamento ontem e que aceitaste. – Mas isso é muito desonesto – balbuciou. Cortez lançou-lhe um olhar longo e lento. – Diz-lhe. Tratamos dos detalhes mais tarde – olhou para o seu relógio e fez uma careta. – Estou atrasado. Vou falar com o empreiteiro de quem Bennett me falou. – Tem muito cuidado – disse Phoebe imediatamente. – Bom conselho – acrescentou Drake. – Vou para dentro antes que as coisas piorem – murmurou, saindo do carro. Estava dolorosamente consciente de que ainda tinha o sutiã desapertado. aria pela casa de banho das senhoras assim que entrasse. – Venho buscar-te às cinco – disse Cortez com firmeza. Ela ia começar a protestar, porém, não encontrou motivos para tal. Assentiu, sorriu a Drake e entrou apressadamente no edifício. Quando se afastou, Drake inclinou-se para a janela do condutor. O seu bom humor desapareceu de repente. – Bennett, o construtor, tem antecedentes criminais – disse a Cortez. – Foi detido e acusado de violar a lei das águas por despejar dissolventes num riacho a norte da Georgia, juntamente com contentores de tinta e de cola. – Foi condenado? – perguntou Cortez. – Não. Nem itiu nem negou a sua culpa e concederam-lhe a liberdade. Era o seu primeiro delito. Mas toda a gente sabe que investiu até ao último tostão neste projecto. É sócio do «Grande Grego». Pelos vistos, teve de pagar uma indemnização no outro caso e está quase na ruína. Não consegui descobrir em
que circunstâncias. Mas basta dizer que não pode ter atrasos nas obras, nem sequer uma semana. Por outro lado, o seu capataz, o tal o Longo, cumpriu pena por roubo. Roubou algumas peças de um museu de Nova Iorque, entre outras coisas. ou três anos na prisão. – Então Bennett não está limpo – disse Cortez, pensando em voz alta. – Porque contrataria um ex-recluso? – Porque o Longo é casado com a sua única irmã – respondeu Drake. Olharam um para o outro com curiosidade. – Bennett é rico. Ou era – acrescentou Drake. – E, pelos vistos, o Longo não é – disse Cortez. – Se trabalha para ele e a irmã de Bennett tiver gostos caros, talvez esteja a tentar impedir que o seu chefe perca tudo. – Nada mal – disse Drake com um sorriso. – Alguma vez pensou em trabalhar na polícia? – Cortez lançou-lhe um olhar irritado. – Mas porque tentaram matar Phoebe? – perguntou Drake. Os olhos de Cortez brilharam, furiosos. – Talvez porque falou ao telefone com o arqueólogo morto – fez uma pausa. – Mas isso é apenas uma conjectura. Pode simplesmente ter sido apanhada no fogo cruzado. – Quer dizer que ele podia não ser o alvo? – É uma possibilidade – Cortez suspirou, irritado. – Se já matou uma vez, outra morte não importa grande coisa, tendo em conta as penas. Mas nada disto faz sentido. Um atraso nas obras não justifica um assassinato. Tem de haver mais alguma coisa. De qualquer forma, vou falar com Paul Corland e com o outro construtor. Não posso continuar sem ter todos os dados. Talvez Bennett esteja envolvido, mas, por enquanto, só temos provas circunstanciais. – Pois. Hoje estou de serviço, se precisar de ajuda – disse Drake. – Obrigado – respondeu Cortez sinceramente. – Também vou tomar conta de Phoebe – sorriu. – Não se preocupe – acrescentou
ao ver que a cara de Cortez ficava tensa. – Eu sei onde não devo meter-me – olhou para as janelas ainda embaciadas. – No estacionamento de um museu, pelo amor de Deus. No Oklahoma não têm caminhos de terra? Na Carolina do Norte temos imensos. – Sabe bem o que pode fazer com os seus caminhos de terra – disse Cortez amavelmente enquanto arrancava. – Eu vou trabalhar. – Eu também. Tenha cuidado. – Você também.
Phoebe saiu da casa de banho e entrou no seu escritório silenciosamente, pensando em ter uma pausa. Porém, não foi assim. Poucos segundos depois, Marie, preocupada, conduziu uma elegante senhora para o seu gabinete e fugiu, espavorida. A senhora parecia nervosa. Os seus olhos mexiam-se constantemente. Tinha o cabelo loiro, os olhos azuis e uma bonita figura. Vestia um fato de marca que parecia demasiado caro para o bolso de uma professora de escola. – Sou Marsha Mason – começou a dizer. – Estive aqui ontem – hesitou. – Dou aulas numa escola. Disse à sua ajudante que queria falar consigo sobre um assunto de índole moral... – Sou Phoebe Keller – disse Phoebe. – Lamento o que viu ontem no meu escritório. O meu... noivo acabava de me pedir que me casasse com ele – prosseguiu. – O seu noivo? – a mulher pareceu confusa. – Eh, sim – respondeu Phoebe com um sorriso forçado. – Conhecemo-nos há três anos, mas estivemos algum tempo separados... Ele é agente do FBI. A outra mulher pareceu dar um salto, contudo, o seu rosto permaneceu calmo. – Ah, sim? Estou a ver.
– Sou muito consciente das minhas responsabilidades – disse Phoebe suavemente. – Mas as circunstâncias eram... especiais. – Pois – a outra franziu o sobrolho. – Não tem aliança de noivado – acrescentou, reparando no dedo anelar de Phoebe. – Ainda não – respondeu Phoebe com um sorriso tímido. – O meu noivo é muito impulsivo. A professora pigarreou. – Bom, dadas as circunstâncias, suponho que é compreensível. Mas no futuro... – Não voltará a acontecer – disse Phoebe resolutamente. – Posso fazer mais alguma coisa por si? A mulher hesitou. – Não. Sim – disse. – Vi que têm uma notável colecção de peças paleoíndias. A figura da vitrina central é... especialmente chamativa. Posso perguntar onde a adquiriram? Phoebe franziu o sobrolho. Era uma pergunta muito estranha. – Porquê? A mulher hesitou novamente, como se estivesse a tentar encontrar uma resposta. Finalmente apertou os dentes. – Há um ano houve um roubo num museu de Nova Iorque – disse solenemente. – Não pretendo acusá-la, nem nada do género, mas eu... eh... dava aulas perto do museu e costumava levar os meus alunos a ver as exposições. Vi fotografias das peças roubadas. Uma delas era parecida com a figura da vitrina central. Phoebe sentiu-se a desfalecer, no entanto, conseguiu manter as aparências. Esquecera-se daquela peça. Chegara há menos de um mês. Fora oferecida a um negociante de arte e ela levara o negociante à direcção do museu para propor a compra. Os patronos tinham aprovado a sua aquisição por uma quantia considerável. Contudo, Phoebe não queria dizer nada à professora antes de falar com Cortez.
Era estranho que aquela mulher tivesse puxado o assunto. Na verdade, também não parecia a típica professora de escola. A sua mala e os seus sapatos eram de marca, tal como o fato, não havia dúvida. O módico salário de uma professora não dava para tanto. – Que interessante – disse Phoebe com uma surpresa fingida. – Eu vi algumas figuras parecidas durante os últimos anos. Embora uma delas fosse uma falsificação, claro. Os olhos da mulher aguçaram-se. – A sua não parece falsa. Phoebe levantou as sobrancelhas. – Estudou arqueologia? – perguntou com curiosidade. – Tenho alguns conhecimentos sobre peças arqueológicas – respondeu rapidamente. – Há pessoas que se dedicam a saquear escavações arqueológicas à procura de peças valiosas, sabe? – acrescentou. O rosto de Phoebe escureceu. – Com efeito – respondeu. – Para um verdadeiro arqueólogo, os saqueadores são a forma mais desprezível de vida. A mulher levantou as sobrancelhas. – E, sem eles, como conseguiriam os museus tesouros como este? – Legalmente – respondeu Phoebe, cortante. – Graças a arqueólogos que doam as suas descobertas a museus através dos trâmites legais. Garanto-lhe que aquela figura procede de uma fonte respeitável, de um negociante de arte de Nova Iorque. A peça estava perfeitamente documentada. Aparentemente, procede de Cahokia e estava na posse de um coleccionador privado que morreu. – Que interessante – a mulher hesitou. – A minha escola gostava de acrescentar umas peças pouco dispendiosas à nossa colecção, para a nossa vitrina de exposição. Tem o nome desse negociante?
Aquilo era cada vez mais estranho, pensou Phoebe, e pestanejou. – Deu-me um cartão-de-visita, mas perdi-o – disse, rindo-se. – No entanto, penso que o reconheceria em qualquer lado. Mesmo no meio de uma multidão. Talvez possa telefonar para a sua galeria e perguntar por ele. Tenho esse número no relatório de compra... A mulher empalideceu. – Pensando melhor, não me parece que possamos dar-nos a esse luxo. Talvez, se soubesse de alguma escavação por aqui, pudesse avisar-me. Assim poderia pedir aos arqueólogos alguns pedaços de cerâmica. – É uma possibilidade – respondeu Phoebe. – Esqueça o que lhe disse sobre a figura – disse a menina Mason. – Tenho a certeza de que as suas peças não vêm de fontes suspeitas. – Nem sequer me ocorreu pensar que estava a acusar-nos – replicou Phoebe com um sorriso. A menina Mason sorriu também. – Bom, então, vou-me embora. Parabéns pelo seu noivado. – Obrigada – respondeu Phoebe. – Tem... tem a certeza de que esse negociante de arte era honrado? – perguntou a loira de repente, e corou ao ver o olhar receoso de Phoebe. – Certamente – mentiu Phoebe. – Bom, então... – a loira sorriu fracamente, saiu do museu e entrou rapidamente no táxi que estava à sua espera. Phoebe observou-a a partir, porém, não sentiu o alívio que esperava sentir por ter resolvido aquele incidente antes que pusesse em perigo o seu emprego. A menina Mason fizera um comentário preocupante a respeito daquela figura. Phoebe ia contar a Cortez. Contudo, primeiro teria de rever os seus arquivos e seguir a pista daquela peça.
Olhou novamente em silêncio para a figura da vitrina.
Oito
Phoebe reviu cuidadosamente os seus arquivos à procura dos dados do indivíduo que lhes vendera a figura. Não perdera o cartão-de-visita que lhe dera. Phoebe dissera-o à tal menina Mason porque lhe parecia suspeita. No entanto, o cartão-de-visita não era o que esperava. Tinha o nome do indivíduo «Fred Norton» e a sua morada, assim como o nome da sua galeria de Nova Iorque. Porém, não havia número de telefone algum. Movida por um impulso, Phoebe marcou o número das Informações e deu o nome da galeria. A operadora disse-lhe que não figurava na lista telefónica. Havia, no entanto, uma galeria com um nome parecido, portanto Phoebe telefonou e perguntou por Norton. Disseram-lhe que ali não trabalhava ninguém com aquele nome. Desligou e observou o telefone, pensativa. E se o homem que lhe vendera a figura tivesse sido o mesmo que a roubara? Phoebe telefonou para a escola onde a professora lhe dissera que trabalhava. Perguntou pela menina Mason e esperou enquanto a avisavam. – Menina Mason? – perguntou cuidadosamente. – Sim, em que posso ajudá-la? – respondeu uma voz desconhecida. – Sou Phoebe Keller, do museu de Chenocetah – apresentou-se Phoebe. – Queria responder a uma pergunta que me fez durante a nossa conversa desta manhã no meu escritório. Houve uma longa pausa. – Desculpe, mas deve ter-se enganado no número. Eu nunca estive no seu museu. – Mas a sua turma esteve aqui ontem – disse Phoebe.
– Foi a turma de outra professora – respondeu com suavidade a outra mulher, – não a minha. Eu estava com uma gastroenterite. Voltei hoje às aulas. Phoebe ficou a olhar para a sua mesa. – Mas essa mulher disse-me que se chamava Marsha Mason – disse. – Isso é impossível – respondeu a outra mulher, preocupada. Pelos vistos, era mesmo impossível. Contudo, Phoebe não estava disposta a desistir. – Podia dizer-me o nome da professora que esteve aqui ontem? – Um momento, por favor – ouviram-se umas vozes e a menina Mason voltou ao telefone. – Continua aí, menina Keller? – Sim – respondeu Phoebe. – Constance Riley levou os seus alunos de primeiro ano ao museu. Eu, certamente, não fui – respondeu. – Acho que devia informar a polícia deste assunto. Eu não gosto da ideia de alguém andar por aí a fazer-se ar por mim – acrescentou com ansiedade. – É muito estranho. – Também acho. O melhor é informar as autoridades. Podem entrar em o comigo se precisarem de fazer alguma comprovação. – Obrigada, menina Mason. – Não, obrigada eu, querida – disse a outra mulher com calma. – Não teria sabido de nada se não me tivesse telefonado. – Não tem de quê. Phoebe desligou, cada vez mais preocupada. Dissera à sua visitante misteriosa que seria capaz de reconhecer o homem que lhe vendera a figura se voltasse a vê-lo. E se aquela mulher fosse cúmplice dele e tivesse ido ao museu com a intenção de descobrir o que ela sabia? Deixou-se cair na cadeira, sentindo-se
ameaçada.
Cortez localizou Paul Corland na sua zona de obras, onde estava a fiscalizar a colocação de serradura. A obra não ficava muito longe da de Bennett. Corland era um homem alto e de aspecto rude, com os olhos escuros e o cabelo loiro. Cortez mostrou-lhe o seu distintivo do FBI. – O meu nome é Cortez – disse. – Agradeceria que me dedicasse uns minutos. – Já expliquei às autoridades que alguém sabotou o carregamento de aço – disse Corland, irritado. Tirou o chapéu rígido para limpar o suor da testa e voltou a pôlo com brusquidão. Parecia enfurecido. – Eu não faço essas coisas! – resmungou. – Talvez o meu historial não seja impecável, mas garanto-lhe que o que aconteceu em Charleston não foi culpa minha. – Não vim por causa disso – respondeu Cortez com calma. – Quero saber se viu alguma coisa suspeita por aqui nas últimas semanas. – Posso saber de que está à procura? – perguntou. – Estou a investigar um assassinato – respondeu Cortez com franqueza. O outro homem inclinou a cabeça. – O arqueólogo, não é verdade? – perguntou. Cortez levantou as sobrancelhas. – Sim. – Ele esteve aqui – disse a Cortez. – Disse qualquer coisa sobre uns restos antigos que alguém tinha desenterrado. Pensava que tínhamos sido nós. Queria entrar numa gruta da nossa zona. Não o deixei. – Porquê? – Porque não posso parar as obras, muito menos por uma idiotice como essa – respondeu o homem friamente. – Os problemas que tivemos de enfrentar na
Carolina do Sul deixaram-nos endividados até aos cabelos. Os meus homens estão a fazer horas extras para tentar pôr-nos em dia. No último carregamento de aço, mandaram-nos menos do que pedimos. Ainda estou à espera que chegue o que falta e telefono todos os dias para saber por onde anda o camião. – Onde é a gruta? – inquiriu Cortez. – Não penso dizer-lhe – respondeu Corland asperamente. Cortez observou-o. – Eu não faço ameaças – disse com frieza. – Mas, se quer que as obras parem, está no bom caminho. Estou à procura de um assassino e vou ar por cima de si se for necessário. A única coisa de que preciso é um mandado de busca e alguns jornalistas – Corland praguejou. – Isso não vai servir-lhe de nada – continuou Cortez, com uma determinação fria no rosto. – Garanto-lhe que não quer ser meu inimigo. – Um agente do FBI, grande coisa! – Trabalhei vários anos como advogado – informou-o Cortez. Era uma ameaça. Os lábios de Corland contorceram-se. – O que acha que vai encontrar? – Não sei. Talvez nada. Se assim for, não voltará a ver-me. – Isso é que é um incentivo – replicou Corland sarcasticamente. – Eu levo-o à gruta.
Cortez entrou atrás dele no bosque que havia ao lado do complexo em construção e subiu por um leito de rochas que levava a duas grutas. – Espere aqui – disse Cortez. Baixou-se e começou a procurar pistas. – Está à procura de pistas? – perguntou Corland abruptamente. – Sim.
Corland afastou-se e aproximou-se de outra gruta. – Eu sou caçador – disse, baixando-se. – Consigo seguir o rasto de um veado pelas rochas. Cortez olhou para ele. – Se encontrar alguma coisa, grite. O outro homem assentiu. Demoraram meia hora a chegar à entrada das grutas. Porém, não tinha pegadas, nem sequer no chão arenoso que havia sob os leitos de rocha salientes. – Nada – disse Cortez finalmente. – Apostaria a minha vida nisso. – Eu também não vi nada. Cortez virou-se. – Obrigado pela sua ajuda. Corland assentiu e Cortez deu meia volta para regressar ao seu carro. – Espere um segundo – disse Corland de repente. – Há mais grutas a sul da vila – disse. – Ben Yardley está a fazer um hotel lá. Eu sei porque o chefe de obra veio cá na hora de almoço há alguns dias para me falar de um empregado. Disse que tinha visto movimento na sua obra a altas horas da noite e que viu ar um todo-o-terreno a toda a velocidade. Queria saber se era um dos meus rapazes que estava a tramar alguma coisa. Parece que a minha reputação anda a seguir-me – acrescentou com amargura. Cortez voltou a aproximar-se dele com o sobrolho franzido. – Um dos seus rapazes? – Há alguns dias despedi um tipo por não fazer nada – disse. – Foi ver Yardley à procura de trabalho. O seu chefe de obra perguntou-me porque o tinha despedido e eu disse-lhe. Cortez tirou um caderno e uma caneta.
– Conduz um todo-o-terreno? – murmurou. – Preciso do seu nome. – Fred Norton – disse Corland. – Conduz um todo-o-terreno Ford, último modelo de cor preta. Cortez tomou nota. – Sabe se Yardley o contratou? – São tempos difíceis. Ninguém se arrisca a contratar uma pessoa assim – respondeu Corland com indiferença. – De qualquer forma, não sei se Norton queria o trabalho. Não era um bom trabalhador, segundo o meu capataz. ava o dia a vadiar até ir para casa. – Obrigado – disse Cortez. – Vou deixá-lo em paz. Não voltarei. Mas, se acontecer mais alguma coisa, telefone para o escritório do xerife e pergunte pelo ajudante Stewart. Ele entrará em o comigo. – Está bem – respondeu Corland. Cortez inclinou a cabeça e foi-se embora. Gostava de Corland, apesar do que Bennett lhe contara sobre ele. Tinha de ir ver o tal Yardley e continuar a indagar sobre as grutas.
Ben Yardley tinha uns sessenta anos, era baixinho e calvo e esbanjava energia. Apertou com firmeza a mão a Cortez e sorriu. – Aposto que veio por causa do assassinato – disse. – Estou enganado? Cortez esboçou um sorriso. – Boa dedução. – Fui polícia quando era jovem – respondeu Yardley. – Mas na construção pagam melhor. Sente-se. Cortez deixou-se cair numa confortável cadeira em frente à mesa do construtor. – Ouvi dizer que há uma gruta na sua zona de obras – começou a dizer.
– Na montanha há muitas, mas aqui só há uma. Alguém andou a rondá-la de madrugada – disse Yardley. – Ia telefonar à polícia, mas não cheguei a ver quem era. E, na verdade, não tocaram em nada na obra. – Disse a Corland que o intruso conduzia um todo-o-terreno? – perguntou Cortez. – Sim. Era escuro, mas não o vi muito bem. – Quantas vezes o viu por aqui? – Só uma, uma vez que vim para o escritório tratar de uns papéis. Mas um dos meus homens viu movimento lá fora há alguns dias – fez uma careta. – Com o que sei agora, acho que deve ter sido na noite em que mataram esse homem. – Se sabia que havia uma possível relação, porque não alertou as autoridades? – perguntou Cortez. – Não queria pôr-vos atrás de uma pista falsa – explicou, encolhendo os ombros. O coração de Cortez acelerou. – Eu gostava de dar uma olhadela à gruta. – Claro. Eu levo-o no meu carro. – Obrigado.
Entrava-se para a gruta pelo outro lado do bosque. Naquela parte abrupta e pedregosa da Carolina do Norte não havia muitas zonas planas onde construir. O caminho atravessava uma pequena ponte de madeira e transformava-se numa vereda. – Pare aqui, se não se importar – disse Cortez a Yardley. O construtor parou a sua carrinha e desligou o motor. Cortez saiu, baixou-se e começou a procurar pistas. Havia muitas. Entre elas, os rastos de uns pneus que não tinham um sulco vertical. Sentiu um aperto no
coração. Acertara em cheio. Pegou no seu telemóvel e telefonou para a sua unidade. – Despachem-se – disse à chefe dos técnicos. – Espero aqui por vocês. – Vamos já para aí – respondeu ela e desligou. – Encontrou alguma coisa, não foi? – perguntou Yardley. Cortez sorriu. – Sim, acho que sim. Os técnicos recolheram as provas, fizeram moldes de gesso das marcas dos pneus e até tentaram tirar os rastos do leito de granito que havia à entrada da gruta. No interior desta havia indícios de movimento, porém, de resto, a busca foi decepcionante. Não encontraram restos humanos. No entanto, encontraram salpicos de sangue nas pedras do interior da gruta. Os técnicos tentaram recolher todas as amostras possíveis para serem analisadas. – Tanto trabalho para uma prova – murmurou Yardley, que se interessava tanto pela ciência forense que ficara a observar tudo. Cortez apontou para a chefe dos técnicos. – Aquela é Alice Jones – disse. – Vi-a a extrair paredes inteiras, e até chão, para obter provas. No Texas é uma lenda. Yardley abanou a cabeça. – Certamente é minuciosa. No meu departamento, há muitos anos, também havia gente muito boa – levantou o olhar. – Parece que o mataram aqui. Não lhe parece? Cortez sorriu. – Sabe que não posso responder-lhe a isso. Logo veremos o que dizem as provas. Porém, no fundo, Cortez concordava com o ex-polícia.
Já era de noite quando Cortez voltou para a vila. O museu estava às escuras e, por um momento, temeu que Phoebe tivesse regressado para sua casa sozinha. Contudo, quando chegou ao motel, encontrou-a sentada na sua cama, a ler uma história a Joseph. Cortez entrou no quarto e voltou a guardar a chave no bolso. – O que fazem no meu quarto? Onde está Tina? – Drake tinha a noite livre e queria ver um filme de ficção científica que acabou de estrear, portanto levou Tina ao cinema. Estou a fazer de ama – acrescentou com um sorriso. – Como correu o dia? – Encontrámos uma gruta e parece que foi lá que o mataram. Encontrámos provas – acrescentou. Deixou-se cair na cama, junto a eles, e deitou-se. – Meu Deus, estou exausto! – Comeste? – Não tive tempo – murmurou. – Temos piza – disse Phoebe. – Drake trouxe-a. Disse que devias ter fome quando chegasses. Ele virou a cabeça e olhou para ela. – Foste tu que lhe pediste? – perguntou. Ela sorriu. – Sabia que devias vir cansado – respondeu. – Joseph, fica com o papá enquanto lhe preparo o jantar, está bem? – Está bem, «Bebe» – murmurou o menino. Aproximou-se de Cortez e deu-lhe umas palmadas no peito. – Olá, papá! – Olá, filho – Cortez pegou no menino ao colo e deu-lhe um beijo. – Portaste-te bem?
– Sim – disse Joseph com um sorriso enorme. Phoebe gostava de os ver juntos. Nunca imaginara Cortez com um menino, porém, ele comportava-se com toda a naturalidade. Amava o menino e notavase. O sentimento era mútuo, evidentemente. Era óbvio que Joseph adorava o seu pai. Cortez sentiu que estava a ser observado e olhou para ela com um sorriso. – Nunca pensaste que podia ser assim, eh? – murmurou com ironia. – Eu não disse uma única palavra – protestou Phoebe. Abriu a caixa da piza, tirou duas fatias e pô-las num prato de papel. – O que queres beber? – Há cerveja? – murmurou. – Bebes cerveja? – De vez em quando, quando estou muito cansado – confessou, ando as pernas por cima da cama. – Foi um dia muito longo. – Sim – disse Phoebe, dando-lhe o prato e uma cerveja. Voltou a sentar-se na cama com Joseph, enquanto Cortez comia a piza. – A suposta professora que foi ver-me esta manhã era uma impostora – disse. Cortez parou de beber. – O quê? – Telefonei para a escola onde me disse que trabalhava, mas não conheciam a mulher por que perguntei. Nunca trabalhou lá. Não sabiam quem era – fez uma careta. – Perguntou-me por uma figura e falou-me de um roubo recente num museu de Nova Iorque. Até me disse que a figura era parecida com uma que roubaram. Ele franziu o sobrolho.
– Disse-te mais alguma coisa? – Não, mas também procurei o negociante de arte que nos vendeu a figura há um mês. O cartão que me deu era falso. Nem a galeria nem a pessoa existem – hesitou. – Disse à mulher que reconheceria o negociante se voltasse a vê-lo – Cortez pousou a cerveja na mesa. – Sei que foi uma estupidez – reconheceu. – Mas pensava que era uma professora. Até me disse que queria falar com ele para comprar umas peças para a exposição da escola – afastou o cabelo da cara com nervosismo, sentindo-se como uma idiota. Estava assustada e notava-se. – Tu não podias saber – disse com suavidade. – Anda cá – Phoebe aproximou-se dele, sentou-se ao seu colo e ele beijou-a suavemente. – Todos cometemos erros. Até os agentes do FBI – acrescentou com um sorriso quente. Ela sorriu e inclinou-se para o beijar. Adorava a súbita intimidade da sua relação. Já se sentia como se fizesse parte dele. – «Bebe» está a beijar o papá! – Joseph riu-se. Phoebe levantou a cabeça e fez uma careta. – Queixinhas – disse, olhando para o menino. – Tem as orelhas muito grandes – murmurou Cortez. – E os olhos ainda maiores. Ela levantou-se e voltou para perto de Joseph. O menino abraçou-a e deu-lhe um beijo na face. – Eu também beijo «Bebe»! – riu-se. Phoebe abraçou-o com força e beijou-o. – És um quebra corações – disse. Cortez desatou a rir-se enquanto acabava de comer. – Se não te importares de ficar com Joseph, vou tomar um duche rápido – disse, enquanto soltava o cabelo. – Claro que fico – disse. – Estou a ler-lhe histórias sobre os cherokees.
Ele olhou para ela com dureza. – Seria mais apropriado que lhe lesses lendas comanches. – Não tenho – respondeu com um suspiro. – Isto não é exactamente território comanche – acrescentou. Ele sorriu. – Está bem. Não vou demorar. A caminho da casa de banho, despiu-se todo, menos as calças, e Phoebe tentou não olhar quando despiu a camisa. Cortez tinha um corpo magnífico, musculado, moreno e sensual. O seu peito estava ligeiramente coberto de pêlos. Ele reparou no seu olhar e virou-se para ela, levantando uma sobrancelha. Phoebe precisava de uma desculpa para olhar para ele boquiaberta. Pigarreou. – Pensava que os índios não tinham pêlos na cara nem no peito. – O meu bisavô era espanhol – recordou ele com um sorriso irónico. – Tinha-me esquecido. Cortez olhou para ela com avidez. Os seus olhos pretos cobiçavam a esbelta figura de Phoebe, oculta atrás de umas calças de ganga e de uma camisola amarela de manga comprida que realçava a sua tez corada. – Estás muito bonita, Phoebe – disse em voz baixa. Ela corou e desatou a rir-se, sobressaltada. – Não gozes comigo. Cortez aproximou-se dela e levantou-a da cama, apertando-a nos seus braços. – Não tens espelhos em casa? – perguntou com voz áspera. – És maravilhosa, Phoebe – acrescentou com os olhos fixos na sua boca. – Irresistível, de facto. Ela abriu a boca para falar, porém, Cortez beijou-a e obrigou-a a abrir os seus
lábios ao mesmo tempo que lhe agarrava nas mãos e as pousava sobre os pêlos do seu peito. – O papá está a beijar «Bebe»! – cantarolou Joseph. Cortez soltou-a imediatamente e desatou a rir-se. – Adeus à intimidade – disse, afastando-se. – Não é o momento, nem o lugar adequado. Phoebe viu-o a afastar-se com o coração acelerado. Era a primeira vez que lhe tocava assim e o seu corpo palpitava, cheio de desejos inesperados. – A história, «Bebe»! – exclamou Joseph, impaciente, e sentou-se no meio da cama com o livro que Phoebe estava a ler-lhe. A letra era muito grande, o que era uma sorte, porque Phoebe deixara os óculos de ler na mesa do seu escritório. Voltou a sentar-se na cama. – Está bem – disse com um sorriso, enquanto sentava o menino ao seu colo. – Anda cá. Vamos acabar de ler isto.
Estava a dar um filme de desenhos animados na televisão e Phoebe estava a vêlo com Joseph, enquanto Cortez trabalhava no seu computador portátil, ligado à Internet. Ele não dizia nada, porém, as suas mãos mexiam-se sem cessar. De vez em quando, Phoebe olhava para ele às escondidas enquanto trabalhava. Ele tinha o cabelo solto, vestira uma t-shirt preta, umas calças de fato de treino da mesma cor e estava descalço. Estava muito sexy. Joseph adormeceu e Phoebe deitou-o com cuidado na cama, aconchegou-o e deitou-se ao seu lado, enquanto Cortez continuava a trabalhar. Muito tempo depois bateram à porta. Cortez abriu e Tina espreitou. – Desculpa chegar tão tarde. Havia muita gente – sussurrou, olhando para Phoebe e para Joseph. – Posso levar Joseph...
– Joseph e Phoebe ficam aqui esta noite – disse Cortez em voz baixa. – Tenho de falar com Phoebe. Joseph pode dormir com ela na outra cama. Tina olhou para ele, espantada. – ou-se alguma coisa, não foi? – perguntou, preocupada. – Sim – respondeu. – Fecha a tua porta à chave e, se ouvires alguma coisa fora do normal, bate na parede com todas as tuas forças. Entendido? Ela fez uma careta. – Drake disse-me que estava a ar-se alguma coisa, mas não quis contar-me o quê. Tu também não vais contar-me, pois não? – Não posso, querida – Cortez sorriu. – Divertiram-se? Ela tinha um olhar sonhador. – Sim. Drake é muito simpático. Cortez franziu um sobrolho. – E o polícia de Asheville? – perguntou com ironia. Ela fez uma careta. – Nem fales nisso! – Desculpa – disse ele. – Mas não te preocupes. És solteira. – Sim, sou – disse, inquieta, olhando de esguelha para Phoebe. – Mas Drake e eu somos só amigos – acrescentou rapidamente. – Claro – disse o seu primo. Tina cumprimentou Phoebe com a mão e ela devolveu-lhe a saudação. – Ela sabe que vai dormir aqui esta noite? – perguntou em voz baixa a Cortez, porque Phoebe estava a ver o filme e não estava a prestar muita atenção à conversa.
– Ainda não – reconheceu com um sorriso. – Mas não faz mal. Eu empresto-lhe uma t-shirt. Tina sorriu, desejou-lhe uma boa noite e voltou para o seu quarto.
Quando o filme acabou, Phoebe levantou-se e desligou a televisão. Olhou para Joseph, que dormia profundamente na cama de Cortez. – Suponho que devia ir para a cama – disse, embora parecesse estranhamente reticente. Cortez afastou o olhar do computador e levantou-se. – Disse a Tina que ias dormir aqui esta noite. Podes dormir na outra cama. Tenho uma t-shirt que posso emprestar-te – sorriu suavemente. – Deve chegar-te aos joelhos. Ela observou-o em silêncio. – O que estás a esconder? – Drake lembrou-se de que tinha visto um todo-o-terreno preto estacionado ao pé da tua casa no dia em que te ensinou a disparar – disse. – Sim – respondeu Phoebe. – Também vi mas o homem estava a olhar para um mapa. Pensei que era um turista que se tinha perdido. – O suspeito conduz um todo-o-terreno preto, Phoebe – respondeu. – E tu foste a última pessoa que falou com a vítima. Ela deixou escapar um suspiro. – Meu Deus. – Podia ser pior – disse. – Mas estás bem protegida. – Não devia ter falado do negociante àquela mulher – disse, angustiada. – Nem devia ter-lhe dito que conseguiria reconhecê-lo em qualquer lado.
Cortez entreabriu os olhos, pensativo. – É curioso que te tenha falado de um roubo – disse. – Talvez fosse cúmplice do ladrão e agora queira ver-se livre dele. Talvez te tenha falado dele para que desses o seu nome às autoridades. – Não há honra entre ladrões? – perguntou. – Depende de quanto dinheiro estiver em jogo, segundo a minha experiência – respondeu. – Se esse homem for um ladrão, talvez seja também um assassino. Talvez ela esteja implicada e não queira que a acusem também de cumplicidade no homicídio. A maioria das mulheres não gosta da vida na prisão. – Nisso tens razão. Ele aproximou-se da cómoda, abriu uma gaveta e tirou uma t-shirt preta limpa. Então, deu-a a Phoebe. – Ainda tenho de trabalhar. Porque não te deitas com Joseph e tentas dormir um pouco? – Puseste o despertador? – perguntou. Cortez assentiu. – Eu acordo-te – prometeu-lhe. – Obrigada. Phoebe entrou na casa de banho e tomou um duche rápido. Secou o cabelo com o secador do motel e vestiu a t-shirt. Ficava-lhe enorme. Na verdade, parecia mais um vestido largo do que uma t-shirt. Desatou a rir-se enquanto agarrava na sua roupa e voltava para o quarto. Cortez continuava concentrado no ecrã do computador. Phoebe lançou-lhe um olhar ávido antes de se deitar junto a Joseph e de se tapar com as mantas. O menino aninhou-se entre os seus braços e Phoebe fechou os olhos. O fôlego suave de Joseph reconfortava-a. Alguma coisa acordou-a de madrugada. Joseph continuava a dormir de barriga
para baixo do outro lado da cama. Cortez estava sentado na beira da cama, ao pé dela, e estava a olhar para ela, pensativo, na penumbra do quarto. Phoebe deitou-se de costas e olhou para ele, ensonada. – a-se alguma coisa? – perguntou. – Houve outro ataque – disse em voz baixa. – Tenho de ir. Vou dizer a Tina para ficar contigo enquanto estiver fora. – Quem feriram desta vez? – perguntou. – Ainda não sabemos. Foi na obra de Bennett – inclinou-se e afastou-lhe o cabelo da cara com delicadeza. – Telefona a Drake e pede-lhe para te levar ao trabalho. Não quero que vás sozinha. – Está bem – prometeu. Acariciou-lhe a face e sentiu o cheiro do seu corpo na tshirt dele. – Tem cuidado – acrescentou com voz rouca. Ele suspirou profundamente e inclinou-se para a beijar com ânsia. Ela derreteuse, rodeou-lhe o pescoço com os braços e abriu os lábios, oferecendo-se a ele. Cortez lamentava que Phoebe tivesse perdido a virgindade por causa da sua traição, porém, talvez não fosse assim tão mau que tivesse experiência. Assim não ia custar-lhe na primeira vez. Com isso em mente, deslizou as mãos sob a t-shirt e despiu-a ao mesmo tempo que a atraía para si. Parou para despir a sua e depois beijou-a novamente, apertando os seus seios nus contra o peito com prazer. – Jeremiah... – sussurrou, tremendo. As grandes mãos de Cortez mexeram-se para cima e para baixo sobre as suas costas nuas, atraindo-a para si enquanto a beijava com ânsia. – Adoro sentir os teus seios – murmurou contra a sua boca. Ela sabia que estava a corar, contudo, não se importava. De qualquer forma, ele não conseguia vê-la.
Cortez tocou-lhe nos seios e acariciou-lhe os mamilos com suavidade. Phoebe deixou escapar um gemido. Ele levantou a cabeça e, de repente, deitou-a na cama, de costas e segurou-lhe as mãos junto à cabeça, enquanto olhava fixamente para os seus seios nus. Ela tremeu. O momento era explosivo. Phoebe remexeu-se, inquieta e ansiosa, sobre a cama. Ele olhou para as suas cuecas cor-de-rosa e para as suas longas e esbeltas pernas. Suspirou novamente. – Nem sabes a vontade que tenho de te tirar as cuecas e de te possuir aqui mesmo. Ela entreabriu os lábios e deixou escapar um gemido. – Mas Joseph... Cortez olhou para o menino, que estava a dormir, e os seus lábios esboçaram um sorriso. Respirou fundo e voltou a olhar para ela. Soltou-lhe os pulsos e acariciou-lhe os seios com avidez. Ela arqueou-se, indefesa, e gemeu novamente. – Tu tens experiência. E eu também. Não há razão para não o fazermos. Mas esta noite não pode ser – conseguiu dizer, visivelmente aborrecido. – Mas em breve, Phoebe, vou fazer-te minha. Vou fazer-te gritar de prazer. Vou fazer com que craves as unhas nas minhas costas enquanto te possuo. Quando acabar, nunca irás esquecê-lo. Ela tremeu. Ele dissera que tinha experiência? Não tinha, no entanto, ele não sabia. E ela também não queria dizer-lhe. As palavras de Cortez despertavam os seus sentidos. Desejava que tirasse a roupa e que se deitasse sobre ela, desejava sentir o seu corpo endurecido pelo desejo, saborear a sua boca. Ele inclinou-se e beijou-lhe os seios com ternura, desfrutando do involuntário movimento do seu corpo juvenil e dos suaves gemidos que escapavam da sua garganta. – És linda, Phoebe – sussurrou ao levantar a cabeça. – E, de uma forma ou de outra, antes que esta investigação acabe, vais dormir nos meus braços.
Nove
Cortez reuniu-se com a sua equipa na zona de obras de Bennett. Tinham encontrado um homem inconsciente, que levara uma surra enorme, no escritório de Bennett. Era o Longo, o capataz. Os técnicos tinham guardado a sua roupa e as suas botas em sacos antes de uma ambulância o ter levado para o hospital. Segundo os últimos relatórios médicos, estava em estado crítico. – Um polícia fora de serviço ou por aqui, viu as luzes acesas e achou estranho – Alice Jones, a técnica criminalista, fez sinal para o polícia vestido com calças de ganga. – As provas indicam que não foi atacado aqui – disse a Cortez. – O que achas que aconteceu? – perguntou. Alice suspirou e entreabriu um olho. – Utilizaram uma pedra ou qualquer coisa parecida para lhe bater na cabeça. Cortez abriu muito os olhos. – E o pó da roupa? Ela inclinou-se para a roupa da vítima e cheirou-a. – Não é superficial – disse quase para si. – Cheira a humidade. Esteve a cavar, talvez clandestinamente. Os sapatos estão molhados – acrescentou, olhando para os restos de lama e de água seca nas botas de couro. – Tinha teias de aranha no cabelo – recordou o sangue seco e as teias de aranha. – Eu diria que esteve numa gruta, perto de um leito de água. Cortez sentiu um aperto no coração e levantou-se. Pediu uma lanterna emprestada a um polícia local de Chenocetah. – Vou dar um eio pelo monte – disse a Alice. – Preciso de reforços – acrescentou, olhando para os três homens, ainda muito jovens.
– Eu vou consigo – disse o polícia fora de serviço que lhe emprestara a lanterna, um jovem alto e loiro. – Dawes – acrescentou, olhando para um dos seus colegas de uniforme, – emprestas-me a tua lanterna? – Espera – disse. – Tenho uma a mais no carro. – Não vamos demorar. Dawes, dê-me o número do seu telemóvel – disse Cortez, que sabia que a polícia local dispunha de telemóveis desde há pouco tempo. Dawes anotou-o num pedaço de papel que arrancou do seu caderno. – Se não telefonarmos a cada quinze minutos, vão procurar-nos – disse Cortez, muito sério. Explicou a Dawes como chegar à gruta da zona de obras de Bennett. – Cuidado com os ursos – disse Dawes. – Não estou preocupado com os ursos – murmurou Cortez distraidamente. – Jones, avisa-me assim que as análises da lama das botas e da camisa estiverem prontas. Jones olhou para a camisa e franziu o sobrolho. – Esta substância é-me familiar – murmurou enquanto voltava a guardar a camisa no saco de provas. – Depois falamos – disse Cortez, saindo acompanhado do polícia. Na entrada da gruta, havia rastos de pneus. Cortez inclinou-se com a lanterna acesa e observou-os atentamente. Um não tinha um sulco vertical. Sorriu para si, enquanto avisava o polícia que não pisasse o rasto, e entrou na gruta. Assim que voltassem, diria a Jones para ir tirar um molde de gesso do rasto do pneu. Ainda bem que a sua carrinha estava perfeitamente equipada, pensou. Jones levava espátulas, pinças, lanternas e pincéis e uma pá larga, além de muitos sacos de papel para guardar provas. Raramente usava sacos de plástico, pois propiciavam a humidade e, portanto, o bolor. O que viu deixou-o pasmado. Havia um esqueleto estendido no chão. Havia também tigelas e ferramentas, além do que pareciam ser cachimbos de pedra e pequenas esculturas.
– O que raios é aquilo? – perguntou o polícia. – Acho que é um caso de contrabando de peças arqueológicas roubadas, mas tenho de investigar. Vou ter de chamar um antropólogo. – Vai ser um milagre encontrar um a esta hora – o polícia riu-se. Cortez arqueou o sobrolho. – Por muito estranho que pareça, sei exactamente onde encontrar um.
Phoebe estava a dormir profundamente quando alguém a acordou, abanando-a suavemente. Abriu os olhos e viu a cara de Cortez. – Que horas são? – murmurou. Ele sorriu e afastou-lhe o cabelo dos olhos. – Duas da manhã – disse em voz baixa. – Preciso que te levantes e que te vistas. Acho que encontrei as peças que roubaram do museu de Nova Iorque. Ela acordou imediatamente. – Estás a brincar! – Não – ele ajudou-a a levantar-se, puxando-a suavemente. – Veste-te. Espero lá fora – acrescentou, sussurrando para não acordar Joseph e Tina. Phoebe gostava da ideia de participar numa verdadeira investigação. Vestiu umas calças de ganga, uma t-shirt e um blusão de ganga, umas meias e uns ténis. Nem sequer parou para se pentear ou para se maquilhar. Exactamente cinco minutos depois, estava no carro. Cortez sorriu, satisfeito. – És rápida. – Tinha uma amiga que demorava meia hora a maquilhar-se – comentou com um sorriso, enquanto punha o cinto. – Claro que era muito bonita. Eu nunca fui
bonita, portanto normalmente não me dou a esse trabalho. Ele franziu o sobrolho. – Mas se és linda – disse inesperadamente. – Não sabias? Ela olhou para ele, surpreendida. Apesar de não ser a primeira vez que Cortez fazia um elogio sobre o seu físico, ainda lhe custava acreditar. Ele arrancou e saiu do estacionamento. – Nunca conheci uma mulher tão pouco vaidosa – murmurou. – És inteligente, és bonita, és generosa. Podia continuar – acrescentou com um olhar divertido, – mas não quero que fiques convencida. Phoebe sorriu. – Obrigada. Ele encolheu os ombros. – A sério – disse. – Suponho que também não acreditas que, há três anos, tinha pensado em voltar por ti – ela ficou calada. Cortez olhou para ela. – Até já tinha o bilhete de avião para Charleston. Mas depois Isaac... morreu – a sua expressão endureceu. – Não imaginas a confusão que houve na minha família. A sua namorada estava grávida e os pais da rapariga queriam que abortasse. A minha mãe teve um enfarte e acabou no hospital. Suplicou-me que salvasse o menino. A única forma de o fazer era casar-me com Mary. Ela aceitou, contrariada, e disse-me que queria o divórcio assim que Joseph fizesse um mês. Ela não queria perguntar, porém, tinha de saber. – Pensavas que... podias... vir a amá-la? – Não – respondeu sinceramente. – E ela também não. Nunca deixou de chorar a morte do meu irmão. Joseph tinha apenas um mês e eu já tinha começado a tratar do divórcio, como ela me tinha pedido, quando se matou. Deixou um bilhete, só quatro palavras: Fui ter com Isaac. Ela mordeu o lábio inferior. Conseguia imaginar como aquela jovem se sentira,
tal como ela mesma se sentira quando Cortez não voltara. Ele virou a cabeça e olhou para ela, entreabrindo os olhos. – Foi como tu te sentiste, não foi? Ela ficou surpreendida. – Bom... sim – confessou. Ele olhou para o outro lado. – Eu também – disse. – Não me importava com o trabalho, nem com a minha vida. Mudei de emprego porque preferia viajar. Assim não tinha de a ver a sofrer por Isaac. Nem sequer tinha tempo para sofrer por ti. A fúria apoderou-se de Phoebe. – Tu sofreste por mim? – perguntou. – Tu, sofrer? Tiveste a desfaçatez de me mandar um recorte de jornal para me anunciar o teu casamento! – exclamou com aspereza. – Nem escreveste uma única palavra! Embora já tivessem ado por aquilo, Phoebe ainda não lhe perdoara pela crueldade com que a avisara do seu casamento. Cortez parou num estacionamento deserto, desligou o motor e estendeu-lhe os braços. Beijou-a como se quisesse fundir-se com ela. Tirou o cinto de segurança e sentou-a no seu colo. O beijo era cada vez mais ardente, mais devorador. Gemeu como se sentisse dor. Phoebe nem sequer pensou em resistir. O seu corpo palpitava. Rodeou-lhe o pescoço com os braços e agarrou-se a ele enquanto o beijava com toda a sua alma. Era como se os três anos anteriores não tivessem existido. Desejava-o com desespero. Queria-o mais do que a sua própria vida. Ele gemeu outra vez e aumentou a pressão da sua boca. Phoebe abriu os lábios e sentiu o mundo a girar à sua volta num redemoinho de puro desejo. Pareceu ar uma eternidade antes que ele levantasse a cabeça. Ambos ofegaram como se tivessem estado a correr. Os seus olhos encontraram-se à
ténue luz das luzes. Phoebe estava atordoada. O leve tremor do seu corpo parecia reflectir a inquietação que fazia com que os braços de Cortez também tremessem. Ele colocou as mãos sob o seu casaco e a sua blusa e Phoebe não protestou. As suas mãos mexeram-se também sob a camisa e o casaco de Cortez, regozijando-se com o toque dos seus pêlos e da sua musculatura quente. Beijaram-se com ânsia e ela deixou escapar um gemido rouco. Totalmente absorto, sem pensar noutra coisa sem ser o alívio do desejo que sentia, ele aproximou a mão do botão e do fecho das suas calças. Porém, ela tapou-lhe a boca com a mão e afastou-se. – Não estão à nossa espera? – murmurou, trémula. – Quem? Onde? – perguntou, atordoado. – Os técnicos. No local do crime – respondeu. Cortez respirou fundo, afrouxando os braços. Olhou para ela como se acabasse de se aperceber de que estava a abraçá-la. Ajudou-a a endireitar-se e deixou que voltasse para o seu banco. – Grande autocontrolo – resmungou com ironia enquanto voltava a pôr o cinto de segurança. O pára-brisas e as janelas estavam completamente embaciados. Desatou a rir-se suavemente. Aquilo era uma repetição do seu encontro ardente à porta do museu. Ligou o aquecimento e recostou-se no banco, esperando que o carro aquecesse. Virou-se para ela e observou-a em silêncio. – Fui muito bruto. Magoei-te? – Não teria reparado mesmo que o tivesses feito – confessou. Ainda tinha dificuldade em respirar com normalidade e as suas mãos ainda tremiam quando pôs o cinto de segurança. Ele reparou. Agarrou-lhe numa mão e apertou-a com força enquanto olhava para ela. – Aconteça o que acontecer, não vou perder-te outra vez – disse.
Ela sabia que estava a devorá-lo com os olhos. Não conseguia evitar. Era a coisa mais importante no mundo para ela. Apertou-lhe a mão e os seus olhos encheram-se de lágrimas. – Não chores, querida – murmurou, inclinando-se para beijar meigamente os seus olhos húmidos. – Não chores. Está tudo bem – a sua boca deslizou sobre o nariz e as faces de Phoebe. Sentia o coração acelerado. Aquela mulher significava para ele mais do que a sua própria vida. – Phoebe... – murmurou, procurando novamente a sua boca. Contudo, aquele beijo foi terno, suave, delicado. Cortez acariciou a sua face enquanto a beijava. Em algum lugar no fundo da sua mente, ouviu uma espécie de ronronar. Estava tão absorto no sabor de Phoebe que não se apercebeu de que um carro parou junto ao dele. Antes que conseguisse afastar-se dela, ouviram bater na janela e a porta abriu-se bruscamente. O ajudante do xerife, Drake Stewart, abanou a cabeça, sorrindo. – Sabia que deviam ser vocês quando vi as janelas embaciadas – disse. Phoebe estava ofegante e corada. Cortez soltou-a e endireitou-se, suspirando. – Hoje não trabalha? – perguntou a Drake. Drake sorriu. – Era o que eu ia perguntar-lhe – respondeu. – A sua unidade telefonou. Estão preocupados consigo porque disse que não ia demorar. Phoebe ajeitou o casaco, olhou para a expressão divertida de Drake e pigarreou. – Desmaiei e Cortez estava a reanimar-me – disse, muito séria, usando a explicação que Cortez lhe sugerira quando os tinham apanhado no carro numa situação comprometedora. Cortez desatou a rir-se. – Phoebe, não podes desmaiar sentada – explicou. – És mesmo parvo! – exclamou. – Ele estava a acreditar!
– Não, nada disso – disse Drake, rindo-se. – Ouçam, é melhor irem andando. Está a começar a nevar – acrescentou. Não era raro nevar na última semana de Novembro nas montanhas da Carolina do Norte. – Já vamos – respondeu Cortez e depois hesitou. – Temos uma vítima no hospital. É o Longo, o das Construções Bennett – acrescentou. – Se o contrabando que estamos a investigar for o que estou a pensar, a vida de Phoebe corre mais perigo do que eu pensava. E se aumentassem as patrulhas pelo museu e pelos arredores do motel? Drake ficou sério. – Já tratei disso – disse. – Ouvi o que aconteceu a o Longo pela rádio. Tenham muito cuidado – acrescentou. – Você também – respondeu Cortez. Saiu do estacionamento e olhou para Phoebe, divertido. – Não sei porque tens tanta vergonha – disse. – Drake também é humano. Ela pigarreou. – Claro. – A não ser que tenhas vergonha por outra razão – acrescentou devagar, com o sobrolho franzido. – Havia alguma coisa entre vocês antes de eu aparecer? – Sim – respondeu imediatamente. – Saladas, três dias por semana. Drake ava pelo museu e levava-nos o almoço. Cortez observou-a, atento. – Mais nada? Phoebe podia ter-lhe mentido. Sentiu a tentação de o fazer, porém, não conseguiu. Fez uma careta e cruzou as mãos sobre o colo. Olhou pela janela. – Acho que se sentia atraído por mim – reconheceu com um suspiro. – Mas não era mútuo – olhou para ele com amargura. – Eu não queria voltar a ter nada que
ver com homens. Cortez sentiu-se mal, no entanto, alegrou-se. Entrou na estrada que dava para a zona de obras de Bennett. – É um bom tipo. Ela sorriu. – Tina pensa o mesmo. – Estava a namorar com um polícia de Asheville – disse. – Não sei se ele vai perdoar-me por lhe ter pedido para vir comigo para cuidar do menino. – Tina já é crescidinha. Pode fazer o que quiser – replicou. – Eu sei – ele sorriu. – É uma rapariga muito especial. – Disse-me que o teu pai andou na universidade. – Ficaste surpreendida? – perguntou, divertido. – O que esperavas? Que vivesse numa tenda e andasse por aí com um fato de batalha? Ela desatou a rir-se. – Se assim fosse, teria vergonha de o itir. Ele abanou a cabeça. – Ficarias surpreendida com a quantidade de gente que nos vê assim – disse. – Os filmes e a literatura não ajudam muito. – Todos somos culpados por cair em estereótipos, até certo ponto – respondeu Phoebe. – Mas eu não tenho desculpa. Cortez esticou um braço e deu-lhe a mão. – Estás muito bem. Ela apertou-lhe a mão.
– Não vou esquecer-me de que disseste isso. A unidade forense, dirigida por Alice Jones, estava à espera deles quando deram a volta ao perímetro de pequenas estacas de madeira e corda que marcava os limites da zona onde estavam a recolher provas e entraram na gruta. – Meu Deus! – exclamou Phoebe ao ver o esqueleto. Aproximou-se dele, com cuidado para pisar em terreno duro para não remexer o pó. Ajoelhou-se junto do crânio. – Posso tocar-lhe? – perguntou. Alice sacudiu uma mão. – Já o inspeccionámos à procura de pistas – disse. – Tivemos muito tempo – acrescentou, vendo os lábios inchados e o cabelo despenteado de Phoebe e a expressão culpada de Cortez. – Já tirei moldes dos rastos dos pneus, embalámos os restos e o fotógrafo veio e foi-se embora, tanto da caravana como daqui – levantou uma mão para apanhar uns flocos de neve. – Não é uma sorte não termos morrido de frio nem termos sido comidos por ursos enquanto esperávamos com este frio? Cortez desculpou-se, contudo, Phoebe não estava a ouvir. Estava concentrada a examinar a proeminência que o crânio apresentava em cima das sobrancelhas. – É um homem – disse para si. Deu a volta ao crânio e reparou nas maçãs do rosto altas e nas largas cavidades nasais. Inspeccionou a dentição do maxilar superior, o único que conservava alguns dentes, e comprovou o desenho dos dentes. Examinou depois o arco ciliar, a inclinação posterior das maçãs do rosto e as órbitas, altas e arredondadas, das conchas oculares. A testa elevada, com outros traços, foi o suficiente para tirar as suas conclusões, mesmo antes de examinar minuciosamente o resto do esqueleto, cujas articulações dos ombros, anca, cotovelos e tornozelos eram muito largas e apresentavam uma densa camada óssea. Finalmente, olhou para Cortez enquanto dava uma última olhadela ao crânio.
– São restos de Neandertal – disse. – Aposto a minha reputação profissional. – De Neandertal? – resmungou Alice Jones com o sobrolho franzido. – Mas então têm... – Sim – disse Phoebe. – Entre quarenta mil e duzentos mil anos de antiguidade, dependendo da localização. É muito provável que provenham da Europa, África ou do Médio Oriente. Nunca se encontrou um esqueleto de Neandertal na América. E, para além disso, também não é o esqueleto de um indígena – acrescentou. – Mas é preciso fazer análises. – Consegue saber tudo isso só de olhar para um esqueleto? – perguntou, espantado, um dos agentes. – Sim – respondeu Alice Jones, antes que Phoebe conseguisse dizer alguma coisa, e sorriu ao ver a surpresa de Phoebe. – Tirei vários cursos de Antropologia Física antes de me decidir pela carreira forense. Estive em algumas escavações. De facto, lembro-me de ti de um curso que fiz na Universidade do Tennessee. És Phoebe Keller. Andávamos na mesma turma! Phoebe reconheceu-a e desatou a rir-se. – Sim! É verdade! Fico muito contente por voltar a ver-te, Alice. – E os outros objectos? – perguntou Cortez. Phoebe fez uma careta. Não queria deixar o crânio, que parecia falar com ela. Só pelos ossos conseguia adivinhar a idade, o sexo, o estado físico e talvez até a causa da morte daquele espécime. Pela dentição, conseguia deduzir a raça, os hábitos alimentares e a idade. Não queria parar. Porém, Cortez tinha razão; aquilo era o local de um crime, não um laboratório. Pegou num fragmento de cerâmica e observou-o, fixando-se no desenho e na composição. – Período Woodland tardio, dois mil anos de antiguidade – disse para si. Deixou o fragmento e continuou a examinar as pontas de projéctil. – Pontas de lança Folsom – murmurou. – Podem ser paleoíndias e ter uns doze mil anos – sorriu ao ver as suas caras de pasmo. – Tecnologia lítica Neandertal. Utensílios de pedra fabricados à mão – franziu o sobrolho enquanto estudava os outros artefactos.
Havia cachimbos feitos de argila vermelha, muito antigos, mas difíceis de datar sem os seus manuais de litologia. Havia também duas figurinhas com forma humana, muito antigas e sumptuosas. Levantou a primeira com cuidado, observou-a e reparou no material. – Período Hopewell – disse. A outra figura era do mesmo período. Os dois cachimbos, muito raros e valiosos, datavam também do período Hopewell. Pousou-os com delicadeza no chão e levantou-se, ainda com o sobrolho franzido. – O que se a? – perguntou Cortez. – Estes objectos têm origens diferentes – disse. – O esqueleto é Neandertal. Quanto à cerâmica, o desenho é característico de Swift Creek. Data do período Woodland, quer dizer, com menos de dois mil anos de antiguidade. Mas as pontas de seta são de Folsom. Ou seja, de uns doze mil anos antes de Cristo. Podem ser muito mais antigas, talvez até do período Neandertal, embora tenha de verificar primeiro. Os cachimbos e as figurinhas são do período Woodland, da cultura Hopewell do vale de Ohio, que dominou a parte sudeste dos Estados Unidos entre o século I e II da nossa era e que se caracteriza pela construção de túmulos – acrescentou. – Vi figurinhas funerárias quase idênticas a estas em alguns museus de Nova Iorque. De facto, a figura que comprámos há mais de um mês é parecida com estas – virou-se para os técnicos. – É impossível que todas estas peças venham do mesmo sítio. Completamente impossível. – Concordo – acrescentou Alice Jones. – O que disseste dessa figura que o museu comprou o mês ado? – perguntou Cortez. – Parece combinar com estas duas – respondeu sinceramente. – Acho que são as peças que roubaram no museu de Nova Iorque. Isso explicaria porque estão todas no mesmo lugar. É horrível esconder assim peças tão valiosas! – Aqui há qualquer coisa que não bate certo – disse Alice. – Lembras-te da amostra que tirei da camisa da vítima? Tenho de a levar para o laboratório, mas tenho quase a certeza de que é tecido cerebral. E não é da vítima. Cortez suspirou. Aquilo podia significar que havia outra vítima, outro morto,
talvez não muito longe dali. – Isto não faz sentido. – Eu que o diga – disse Alice. – Vamos fazer as análises – disse Cortez a Alice. – Preciso de respostas e já. – Conta comigo, chefe – respondeu com um sorriso. – Eu vou informar-me sobre o roubo no museu e inserir no computador a informação que Phoebe me deu sobre o negociante de arte que lhe vendeu a figura, para ver se há alguma coisa na nossa base de dados – disse Cortez, referindo-se à base de dados nacional de criminosos identificados. – Quero este local vigiado vinte e quatro horas por dia. – Ena! Quem vai fazer o primeiro turno? – perguntou um dos polícias locais, olhando, aborrecido, para o jovem loiro que fora à gruta com Cortez. – Podem tirar à sorte – disse Cortez, – mas não quero que ninguém ande por aqui. Além disso, quero-vos escondidos. Se aparecer alguém, prendam-no. Entendido? – Entendido – disse o polícia loiro, muito satisfeito consigo mesmo. – Vou levar-te a casa, Phoebe – disse Cortez. – Até logo, rapazes.
O sol estava a nascer. Phoebe nem sequer tinha sono. – Podemos ar pela minha casa a caminho do motel? – perguntou a Cortez. – Preciso de mudar de roupa e gostava de tomar um duche. – Podes fazer isso no motel – respondeu. – Mas lá não tenho o meu sabonete, nem o meu champô, nem o meu creme – recordou. Ele olhou para o seu relógio.
– Suponho que temos tempo. Já é um pouco tarde para ir dormir. – Vou despachar-me – prometeu. – Tenho de estar no museu às oito e meia. Deixou Cortez na cozinha, a fazer café, e correu para a casa de banho. Despiu-se rapidamente e enrolou-se numa toalha de banho enquanto ajustava a água do duche. Estava a tirar a toalha quando a porta se abriu. Deixou escapar um gemido e olhou para Cortez. Ele não conseguia desviar o olhar. – Ia perguntar-te se querias biscoitos com o café – murmurou, meio consciente do que dizia. Os seus olhos deslizaram pelo corpo de Phoebe, sobre a pele nua dela, sobre os seios e as ancas. Estava linda, com o cabelo ondulado e despenteado. Cortez sentiu o seu corpo a enrijecer. Queria arrancar-lhe a toalha e deitá-la no chão. Apertou os dentes, lutando com a tentação. Ela olhava para ele com os olhos dilatados. Era tão bonito... Parecia um sonho. Nos últimos três anos, nunca conseguira afastá-lo dos seus pensamentos mais de dez minutos seguidos. Sonhara amá-lo na escuridão, trazendo um filho dele na sua barriga. O desejo intensificara-se desde que partilhava o quarto com ele e com Joseph. Desejava-o ansiosamente. No entanto, ele tinha um filho e uma carreira, e só estava ali de agem, à procura de um assassino. Resolveria o caso e voltaria a partir. Se ela pudesse ir com ele, se pudessem ter filhos juntos... A luz pareceu apagar-se nos seus olhos ao olhar para os de Cortez. – Em que estavas a pensar? – perguntou. – Em... bebés – balbuciou ela. O rosto de Cortez contraiu-se. Depois, pousou o olhar na sua cintura e os seus olhos começaram a iluminar-se, cheios de emoção. Três anos antes, se não tivesse hesitado em tirar-lhe a sua virgindade, poderia ter ido para a cama com ela. Desse modo, teria tido lembranças. Contudo, partira, rejeitara-a, fizera-lhe tanto mal que ela acabara na cama de outro homem por puro despeito. A sua primeira vez fora com um estranho. Por culpa dele. Por culpa dele!
No entanto, se ela se tornara sexualmente activa, não havia razão para não o fazerem. Desejava-a desde que o deixara tirar a t-shirt e olhar para ela. Aquela ânsia fora crescendo, até se tornar incontrolável. Com determinação, levou as mãos ao casaco. Tirou-o e atirou-o para o cesto de roupa que havia junto à porta. Então despiu a camisa, enquanto Phoebe olhava para ele, boquiaberta, com o coração acelerado. Cortez soltou o cabelo antes de desabotoar as calças. Despiu-se todo, excepto os seus boxers pretos. Aproximou-se da porta do quarto e fechou-a à chave. Depois regressou à casa de banho e aproximou-se de Phoebe. Ela abriu a boca para protestar, porém, já era demasiado tarde. Cortez arrancoulhe a toalha e puxou-a para o seu corpo poderoso, enquanto a beijava violentamente, fazendo com que Phoebe esquecesse qualquer ideia de resistir. – Há três anos deixei-te no hotel sem olhar para trás – disse contra os seus lábios entreabertos. – Fui um idiota. Mas desta vez não vou partir, Phoebe. Nem tu. Voltou a apoderar-se da sua boca, ao mesmo tempo que tirava os boxers e os deixava cair ao chão. Ao reparar no seu membro, Phoebe sentiu espanto e um leve receio perante a força do seu corpo quente e a ameaça iminente da sua virilidade, que se apertava contra a sua carne nua. Devia dizer-lhe, pensou, atordoada. Talvez lhe doesse. Iria reparar? Diziam que os homens não se apercebiam... Ele gemeu contra a sua boca e, de repente, colocou-a sob o duche, com ele. Phoebe sentiu a água nas costas, enquanto as mãos de Cortez percorriam o seu corpo, explorando a sua nudez com carícias lentas e ternas, tão surpreendentes como excitantes. Ele ensaboou-lhe o corpo e a si mesmo. Atraiu as mãos de Phoebe para si, incentivando-a a explorar o seu corpo, ao mesmo tempo que ele descobria os deliciosos contornos do dela. Lavou-lhe o cabelo enquanto o seu peito se esfregava provocantemente contra os mamilos duros de Phoebe, excitando-a ainda mais. Enquanto ela ava o cabelo por água, ele ensaboou o seu e levantou a cara para o duche para tirar a espuma.
Quando acabaram, Cortez fechou a torneira e ajudou-a a sair da banheira. Saiu atrás dela, pegou na toalha e usou-a para a limpar. Tirou outra toalha do armário para se limpar e depois outra para o cabelo. Ligou o secador e secou primeiro o cabelo curto e loiro de Phoebe. Depois, secou o seu cabelo preto comprido. Quando acabou, pôs o secador de parte e afastou Phoebe para contemplar a sua nudez. Ela susteve a respiração, fascinada e atordoada de prazer pela intensidade do seu olhar. Ele agarrou-a pela mão e conduziu-a para fora da casa de banho. Entraram no quarto, onde uma colcha cobria a cama de casal. Ele afastou as mantas, deixando um lençol de flores à mostra. Deitou-a sobre ela e reparou que Phoebe não resistiu. Conseguia ver como estava ansiosa, como os seus mamilos tinham endurecido, como os seus membros tremiam, enquanto esperava que ele se deitasse ao seu lado na cama. Afastou-lhe o cabelo e inclinou-se para a beijar suavemente, mal roçando os seus lábios. Mordeu-lhe o lábio superior e depois o inferior, deslizando a língua pela sua boca no meio de um silêncio que só amplificava a agitação da respiração de ambos. Colocou uma perna lentamente entre as dela e afastou-as. Olhou para ela nos olhos, ao mesmo tempo que descia a mão, pela parte interna da sua coxa, até chegar ao seu sexo. Ela gemeu e tremeu. Contudo, Cortez ignorou o súbito protesto dos seus dedos. – Deixa-me fazê-lo – murmurou. Phoebe procurou esconder o seu nervosismo. Os seus olhos mexeram-se involuntariamente para o membro de Cortez. Ele viu a sua curiosidade e afastouse dela para que o visse melhor. A expressão da sua cara excitou-o ainda mais e a sua respiração tornou-se agitada. Voltou a acariciá-la com ânsia, sentindo a sua suave humidade sob os dedos. Ela contorceu-se, indefesa, e um leve grito escapou da sua garganta. Devia ter sido há muito tempo, pensou com avidez. As suas reacções eram as de uma mulher inexperiente.
Tocou-lhe com determinação, com uma suave cadência que fez com que Phoebe levantasse as ancas da cama para se apertar contra a sua mão. Não conseguia controlar-se. Ansiava pelo prazer que Cortez estava a fazê-la sentir. Fechou os olhos e tremeu. – Não sabia que... que era assim – murmurou. Cortez mal a entendeu. Palpitava de prazer enquanto Phoebe se esfregava contra ele. O seu corpo era quase líquido, fundia-se sob a sua mão, suplicando-lhe mais. Phoebe tremeu várias vezes. A carícia de Cortez começou a abrir caminho, a penetrá-la. Ela abriu as pernas, convulsionando-se. Alguns segundos depois, ele parou e olhou para ela com espanto. Phoebe apercebeu-se de que parara de a acariciar. Abriu os olhos e mal conseguiu articular palavra. Quase vibrava de prazer. – Não pares – sussurrou, excitada. Cortez inclinou-se e olhou para ela. A sua mão começou a mexer-se vigorosamente. Ela gemeu e apertou os dentes. – Sim – disse ele. – Aparentemente o teu encontro de uma noite não foi tão louco como me disseste, Phoebe – acrescentou num tom acusador. Afastou-se dela com um suspiro e sentou-se, apoiando a cabeça nas mãos. O seu corpo palpitava, cheio de frustração.
Dez
Phoebe suspirou profundamente enquanto olhava para ele. Cortez estava a sofrer. Notava-se na rigidez do seu corpo. Mexeu involuntariamente as ancas sobre a cama, ansiosa por experimentar novamente as sensações deliciosas que Cortez despertava nela. – Tenho vinte e cinco anos – murmurou. Ele suspirou bruscamente. – E ainda és virgem. Não posso, Phoebe. Ela sentou-se, trémula de desejo, e deslizou o olhar pelo seu corpo. – Podes sim – ofegou. – Claro que podes – apertou os seios contra as suas costas e abraçou-o. Já não tinha orgulho. – Não posso fazer isto com mais ninguém. Não posso. Por favor... – sussurrou, angustiada. Ele arqueou as costas para se apertar contra os seus seios. – Phoebe, não tenho preservativos – resmungou. Phoebe ficou quieta. Ela também não tinha. No entanto, desejava Cortez. Mais do que alguma vez desejara qualquer coisa em toda a sua vida. Ele virou-se e abraçou-a, de modo que a cabeça dela ficou apoiada no vazio do seu cotovelo. Deslizou os dedos sobre a sua barriga, sobre a nódoa negra causada pela bala, até aos seus mamilos erectos. Deixou escapar um gemido. Ela arqueou-se e entreabriu os olhos. As suas ancas mexiam-se incontroladamente. – Vou morrer – gemeu.
– Eu também – respondeu com aspereza. Seguiu o contorno de um dos seus mamilos, enquanto via como ela se contorcia de desejo. – Quando foi o teu último período? – perguntou com desespero. – Há duas semanas – sussurrou. – Então esta é a pior altura – resmungou. Ela olhou para ele nos olhos. Pensou num bebé. Sentiu um arrepio e tremeu ao pensar na possibilidade de ter um filho com ele. O rosto de Cortez contorceu-se ao ver a sua expressão ansiosa. – Nunca pensei em conceber um filho deliberadamente. Ela engoliu em seco. – Eu também não. Ele acariciou-lhe um peito e mexeu a mão para sentir o seu mamilo. Phoebe tentava respirar com normalidade, porém, não conseguia. Pousou a mão no amplo peito de Cortez e sentiu os seus músculos cheios de pêlos. Inclinou a cabeça para trás para lhe oferecer a boca. Ele voltou a deitá-la sobre a cama e afastou a almofada. Ajoelhou-se lentamente entre as suas coxas e afastou-as. Cravou os olhos nos dela e começou a ofegar. Phoebe tremeu quando começou a acariciá-la devagar, com ternura, sem afastar os olhos dela. – Não tiveste nenhuma experiência – disse. – Vais sentir quando te penetrar. – Não me interessa – murmurou febrilmente. – Eu interesso-me – deitou-se sobre ela, apoiando-se num cotovelo enquanto, com a outra mão, continuava a acariciar o seu sexo húmido. – Vou fazer com que alcances o orgasmo e depois vou penetrar-te. Ela corou, apesar de estar consumida pelo desejo. Abriu os lábios para suspirar de prazer.
– Teria sido difícil de qualquer forma – murmurou, inclinando-se sobre os seus seios. – Tu estás muito tensa e eu estou muito excitado. Ela perguntou-se se podia desmaiar deitada. O que Cortez fazia ao seu corpo era como um suplício lento. Abriu as pernas um pouco mais, enquanto o prazer começava a tornar-se pavoroso. Os seus gemidos de prazer excitavam Cortez. Abriu a boca sobre um dos seios de Phoebe e chupou o seu mamilo erecto, enquanto continuava a acariciá-la com a mão. Ela tremia ritmicamente. Levantava as ancas, incitando-o a dar-lhe prazer. Mexia a cabeça sobre a almofada. Cravava as unhas nas suas costas. Gemia, com os dentes apertados, enquanto começava a virar numa espiral de prazer. Cortez levantou a cabeça e olhou para ela nos olhos. – Abre os olhos e olha para mim – disse. Phoebe mal conseguia focar o olhar. O seu corpo levantava-se e caía com cada palpitação de prazer. Queria qualquer coisa que lhe fugia. A sua mente parecia concentrada na meta distante que, no entanto, estava muito perto. Gemia com cada carícia e os seus olhos, atordoados, olhavam com receio para os de Cortez. – Avisa-me – sussurrou ele com voz rouca, sem pestanejar. O seu próprio coração fazia com que tremesse. Sentia o seu corpo a pulsar com insistência. As palavras não faziam sentido, e depois já faziam. Ela já estava quase... quase... quase... ali! – Ah! – gritou, ao mesmo tempo que o seu corpo se convulsionava numa onda de prazer tão intenso que pensou que ia morrer. – Sim... – gemeu Cortez e subitamente mexeu-se, deitou-se sobre ela e penetroua. Phoebe sentiu o seu movimento, no entanto, aquilo só fazia parte do prazer, do ardor palpitante que sacudia o seu corpo. As mãos de Cortez agarraram-lhe nos pulsos. O seu peso esmagava-a contra o colchão, ao mesmo tempo que as suas ancas se mexiam com violência,
penetrando-a, possuído por um desejo febril e angustiante. Ela olhou para ele nos olhos enquanto tremia e viu que o seu rosto ficava tenso e que os seus olhos brilhavam como diamantes pretos. Cortez gemia e tremia. Entretanto, o ritmo tornava-se cada vez mais insistente, mais urgente, mais feroz e exigente. Ele inclinou-se para a beijar com ânsia e os seus fôlegos misturaram-se no febril arrebatamento da satisfação. Os seus corpos pulsavam ao mesmo tempo. As pernas robustas de Cortez tremiam quando se afundava dentro dela. Levantou a cabeça e olhou para ela nos olhos enquanto o ritmo se tornava enlouquecedor e o ruído da cama quase abafava o som da respiração frenética de ambos. De repente, Cortez arqueou-se e ficou imóvel, com os olhos dilatados e pretos. Depois, o seu corpo começou a convulsionar-se. – Phoebe – disse, – estamos a fazer um bebé – sussurrou com voz trémula, olhando para ela, enquanto o mundo se desvanecia à sua volta. As suas palavras aumentaram ainda mais a febre que os consumia. Phoebe olhou para ele, enquanto o clímax o sacudia sobre ela. Ele tinha o rosto tenso e os olhos muito abertos, ao mesmo tempo que a maré da paixão balançava o seu corpo. Aquilo superava todas as suas fantasias. Phoebe sentiu-o a explodir dentro de si, sentiu o culminar da sua paixão. Cortez gritou e ela olhou para ele até que a sua visão ficou nublada. Relaxou de repente e sentiu que ele a penetrava ainda mais, nos últimos segundos do clímax. Ele caiu entre os seus braços, suado e trémulo, como ela. Phoebe abraçou-o fracamente e as lágrimas começaram a deslizar pelas suas faces. Esfregou-se involuntariamente contra o seu corpo, ainda excitado, para se agarrar aos ecos do êxtase. Cortez ficou deitado sobre ela, sentindo-a a mexer-se. Estava espantado. Nenhuma das suas experiências sexuais podia comparar-se àquela. Esfregou-se suavemente contra ela e gemeu ao sentir que o prazer o invadia novamente. Levantou a cabeça e olhou para ela nos olhos. Então, voltou a mexer-se enquanto olhava para a sua cara. Apercebeu-se de que continuava a segurar-lhe os pulsos, portanto soltou-a e apoiou-se sobre as mãos, de ambos os lados da cabeça de
Phoebe. Levantou-se e olhou para os seus corpos unidos. Olhou para ela nos olhos e endireitou-se novamente, sem se afastar dela. – Olha – disse. Ela olhou... e ficou sem respiração. Nunca sonhara que aquilo pudesse acontecer, muito menos, que a dor fosse a última coisa que a preocue. – Queres contar-me outra vez o que aconteceu na noite em que recebeste o meu recorte de jornal? – perguntou. – Tentei – resmungou. – Mas não eras tu. Não consegui. – Eu também não – disse. Phoebe olhou fixamente para ele no meio do leve fulgor da satisfação física. – Mas eras casado – disse lentamente. – Ela amava o meu irmão. Não queria mais ninguém. Nem eu. Desejava-te, Phoebe. Ainda te desejo. – Mas aram três anos! – exclamou, surpreendida. – Sim, eu reparei – ele olhou novamente para os seus corpos suados. – Fizemos amor e ainda estou excitado, sentes? Ela corou. – És muito... directo. Ele olhou para ela nos olhos. – E estou muito excitado – murmurou, enquanto mexia as ancas. Phoebe abriu os lábios. Sentia-se intimidada. Ele sorriu com ternura. – Desta vez não vai doer – murmurou com suavidade, e levantou-se para se roçar contra ela da forma mais excitante possível, ao mesmo tempo que a via a mudar a sua expressão de receio para ânsia. Phoebe olhava para ele enquanto se mexia sobre ela. Sentia que o seu corpo acelerava, que o prazer voltava a crescer dentro dela.
– Não usámos nada – conseguiu dizer. – Adoras crianças – disse com calma. – Eu também – perdeu-se nela com um movimento longo e lento que fez com que ela tremesse de prazer. – Quero fazer um filho contigo. Não o disse para te excitar. Embora te tenha excitado, não foi, querida? – murmurou e inclinou-se para a beijar com deleite. – A mim também – mordeu-lhe o lábio inferior. Voltara a respirar agitadamente. Os seus suspiros acompanhavam o ritmo ansioso dos seus movimentos. – Nunca tinha feito amor assim, Phoebe – sussurrou tremulamente. – Nunca senti nada parecido. – Eu... também não – murmurou e arqueou-se de repente. – Meu Deus! – exclamou, tremendo. – O teu corpo está sensível, tal como o meu – ofegou contra a sua boca. – Se o fizer devagar, talvez voltes a ter um orgasmo. Ela não respondeu. Não conseguia. O prazer consumia-a. Cortez olhou para ela nos olhos. Os seus movimentos tornaram-se mais lentos, mais profundos, mais veementes. Ela corou. Os seus olhos tinham uma expressão febril. O seu corpo reagia ao corpo dele no meio de um silêncio carregado de prazer. De repente, abriu a boca e deixou escapar um gemido. Pensara que não conseguiria sentir mais prazer, porém, estivera enganada. Ficou ali, indefesa, aterrorizada, com medo de que ele parasse. Agarrou-lhe nos pulsos e arqueou-se, suplicando-lhe em silêncio. – Não vou parar, querida – sussurrou para a tranquilizar. – Ainda não. Levantate. Isso. Levanta-te. Fá-lo outra vez. Outra vez. Sim! – colocou uma mão por baixo dela, agarrou-a pelas nádegas e obrigou-a a levantar as ancas. Ela ofegava incontroladamente, cega, ansiosa por alcançar a satisfação. – Jeremiah! – gritou e a sua voz ecoou no quarto, repleta de receio e de prazer. – Sim, querida – murmurou com avidez, penetrando-a com intensidade. – Sim! Ela ficou rígida de repente, olhou para ele e deixou de respirar, com os dentes apertados e o rosto contraído. – És tão linda – sussurrou, enquanto ainda conseguia, fascinado pela beleza que via na sua cara. Então o prazer apoderou-se dele com o mesmo ardor com que se
apoderara dela. Deixou escapar um gemido, o seu corpo ficou rígido e tremeu incontroladamente. Era quase doloroso. Sentia o corpo de Phoebe tão perto, que os dois pareciam partilhar o mesmo fôlego, o mesmo espírito. Queria olhar para ela, porém, não conseguia. Tinha os olhos fechados, enquanto saboreava cada onda de prazer que atravessava o seu corpo. Uma luz brilhava atrás dos seus olhos. Finalmente, deixou-se cair sobre ela, exausto. Mal conseguia respirar. Sentiu, debaixo dele, a respiração agitada e o batimento frenético do coração de Phoebe. Afastou-se dela e deitou-se de lado, puxando-a para si, ando uma perna sobre as suas, enquanto tentavam recuperar o fôlego. – Não posso acreditar que me tenhas deixado fazê-lo – murmurou, trémulo. – Eu não posso acreditar que tenha sentido uma coisa assim – respondeu. – Pensei que ia morrer. Cortez acariciou a sua pele suave. – Eu também – murmurou. – Nunca senti uma paixão assim. Ela corou e o seu rosto iluminou-se, radiante, todavia, um instante depois, pareceu escurecer. – Não estás a dizer isso só porque acabámos de fazer amor, pois não? – perguntou, receosa. – Uma vez li num artigo que os homens dizem muitas coisas que não sentem na cama. Ele levantou as sobrancelhas e sorriu, divertido. – Alguns homens sim. Eu não – pousou a mão sobre a sua face. – Mas agora temos outra complicação. Ela fez uma careta, observando-o. – Nenhum dos dois pensou em precauções. – Exactamente – Cortez resmungou em voz baixa ao recordar o que lhe dissera
no ardor da paixão. Naquele momento, a ideia de ter um filho parecera-lhe irresistível. Porém, então tinha a sensação de ter empurrado inconscientemente Phoebe a aceitar uma intimidade que talvez não desejasse. Ela não seria capaz de abortar. Teria a criança e arrepender-se-ia daquilo para sempre. Cortez sentiu-se culpado. Ela delineou a linha da sua boca com o dedo indicador. Adorava olhar para ele e acariciá-lo. Era consciente da força indolente do seu corpo, colado ao dele. Com ele, sentia-se a salvo. Pensou em trazer um filho de Cortez na sua barriga e ficou sem fôlego. Queria dizer-lhe, contudo, ele parecia, de repente, muito distante. Afastara-se dela. Phoebe colocou a mão entre o seu cabelo para o puxar novamente para ela. Ele sorriu e acariciou o seu cabelo suave, enquanto ela afundava as mãos no seu longo cabelo preto. – Adoro o teu cabelo – disse. – Sempre gostei. – Eu gostava do teu comprido – respondeu. Ela sorriu com tristeza. – Cortei-o no dia em que recebi o recorte de jornal. Ele fechou os olhos um instante. – Não conseguia pensar bem no dia em que o enviei – suspirou, enquanto estudava a sua cara oval. – Não foi só o facto de Isaac ter morrido, Phoebe. Morreu quando estava a fugir da polícia. Tinha problemas com a lei há alguns anos. Bebia demasiado e não sabia o que fazia até ser preso. No dia em que morreu, acabava de roubar uma loja de bebidas. O dono da loja feriu-o gravemente. Teria ido para a prisão, se não tivesse morrido. – Coitada da tua mãe! – exclamou. – E, além disso, era doente do coração.
– Uma morte violenta é terrível para uma família – disse. – Fiquei um pouco louco. Foi por isso que não te escrevi – os seus olhos reflectiam a tristeza que sentia. – O que aconteceu partiu-me o coração. Amava muito o meu irmão. – Eu teria entendido, se tivesse sabido o que estava a acontecer – respondeu, angustiada. Ele esboçou um sorriso. – Agora, depois destes anos todos, percebo isso. – Tentei sair com outros rapazes – acrescentou. – Mas já não confiava nos homens. Tinha desistido de ter um futuro feliz com alguém quando cheguei a Chenocetah. Pensava dedicar-me ao meu trabalho. – Foi o que pensei quando finalmente te localizei – disse com um sorriso. – Mas saber onde estavas não me serviu de grande coisa. Não encontrava uma boa desculpa para vir ver-te. Então o destino decidiu ajudar-me. – Sim. Tudo se uniu de repente. Sabes? Ao princípio estava ressentida com Joseph – confessou. – Eu sei – respondeu com calma. – Mas não durou muito – murmurou, recordando os bracinhos do menino à volta do seu pescoço. – Aninhou-se ao meu lado e não queria deixar-me. Conquistoume. Ele desatou a rir-se. – Tem jeito para as mulheres. Tina que te diga. – É parecido contigo – comentou. – Ninguém pensaria que não é teu filho. Vais contar-lhe o que aconteceu ao seu pai quando for mais velho? – Sim – disse. – Isaac não era má pessoa – acrescentou. – Mas tinha uma fraqueza: o álcool. Era uma daquelas pessoas que ficam violentas quando bebem demasiado. Começou a beber quando era apenas um adolescente. Tentámos afastá-lo da bebida, mas foi impossível. Todos nos sentimos culpados quando morreu.
– Não se pode lutar contra o destino – disse, distraída. – Eu perdi os meus avós num acidente de comboio há dois anos, na Europa. Tinham ido de férias. Foi muito difícil para Derrie e para mim. – Não sabia. Ela olhou para ele nos olhos. – Eu não sabia de Isaac, nem da tua mãe. Cortez devolveu-lhe um olhar intenso e curioso. Phoebe dava a impressão de acabar de descobrir o significado do prazer. Cortez estava feliz por lhe ter oferecido aquele presente. No entanto, perguntava-se se a sua entrega fora impulsionada por desejo... ou por curiosidade. Estava surpreendida com aquela intimidade. Isso não significava que o amasse, nem que quisesse um casamento convencional. Phoebe não lhe dissera que o seu objectivo era transformar-se numa mulher independente e dedicada à sua profissão? Sentiu a inquietação a apoderar-se novamente dele. Fez uma careta e soltou-a, levantando-se. – Não faz muito sentido dormirmos. São oito da manhã. É melhor tomarmos um duche rápido e sairmos daqui. Podes usar a casa de banho primeiro. Ela esteve quase a sugerir-lhe que tomassem banho juntos, porém, Cortez estava de pé, de costas para ela, e não se virou quando saiu da cama. Com um suspiro carregado de inquietação, foi para a casa de banho.
Fizeram o trajecto até ao museu em silêncio. A intimidade que tinham partilhado durante a hora anterior parecia não ter existido. Quebrara qualquer coisa entre eles. Phoebe acreditara que iria aproximá-los ainda mais, porém, pelo contrário, afastara-os. Cortez parou à entrada do museu. – Preciso que me digas tudo o que sabes sobre o homem que vos vendeu a figura – disse. – As notas são úteis, mas preciso de toda a informação que possas conseguir do resto do pessoal do museu.
– Vou falar com os patronos – disse. – Mais uma coisa. Aquela mulher era alta, loira e elegante. Usava sapatos e mala de marca. Da Aigner – acrescentou, referindo-se a um famoso estilista francês. – Tinha um sinal na face direita, mesmo em cima do lábio superior. Tinha pronúncia do sul, embora não muito acentuada, e os olhos azuis-escuros. – És incrível – disse com suavidade. Ela conseguiu esboçar um sorriso. – Tenho apenas boa memória – observou-o intensamente. – Tem cuidado. Isto está a ficar perigoso. – És tu quem me preocupa – disse. – Espera por mim quando saíres. Se não puder vir, direi a Drake para te levar ao motel. A polícia local vai aumentar as patrulhas nesta zona. Há um assassino à solta e não me parece que vá parar de matar. – Também acho – respondeu. Queria dizer mais alguma coisa, perguntar-lhe como se sentia depois do que tinham feito. No entanto, por fim, a timidez venceu. Sorriu e saiu do carro. – Até logo, FBI – brincou. – Adeus, Indiana Jones – murmurou com um sorriso forçado. Ela entrou no museu a rir-se. Contudo, ao ficar sozinha, pareceu-lhe que o mundo ia desabar. Cortez comportava-se como se nada se tivesse ado. Seriam todos os homens assim? Ficariam sempre assim depois de terem satisfeito as suas necessidades físicas? Ou estaria Cortez arrependido por ter descoberto que ela era virgem? Chegou à conclusão de que preocupar-se com isso não ia servir-lhe de nada. Ligou o computador e imprimiu a lista dos números de telefone dos patronos do museu. Ia rever toda a informação que tivesse sobre o misterioso indivíduo que lhes vendera a figura. Como se já não tivesse contado tudo a Cortez... Talvez ele só lhe tivesse pedido aquilo para a manter ocupada, para que não se preocue. E resultara.
Cortez, entretanto, fora ao escritório de Jeb Bennett. – Não posso acreditar que o Longo esteja no hospital – disse Bennett, pesaroso, quando o informou sobre os acontecimentos da noite anterior. – É um bom trabalhador, honrado e leal. Quem quereria fazer-lhe mal? E porquê? – Esperava que pudesse dizer-me isso – disse Cortez com calma. Vestia um colete do FBI e apanhara o cabelo num rabo-de-cavalo. Bennett recostou-se na cadeira. – Receio não saber muito sobre ele – disse com irritação, sem olhar para Cortez nos olhos. – Trabalha para mim há vários anos. Nunca tive queixas dele. Cortez reparou numa coisa que recordava vagamente da sua primeira visita ao escritório de Bennett. Havia uma fotografia emoldurada: uma mulher bonita, loira e de olhos azuis, elegantemente vestida. Tinha um sinal na face. O que é que Phoebe lhe dissera sobre aquela mulher misteriosa? – É a sua esposa? – perguntou, apontando para a fotografia. – O quê? Ah, não. Não sou casado – respondeu Bennett com uma careta. – Pelo menos, já não. É a minha irmã, Claudia. Cortez tentou não se mostrar muito interessado. – Também se dedica à construção? – perguntou. Bennett desatou a rir-se. – Claudia não gosta de sujar as mãos. É negociante de arte. Uma resposta muito interessante e Bennett pareceu arrepender-se de ter falado. Cortez reparou que não lhe dissera que o Longo tinha estado na prisão, nem que era casado com Claudia. – Como está o Longo? – perguntou Bennett rapidamente, como se quisesse mudar de assunto. – Continua inconsciente – respondeu Cortez. – As lesões são graves. Se morrer,
terei de procurar um suspeito de assassinato. Bennett endireitou-se na cadeira. Parecia inquieto. Cortez abriu muito os olhos. Aquele homem estava envolvido no caso. Inclinouse para a frente. – Se souber de alguma coisa e não me disser, pode ser acusado de cumplicidade e as penas são pesadas. Bennett olhou para ele nos olhos e hesitou. Antes que pudesse dizer alguma coisa, o telemóvel de Cortez começou a vibrar insistentemente no seu bolso. Tirou-o e abriu-o. – Cortez. Era Alice Jones. – Tenho o relatório preliminar sobre a substância que tirei da camisa da vítima. Definitivamente, é massa encefálica. Também havia terra. É de outra gruta, não da de ontem à noite. Acordei um biólogo e pedi-lhe para a analisar. É de uma gruta húmida. Uma gruta com morcegos. Cortez sentiu um aperto no coração. A gruta de Yardley. Tinha a certeza. – Jones, és maravilhosa. Reúne a equipa. Encontrar-nos-emos no estacionamento da esquina da Harper e da Lennox. Entendido? – acrescentou, convocando-os num ponto neutro para não ter de falar à frente de Bennett. Não confiava nele. – Entendido, chefe – disse Alice e desligou. Cortez levantou-se. – Tenho de ir – disse, apertando a mão a Bennett. – Parece que temos uma boa pista. Bennett pareceu hesitar. – Ah, sim? – perguntou.
– Voltarei a á-lo – disse Cortez sem responder à sua pergunta. Saiu do escritório, pensativo. Assim que desapareceu, Bennett levantou o telefone.
No museu, Phoebe tentava evitar os olhares curiosos de Marie. Tinha a certeza de que ninguém sabia que estivera com Cortez naquela manhã, porém, dava a impressão de que Marie o adivinhara. Finalmente, resolveu que a melhor forma de resolver o problema era encará-lo. Chamou Marie ao seu gabinete e fechou a porta. – aste a manhã toda a olhar para mim de uma forma estranha – disse. – Pode saber-se o que se a? Marie deixou-se cair numa cadeira, aliviada. – Não sabia como dizer-te – confessou. Phoebe sentiu-se incomodada. Embora acabasse de abandonar uma abstinência de três anos, satisfazendo o seu desejo por Cortez, não queria partilhar aquilo com a vila inteira. Marie fez uma careta e desviou o olhar. – Sabes que Drake é meu primo. – Sim, claro – respondeu Phoebe, desconcertada. – Pois, é que... – Marie fez outra careta. – Ontem à noite estava a beijar Tina, a prima de Cortez. Mas a beijá-la a sério, sabes? – olhou para Phoebe com compaixão e arrependimento. Phoebe arqueou o sobrolho, profundamente aliviada. – Era isso que não querias dizer-me? – Sim. Lamento. Sei que Drake te dava muita atenção e sei que se sentia muito
atraído por ti... Phoebe levantou uma mão e sorriu alegremente. – Gosto muito de Drake – disse. – É um homem maravilhoso. Mas não estou apaixonada por ele, Marie. – Ainda bem! – exclamou Marie e levou uma mão ao peito. Então desatou a rirse. – Queria dizer-te pois não queria que descobrisses por acaso. Acho que está apaixonado pela prima de Cortez. – Eu também acho – respondeu Phoebe. – Tina é muito simpática. Devias vê-la com o sobrinho de Cortez – acrescentou suavemente. – Adora crianças. – Sabes se namora com alguém? – insistiu Marie. – Estava a namorar com um polícia em Asheville – respondeu Phoebe, – mas, entre nós, acho que acabaram. Drake é especial. Marie sorriu, radiante. – Eu também acho, embora seja meu primo – inclinou a cabeça e baixou a voz. – Ouvi dizer que ontem à noite agrediram um homem e que está no hospital. Phoebe não sabia se Cortez quereria que o contasse a uma pessoa fora do caso, por isso limitou-se a sorrir. – Ah, sim? – perguntou. Marie arqueou o sobrolho. – Não vais dizer-me nada, pois não? Tentei falar com Drake e disse-me o mesmo. Mas outro primo meu diz que Cortez e tu saíram de carro de madrugada e que havia muitos polícias e carros do xerife perto de uma gruta, numa zona de obras daqui. – Tens demasiados primos, Marie – disse Phoebe com firmeza. – E eu tenho de trabalhar ou vamos ser despedidas. Marie desatou a rir-se.
– Está bem – levantou-se, abanou uma mão e voltou para o seu trabalho. Phoebe suspirou de alívio. Pelo menos, ninguém andava a fazer especulações sobre ela e Cortez. Pelo menos ainda. Aquele era um segredo que, por enquanto, não queria partilhar com ninguém.
No dia seguinte, Cortez chegou à zona de obras de Yardley antes da carrinha da equipa forense, do carro-patrulha de Drake e do agente da polícia local, que ia no seu próprio veículo. Aquilo ia chamar a atenção, todavia, não podia fazer nada a esse respeito. Cortez tinha o pressentimento de que iam encontrar a cena de outro crime. Desceram pelo atalho que, entrando no bosque, levava a uma gruta. Ouvia-se o riacho ao longe. Cortez fez gestos à equipa para que ficasse para trás, enquanto se inclinava para inspeccionar um rasto de pneus recente. Faltava o sulco vertical. Mostrou a marca a Alice Jones e à sua equipa. Eles desviaram-se cuidadosamente dela e dirigiram-se para a entrada da gruta. O sol estava alto e estava muito calor para o final de Novembro naquela região montanhosa. Cortez não viu nada suspeito, contudo, ao aproximar-se da gruta, sentiu um aperto no estômago. Apertou os dentes quando um cheiro leve, mas inconfundível chegou às suas fossas nasais. Sabia o que era. Alice Jones também, que olhou para ele com preocupação. Ele afastou-se para a deixar ar e indicou a outros agentes que o seguissem. A alguns os da entrada da gruta, viram uns sapatos. Pertenciam a um homem estendido no chão. Estava morto.
Onze
A vítima estava de barriga para baixo. Tinha metade do rosto desfigurada e a outra metade ensanguentada. Nem a sua própria mãe o teria reconhecido. O sangue fazia uma poça à volta da sua cabeça. Nas rochas, ao lado da vítima, muito acima da sua cabeça, viam-se salpicos de sangue e de massa cinzenta. Só havia uma pegada visível. O morto era um homem alto e magro, com um fato caro e sapatos de pele que pareciam igualmente caros. Tinha os braços dobrados de ambos os lados da cabeça. Estava rígido. Alice Jones examinou o corpo para descobrir a hora aproximada da morte. Ninguém prestou muita atenção ao que estava a fazer. A morte era perturbadora, até para os investigadores mais experientes. O médico legista ainda não tinha chegado. Tanner, um dos membros da unidade forense, estava a tirar fotografias do cadáver e das suas imediações. Em cima do capô do carro, tinha uma câmara de vídeo que serviria como reforço para documentar os factos. Alice pa vários cartões de cores junto às provas para que Tanner as fotografasse. Um agente da polícia local ia pondo pequenas estacas de madeira unidas por linha à volta do corpo, seguindo as ordens de Alice. Outro agente permanecia a alguns metros de distância para preservar o local. Alice aproximou-se com uma pá e uma mala com outras ferramentas pequenas, como espátulas e pinças. Parecia estar pálida e de mau humor. – Onde está o resto da equipa? – perguntou Cortez, assustado. – Só vejo outro agente do FBI. – É dia de Acção de Graças, esqueceste-te? – resmungou, pousando a pá. – Toda a gente tem família, menos Tanner e eu. Mas a sua especialidade é a fotografia, não a medicina forense. Portanto aqui estou, sozinha, à excepção do agente Dane, que está a vigiar a entrada, e do agente Parker, que nem sequer trabalha em homicídios.
– Não destacaram mais agentes? – perguntou Cortez, perplexo. – No seu departamento também celebram o dia de Acção de Graças, Cortez, portanto não podiam prescindir de mais agentes – respondeu com ironia. – Tens sorte de eu não ter marido, nem namorado, nem ninguém que me convide para sair. – Está bem, já entendi – disse com um suspiro. Jones pareceu acalmar-se. – Desculpa – murmurou, envergonhada. – É que isto supera-me. Estou habituada a trabalhar pelo menos com um criminologista perito. Isto vai requerer tempo e perícia. – Que pena que não disponhamos de um antropólogo forense – murmurou Cortez. Alice Jones sorriu com orgulho. – Estou a tirar um curso pela Internet de técnicas forenses aplicadas à dentição – disse. – Jones! – exclamou, animando-se. – És maravilhosa! Ela desatou a rir-se. – Agradecemos que apreciem o nosso trabalho, chefe. Tanner, Parker e eu vamos estar muito ocupados – hesitou. – Mas, se pudesses trazer a tua amiga antropóloga, seria uma grande ajuda – disse, ficando séria. – Disse que tinha estudado Antropologia Forense e certamente sabe mais de escavações do que eu. Aqui há muito trabalho para um só técnico – olhou para Cortez. – É impressionável? – Vou perguntar-lhe – respondeu Cortez. – Recomendarei que lhe aumentem o salário – prometeu. – Não vai servir de nada – disse com um suspiro. – Nem os nossos aumentam.
– Estava só a falar por falar – disse. – Não sei se reparaste, mas tenho uns sapatos que têm quatro anos e nem posso mudar de óculos. – Diz isso ao chefe de operações – aconselhou-a, referindo-se ao agente especial encarregado da unidade. – Mas não esperes grande coisa. Recentemente disseme que o seu filho tinha pedido outra bolsa porque tiveram de gastar o dinheiro que tinham poupado para lhe pagar os estudos nas prestações da casa. Jones endireitou-se. – Não precisamos de saber isso! – exclamou. Cortez, Tanner, Parker e o agente Dane viraram-se e olharam para ela com surpresa. Ela franziu o sobrolho. – Bom, é para onde vai o orçamento da agência, juntamente com o de outros departamentos, para bolsas que não interessam a ninguém, excepto a uns poucos investigadores – resmungou. – Proponho-te como representante sindical da nossa unidade – disse Cortez. – Votos? – perguntou, levantando a voz. Tanner levantou a mão e os agentes locais também. – Eh, vocês não são do FBI – disse Tanner. – Tem a certeza? – perguntou o agente Parker. – Há dois anos que não me aumentam o salário. Cortez abanou a cabeça. Deu uma última olhadela à vítima e franziu o sobrolho ao recordar a gravidade da situação. Se tinham de investigar assassinatos, tinham de ter sentido de humor, pensou distraidamente, ou então enlouqueceriam. – Pergunto-me quem será – disse em voz alta. – É a vítima número dois do relatório 45728 – respondeu Jones. Cortez lançou-lhe um olhar que falava por si só e foi procurar Phoebe.
Apesar de ser dia de Acção de Graças, Phoebe compadecera-se dos turistas estrangeiros que queriam ver o museu. Estava a arrumar as suas coisas e Marie
acabava de acabar o percurso pelo museu, quando Cortez entrou no escritório. Vê-lo novamente depois do que acontecera, depois da forma como se tinham despedido, foi um choque para Phoebe. Mal conseguia respirar. Só de olhar para ele, um leve tremor de prazer percorreu as suas terminações nervosas. Cortez sentiu o mesmo, porém, conseguiu disfarçá-lo. ara a sua vida inteira a esconder as suas emoções mais profundas. Pôs as mãos nos bolsos. – És impressionável? – perguntou sem rodeios. – Define «impressionável» – respondeu. – Importas-te de ver um homem sem metade da cara e com uma pequena parte do cerebelo à mostra e ajudar Alice Jones a escavar à volta do corpo para recolher provas? – Queres que vá ver um morto? – perguntou. – Bom... sim – respondeu com hesitação. Phoebe deu a volta à mesa, pegou na sua mala e aproximou-se da porta, enquanto ele continuava a conter a respiração. – Vamos! – exclamou. – As pistas vão arrefecer! Cortez ou por Marie, que olhava para eles com curiosidade, e seguiu-a. – Marie – disse Phoebe com um sorriso, – vais ter de ficar sozinha. Vou ajudar o FBI! Marie olhou com aborrecimento para um grupo de turistas que estava a murmurar a respeito das legendas de uma das vitrinas. – Posso ir também? – perguntou. – Lamento muito, só pode fugir um membro do pessoal por dia – murmurou Phoebe, sorrindo. – Fecha assim que os nossos convidados saírem. Depois telefono-te. Entrou no carro de Cortez e pôs o cinto de segurança.
Ele sentou-se atrás do volante e fez o mesmo, lançando-lhe um olhar irónico. – E eu que pensava que teria de te persuadir. – Estás a gozar? A ciência forense sempre me fascinou – respondeu. – Tirei vários cursos na universidade e, de vez em quando, ajudava a polícia local quando encontravam restos humanos. Até assisti a uma autópsia. Ele apertou os dentes. – Eu também, mas sem grande entusiasmo. – Sabes quem é o morto? – perguntou. – Não, mas se perguntares a Jones, vai dizer-te que é um homem e que está morto. Ela abanou a cabeça, sorrindo. – Essa é a nossa Alice. – Não é um espectáculo agradável, Phoebe – disse. Ela olhou para ele. – A morte nunca o é – disse. – Um inspector de polícia da Georgia disse-me uma vez que conseguia superar os piores momentos recordando-se que era o último advogado dos mortos. Depende dele que o culpado seja apanhado e pague pelos crimes que cometeu. Eu gosto de ver as coisas dessa forma. – Eu também – disse.
Não falaram muito a caminho do local do crime. Phoebe estava estranhamente tímida e ele sentia-se culpado pelo que acontecera. Nunca quisera levá-la a manter uma relação física com ele. Estacionou perto do lugar do crime e saiu primeiro, indicando a Phoebe que o seguisse, tendo atenção onde pisava. Não queria alterar as provas.
Phoebe deixou a mala no carro e seguiu Cortez até ao interior da gruta. Hesitou um segundo ao ver o cadáver. Porém, obrigou-se a seguir em frente. Alice Jones, que estava a escavar lentamente a zona à volta do corpo, parou. – Obrigada por vires – disse. Tinha de levantar as finas camadas do chão, uma por uma, ar a terra por uma peneira e embalar e etiquetar todos os indícios, por mais pequenos que fossem. Era um trabalho difícil e, à medida que a temperatura ia subindo, também fatigante. – Agora que não estão aqui, sinto falta da minha equipa – acrescentou Alice. – Não tem importância – respondeu Phoebe. – Dá-me a espátula e diz-me o que queres que faça. – Primeiro dá uma olhadela à vítima, se não te importares – disse Alice, dirigindo-a para o único ponto da entrada por onde conseguia ar-se sem alterar a cena do crime. – Pelo ângulo da ferida, eu diria que dispararam quando ele estava de costas. Havia salpicos de sangue nas rochas onde devia estar a cabeça enquanto estava escondido. A ferida é pequena por trás, grande pela frente e o orifício de entrada é pequeno e de contornos precisos. Phoebe franziu o sobrolho, enquanto observava a ferida. – Um revólver – disse. – Dispararam de trás e de cima. – É mais do que provável – disse Alice. – Se soubéssemos o calibre, saberíamos o vector de saída e onde procurar o cartucho. Penso que foi um único tiro, com um revólver de calibre elevado, à queima-roupa. O agente Parker anda por aí à procura do cartucho com um detector de metais. Isso explicava o estranho zumbido que Phoebe ouvira ao entrar na gruta. – Está bem – disse, tirando o casaco. – Quando quiseres. Alice sorriu e deu-lhe uma espátula.
Examinar a cena do crime era um trabalho árduo e exaustivo. Phoebe estivera muitas vezes em escavações, contudo, a presença do cadáver punha-a nervosa. O rigor mortis estava bastante avançado e o cadáver começara a inchar com o calor do dia e a emanar um leve e desagradável cheiro adocicado. Alice estava a examiná-lo para tentar descobrir a hora aproximada da morte. – Eu diria que morreu há dezoito horas – disse a Cortez distraidamente, – tendo em conta o avanço do rigor mortis e a temperatura corporal. Quando lhe fizermos a autópsia poderemos concretizar a hora, mas acho que não variará muito. – Isso significa que foi assassinado ontem – disse Cortez. – Possivelmente ontem à noite – acrescentou Alice. – Já medi a sua temperatura corporal – murmurou e olhou com ironia para os seus colegas, que desviaram o olhar. – Tendo em conta que o corpo perde entre um grau e um grau e meio a cada hora depois da morte, a temperatura encaixaria no meu cálculo. Morreu ontem, por volta das onze da noite, mais hora, menos hora, se tivermos em conta os boletins meteorológicos de ontem à noite. Estiveram uns quinze graus a menos do que agora. Vou falar com os rapazes do Instituto de Meteorologia para que me mandem um gráfico e o relatório das temperaturas de ontem nesta zona. – Coloquem o corpo no saco e digam à funerária da vila para mandar uma ambulância. O corpo deve ficar lá até ser enviado para o laboratório forense para se fazer a autópsia – disse Cortez. – Se tivermos sorte, o supervisor da funerária deixar-nos-á tirar algumas amostras de ADN para o nosso laboratório com a ajuda do médico legista da vila. – Como é feriado não vai ser fácil conseguir isso – recordou Alice. – Vá lá, sei que tens muita confiança com o pessoal do laboratório, Alice – respondeu Cortez. – Não namoraste com um dos ajudantes? Ela pigarreou. – Na verdade, chefe, atirei-o para cima de uma mesa de um café. Não me parece que mencionando o meu nome vá ajudar – os outros olharam para ela com espanto. Ela corou. – Não foi de propósito. Ele afastou-me a cadeira e eu tropecei nos meus próprios pés e ele caiu em cima de um prato de puré de
batatas com molho de carne. – E o que fizeste? – perguntou Phoebe, estupefacta. Alice corou ainda mais. – Levantei-me e fugi – confessou. – Acho que não nasci para o romantismo. – Ainda bem, porque és a melhor técnica forense que tenho – disse Cortez com um sorriso. Ela sorriu. – Sobre o tal aumento...? – Vai trabalhar. Ela fez-lhe uma saudação militar, piscou um olho a Phoebe e voltou para a sua tarefa.
Havia duas amostras que surpreenderam Cortez quando Alice lhas mostrou. Uma era um cabelo comprido e loiro. A outra era uns restos minúsculos de maquilhagem em pó que encontraram na lapela da vítima quando a viraram para a colocar no saco. – Achas que havia uma mulher com ele – disse Cortez. Alice assentiu. – Não sei se as provas materiais vão proporcionar-te um nome, mas indicam que houve uma testemunha. Estava alguém com ele. – Isso é uma grande ajuda – disse Cortez. Entreabriu os olhos. Estava a pensar na fotografia da irmã de Bennett. Aquela mulher tinha o cabelo comprido e loiro. O seu marido, o Longo, continuava no hospital, inconsciente. Tinha de haver uma ligação. Porém, não disse nada em voz alta.
Chegou a ambulância e a vítima foi introduzida noutro saco para ser transportada. Alice foi para a sua carrinha para seguir a ambulância até à morgue e despediu-se apressadamente de Cortez e de Phoebe. Tanner regressou com ela ao motel. Os polícias arrumaram as suas coisas e também partiram. Phoebe já telefonara para o museu e dissera a Marie para irem todos para casa. Afinal de contas, era dia de Acção de Graças. Cortez abriu-lhe a porta do carro e esperou até ela pôr o cinto para a fechar. Phoebe olhou para ele com um certo desconforto. – Nunca te sentes... bom... sujo depois de examinar o local de um crime? Ele esboçou um sorriso. – Sempre – confessou e arqueou uma sobrancelha. – Afectou-te mais do que pensavas, eh? Ela devolveu-lhe o sorriso com timidez. – Sim – disse. Cruzou os braços sobre o peito e olhou pela janela, enquanto Cortez conduzia de regresso a Chenocetah. – Parecia tão indefeso... – As vítimas parecem sempre indefesas – respondeu. – É por isso que nos esforçamos tanto para resolver os crimes. As pessoas não conseguem tirar da cabeça a imagem da vítima, mas pelo menos apanhar o criminoso alivia a frustração. – É tão complicado... – murmurou. – Primeiro aparece um antropólogo a dizer que encontrou um esqueleto de Neandertal. Depois morre assassinado e tentam matar-me, e depois dão uma surra ao tipo da construtora. Agora aparece outro morto com um cabelo loiro no casaco e cheio de maquilhagem – olhou para Cortez. – Como é que encaixas isto tudo? – Com provas físicas e interrogatórios – Cortez parou num semáforo, à entrada da vila. – Suspeitas de alguém – disse. Ele meteu a primeira mudança e desatou a rir-se.
– És muito intuitiva. – A mulher que foi ao museu era loira – recordou. – Não me lembro se estava maquilhada, mas tinha o cabelo comprido e loiro e um sinal. Cortez assentiu e carregou no acelerador quando o semáforo ficou verde. Phoebe observou-o ansiosamente e o seu coração acelerou ao recordar os seus beijos. Aquele escrutínio intenso chamou a atenção de Cortez e olhou para ela. – Tem cuidado – avisou. – Estou exausto, mas lembro-me muito bem do que aconteceu em tua casa ontem. Ela corou um pouco. – Foi... incrível. Ele assentiu e apertou o queixo, desviando o olhar. – E estamos a investigar um assassinato. – Não há tempo para carinhos – disse com um suspiro. Ele desatou a rir-se. – Além disso, é dia de Acção de Graças. Ela fez uma careta. – Tinha-me esquecido! Tenho um peru. Ia assá-lo e convidar-vos para jantar. Tu, Tina e Drake. Ele arqueou as sobrancelhas. – Que grande ideia – os seus olhos pretos brilharam. – Queres que leve milho? – acrescentou. Ela olhou para ele, irritada. – Não vamos fazer de peregrinos – replicou. – Além disso, tu pertences a uma tribo das planícies, não às tribos do este que se misturaram com os imigrantes britânicos – franziu o sobrolho. – De facto, lembro-me de que muitos dos
primeiros colonos não sabiam cultivar a terra e que roubavam comida aos povos indígenas... – Primeiro – começou a dizer com indolência, – os povos indígenas não dão muita importância às posses materiais. Partilhamos tudo, incluindo a comida. A cobiça é um conceito que não conhecemos. Segundo, os comanches vêm dos shoshone. Mas consideramos que qualquer membro das nossas diversas áreas faz parte da nossa família. E a família é o conceito mais importante que temos. – A família devia ser o mais importante – murmurou, sorrindo. – Define quem és – lançou-lhe um longo olhar. – Tu tiveste de lutar pela tua identidade toda a tua vida, não foi? Ele assentiu. – Os membros de uma minoria étnica têm muita dificuldade em conquistar o seu amor-próprio. As estatísticas falam por si. A educação reforça a nossa consciência de valor. Por isso é que o meu pai e muitos outros membros da nossa comunidade tentam pôr em marcha programas que ajudem a vencer a pobreza. Ela assentiu. – O activismo fez com que os povos indígenas progredissem muito. Sobretudo o activismo político. Ele desatou a rir-se. – Não me faças falar. O meu pai a a vida a organizar seminários sobre como angariar recursos para programas de desenvolvimento. É um planeador nato – parou num sinal «stop» nos subúrbios da cidade e virou-se para olhar para ela com afecto. Porém, os seus olhos entristeceram-se de repente. – O que se a? – perguntou. – Estava a pensar na família. No que sacrifiquei pela minha. Não me arrependo, porque a vida de Joseph vale qualquer sacrifício. Mas foram três anos muito longos e solitários, Phoebe – disse. Os olhos de Phoebe reflectiam a mesma dor, a mesma tristeza e solidão que os dele. Ela recostou a cabeça no encosto e olhou fixamente para ele.
– Durante muito tempo odiei-te – disse. – Nunca me ocorreu que talvez não me tivesses abandonado por vontade própria. Sinto-me um pouco envergonhada por isso. Devia ter percebido que, para teres mudado de ideias, devia ter acontecido alguma coisa muito grave. Ele deu-lhe a mão. – Não nos conhecíamos bem – respondeu com calma. – Algumas conversas, alguns beijos, e seguimos por caminhos diferentes. Não podias saber que eu levava as coisas tão a peito. Quis contar-te, mas Isaac já tinha problemas e eu sabia que se adivinhava uma crise familiar. Tinha muitos sonhos para nós. Mas o destino interveio. Ela entrelaçou os dedos ansiosamente com os dele. – Teria esperado a vida toda por ti, se tivesse sabido o que estava a acontecer – disse. Ele pôs o carro em ponto morto, tirou-lhe o cinto de segurança e abraçou-a. As suas bocas encontraram-se avidamente. Cortez deixou escapar um gemido, abriu a boca e devorou a de Phoebe. Ela tremeu ao abraçá-lo. – Estou a arder – disse com voz estrangulada. – Sim – Cortez apertou-a contra o seu peito, enquanto deslizava a boca pelo seu pescoço. Ela tremeu. – Leva-me a casa, Jeremiah – murmurou. – Depressa. – Está bem. Queria opor-se. Era uma má ideia. No entanto, ela beijou-o com ardor. Ele não tinha forças para resistir. Com mãos trémulas, ligou o carro, deu meia volta e dirigiu-se para a casa dela, a acelerar. Não a soltou durante o caminho todo. Phoebe sentia o coração acelerado sempre que recordava o prazer delicioso que
procurava no seu corpo forte. Cortez era tudo com que sonhara, tornado realidade. Contudo, não era cego ao perigo e mantinha os olhos fixos na estrada. Não se via nenhum outro veículo. Por enquanto, estava tudo bem. Ele tinha de continuar a trabalhar no caso. Porém, afinal de contas, era dia de Acção de Graças e ara o dia todo a trabalhar. Merecia um pouco de diversão, embora não pensasse em Phoebe nesses termos. O que sentia por ela era quase sagrado. Estacionou atrás da casa e desligou o carro. Tinha o corpo tenso, todavia, a sua mente continuava a funcionar a cem por cento. Ela observou-o com ansiedade. – Ia àquele café de Charleston todos os dias com a esperança de voltar a ver-te – disse com voz rouca. – Então, no último dia, ali estavas. Os olhos dele brilharam. – Eu fazia o mesmo, mesmo com todos os motivos que tinha para não me apaixonar por ti. Ela sorriu. – Eu sei. Mas nenhum deles importou. Ele suspirou. – Ainda há obstáculos – afirmou. – Toda a gente tem obstáculos, Jeremiah – recordou-lhe. – Mas, tendo em conta como foram estes três últimos anos, prefiro os obstáculos. Ele delineou a linha dos seus lábios com o dedo indicador. – Sim, eu também – hesitou. – Mas continuas sem saber grande coisa dos homens. – Estás na situação perfeita para me ensinar tudo o que preciso de saber –
replicou. Ele desceu o olhar para a sua blusa, sob a qual se adivinhavam os seus mamilos duros. Phoebe desejava-o. Ele recordou o sabor dos seus seios, a sua imagem quando estivera prestes a torná-la sua no quarto do motel. Phoebe desabotoou a sua camisa e depois tirou o sutiã, deixando os seus seios à mostra. – Meu Deus, Phoebe – murmurou. Ela tirou o cinto de segurança, aproximou-se dele e puxou-lhe a cabeça para a pele nua dos seus seios. Ele abriu a boca sobre um dos seus mamilos duros e lambeu-o ansiosamente. Ela arqueou-se e deixou escapar um gemido. Cortez continuou a apertá-la entre os braços, enquanto devorava o seu corpo suave. Mal conseguia pensar. – Vamos para dentro de casa – disse. – Anda.
Cortez mal recordava ter fechado a porta à chave. Phoebe entrou primeiro na casa de banho. Ele fechou a porta e despiu-a habilmente entre beijos ardentes. Aproximou as mãos de Phoebe da sua camisa e da sua gravata e beijou-a enquanto ela o despia. Alguns minutos depois, meteram-se no duche e estiveram quase a explodir enquanto se ensaboavam num frenesi de desejo. Cortez até teve dificuldade em limpar-se. Depois, os beijos tornaram-se arrebatadores e o desejo esteve quase a explodir novamente no seu corpo excitado. Deitou-a na cama ao seu lado. Tinham ambos o cabelo molhado porque ele não conseguiria aguentar o tempo suficiente para o secar. Phoebe rodeou-lhe as coxas com as pernas e arqueou-se para ele. Cortez penetrou-a suave e ternamente. Susteve a respiração ao sentir a facilidade com que ela acompanhava o seu ritmo. E ela também. Phoebe gemeu em voz alta ao mesmo tempo que se levantava para ele, oferecendo-se. O seu desejo trémulo era tão óbvio que enlouquecia Cortez.
Ele afastou-lhe mais as pernas. Os seus olhos pretos brilhavam na penumbra do quarto. Só se ouvia o chiado das molas da cama enquanto ele se perdia rapidamente no corpo de Phoebe. Gemeu e tremeu quando o prazer começou a exigir satisfação. Agarrou-a pelos pulsos e prendeu-os junto ao colchão por cima da cabeça. – Estás a... matar-me – soluçou ela, com os olhos tão febris como o seu corpo. – Então vamos morrer juntos – disse. – Olha para mim. Não feches os olhos. Olha para mim. Olha para mim! Ela abriu a boca num grito febril enquanto ele a penetrava com o corpo tenso e os lábios apertados. Phoebe arqueou-se para ele, soluçando. O seu corpo, excitado pelos movimentos furiosos das ancas de Cortez, exigia satisfação. Cravou as unhas nas suas costas, afundando-as na sua carne. Gemeu, indefesa, e os seus olhos dilataram-se, enquanto ele a penetrava com violência, várias vezes. Cortez levantou-lhe a perna com firmeza ao mesmo tempo que encontrava o ritmo e a pressão necessários para que atingissem o clímax. Phoebe agarrou-se a ele. – Não... pares... não... pares... não... pares – soluçou. Ele ficou suspenso sobre ela, com os olhos cheios de paixão, e depois perdeu-se no seu interior com as suas últimas forças, com o olhar cravado nela. Phoebe tremeu de forma incontrolável debaixo dele e gritou. Cortez ficou rígido. Deixou escapar um gemido e caiu sobre ela, esmagando-a contra o colchão, enquanto tremia incontrolavelmente. – Phoebe – sussurrou-lhe ao ouvido com voz profunda e palpitante, como o seu membro dentro dela. – Phoebe... querida... querida... Ela enlaçou as pernas com as deles e tremeu novamente, invadida por um prazer quase doloroso. Rodeou-lhe as costas húmidas com os braços e agarrou-se a ele. Assim ficaram, deliciosamente, nos limites do êxtase, num silêncio palpitante, doce e faminto. Cortez tremeu e começou a levantar-se, porém, ela segurou-o.
– Não – sussurrou-lhe ao seu ouvido. – Por favor, não... Por favor... não... acabei... Ele apoiou-se nos cotovelos e levantou a cabeça. Olhou para os seus olhos dilatados e frenéticos e começou a mexer-se sobre ela. Viu que ela sentia leves e infinitos espasmos de prazer e sorriu apesar do cansaço. – Assim é bom, não é? – murmurou, vendo a sua satisfação. – O corpo de uma mulher é capaz de experimentar um clímax infinito – acrescentou e mexeu bruscamente as ancas de modo que ela ficou tensa e deixou escapar um soluço. – Mas posso dar-te muito mais. Posso dar-te outro orgasmo... Mexeu-se novamente com força. Estava a olhar para ela. Conduziu Phoebe até um nível de prazer que ela nunca sentira antes. Ficou rígida, abriu a boca e os seus olhos quase demonstraram medo quando ele voltou a levá-la ao clímax. Gritou com uma voz que não reconheceu e depois gemeu quando aquele gozo arrebatador se dissipou numa questão de segundos. Soluçou contra o pescoço de Cortez e ele abraçou-a e reconfortou-a no meio de um silêncio denso. – Antes não foi assim – conseguiu dizer. – Estava assustada. Ele beijou-lhe as pálpebras húmidas. – Isto é só o princípio – murmurou. – Mal começámos. Ela inclinou a cabeça para trás e observou-o. Continuava a tremer. – A sério? – A sério – inclinou-se e beijou-a com ternura. – Mas temos de parar por agora. – Porquê? – perguntou, espantada. Ele sorriu com indulgência. – Quando me retirar, vais compreender – disse com malícia. Levantou as ancas e ela apertou os dentes. – Até as coisas boas, em excesso, podem ser prejudiciais – disse, deitando-se ao lado dela. – Vês o que quero dizer?
Ela fez uma careta. – Não tinha percebido. Ele suspirou. – Há outra coisa que não percebeste. Ela levantou as sobrancelhas. Ele apontou para o seu membro. Phoebe demorou um momento a aperceber-se porque estava a olhar para ele. – Ui – disse. – «Ui» não é o nome que eu poria ao nosso primeiro filho – disse com humor negro.
Doze
Phoebe sentou-se ao seu lado. O seu corpo ainda palpitava levemente, sacudido pelos efeitos retardados do prazer. Estava a tremer e ainda tinha o cabelo molhado e o corpo suado. Cortez recostou-se nas almofadas e observou-a com ternura. – Não houve tempo – disse ela, ficando à defesa. Ele pousou a mão sobre a sua coxa e sorriu. – Eu queixei-me? – perguntou com suavidade. – Só disse que não ia chamar «Ui» ao nosso filho. O coração de Phoebe acelerou. – Então, vamos ter um filho? Ele arqueou as sobrancelhas e pôs uma expressão malévola. – A este o, sem dúvida. Na verdade, até tenho um preservativo na carteira. Ela fez uma careta. – Estava tão ocupada a tentar tirar a roupa que não me ocorreu perguntar-te. Ele desatou a rir-se. – Já somos dois. Ela deslizou o olhar com ânsia sobre o seu corpo robusto. – Deu-me essa... sensação – ele arqueou uma sobrancelha. – Como... como deve sentir-se ao conceber um filho – balbuciou, corando. – Da última vez pensei que não podia ser melhor.
Os olhos dele escureceram. – Eu também. Mas alcançámos um nível que, para mim, também era desconhecido. – A sério? – sussurrou, fascinada, porque ele tinha muito mais experiência do que ela. Ele suspirou enquanto a observava com intensidade. – Phoebe... – fez uma pausa. Parecia preocupado. – Custa-me encontrar as palavras... – Não faz mal – interrompeu-o com ansiedade, no caso de ele se sentir outra vez culpado e tentar evitar um compromisso. – Não tens de dizer nada. Ele agarrou-lhe nas mãos e apertou-a nos seus braços. No entanto, não a beijou. Aninhou-a ao seu lado e limitou-se a abraçá-la. – Quando acabar com este caso – disse com uma voz ternurenta, – falaremos. Ela acariciou-lhe o peito com a face. Era uma forma de adiar as coisas. Cortez não lhe prometera nada. Contudo, Phoebe sabia que sentia alguma coisa por ela, mesmo que fosse apenas desejo. Ou talvez fosse algo mais. – Está bem. Ele acariciou-lhe o cabelo. As suas emoções eram tão profundas que não conseguia expressá-las em voz alta. Esperava que ela entendesse. Tinha quase a certeza de que sim. Sentia-se em paz pela primeira vez desde há alguns anos. Olhou para o tecto e o suave peso do corpo de Phoebe fez com que se sentisse novamente excitado. Deixou escapar um gemido. Ela sentiu a sua tensão e sentou-se, pousando o olhar na parte dele que denunciava os seus pensamentos mais íntimos. Cortez olhou para ela nos olhos. – Se quiseres podemos fazer outra vez – disse Phoebe com suavidade. Ele sentou-se e beijou-a.
– Os amantes não se magoam deliberadamente – sussurrou e sorriu. – Obrigado, mas é só um reflexo – inclinou-se para ela. – Eu também estou cansado. Os olhos de Phoebe abriram-se muito e desatou a rir-se. – Ah, sim? – Sim – levantou-se e fez com que ela se levantasse, deleitando-a com a sua nudez. – Portanto vamos tomar um duche rápido, vestir-nos e perguntar a Drake se lhe apetece trazer Tina e Joseph para celebrar o dia de Acção de Graças? Ela observou-o com surpresa. – Seria óptimo. Cortez inclinou-se e beijou-a com ternura. – Estamos os dois exaustos. Talvez seja melhor assim – acrescentou com um brilho no olhar. – Tenho de me concentrar no trabalho alguns dias, não nos teus seios – olhou para eles e soprou. – Tens ideia de como são bonitos? Os olhos de Phoebe pareceram sorrir. – São pequenos. – Tolices – inclinou-se e beijou-os. – São perfeitos. Excito-me cada vez que olho para eles – desatou a rir-se. – Estás a rir-te de quê? – Estava a tentar imaginar-te há três anos a tirar a blusa para mim. Ela corou. – Naquela época era um pouco tímida. – Mas já não és – disse com um sorriso. Ela desatou a rir-se. – Não, já não – seguiu o contorno dos seus lábios com os dedos. Os seus olhos
pareciam escurecidos por uma lembrança dolorosa. – Tinha tanta vontade de que fosses ao meu quarto no dia da festa de final de curso... – murmurou. – Eu também. Mas tinha um pressentimento – acrescentou em voz baixa. – Não, não tenho o dom do meu pai. Mas tinha a sensação de que ia acontecer alguma coisa má. E tinha razão. Lamento ter-te feito tanto mal – disse. – Quando Drake me disse que tentaste suicidar-te... – Drake disse-te isso? – perguntou. – Marie contou-lhe – respondeu. – Pois não é verdade – disse imediatamente. – Antes de vir para a Carolina do Norte, tomei demasiados comprimidos para a dor de cabeça e a tia Derrie teve um susto de morte – acrescentou. – Mas não queria suicidar-me – sorriu. – A verdade é que queria viver para me vingar de ti – riu-se. – A vingança fez-me seguir em frente. E depois tu entraste no meu escritório como se não nos conhecêssemos. – Foi um dia mau – disse. – Para mim também – fez uma careta. – Se te perdesse outra vez... Cortez apertou-a nos braços e abafou as suas palavras com um beijo ansioso. – Nunca vou deixar-te – murmurou. – Nunca! Ela deixou escapar um soluço e agarrou-se a ele. O beijo ficou cada vez mais intenso e, finalmente, alcançou o seu clímax, deixando-os fracos e trémulos. Abraçaram-se com força durante alguns minutos, sem dizer nada, até que finalmente se afastaram. Ela enxugou as lágrimas. Cortez inclinou-se e beijou-lhe os olhos. – Não chores – murmurou com ternura. – Não vou deixar-te. Juro. – Não deixes que te matem com um tiro – disse com firmeza. Ele sorriu.
– Não, também não vou fazer isso. Ela devolveu-lhe o sorriso, chorosa. Cortez suspirou. – Tenho fome, se te apetecer cozinhar. Tu fazes o peru e a guarnição, e eu abro as garrafas – sorriu. – E eu que pensava que ias oferecer-te para fazer pão. Ele franziu os lábios. – Uma vez fiz pão. O meu pai tentou dá-lo ao cão e o cão saiu a correr. Nunca mais voltei a fazê-lo. – Nesse caso – disse com doçura, – vou buscar as garrafas.
Drake chegou com Tina e Joseph apenas duas horas depois. Alice Jones, a quem Cortez telefonara para a convidar, chegou ao mesmo tempo. Cortez sabia que não tinha família nem amigos íntimos e que era muito divertida. Phoebe convidou-a para ir com ela para a cozinha para a ajudar com o peru. Cortez ficou sentado na sala de estar com Tina, Joseph e Drake, e ficou a falar com este dos resultados dos seus interrogatórios. Phoebe pôs o peru numa bandeja de forno coberta de papel de alumínio, com o peito para cima. Estava a acabar de preparar a guarnição com uma mistura de pão de milho, sálvia e cebolas numa tigela quando olhou por acaso para a sua convidada. Ali estava Alice, inclinada sobre o peru com o sobrolho franzido. Tirara a sua lupa e estava a inspeccionar o peito. – Alice? – perguntou Phoebe lentamente. – Um forte golpe no esterno – estava a murmurar Alice para si. – Ferida de entrada mesmo aqui. Hematomas. Perda de sangue...
– Alice, pelo amor de Deus, é um peru morto! – exclamou Phoebe. Alice olhou para ela com espanto. – Claro que está morto. Só quero saber como morreu – sorriu. Phoebe resmungou em voz alta e atirou-lhe um pano de cozinha. – O que está a ar-se aí? – gritou Cortez da sala de estar. – Alice está a fazer a autópsia ao peru! – respondeu Phoebe. – Na Véspera de Natal não estás convidada, Alice! – ameaçou Cortez. – O que queres que faça quando há um cadáver na cozinha? – perguntou Alice. – Tenho de treinar as minhas habilidades! Para além disso – resmungou, olhando para o peru com o sobrolho franzido, – acho que esta ave foi assassinada. Ouviu-se Cortez a resmungar na sala de estar. Phoebe desatou a rir-se e voltou para a sua guarnição.
«É como uma grande família», pensou Phoebe, enquanto olhava para os seus convidados, reunidos à mesa. Drake falava sem parar com Cortez, porém, parecia ignorar Tina. De facto, Tina também parecia estar a ignorá-lo. Tinha Joseph ao colo porque Phoebe não tinha nenhuma cadeira para ele e estava a dar-lhe pedacinhos de peru com molho de arandos e leite para que engolisse. Depois do jantar, Drake foi para o alpendre. Phoebe foi atrás dele, depois de ver que dois dos outros três adultos estavam numa acesa discussão a respeito de manchas de sangue e provas forenses. Tina estava a embalar Joseph e parecia zangada. Drake estava num canto do alpendre, a olhar para as montanhas distantes. – Eh, o que se a? – perguntou Phoebe com suavidade. Ele olhou para ela e fez uma careta.
– Tina e eu discutimos. – Porquê? Ele observou-a em silêncio. – Só lhe disse que era muito divertido ir ver-te ao museu, que sabias muito sobre a história do meu povo. Que eras muito inteligente. – E? – Tina só andou no liceu – murmurou Drake, – tal como eu e não sabe muito de História. Além disso, tem mau feitio. Tão rápido está a rir-se como se zanga – os seus lábios esboçaram um sorriso. – Talvez devesse voltar para Asheville e casar-se com aquele polícia perfeito. Pelas coisas que Tina me diz, qualquer pessoa diria que aquele tipo é capaz de lutar com um tubarão sem se despentear. – Talvez esteja a tentar fazer-te ciúmes – sugeriu Phoebe. Ele desatou a rir-se. – Pensei que entre nós podia haver algo bonito – disse, falando quase para si. – Mas tem ciúmes de ti – entreabriu os olhos. – Esse agente do FBI – disse, apontando para a sala de estar, – é primo dela? Ou são parentes afastados e está louca por ele? – Bom... não sei – balbuciou Phoebe. – Ele só me disse que eram primos – sentiu um aperto no coração. – Porque é que achas que está louca por ele? – perguntou. – Porque não fala de outra coisa, nem sequer do tal polícia de Asheville – disse, irritado. – Jeremiah isto, Jeremiah aquilo. Acha que é perfeito. Faça o que eu fizer, ele faz melhor. Isso inclui conduzir, falar, manter uma conversa e até respirar. Phoebe aproximou-se dele, sorrindo. – Olha, os primeiros dias são sempre difíceis. Talvez esteja a pôr-te à prova. Ele pegou numa madeixa do seu cabelo loiro e começou a brincar com ela.
– És uma boa mulher – disse, muito sério. – E digo isto no melhor sentido. Gosto muito de ti. Ela sorriu. – Eu também gosto de ti, Drake. Ele devolveu-lhe o sorriso. Ficaram no alpendre a conversar. Inocentemente. Contudo, para quatro olhos pretos que olhavam pela janela da sala de estar, aquilo não parecia tão inocente.
As coisas pioraram quando Cortez recebeu um telefonema de Bennett sobre o estado de o Longo. O capataz das Construções Bennett voltara a si. – Tenho de ir falar com ele – disse Cortez a Tina depois de falar com o construtor. – Temos de ir. – Eu não posso ir – disse Phoebe, apontando para a mesa e para os pratos sujos. – Tenho de arrumar isto e guardar a comida. – Eu espero por ti e levo-te de carro – disse Drake com naturalidade. – Só vou trabalhar às sete. – Obrigada, Drake – disse Phoebe, sorrindo. Quatro olhos observaram Drake com irritação. Ele não reparou. Alice Jones, que adivinhou a tempestade que estava para vir, pegou na sua mala e no seu casaco. – Bom, agradeço-vos o jantar, mas eu também me vou embora. Tenho de escrever o relatório sobre a última vítima. – Vais fazer um relatório sobre o nosso peru? – perguntou Phoebe. Alice olhou para ela com condescendência. – Sobre o cadáver da gruta, Phoebe. Fazer um relatório sobre um peru não faz sentido – arqueou uma sobrancelha. – Comemos as provas todas – sorriu.
Phoebe desatou a rir-se, abanando a cabeça. – Tive saudades tuas, Alice. – Eu sei, tenho sempre esse efeito nas pessoas – disse. – No Texas, há um cientista forense que ainda chora desalmadamente porque me demiti para aceitar este trabalho. – Tenho pena dele. Mas podias tirar o resto do dia livre, sabes? – aconselhou Phoebe. – Ainda é dia de Acção de Graças. – Vivo para o meu trabalho – disse Alice com um sorriso. – Tenho a carrinha lá fora. – Vieste na carrinha? – perguntou Cortez, pasmado. – Sim, no caso de encontrar algum morto. Assim não tenho de voltar ao motel – disse Alice. – Com a frequência com que encontrámos mortos ultimamente, não é assim tão esquisito – acrescentou com o sobrolho franzido. – Obrigada por teres vindo, Alice – disse Phoebe com um sorriso. – Foi como nos velhos tempos. – Eu também me diverti muito. – Foi um prazer conhecer-te – disse Tina. Levantou Joseph, que estava um pouco carrancudo, nos braços. – Então, vamos. Obrigada pelo jantar, Phoebe – resmungou sem olhar para ela. – De nada – disse Phoebe e franziu o sobrolho ao olhar para ela. Não entendia a súbita frieza de Tina. Drake reparou e lançou um olhar frio a Tina. Porém, só conseguiu piorar as coisas. Ela saiu com Joseph ao colo, sem falar com Drake. Cortez foi atrás deles. Olhou para Phoebe. Ele também parecia estranhamente distante. – Drake, deixa-a no motel quando voltares à vila – ordenou. – Ainda há um assassino à solta. – Eu sei – Drake hesitou. – Avisas-me se arrancares alguma coisa de Bennett? –
perguntou. – Se for alguma coisa útil... – repôs Cortez. Saiu atrás de Tina e de Joseph, brincando com as chaves do carro, sem se despedir. Não olhou para trás. Phoebe sentiu um nó no estômago. Fora tal como na última vez. No quarto, Cortez era muito ternurento, o sonho de qualquer mulher. No entanto, assim que vestia a roupa, voltava a ser um agente do FBI. Phoebe tinha a sensação de que havia uma enorme distância entre eles. Drake sentiu qualquer coisa parecida. – Perdemos alguma coisa? – perguntou quando ouviu o carro e a carrinha a arrancarem. – Isso pergunto eu – murmurou, enquanto começava a levantar a mesa.
Cortez estava absorto nos seus pensamentos. Apenas algumas horas antes, Phoebe e ele tinham estado mais unidos do que muitos casais. A sua atracção física não parava de crescer. Cada vez que lhe tocava, era como começar de novo. Tinha Phoebe no sangue, no coração, na cabeça. Ela fazia parte dele. No entanto, de repente, ele parecia ter perdido a confiança e não sabia porquê. Phoebe parecera estranha quando Drake e ela entraram em casa e a sua forma de olhar para ele fizera com que sentisse uma espécie de vazio. Teria ela descoberto, de repente, que sentia alguma coisa por Drake? Tê-la-ia empurrado para uma relação física demasiado cedo e estaria Phoebe arrependida? – Não posso acreditar que me senti atraída por aquele tipo – resmungou Tina no banco do ageiro. Virou-se para olhar para Joseph, que ia atrás dela, na sua cadeira para bebés. – Aposto que há alguma coisa entre eles. Cortez não estava a prestar-lhe atenção. Tinha os olhos fixos na estrada. Não gostara de como Phoebe olhara para Drake. Ele era mais jovem e já andava atrás dela há algum tempo, levava-lhe o almoço e até a ensinara a disparar. Até que
ponto eram íntimos? E, se ela sentia alguma coisa por ele, porque é que, de repente, ava tanto tempo com Drake? Estaria arrependida da sua relação? Estaria a tentar voltar atrás, usando Drake como escudo? Ela era virgem. Tinha princípios. Ele seduzira-a, pensando que tinha experiência. Estaria a culpá-lo por isso? – Estás muito calado – disse Tina. Ele remexeu-se no banco. – Estava a pensar no homem assassinado – mentiu. – Preciso de mais informação sobre Bennett. – Trabalho, trabalho, trabalho – resmungou ela. – Mantém as portas fechadas – respondeu Cortez, ignorando o seu comentário. Parou o carro à frente do quarto do motel. – Não abras a porta a ninguém – acrescentou com firmeza. – Morreram duas pessoas. Não quero que corram nenhum risco – disse, enquanto a via a tirar Joseph do carro. – Vou ter cuidado – respondeu. – Mas tu também – acrescentou. – Não és à prova de balas. – Até logo. Esperou que entrassem no quarto para ligar o carro e afastar-se.
O hospital estava cheio de gente. Novembro era um mês frio e os vírus e a gripe já estavam a fazer das suas nas montanhas. o Longo estava num quarto no segundo andar. Recuperara momentaneamente a consciência, porém, só para se queixar de dores. Não conseguia responder a perguntas. Quando Cortez entrou, surpreendeu duas pessoas a falarem em voz baixa: uma delas era Jeb Bennett, das Construções Bennett, e a outra era uma loira com um sinal na face. Cortez reconheceu-a imediatamente: era Claudia, a irmã de Bennett que vira na fotografia no escritório do construtor.
Bennett levantou-se. Parecia estranhamente angustiado. – Cortez, não é? – balbuciou, estendendo-lhe a mão. Cortez apertou-a e reparou que estava fria e pegajosa. – Eh... que tal vai a investigação? Estão a progredir? – Encontrámos outro cadáver – respondeu Cortez. Reparou que a loira, que continuava sentada, remexia a sua mala entre as suas mãos. – Outro? – perguntou Bennett. – Sim. Encontrámo-lo numa gruta, juntamente com algumas peças arqueológicas que parecem ser roubadas. Um membro da minha unidade está a investigar isso neste momento – disse Cortez cuidadosamente. – Mas é dia de Acção de Graças – Bennett riu-se. – Quem é que vai trabalhar hoje? – Uma equipa já inspeccionou o local do crime e recolheu provas forenses – disse Cortez. – De facto, até foi uma antropóloga. – Onde arranjou uma num feriado? – quis saber Bennett. – É a directora do museu da vila – respondeu Cortez. A loira abafou um gemido. – Na verdade – acrescentou Cortez lentamente, – venho agora da sua casa. Feznos o jantar de Acção de Graças. – Acha que o morto roubou aquelas peças? – perguntou Bennett. – Só saberemos depois de analisarmos as provas. – De que tipo de peças se tratam? – perguntou a loira com indiferença. Cortez, que tinha muita experiência em interrogatórios, reparou que estava estranhamente nervosa e que não se atrevia a olhar para ele nos olhos. – Havia um esqueleto de Neandertal, para começar – disse. – E uma figura muito parecida com uma que há no museu de Phoebe Keller – hesitou. – É a irmã de Bennett, não é? – Sim – respondeu Bennett. – É Claudia Bennett... A minha irmã é esposa de
o Longo – acrescentou, confuso. Reparou que Cortez não parecia surpreendido. Afinal de contas, era polícia. Não era preciso escavar muito para desenterrar os antecedentes criminais de o Longo e para descobrir que era casado com Claudia. De repente, recordou com angústia que dissera a Cortez que mal conhecia o Longo. No entanto, aquele homem era seu cunhado, coisa que também não mencionara. – Sim – disse Claudia imediatamente. – O meu marido foi agredido. Ainda não apanharam ninguém? – acrescentou. – Eu não trato de casos de agressão – disse Cortez. – Estou aqui para investigar um assassinato na reserva índia. Estou na nova Unidade de Investigação Criminal dos Territórios Índios, pertencente ao FBI. Colaboramos na investigação de homicídios e delitos federais em diversas reservas. Também ensinamos a polícia local a utilizar as últimas técnicas de investigação. Claudia engoliu em seco. – Então foi por isso que avisaram o FBI – disse, inquieta. – Mas disseram que o cadáver estava num caminho de terra nos subúrbios da vila! – O cartaz da reserva estava no chão. Suspeitamos que o assassino se livrou do corpo do antropólogo de noite e não se apercebeu de onde estava. – Ah, entendo – olhou para Cortez com cautela. – Diz que havia uma figura? – Sim – ele franziu os lábios. – A menina Keller recebeu uma visita estranha na semana ada. Uma mulher que lhe falou do roubo de umas peças semelhantes num museu de Nova Iorque. A menina Keller diz que conseguiria identificar, não só o negociante de arte que lhe vendeu a figura, mas também a mulher que se apresentou posteriormente no museu com uma identidade falsa. – A sério? – a loira empalideceu. Os seus dedos agarraram a mala com força. – Falou num... num negociante de arte? – balbuciou. – Um impostor – disse Cortez. – Já o investigámos. Até esteve empregado numa obra da zona. Talvez estivesse a tentar vigiar o seu contrabando até encontrar compradores. Estamos à procura de um todo-o-terreno preto que pensamos que foi usado para transportar a primeira vítima – fez uma pausa e observou-os. Eles pareciam assustados. O seu plano estava a funcionar. Enquanto lhes revelava o
que sabia sobre o caso, eles tremiam de medo... exactamente como esperara. Claudia era a mais pálida dos dois. – Agora temos outro cadáver. As provas materiais relacionam-no com o Longo. Bennett olhou para a sua irmã com ansiedade. – Mas o Longo está inconsciente – disse. – É uma vítima. Não poderia ter matado ninguém! – Eu não disse isso – respondeu Cortez. – A outra vítima é um homem ou uma mulher? – perguntou a irmã de Bennett. – Um homem. – Sabe quem é? – insistiu. Ele abanou a cabeça. – Vai ter de ser identificado pelas impressões digitais ou pela dentição – respondeu. – Está desfigurado. Bennett tinha, de repente, má cara. A sua irmã parecia estar prestes a desmaiar. Cortez entreabriu os olhos. – Se sabem de alguma coisa sobre este caso, esta é uma boa altura para o dizerem. Eles olharam um para o outro. A irmã de Bennett recompôs-se e sorriu. – O que sabemos nós de um assassinato? – perguntou com simplicidade. Aproximou-se do seu marido e deu-lhe a mão. – Espero que encontre a pessoa que fez isto ao meu marido – acrescentou. – Ainda bem que vai recuperar! – soluçou e enxugou os olhos. Cortez reparou que estavam secos. – Entraremos em o consigo se nos lembrarmos de alguma coisa que possa ser útil – disse Bennett com firmeza. – Entretanto, se precisar de alguma coisa, o que quer que seja... Cortez decidiu aproveitar. Não se teria atrevido se não soubesse que Phoebe
estava no motel, com Tina, perfeitamente a salvo. – Quero falar com a menina Keller outra vez, na sua casa. Ela falou com a primeira vítima. Disse que se lembrou de alguma coisa sobre o negociante de arte. Também viu o todo-o-terreno preto que pensamos que está envolvido no caso. Poderá ser testemunha de acusação. A irmã de Bennett entreabriu os olhos, contudo, não disse nada. Virou-se para o seu marido e começou a esticar o lençol. – Avise-me se puder fazer alguma coisa – repetiu Bennett com um sorriso forçado. – Fá-lo-ei – disse Cortez. – Mas, dadas as circunstâncias, tenho a certeza de que entenderão que me vejo na obrigação de ordenar que a polícia vigie o Longo. Até encontrar um melhor, ele é o principal suspeito – acrescentou, enquanto observava atentamente as suas reacções. Bennett parecera preocupado. Claudia, pelo contrário, parecera relaxar. Cortez compreendera imediatamente que acertara em cheio. Foi para o seu carro, sentindo-se muito satisfeito. Iria para a casa de Phoebe e, com um pouco de sorte, o culpado, ou culpados, iriam ao seu encontro. Tinha a certeza de que os Bennett sabiam mais do que queriam itir. Talvez Claudia Bennett soubesse quem era o assassino. Ou até o próprio Bennett. Para além disso, havia a questão do cabelo loiro encontrado no corpo da segunda vítima... Tinha de os vigiar muito de perto.
Phoebe acabou de levantar os restos do jantar e lavou os pratos com a ajuda de Drake. Tentava mostrar-se alegre, contudo, tinha um mau pressentimento em relação à atitude de Tina. A prima de Cortez transformara-se em sua inimiga sem que Phoebe conseguisse perceber porquê. A menos que, com efeito, Tina fosse uma parente afastada de Cortez e se tivesse apercebido de que o amava e não Drake. Talvez visse Phoebe como uma rival e quisesse desfazer-se dela. Era uma ideia inquietante. Tina era jovem e bonita, porém, além disso era comanche, o que lhe dava uma vantagem, sobretudo se ele só sentia uma
atracção física por Phoebe. – É melhor irmos – recordou-lhe Drake. – Tenho de te levar e ir trabalhar. Entro ao serviço daqui a um bocado. – Vou buscar o casaco e a mala – disse. Fechou a casa e regressaram à vila em silêncio. Drake estacionou à frente do quarto de Tina, desligou o motor e virou-se para Phoebe, apoiando um braço sobre o seu banco. – Se tiveres oportunidade, tenta descobrir porque é que Tina está zangada comigo, pode ser? – pediu com calma. – Eu gostava de saber o que fiz para que ficasse assim. Ela sorriu. – Vou tentar. Drake acariciou-lhe o cabelo. – És uma boa rapariga, Phoebe Keller – disse em voz baixa. Inclinou-se e beijoulhe a testa. – Se não estivesses apaixonada por Cortez, tentaria conquistar-te. – Tu também és um bom rapaz – respondeu. – Mas Cortez já existe há três anos. Suponho que é um hábito que não consigo quebrar. – Azar – disse ele, rindo-se. – Bom, é melhor irmos antes que haja mais mexericos. Vi as cortinas a mexer – apontou para o quarto de Tina. Phoebe saiu e bateu à porta. Tina deixou-a entrar, todavia, parecia zangada. Joseph estava deitado numa das duas camas, a dormir profundamente. Tina tinha os olhos vermelhos e inchados. Vira o beijo que Drake lhe dera e estava desfeita. – Foi um jantar óptimo, Phoebe – disse Drake, sorrindo. – Obrigado. – Não tens de quê. – Tiveste muito trabalho – acrescentou Drake e olhou fixamente para Tina. – Mas eu fui o único que teve a delicadeza de te agradecer.
Tina olhou para ele com fúria. – Não preciso que me dês lições de boas maneiras! Ele arqueou o sobrolho. – Eu disse isso? – Tenho de ir buscar a minha mala – murmurou Phoebe, olhando à sua volta. – Tenho umas notas sobre o tal negociante de arte... – hesitou ao ver todas as suas coisas empilhadas num monte no chão, até a roupa que tinha pendurado no armário. A sua mala também estava ali. – Este quarto é muito pequeno para duas mulheres adultas e um menino – resmungou Tina sem olhar para ela. – Vou dizer a Jeremiah para pedir outro quarto para ti. Aqui somos demasiados. Phoebe sentiu-se atordoada ao ver o olhar raivoso de Tina. Corou, sentindo-se como uma intrusa. Era óbvio que não a queriam ali. Pensou na sua casa, onde estava rodeada das suas coisas. Ali pelo menos não tinha de aguentar aquilo. Pelos vistos, Tina estava louca por Cortez e furiosa com ela. Talvez Cortez sentisse o mesmo. Ela não estava disposta a ser usada daquela forma. Ajoelhou-se junto das suas coisas. – Drake, ajudas-me a levar tudo isto para o carro, por favor? Depois leva-me ao museu para ir buscar o meu carro. Tina lembrou-se do que Jeremiah lhe dissera sobre a possibilidade de Phoebe estar em perigo. Era por isso que estava no motel. Os ciúmes não eram desculpa suficiente para pôr a sua vida em risco. – Olha, não... não estava a falar a sério – disse lentamente. Phoebe não olhou para ela. Mexeu-se com rapidez e eficiência. Numa questão de minutos, levou todas as suas coisas para o carro de Drake e entrou. Drake olhou para Tina com exasperação. – Diz a Cortez que eu cuido dela – disse com frieza. – Comigo estará mais
segura do que contigo, criança insensível. Deu meia volta e voltou para o carro. Tina correu atrás dele, angustiada. – Phoebe, não vás – suplicou. Phoebe olhou para ela com fúria. – Vou para casa. Estou farta de ti, do teu primo e das vossas mudanças de humor. Tenho uma pistola e sei disparar. Diz a Cortez que sei cuidar de mim – olhou para Drake, que estava a entrar no carro. – Vamos – disse, enquanto punha o cinto. Tina continuava a chamá-la quando se afastaram. Phoebe nem sequer olhou para ela. Não queria que Tina se apercebesse de que estava tão magoada.
Treze
Drake não parou de protestar durante o trajecto até ao museu, porém, Phoebe estava tão triste que nem o ouvia. Tirou as chaves do seu carro, abriu-o e mudou as suas coisas. – Isto é de loucos! – gritou Drake, abanando os braços. – Está a anoitecer. E vai nevar! Não podes ficar sozinha com um assassino à solta. Já matou duas pessoas, Phoebe! – Ensinaste-me a disparar – disse. – Posso defender-me. – Mas eu não – replicou ele. – Cortez vai matar-me se te acontecer alguma coisa e Tina também não vai sobreviver. – a-se alguma coisa entre Tina e Cortez – disse com frieza. – E é óbvio que Tina está com ciúmes – acrescentou. – Não podem ser parentes próximos, ou não estaria tão ansiosa por se ver livre de mim. Talvez ele também esteja a pensar melhor. Mal me fala. Drake fez uma careta. – Escuta, também acho que se a qualquer coisa que não entendemos. Mas não vale a pena que arrisques a tua vida por isso. Ela levantou o olhar. – Não vai acontecer-me nada. Ele suspirou. Colocou a mão na sua carteira e tirou um cartão. – Este é o meu número do trabalho. Telefona-me se precisares. Mando alguém para tua casa numa questão de minutos. Ela sorriu.
– És um bom rapaz. A sério. – Tem cuidado. Eu não gosto que fiques sozinha. Podias ficar num quarto no motel... – Não quero estar perto de Tina, nem de Jeremiah, obrigada – replicou. – Olha, talvez devêssemos telefonar a Alice. Ela também sabe disparar... – Não, nada disso. Não quero Alice e o seu microscópio na minha casa – desatou a rir-se. – De qualquer forma, espero dormir um pouco. Amanhã trabalho. Vem um grupo de turistas, uns idosos da Florida que estão de férias. – Talvez fiquem presos pela neve no caminho. – Há máquinas de limpar neve de prevenção, apesar de estarmos no princípio da estação – recordou-lhe. – Obrigada, Drake – abriu a porta. – O que digo a Cortez quando vier procurar-me para me matar? – perguntou, pesaroso. – Diz-lhe que te ameacei com uma pistola. Ele abanou a cabeça. Enquanto a via a afastar-se, teve um mau pressentimento. Movido por um impulso, tirou o seu telemóvel e tentou telefonar a Cortez. Contudo, este devia estar numa zona sem rede, ou tinha o telefone desligado. Não conseguiu falar com ele e também não foi para a caixa de mensagens. Entrou no carro e dirigiu-se para o seu apartamento para mudar de roupa. No entanto, assim que vestiu o uniforme foi ao escritório do xerife para falar com o seu chefe.
Phoebe parou à frente da sua casa e olhou cuidadosamente à sua volta antes de abrir a porta do carro. Perguntou-se se o assassino andaria atrás dela, porém, até o perigo era preferível a aguentar o desprezo de Tina. A primeira coisa que fez, depois de fechar todas as portas e comprovar as janelas, foi desfazer a cama e colocar os lençóis na máquina de lavar. Tudo
aquilo lhe trazia recordações de Cortez. Aquilo era uma loucura. Cortez e ela tinham partilhado uma intimidade maior do que ela alguma vez sonhara e, no entanto, numa questão de horas, tinham ficado inimigos. Ele dissera que gostava dela, ou pelo menos fora o que dera a entender. Porque estava Tina tão hostil? Tina saíra com Drake e Marie até os vira a beijarem-se. Portanto, porque, de repente, se sentia atraída pelo seu primo e tratava Drake com desprezo? Teria Drake razão? Seria Tina apenas uma parente afastada de Cortez e decidira repentinamente que o queria para si? Era um quebra-cabeças que Phoebe não conseguia resolver. Estava a partir-lhe o coração. Três anos antes não sofrera tanto porque, na altura, Cortez e ela não tinham uma relação íntima. As lembranças atormentavam-na. O pior de tudo era o facto de Cortez se ter afastado dela sem uma única palavra. Entrou na sala de estar e ligou a televisão precisamente no momento em que o telefone tocou. Foi atender, à espera que fosse Cortez para lhe dar uma explicação. – Sou eu, Drake – disse do outro lado da linha. – Acabo de falar com o meu chefe. Vou dormir no teu sofá esta noite. Trabalharei amanhã, de dia, quando estiveres no museu – disse com firmeza. – O xerife e eu pensamos que és a pessoa que corre mais perigo com esse assassino à solta. Aceitou que troque de turno para te vigiar. – És muito amável, Drake – disse sinceramente. Assim não teria de voltar para o motel, porque, sem dúvida, Cortez iria insistir para que voltasse. O seu sentido de responsabilidade era enorme, embora tivesse remorsos por ter ido para a cama com ela. – Já que caímos em desgraça com os nossos respectivos parceiros – murmurou com ironia, – suponho que podemos cuidar um do outro. Ela sorriu. – Por mim, tudo bem. Podes usar o quarto de hóspedes. Obrigada, Drake. – Para que servem os amigos? – perguntou. – Estou aí por volta das sete horas –
acrescentou. – Vou preparar-te o quarto de hóspedes. Desligou e pôs mãos à obra.
Cortez não gostava da irmã de Bennett, nem da sua aparente inocência. Por que razão Bennett lhe escondera a sua relação com o Longo? Quem atacara o Longo? Haveria outra pessoa implicada nos assassinatos? Claudia Bennett saberia quem era? Havia muitas perguntas sem resposta. O antropólogo que encontrara o esqueleto de Neandertal estava morto. Tal como o outro homem por identificar. Estaria o Longo envolvido no roubo do museu? Teria alguma coisa que ver com o contrabando da gruta? Ou teria descoberto aquele indivíduo com o contrabando na gruta e alguém o atacara e matara o outro? Porém, porquê levar o Longo para a caravana? Porque não matá-lo? Seria sem dúvida uma testemunha de acusação valiosa contra o assassino. Por outro lado, quem era o outro homem? Qual era a sua relação com as antiguidades escondidas? Ia ser muito difícil responder a todas aquelas perguntas e, entretanto, Phoebe estaria mais em perigo do que nunca. Cortez já pedira à polícia local para vigiar o quarto de o Longo para se certificar de que não lhe acontecia nada antes de ser interrogado. Ia manter Phoebe fechada no motel, onde estaria a salvo. Phoebe. Ainda estava furioso por causa do seu pequeno tête-à-tête com Drake na sua casa. Pareciam muito íntimos e não gostara nada. Nem Tina. Era óbvio que a sua prima estava com ciúmes de Phoebe por causa de Drake. Não ia ser uma noite agradável. Parou à frente do motel. Antes que tivesse tempo de sair do carro, Tina abriu a porta e fez-lhe gestos para que entrasse. Cortez pensou que acontecera alguma coisa a Joseph, contudo, o menino estava sentado numa das camas, a brincar com uns bonecos.
Tina estivera a chorar. Tinha os olhos inchados e avermelhados e parecia angustiada. – O que se a? – perguntou. eou o olhar pelo quarto. – E onde está Phoebe? – Na sua casa – respondeu fracamente. – Deixaste-a ir-se embora? – gritou. Tirou o seu telemóvel do bolso e marcou o número de Phoebe. Tina abriu a boca para falar, no entanto, não se atreveu a contar-lhe o que acontecera. Sentia-se culpada. O telefone tocou e tocou antes que atendessem. – Sim? Cortez ficou gelado. Não era Phoebe. Era Drake! – O que raios faz Phoebe aí? E o que fazes tu aí com ela? – perguntou com aspereza. – Pergunta a Tina – respondeu Drake com frieza. – Quanto ao que estou a fazer aqui, vou ficar com Phoebe até apanharmos o assassino... ou assassinos. Cortez franziu o sobrolho e olhou para Tina, que corou. – Vou trazer Phoebe para aqui – disse. – Não quer ir para aí – disse Drake num tom cortante. – Tina expulsou-a. Tem demasiado orgulho para voltar. Por mim, podes dizer à tua prima que estou farto de competir contigo. Ela que fique contigo e vice-versa. – O que raios está a ar-se? – perguntou Cortez. – Já te disse, pergunta a Tina. Só estou de serviço amanhã de manhã. Podes ar o escritório do xerife se precisares de ajuda. Então desligou.
Cortez virou-se para Tina. Tinha os olhos entreabertos e um olhar frio. – Está bem – disse em voz baixa, friamente. – Conta-me o que se ou. Tina mordeu o lábio inferior. Estava outra vez à beira das lágrimas. – Drake e Phoebe estiveram muito tempo sentados no carro, a rirem-se e a conversar... Perdi as estribeiras. Tirei todas as suas coisas e disse-lhe que não podia ficar aqui – o seu rosto contraiu-se. Parecia envergonhada. – Arrumou as suas coisas e foi-se embora, e Drake disse que ia levá-la ao museu para ir buscar o seu carro. Tentei impedi-la – acrescentou rapidamente. – Mas Drake ficou furioso! Cortez olhou para ela, estupefacto. – Tina, há um assassino à solta – disse devagar. – Phoebe é o seu principal alvo. Drake é um bom polícia, mas é jovem e não tem muita experiência em casos de assassinato. Com as melhores intenções, poderia custar a vida a Phoebe. Ela começou a chorar outra vez. – Eu sei. Lamento muito! Cortez suspirou, apertou-a entre os seus braços e embalou-a. – Bolas! – Amo-o – balbuciou. – Mas não pára de falar de Phoebe. Está apaixonado por ela. Talvez ela sinta o mesmo. São muito íntimos para serem só amigos. Quando estavam sentados no carro, ele beijou-a. Estavam abraçados como amantes! Cortez reparara que eram muito amigos, no entanto, um beijo era outra coisa bem diferente. Sentiu-se magoado. Aquilo era mais doloroso do que Tina conseguia imaginar, porque ela não sabia que retomara a sua história de amor com Phoebe. E não podia dizer-lhe que Drake ia ficar sob o mesmo tecto de Phoebe. O orgulho impedia-o de reconhecer que fora um parvo. – O que vamos fazer? – perguntou, aflita. – Vamos dormir um pouco – respondeu. – Depois, amanhã, logo veremos.
Ela secou os olhos. – Se acontecer alguma coisa a Phoebe, nunca me perdoarei. Cortez sentiu um aperto no coração. – Drake vai ficar com ela à noite. Ele pode protegê-la – respondeu, embora detestasse dizê-lo em voz alta. – E durante o dia? – insistiu Tina. – Phoebe trabalha seis dias por semana. Aos domingos, vou falar com Drake e veremos como resolvemos isso. Tina olhou para ele entre lágrimas. – Podias pedir-lhe para voltar. Prometo não causar mais problemas – continuou a chorar. – Afinal de contas, a culpa não é dela que Drake goste mais dela do que de mim. Cortez não respondeu. Já tinha muitos problemas. – Não vai acontecer nada a Phoebe – disse. – Não, claro que não – disse. Todavia, nenhum dos dois acreditava.
Phoebe preparou o jantar para Drake e estiveram a ver televisão quase até à meia-noite. Nenhum dos dois tinha sono, contudo, a fadiga acabou por os vencer. Na manhã seguinte, Phoebe acordou com o delicioso cheiro de ovos mexidos e de bacon. Sorriu enquanto tomavam o pequeno-almoço, pensando em como o seu novo colega de casa era atencioso. Depois vestiu-se e foi para o trabalho de carro. Entrou no estacionamento às oito e meia em ponto. Reconfortava-a saber que Drake a seguira no seu carro para se certificar de que chegava a salvo. Depois de a acompanhar pessoalmente ao museu, ele foi trabalhar. Ficara decepcionada por Cortez não lhe ter telefonado na noite anterior para ver
como estava. Embora, de qualquer forma, não esperasse que o fizesse. Tinhamse despedido zangados, e só Deus sabia o que Tina lhe contara sobre a sua discussão. Depois recordou que Drake lhe dera um beijo na testa no carro. Fez uma careta. Talvez aquele beijo tivesse parecido muito mais ardente do que fora na verdade e, provavelmente Tina contara tudo a Cortez. Talvez se tivessem rido os dois e tivessem chegado à conclusão de que estavam melhor juntos. Phoebe tentou esquecer aquilo. Aquilo era um capítulo fechado da sua vida. Seria melhor que começasse a habituar-se à ideia e que começasse a ter cuidado. Ainda havia um assassino à solta e ela podia identificar o falso negociante de arte. Era óbvio que Marie descobrira alguma coisa, porque procurava mostrar-se animada quando estava com ela. Tal como a sua ajudante, Harriett White. O grupo de idosos chegou às dez em ponto e a própria Phoebe levou-os a dar uma volta pelo museu para não estar fechada no seu escritório. Aquele lugar recordava-lhe o beijo apaixonado que Cortez lhe dera. O problema era que tudo fazia com que pensasse em Cortez.
Cortez manteve-se deliberadamente afastado do museu. O que Tina lhe contara sobre o beijo de Drake e Phoebe ferira o seu orgulho. Tinha vontade de discutir e não queria piorar ainda mais as coisas. Ao levantar-se, foi ao hospital ver o Longo. O capataz continuava inconsciente, contudo, não havia ninguém ao seu lado. Talvez Bennett e a sua irmã tivessem estado com ele toda a noite. Embora fosse apenas uma suposição, pensou Cortez. Perguntou ao agente de guarda à porta e descobriu que ninguém entrara no quarto de o Longo em toda a noite. Era curioso, pensou, enquanto voltava para o carro, que a sua família não estivesse ao seu lado à noite. Se tivesse sido Tina ou Joseph, ou qualquer outro membro da sua família, ele não teria saído do hospital.
Telefonou a Alice Jones do telefone público do hall. – Alguma novidade? – perguntou. – Uma possível identificação das impressões digitais da segunda vítima – respondeu animadamente. – Puxei alguns cordelinhos – riu-se ao sentir a sua surpresa. – Chamava-se Fred Norton. Era supostamente negociante de arte, embora os nossos investigadores não tenham encontrado ninguém que tivesse trabalhado com ele. Pelos vistos, trabalhou alguns dias para um construtor chamado Paul Corland no princípio do mês. Norton tinha uns antecedentes criminais tão compridos como a minha perna. De tudo, desde pequenos furtos a assalto à mão armada e agressão. Esteve na prisão com o capataz de Bennett. Telefonei a Phoebe e ela disse-me que este era o nome do negociante de arte que lhe vendeu a figura do museu, a que a loira lhe disse que era roubada. O coração de Cortez acelerou. Bingo! – Essa é a ligação. Tem de ser. Da primeira vez que o interroguei, Bennett não me disse que o Longo era seu cunhado, nem que tinha estado na prisão – disse, pensando em voz alta. – De facto, fingiu que mal o conhecia. – Ena, ena, a trama complica-se – disse Alice. – Mas isso não explica o cabelo loiro e a maquilhagem... – A irmã de Bennett é casada com o Longo – acrescentou. – E é loira. – Outra revelação! – Aposto que, se analisarmos o ADN desse cabelo, pertence a Claudia Bennett – entreabriu os olhos ao olhar para a parede. – Suponhamos – começou, – que o Longo e a sua mulher sabiam que o negociante de arte tinha essas peças escondidas em algum lado e que as encontraram na gruta. Descobriram as peças roubadas e o negociante de arte viu-os. Houve uma briga e o Longo disparou. – Mas como é que voltou para a caravana? E como conseguiu disparar contra o outro, se já tinha levado uma surra e estava em coma? – perguntou Alice. Cortez fez uma careta.
– Pára de complicar as minhas teorias. – É complicado. Suponhamos que o Longo e a sua mulher queriam levar as peças roubadas e que o ladrão os surpreendeu. o Longo e o outro lutaram, o Longo recebeu um golpe na cabeça, mas antes de desmaiar, deu um tiro ao outro. A sua mulher arrastou-o até ao carro, levou-o para a caravana e deixou as luzes acesas para que a polícia fosse investigar. – Não está mal – murmurou, pensativo. – Isso transformaria o Longo pelo menos em testemunha ocular de um assassinato, se não num suspeito. – Há um guarda a vigiá-lo no hospital, mas ainda não voltou a si – Cortez franziu o sobrolho. – Vou mandar seguir a irmã de Bennett. Tenho o pressentimento de que está envolvida nisto. Phoebe disse que a mulher que foi ao seu escritório era alta, loira, ia bem vestida e tinha um sinal na cara. A irmã de Bennett encaixa na descrição. – Um marido, um amante e um cúmplice, talvez? – perguntou Alice. – Talvez. Cortez tentou recordar o que Corland lhe dissera sobre o homem que trabalhara para ele alguns dias e depois fora despedido. As coisas começavam a encaixar. – Que carro conduzia a vítima? – perguntou imediatamente. – Um todo-oterreno, último modelo? – Não sou adivinha, Cortez! – exclamou Alice. – Tens sorte de que tenha conseguido identificá-lo – acrescentou. – Na verdade, acabei de falar com Phoebe ao telefone. Está muito séria. Discutiram ou algo do género? – Algo do género – respondeu, irritado. – Continua a investigar, a ver se consegues relacionar esse tipo com o todo-o-terreno preto. – Está bem, mas hoje metade dos escritórios estão fechados. Algumas pessoas tiraram férias. Claro que ninguém se importa que eu não tenha dias livres... Cortez desligou.
Cortez regressou ao motel movido por um impulso e telefonou para a Direcção Geral de Viação, parando apenas para dar um beijo a Joseph e falar com Tina, que continuava angustiada e triste. Identificou-se, deu o nome da vítima e esperou um milagre. Em vão. Norton conduzia um Sedan. Cortez agradeceu ao funcionário e desligou. Mais um beco sem saída. Talvez fosse boa ideia apertar um pouco Bennett, para ver o que descobria. Contudo, entretanto, ele, a polícia local, o departamento do xerife e a sua própria unidade tinham de rever a lista de proprietários de todo-o-terreno pretos daquela zona. Cortez continuava a sentir falta de Phoebe e queria falar com ela, porém, era prioritário resolver o caso. O negociante de arte estava morto, todavia, o seu assassino, fosse quem fosse, talvez tivesse motivos para ir atrás de Phoebe. Cortez tinha de apanhar o assassino antes que Phoebe acabasse na linha de fogo. Tinha de resolver as coisas com ela. Apesar de Tina a ter visto a beijar Drake, no fundo não conseguia acreditar que tivesse ido para a cama com ele estando apaixonada por outro. Era absolutamente impróprio dela. Phoebe era antiquada. Ao pensar nisso, animou-se um pouco. Ia resolver as coisas com Phoebe. Tinha a certeza. Agora tinha de apanhar o assassino e depressa.
No domingo, todos os escritórios estatais e federais fecharam e tiveram de parar as investigações. Cortez aguentou o espírito choroso e amargo de Tina e brincou com Joseph, porém, ansiava poder ir fazer as pazes com Phoebe. Na segunda-feira, fez algumas indagações e descobriu finalmente a identidade do antropólogo morto. Era de Oklahoma, mas estava a dar aulas temporariamente numa universidade da Carolina do Norte. Ao falar com o pessoal da universidade, descobriu que se chamava Dan Morgan e que ensinava Antropologia na faculdade. Estava desaparecido há algum tempo. No entanto,
não tinha parentes, nem filhos. Phoebe mencionara que ele dissera a quem estava à sua espera que estava a falar com a sua filha. Talvez tivesse sido uma artimanha para que o seu interlocutor não soubesse com quem estava a falar. Uma assistente do professor recordou, enquanto tentava conter as lágrimas, que Morgan fora para Chenocetah ver um parente dele, um primo que trabalhava para um homem chamado Bennett. O primo chamava-se o Longo. Cortez estava eufórico. Finalmente uma ligação! Agradeceu à assistente, expressou-lhe as suas condolências e desligou. Depois praguejou para si, porque o Longo conhecia a primeira vítima e mentira a esse respeito. Devia ter-se apercebido de que estava a mentir. – Volto tarde – disse a Tina, depois de dar um beijo a Joseph. – Tenho uma pista. Tenho de ir ao hospital ver um suspeito em coma. – Falaste com Drake? – perguntou, olhando para o chão. Cortez olhou para ela até que ela levantou o olhar. – Porque é que achas que Phoebe tem alguma coisa com Drake? – Estão sempre a rir-se e a falarem. Drake ira-a – resmungou. – São tão... amigos. E ela ultimamente anda meio atordoada, como se estivesse loucamente apaixonada – franziu o sobrolho. – Tem de ser por ele. Cortez arqueou uma sobrancelha. – Está com alguém, sim, mas não é com ele. Tina abriu muito os olhos. Então não se enganara quando dissera a Phoebe em brincadeira que estava louca por Cortez. – Oh, não. Como é que pude fazer uma asneira destas? – Estás apaixonada por Drake, não é? Ela mordeu o lábio. – Ele começou a falar de Phoebe sem parar.
– Porquê? Ela remexeu-se. – Bom, eu odiava que a lisonjeasse tanto e comecei a falar-lhe de ti. Muito. Ficou calado e começou a mostrar-se distante e depois parou de me telefonar e de ar por aqui. Pensei que era por causa de Phoebe. – Talvez tenha pensado que somos primos afastados – murmurou, pensando em voz alta. Ela arqueou o sobrolho. – Mas eu disse-lhe que éramos primos. – Não lhe disseste que somos primos direitos, pois não? – perguntou. Ela reflectiu. – Bom, não. Ele deu-lhe umas palmadinhas na face, sorrindo. – Vai correr tudo bem. Precipitámo-nos, mas agora tenho a certeza de que Phoebe não está com Drake. A expressão de Tina tornou-se radiante. – Então tenho uma oportunidade... – parou. – Deitei tudo a perder! Ela nunca vai perdoar-me. E Drake também não. – Vamos resolver tudo, prometo-te. Mas agora tenho de apanhar um assassino. Fica aqui com Joseph e fecha bem a porta, entendido? Ela assentiu. – Tem cuidado – disse. Cortez sorriu. – Sou feito à prova de balas. A sério. Até logo.
– Até logo.
o Longo estava acordado. Estivera a falar com Bennett, que estava de pé ao seu lado, junto à cama. Os dois pareciam exaustos e angustiados. Ao ver Cortez, empalideceram. Cortez entrou e fechou a porta. Aproximou-se da cama, mal-humorado, e olhou para Bennett. – Onde está a sua irmã? – perguntou imediatamente. Bennett deixou escapar um suspiro. – Não sei – disse. – A caminho da fronteira, se não me engano – disse o Longo com voz densa e abafada. Olhou fixamente para Cortez. – Descobriu tudo, não foi? – Descobri que estão envolvidos num caso de duplo homicídio – disse. – Porque não facilitam as coisas e me contam o resto? Já sabem que a verdade vem sempre ao de cima. o Longo deixou escapar um suspiro fraco e Bennett inclinou a cabeça e olhou para ele com amargura. – A minha mulher esteve a ajudar o negociante de arte, Fred Norton, que conheci na prisão. Norton roubou um museu de Nova Iorque com a ajuda de Claudia e escondeu o saque numa gruta, nas terras de Yardley. Conseguiu que Corland lhe desse trabalho para poder vigiar a gruta, mas de longe, para que não parecesse que estava demasiado interessado nas obras de Yardley. Mas depois tentou conseguir trabalho na construtora de Yardley quando Corland o despediu. – Estavam ao corrente do roubo desde o começo? – inquiriu Cortez. o Longo fez uma careta e segurou a cabeça com as mãos. – Desta vez, não. Fred ficou connosco uma temporada quando saímos da prisão. Ela começou a sair sozinha, ou pensava eu, quando Fred se mudou. Nós viemos
para aqui quando começaram as obras. Eu pensava que ela se tinha reformado há muitos anos. – Reformado de quê? – perguntou Cortez. Bennett e o Longo olharam um para o outro. – Mais vale contarmos tudo – disse Bennett com resignação. Sentou-se junto à cama. – A minha irmã foi presa pela primeira vez por roubo aos dezasseis anos. Eu paguei ao dono da mercadoria para que retirasse as acusações. Mas a coisa não acabou aí. Claudia levou uma figurinha e um colar de jade muito raros de uma exposição de arte. Eu não podia pagar isso, portanto o Longo arcou com as culpas por ela, para que não tivesse de ir para a prisão. – O que explica os seus antecedentes por roubo – disse Cortez ao outro índio. o Longo assentiu. – Casámo-nos mesmo antes do roubo. Eu pensava que ela me amava. E amava até que conheceu Fred. Ele ficou connosco alguns meses, porque saímos da prisão ao mesmo tempo. – Entretanto, Claudia roubou outra jóia num museu – disse Bennett. – Dessa vez, entreguei-a eu mesmo. Deixaram-na sair em liberdade condicional, mas ela despejou resíduos tóxicos num riacho próximo e certificou-se de que as autoridades iam atrás de mim. Então eu fiquei em liberdade condicional e tive de pagar uma multa. – Ambos nos sacrificámos por ela – disse o Longo com tristeza. – Mas nunca era suficiente. Queria roupa de marca, jóias caras e carros luxuosos. Gostava de roubar. Eu não conseguia dar-lhe o que necessitava. E Fred, obviamente, sim. – Fred vendeu uma figura ao museu da vila – disse Cortez. – Isso deve ter sido o início do problema. Era arriscado vender a peça tão cedo depois do roubo. – Sobretudo quando descobri o contrabando e telefonei ao meu primo para que viesse dar uma olhadela. Não lhe disse que pensava que era roubado, portanto Dan achou mesmo que as peças eram um verdadeiro achado. Ao princípio, pensou que o perigo vinha dos construtores, que não queriam que a descoberta
atrasasse as obras. Não fazia ideia do que estava a acontecer... até que já era demasiado tarde – acrescentou o Longo em voz baixa. – Morreu por minha causa. Eu não sabia que a minha mulher estava implicada no roubo. Estava a explorar as grutas das três zonas de obras e descobri o contrabando na gruta das obras de Yardley. Vi o carro de Fred – resmungou. – Suspeitei que as peças eram roubadas, portanto disse a Dan para vir vê-las. Não pensei que ia arranjar-lhe problemas. É óbvio que estava a inspeccionar a mercadoria roubada quando foi apanhado. Fred deve tê-lo surpreendido enquanto as examinava e matou-o. – Pensamos que Fred o matou no motel. Mas é óbvio que sabia que vira o contrabando. Matou Dan e depois deixou o corpo num caminho de terra – disse Cortez. – Mas não sabia que estava em território índio e que o FBI ia tratar do caso. Deve ter sido um duro golpe para ele. Mas como é que Fred morreu? Quem é que o agrediu? – insistiu Cortez. o Longo lançou-lhe um olhar longo e melancólico. – Não sei quem me bateu, nem como cheguei à caravana. Recebi um telefonema estranho a respeito de umas peças arqueológicas que havia numa gruta, na propriedade de Yardley. Disseram-me que estavam a mudá-las. Fui para lá, sozinho, para ver. Entrei na gruta com uma lanterna. Depois acordei aqui. Também não sei quem matou Fred. – Mas temos uma suspeita. Uma suspeita terrível – disse Bennett, pesaroso. – Acho que foi Fred quem me deixou inconsciente quando entrei na gruta. Só ia ver se o contrabando continuava ali. Depois ia telefonar para a polícia – continuou o Longo. – As luzes apagaram-se quando entrei na gruta. Acordei aqui – acrescentou, olhando para o quarto do hospital. – Acha que a sua irmã matou Fred – disse Cortez a Bennett. O homem assentiu lentamente. – É a única coisa que faz sentido. Claudia fez um comentário a respeito de os homens não serem de confiança e disse que, se queria que as coisas fossem bem feitas, tinha de as fazer ela mesma – olhou para Cortez nos olhos. – Espero que esteja a vigiar a menina Keller – acrescentou. – Claudia disse que tinha estado no museu e que tinha visto uma figura e que dissera à menina Keller que era roubada. Disse que a menina Keller conseguia identificar Fred. Naquele
momento, pareceu-me absurdo, mas agora entendo tudo. A menina Keller pode identificar Fred, mas também pode identificar Claudia como a pessoa que fez as perguntas suspeitas sobre a figura. Se ela matou Fred, pode matar mais alguém para se livrar das testemunhas. Cortez sentiu-se atordoado. Ele mesmo fizera um comentário a respeito de Phoebe e da figura à frente da irmã de Bennett, na esperança de atrair o verdadeiro assassino à casa de Phoebe. Porém, isso fora quando pensava que Phoebe estava a salvo no motel! – Estou disposto a testemunhar contra ela – disse Bennett solenemente, – se conseguir pará-la antes que faça alguma coisa ainda pior. – Como é que Fred morreu? – perguntou o Longo com curiosidade. – Deram-lhe um tiro na nuca – disse Cortez. – Eu diria que a sua esposa fez com que se baixasse para olhar para alguma coisa e depois disparou. o Longo teve de lhe dar razão. – Claudia faria qualquer coisa para se livrar da prisão. Tem pavor. Embora isso nunca a tenha impedido de conseguir o que queria – abanou a cabeça e fez uma careta de dor. – Não devia ter arcado com as culpas por ela na primeira vez. Se tivesse tido de encarar as consequências dos seus actos, talvez não tivesse chegado até este extremo. Dois homens morreram. – Receio que vá ser preciso mais do que uma falsa confissão para a tirar disto – disse Cortez, virando-se. – Lamento muito. Tenho indícios suficientes. Vou pedir uma ordem de detenção o mais depressa possível. – É a única coisa que falta fazer – concordou Bennett. – Lamento não lhe ter dito isto antes. É a única família que me resta – acrescentou, desolado. Cortez lembrou-se do seu irmão, Isaac, e dos seus problemas com a lei, que lhe custaram a vida. – Entendo-o melhor do que pensa. – Eu também peço desculpa. Não lhe contei que o professor era meu primo quando me mostrou a sua fotografia – disse o Longo, angustiado. – Tinha
medo de que isso me incriminasse e queria investigar por minha conta antes de ir às autoridades. Cortez assentiu. – Obrigado por me esclarecer tudo.
Cortez foi ao tribunal da vila e falou com o juiz presente para lhe apresentar as suas provas. O juiz concordou que o o mais lógico era parar a menina Bennett. Cortez saiu do tribunal com a ordem de detenção e telefonou para o escritório do xerife, onde perguntou por Drake. – Não percas Phoebe de vista – disse a Drake. – Acabo de conseguir uma ordem para a detenção da irmã de Bennett pelo assassinato de Fred Norton, o presumível negociante de arte que vendeu a figura a Phoebe. Ela é a única que pode identificar Norton e a menina Bennett e relacioná-los com os assassinatos. A sua vida está em perigo. Temos de apanhar Claudia Bennett. – Tentei falar contigo. Tenho novidades – disse Drake com calma. – A menina Bennett conduz um todo-o-terreno preto com os pneus gastos. Cortez sentiu um aperto no coração. – Phoebe está no museu, não está? Drake suspirou. – Era por isso que queria falar contigo. – Diz! – exclamou Cortez. – Phoebe deixou-me uma mensagem há meia hora. Eu estava longe do rádio, a atender uma chamada, e acabo de a receber. Saiu uma hora antes para trabalhar um pouco no seu jardim. Está em casa, sozinha!
Catorze
Cortez sentiu um peso no coração. – Está sozinha? – repetiu como se não conseguisse acreditar. – Eu vou agora para lá – disse Drake. – Vai apanhar Bennett. Confia em mim. Não vou deixar que nada aconteça a Phoebe. – Está bem – disse Cortez com esforço. – Olha, Phoebe e eu somos amigos – acrescentou Drake num tom cortante. – Mais nada. Pensávamos que entre ti e Tina havia alguma coisa e... – Tina e eu somos primos direitos – interrompeu Cortez com amargura. – O seu pai e o meu são irmãos. Drake sentiu-se mal de repente. – Ficou furiosa com Phoebe. Falei com Phoebe sobre isso e a única explicação que encontrámos foi que Tina estava com ciúmes por causa do tempo que avas com Phoebe. Começou a falar constantemente de ti, de como eras fantástico. Não sabíamos que eram primos direitos. – Estava com ciúmes, idiota! – exclamou Cortez. – Está apaixonada por ti! Ouviu-se uma brusca inalação. – A... sério? Por mim? Cortez sorriu. – Viu-te a beijar Phoebe e isso destruiu-a. – Ena! – exclamou Drake, eufórico. – Mas foi só um beijo na testa!
Cortez sentiu-se melhor. Fora tudo um mal-entendido. Poderia explicar tudo a Phoebe e recuperá-la. Contudo, primeiro tinham de se certificar de que estava bem. – Vai para lá e protege-a. Eu vou trabalhar. – Conta comigo! – exclamou Drake. – E dá o alerta para se localizar o todo-o-terreno – acrescentou. – Vou ar pelo posto da polícia para que um agente venha comigo para entregar a ordem de detenção. Depois irei a casa de Bennett. A sua irmã e o Longo estavam a morar com ele. – Está bem. Cortez desligou, entrou no seu carro e partiu a toda a velocidade.
Phoebe alegrava-se por ter um momento para ela. A ruptura com Cortez, a discussão com Tina e a pressão do seu trabalho tinham-na tornado infeliz. Pensara tratar do seu roseiral. Contudo, não podia pôr mãos à obra com as suas finas calças cinzentas e a blusa branca que levava debaixo do casaco do fato com uns sapatos rasos. Tinha de mudar de roupa primeiro. Ainda tinha a pistola que Drake lhe emprestara e tinha quase a certeza de que o assassino ou assassinos não estavam tão loucos para tentar matá-la em plena luz do dia. No entanto, quando entrou em sua casa, depois de despir o casaco, ouviu um barulho ao atravessar o corredor e entrar na cozinha. – Pára – disse uma voz de mulher atrás dela. Phoebe percebeu logo quem era, pois reconheceu a voz. Começou a virar-se. – Não faças isso – disse a mulher com voz fria e calculista. – Já matei antes, posso fazê-lo outra vez. Sai pela porta de trás. Não pares. Phoebe hesitou. – O meu casaco – disse.
– Não vais precisar dele para onde vais – respondeu com sarcasmo. – Abre a porta. Phoebe obedeceu com o coração acelerado, tentando manter-se alerta e aproveitar qualquer oportunidade que tivesse para fugir. Porém, não conseguia correr mais do que uma bala. Apertou os dentes. Talvez quando estivessem a andar... Havia um todo-o-terreno preto estacionado atrás da casa, fora de vista. A mulher loira abriu a porta de trás e afastou-se. – Entra – disse, apontando com a pistola. Phoebe reparou que era um revólver de calibre 45 e que a mulher o agarrava com perícia. Phoebe virou-lhe as costas para entrar no todo-o-terreno e, de repente, sentiu um golpe forte e tudo escureceu.
Voltou a si muito devagar. Sentiu o veículo a travar e a parar. Abriu os olhos. Havia árvores. Abetos. Estavam num bosque. Havia uma montanha perto. Claudia Bennett o Longo abriu a porta de trás. Tinha a pistola na mão. – Sai – disse com voz áspera. A cabeça de Phoebe estava a latejar. Sentia náuseas. No entanto, sabia que aquela mulher ia matá-la. Tinha de pensar numa forma de se salvar a tempo. – Sai! – gritou Claudia, puxando-a violentamente. – Deitaste tudo a perder, tu e o teu namorado do FBI. Tive de matar Fred por tua causa, bolas! Ia deixar-me e levar o saque. Já tinha matado o arqueólogo. Disse-lhe para não mexer no contrabando durante um ano, mas a cobiça venceu-o e vendeu-te a figura. Assustei-me e pensei que talvez pudesses reconhecê-lo. Mas saiu-me o tiro pela culatra. Fred sabia que podias identificá-lo e perdeu as estribeiras. Ia fugir levando o saque e culpar-me do assassinato. Ia dizer a toda a gente que eu matei o arqueólogo – suspirou. – Mas eu não tinha intenção de ir para a prisão. Agora Fred está morto, graças a ti, e tu és a única testemunha que pode relacionar-me com os outros. Portanto tenho de te matar. Não vou para a prisão.
Phoebe tentava pensar enquanto saía do enorme todo-o-terreno. Apoiou-se contra o carro como se mal conseguisse estar de pé. – Mexe-te! – gritou Claudia, enfurecida, e empurrou-a com a pistola. Se conseguisse virar-se e tirar-lhe a pistola... Contudo, Claudia recuou e inclinou a arma. Phoebe afastou-se, cambaleando, e começou a andar por um caminho de terra. – Por aí, pelo atalho – Claudia apontou para um arvoredo de carvalhos e abetos. Estava a escurecer e a nevar. Estava muito frio e o ar gélido atravessava a blusa sem mangas de Phoebe. Esfregou os braços e tremeu. – Não vais ter frio por muito tempo – Claudia desatou a rir-se. – Continua a andar. Phoebe tentou falar com ela. – Matar-me não vai servir-te de nada. Não podes fugir. – Tu podes identificar-me. Os outros não. – Estás louca – resmungou Phoebe. – A esta altura já devem ter-te relacionado com o assassinato. Acabou. Mas tu ainda não percebeste. – Devem estar demasiado ocupados a tentar localizar-te – disse com certeza. – Vão reparar na minha ausência... – Não. Foste para casa mais cedo, lembras-te? Telefonei para o museu para ver onde estavas. A tua ajudante foi uma grande ajuda – acrescentou, rindo-se. Estavam sob um grande carvalho. Havia uma série de pequenos penhascos que desciam por uma colina. Havia árvores em todo o lado. O coração de Phoebe acelerou. Talvez se corresse... – Pára! – gritou Claudia de repente. Phoebe sentiu-a atrás de si, muito perto. Tinha de se despachar. Tinha de ser
precisa. Não podia hesitar nem um segundo. – De joelhos – disse Claudia com firmeza. Phoebe virou a cabeça para ela. – Não tens coragem para olhar para mim nos olhos quando me matares? – repreendeu-a. Os olhos de Claudia escureceram, cheios de fúria. – De joelhos! – gritou, enquanto levantava a pistola com um certo nervosismo. – Ainda podes livrar-te da pena de morte – disse Phoebe, ao mesmo tempo que se ajoelhava. O seu coração batia aceleradamente. Aqueles podiam ser os seus últimos segundos de vida. Estava plenamente consciente do perigo que corria. – Se te entregares... – Já matei uma pessoa – disse Claudia, enfurecida. – O que interessa mais uma? Não podem matar-me duas vezes, pois não? Phoebe jogou o seu último trunfo. – Olha, o meu namorado pertence ao FBI – sentiu-se a tremer de medo e de frio. – Se me matares, vai apanhar-te mesmo que seja a última coisa que faça – enquanto falava, apercebeu-se de que era verdade. Fora uma estúpida por pensar que Cortez tinha outra mulher. Amava-a. Ela amava-o também. Se tivesse tempo para lhe dizer uma última vez... – Não quero saber – respondeu Claudia com frieza. Respirou fundo para se acalmar e baixou o canhão da pistola até à cabeça de Phoebe. Phoebe ouviu aquele suspiro. Sabia o que ia acontecer. Era naquele momento ou nunca, a sua última oportunidade de se salvar. Se hesitasse, estava morta. Pensou um último instante nas consequências, porque era provável que acabasse morta, fizesse o que fizesse. Porém, a sua vida não ou perante os seus olhos. Não tinha tempo para recordar. Não tinha tempo para nada. Olhando para o céu em silêncio, levantou o braço e virou o tronco ao mesmo tempo com todas as suas forças. Bateu violentamente no braço de Claudia. Esta
deixou escapar um grito de surpresa e de dor e a pistola caiu, ou por cima do penhasco e caiu sobre o monte de folhas secas que havia mais abaixo. Enquanto Claudia continuava emudecida pelo choque, Phoebe desatou a correr, atirou-se por cima do penhasco e baixou a cabeça enquanto rodava, rodava e rodava. Doía-lhe a cabeça e não via bem. Porém, pelo menos fugira, por enquanto. Talvez, se Claudia não tivesse outra pistola escondida no carro, conseguisse fugir. – Não! – gritou Claudia. – Ordinária! Phoebe baixou a cabeça e escondeu-se, tentando ignorar a sua dor de cabeça e as náuseas. Fechou os olhos e pensou em Cortez, no dia em que se conheceram, na sua força, no consolo dos seus braços. Ia amá-lo para sempre... – Vou apanhar-te! – gritou Claudia, raivosa. Continuou a descer e olhou à sua volta à procura da pistola. Tentou encontrá-la, todavia, não a viu. As nuvens eram cada vez mais densas. O céu estava a escurecer e estava a nevar. – Volta aqui! – gritou Claudia com fúria. Parou, ofegante, e olhou à sua volta, nervosa. Claudia procurou um pouco mais, mas como estava de saltos altos e com um elegante fato cinzento, uma indumentária pouco apropriada para o bosque, desistiu – Que raios! – gritou. – De qualquer forma, vais morrer congelada! Nem sequer sabes onde estás! Vais apodrecer no inferno, ordinária! Regressou para o carro, entrou, ligou o motor e partiu. Phoebe sentiu a tentação de se levantar em seguida e seguir o todo-o-terreno até sair do bosque. No entanto, não tinha a certeza de que Claudia não fosse voltar para ver se a via. Era provável que regressasse no caso de Phoebe cometer a imprudência de levantar a cabeça. Como seria de esperar, não tinham ado sequer cinco minutos quando o todoo-terreno desceu novamente pelo caminho de terra e parou mesmo em cima do lugar onde Phoebe estava deitada, completamente imóvel, sem fazer nenhum
ruído. O carro esteve ali parado, com o motor a trabalhar, outros cinco minutos. Depois, subitamente, deu meia volta e afastou-se. Contudo, Phoebe esperou ainda mais cinco minutos antes de se mexer. A neve caía com força e o calor da adrenalina abandonara o seu corpo. Estava a gelar. Não sobreviveria se tivesse de ar a noite ao frio. A hipotermia era mortal. Não tinha nada com que se cobrir. Levava os braços nus e as suas calças eram muito finas. Provavelmente morreria congelada. Não sabia onde estava. Nem ninguém. Certamente Cortez e Drake já estavam à sua procura, porém, havia poucas possibilidades de que a encontrassem ali, no meio do monte. Sentou-se e aguçou o ouvido, enquanto o céu escurecia lentamente. Contudo, o todo-o-terreno não voltou. Era uma questão de ficar quieta ou começar a andar. Ninguém sabia onde estava. Se ficasse no bosque, talvez morresse ali. Estava no meio do monte, isso sabia. Certamente no Parque Nacional. Onde havia ursos pretos e pumas. Havia linces e até coiotes e lobos nos sítios desertos. Por outro lado, estava a anoitecer rapidamente. Não tinha lanterna, nem velas. Não havia lua porque o céu estava coberto de nuvens. A sua única esperança era seguir os rastos dos pneus e não se afastar do caminho do todo-o-terreno. Pensou em tirar os sapatos, porém, os seus pés congelariam. Arrancou ramos de um arbusto para apalpar a altura da vegetação ao longo do caminho deixado pelas rodas. Havia a possibilidade, por muito pequena que fosse, de que conseguisse sair do bosque. Era isso ou não fazer nada. Ficar no mesmo sítio seria errado. Morreria congelada à espera que alguém a encontrasse. Se conseguisse chegar a uma estrada, qualquer uma, talvez conseguisse ajuda. No entanto, também isso era improvável, pois pouca gente viajava pelas estradas secundárias daquelas montanhas numa noite de tempestade de neve, a menos que vivessem ali. Porém, talvez houvesse algum carro do xerife a patrulhar a zona. Tinha de ter esperança. Avançou tão rápido como pôde pelo caminho através do bosque. Estava tudo em silêncio, pensou. Nada se mexia. Nem sequer se ouvia os pássaros. O único ruído era o rangido dos ramos das árvores abanados pelo vento, enquanto a neve caía à sua volta. Então apercebeu-se de que a neve não era o seu único problema.
Também estava a cair gelo. Continuou a andar com todas as suas forças. Tinha de se concentrar em sair do bosque o mais depressa possível. Chegou a uma bifurcação no caminho e hesitou, apertando os dentes. Porém, enquanto decidia que caminho tomar, ouviu uma estranha canção ao longe. Parecia cherokee. Aquele som procedia do caminho da direita. Phoebe sorriu para si e virou à direita sem hesitar. Talvez, pensou, houvesse uma leve possibilidade de fugir.
Convencido de que Drake estava a tomar conta de Phoebe, Cortez aproximou-se da porta de uma elegante mansão, situada quase nos limites de Chenocetah. O agente Parker ia com ele para entregar a ordem de detenção. A casa fora alugada por o Longo. Cortez tocou à campainha três vezes, todavia, não houve resposta. O agente Parker e ele deram a volta à casa até à parte de trás. A porta da garagem estava aberta. O todo-o-terreno de Claudia não estava. Cortez demorou um segundo a relacionar o todo-o-terreno que faltava com a mulher desesperada, cujo primeiro impulso seria chegar até Phoebe antes que pudesse testemunhar contra ela. Tirou o seu telefone para telefonar a Drake, contudo, antes de marcar o número, o telefone começou a tocar. – Sim? – atendeu. – Sou eu, Drake – respondeu o outro homem. – Phoebe não está aqui. Aquilo era um pesadelo. O coração de Cortez acelerou. – Procuraste dentro de casa? – Sim. A sua mala e as chaves do carro estão aqui. O que significava, evidentemente, que saíra sem eles.
– Tens ideia de para onde a suspeita possa ter levado Phoebe? – perguntou Cortez. – Certamente será um sítio deserto, pouco frequentado. – Nestas montanhas, há muitos sítios assim – disse Drake com tristeza. – Pedi que fizessem uma busca, mas ainda não tive notícias. Cortez suspirou. – Vou ver Bennett – disse. – Talvez ele tenha alguma ideia. Não é grande coisa, mas é a única coisa que temos. Telefonar-te-ei assim que souber alguma coisa. Têm um helicóptero? – Claro, está na gruta do Batman, juntamente com os veículos anfíbios – resmungou Drake sarcasticamente. – Desculpa – disse Cortez, envergonhado. – Vou telefonar à DEA. Eles costumam ter helicópteros. – Talvez, mas não vão sair de noite e com uma tempestade de neve – respondeu Drake. – Nenhum piloto vai correr esse risco. – Bolas! – Vou falar com o xerife – disse Drake. – Neste condado temos uma unidade de cavalos. Os cavalos podem chegar onde os veículos não chegam. Na vila há uma agência de gestão de emergências de primeira categoria. O director é um tipo genial. Vou telefonar-lhe. – Obrigado, Drake – disse Cortez. – Já te telefono. Desligou, explicou a situação ao agente Parker e voltaram para a vila.
Bennett estava na caravana da sua empresa na zona de obras, com um copo de uísque na mão. Nessa noite ninguém estava a trabalhar. Nem sequer ele. Levantou o olhar quando Cortez abriu bruscamente a porta. Levantou o copo.
– Vão acusar-me de cumplicidade, não é verdade? Veio prender-me? Cortez parou. – A sua irmã tem Phoebe – disse. O construtor franziu o sobrolho. – Tem a certeza? – O seu todo-o-terreno foi visto na casa dela. A polícia encontrou uma testemunha que o viu a ar esta tarde, mesmo antes de Phoebe desaparecer. As chaves do seu carro e a sua carta de condução ainda estão na sua mala, em casa, mas ela não está. Não é preciso ser muito inteligente para perceber o que aconteceu. Bennett fechou os olhos. – Meu Deus! Cortez inclinou-se sobre a mesa, irritado e preocupado. – Ouça, talvez possa ajudar a sua irmã a escapar da pena de morte. Nota-se que não está bem da cabeça. Mas tem de me ajudar! – E o que posso fazer? Não sei onde está! – Pense – disse Cortez. – Se a sua irmã pensava magoar Phoebe, é mais do que provável que a tenha levado para um sítio que conheça bem. Algum lugar deserto por onde não e ninguém. Mas para chegar a um sítio assim, tem de conhecer a zona. Vai procurar um lugar onde ninguém possa incomodá-la. Bennett olhou para a mesa com o sobrolho franzido. – Bom... há um sítio de que me falou, o único lugar de que gostava. Ela odeia o campo. Acho que foi por isso que se envolveu com Fred. Íamos estar aqui meses. – Podia ter voltado para Atlanta consigo – replicou Cortez. – Não me parece. Lá não havia diversão – Bennett fez uma careta. – Hoje
recusei-me a dar-lhe dinheiro a menos que ficasse aqui, com o Longo, enquanto o meu cunhado estiver no hospital. Ficou furiosa. Disse que não se importava que morresse. Foi quando compreendi que tinha feito alguma coisa. No dia em que você foi ao hospital, só foi vê-lo porque a ameacei. Depois ficou como louca. Nem sequer conseguia falar com ela. – Onde é esse sitio? Qual era o lugar de que gostava? – insistiu Cortez. – O Parque Nacional de Yonah – respondeu Bennett. – Um bosque ao pé da estrada, no monte, onde dizem que antigamente se encontrou ouro. Havia cabanas para arrendar por perto – franziu o sobrolho. – Talvez Fred estivesse lá. Sei que não estava na vila porque o Longo perguntou por ele em todos os motéis quando Claudia disse que andava por aqui. Cortez sentiu um aperto no coração. Era uma zona muito grande, porém, era melhor do que nada. – Obrigado – disse a Bennett. – Vou fazer o que puder por si e por ela. Se Phoebe sair ilesa – acrescentou com frieza. Bennett olhou para ele com receio enquanto partia. Se Phoebe morresse, nunca encontraria descanso. Cortez seria um inimigo mortal.
Phoebe ouviu o uivo de um animal e ficou rígida. Tentou ouvir melhor. Não se ouvia nada, excepto a tempestade de neve. Tinha tanto frio... Continuou a andar. Mexia os braços, tentando aquecer. A hipotermia não demoraria a apoderar-se dela. Então, cairia num sono profundo do qual nunca acordaria. Tinha de continuar a mexer-se ou morreria. Seguiu os rastos de pneus. Não conseguia ir muito depressa porque não via onde pisava. Porém, ironicamente, quando a neve começou a cobrir o chão, foi mais fácil ver os sulcos das rodas. Uma vantagem, dentro de uma desvantagem. Aquilo, no entanto, deu-lhe esperança. Talvez conseguisse sair do bosque, chegar pelo menos a uma estrada mais transitada. Se não tivesse os pés tão gelados... Se não tremesse tanto...
Imaginou o lume na sua lareira, em casa, enquanto tocava uma música suave. Imaginou-se ao colo de Cortez, sonhando acordada. Aguçou o ouvido à procura do canto, porém, já não o ouvia. Pôs um pé à frente do outro e continuou a avançar.
Drake atendeu o telefone assim que tocou. – Stewart – disse abruptamente. – Sou eu – respondeu Cortez. – Bennett diz que a sua irmã falava de um pequeno bosque junto à estrada, no Parque Nacional de Yonah, perto de umas cabanas. Sabes se há alguma patrulha por ali? – Sim – disse Drake. – O serviço florestal tem um guarda que é meu amigo e também há uma patrulha do serviço de caça e de pesca. De certeza que vão ajudar. Mandei avisar uma pessoa da vila que conhece bem a zona. Vou tratar de tudo. – Vou para lá o mais depressa possível. – Vais precisar de correntes – disse Drake. – Está a nevar e há gelo. Não chegarás lá sem correntes – Cortez deixou escapar um gemido. Outro atraso! – Escuta – acrescentou Drake, – a pelo escritório do xerife e diz-lhe para ir contigo. Tem um carro com tracção às quatro rodas que já tem correntes. – Obrigado, Drake! Até já – desligou e dirigiu-se para o escritório do xerife.
Bob Steele, o xerife do condado de Yonah, era um tipo alto e corpulento, com o cabelo encaracolado e grisalho e as sobrancelhas pretas. Inspirava respeito, mas era muito amável. Ouviu o relato de Cortez com o sobrolho franzido. – Está a nevar – disse. – Acha que essa tal Bennett deixou a menina Keller no monte com este tempo? – Sim – respondeu Cortez com voz tensa, – a não ser que já a tenha matado –
acrescentou, expressando em voz alta uma ideia que não queria itir. O xerife levantou-se, tirou a sua pistola da gaveta e guardou-a no cinto. Estava muito sério. – É preciso ter esperança – disse. – Agradeço a ajuda que nos prestou, deixando que Drake trocasse de turno para poder vigiar Phoebe. – Como diabos conseguiu essa Bennett apanhá-la? – perguntou o xerife. – Phoebe saiu mais cedo do trabalho para podar as suas malditas rosas – resmungou Cortez, enquanto se aproximava da porta. – Sem dizer a ninguém. – Bela ideia, havendo um assassino à solta – respondeu o xerife. – Nem me diga nada. Mas, quando a encontrarmos, vou refilar com ela nos próximos cinquenta anos. O xerife limitou-se a sorrir. Sabia, tal como Cortez, que num caso de sequestro as primeiras vinte e quatro horas eram cruciais. Se não encontrassem a menina Keller nessa margem de tempo, o mais provável era que estivesse morta, de um tiro ou de hipotermia. Abriu o todo-o-terreno com tracção às quatro rodas e entrou com Cortez.
O chão estava totalmente branco. Phoebe largou o pau porque já conseguia ver com bastante clareza os sulcos das rodas. Parava de vez em quando tentando ouvir o som de um veículo. Talvez Claudia Bennett ainda voltasse com intenção de a matar. Não podia arriscar. Tinha as mãos geladas e os braços intumescidos. Nunca sentira tanto frio. Mal sentia os pés e estava com medo que começassem a gangrenar. O mais provável era que morresse ali, portanto o que importava? Esfregou os braços energicamente. Se tivesse batido em Claudia Bennett com mais força, resmungou para si mesma.
Talvez fugir tivesse sido um erro. Contudo, Bennett era mais alta e ela tinha a desvantagem de ter recebido um golpe na cabeça. Ainda lhe doía a cabeça, todavia, as náuseas tinham ado um pouco. Olhou à sua volta. O bosque estendia-se por todo o lado. Não via nada que se parecesse com uma estrada. Era impossível saber em que parte do bosque se encontrava. Se estivesse a vários quilómetros de uma estrada, duvidava que conseguisse sair viva dali. Parou novamente, prestou atenção, contudo, não ouviu nada. A neve caía em flocos grossos que deslizavam pela sua cara e caíam meigamente no chão. Era lindo, quase irreal. E também mortal. Se não se mexesse, morreria congelada. Continuou a andar. Já não se viam os rastos dos pneus do todo-o-terreno. A neve cobrira-os. No entanto, os sulcos distinguiam-se ainda porque o peso do veículo esmagara a erva. Seguiu-os com determinação, com os braços cruzados sobre o peito, abraçando-se para conservar o pouco calor que tinha. Amaldiçoou a fina blusa e as calças. Porque não vestira alguma coisa mais quente? Se tivesse um casaco, uma manta, qualquer coisa que a mantivesse quente... Então pensou ouvir alguma coisa ao longe. Parou e virou a cabeça para o lugar de onde procedia o som. Ficou muito quieta, à espera. Contudo, aquele ruído desvaneceu-se rapidamente. Talvez, pensou, fosse um carro a ar pela estrada. Talvez estivesse mais perto do que pensava. Animou-se um pouco e acelerou o o. A esperança, pensou, era a última coisa que uma pessoa em perigo perdia. Havia sempre a esperança. Recordou a última vez que viu as costas largas de Cortez a afastarem-se dela. Perguntava-se se ele lamentava aquela despedida tanto como ela. Sabia que se sentiria culpado se ela morresse. Ela tivera muito tempo para ponderar a sua conduta e a de Tina enquanto caminhava pelo monte. Finalmente apercebera-se de que tudo se devia aos ciúmes. Ela fora para o alpendre falar com Drake. A conversa não fora íntima, mas talvez o tivesse parecido aos olhos de duas pessoas que já duvidavam dos seus próprios sentimentos. Sabia que Cortez gostava dela. Falara-lhe muitas vezes em ter filhos. Ela amava-o. Se saísse daquele bosque, prometeu para si,
sentar-se-ia com ele e obrigá-lo-ia a ouvi-la. Convencê-lo-ia, e também Tina, de que entre Drake Stewart e ela não havia nada. Não ia permitir que Cortez fugisse pela segunda vez. Acelerou o o.
Entretanto, continuava a nevar e o xerife e Cortez percorriam as estradas do Parque Nacional. – Isto é como procurar uma agulha num palheiro – disse Cortez, irritado, com a vista fixa na estrada. – O bosque é muito grande – disse o xerife. – Mas tem razão: o mais provável é que essa tal Bennett tenha levado a menina Keller para um sítio que conheça. Por sorte não é índia. Isso estreita um pouco a busca. – Oxalá tivéssemos um helicóptero – disse Cortez. – Seria mais fácil encontrá-la. – Parece uma mulher muito esperta – respondeu o xerife com calma. – É – disse Cortez, – e sabe muito de antropologia e de arqueologia. Está familiarizada com o monte e com as estradas secundárias – os seus olhos entreabriram-se. – Vai tentar sair do bosque, se puder. Seguirá algum atalho. – Não acha que vai ficar quieta? – É pouco provável – respondeu Cortez. – Há demasiada humidade para acender uma fogueira e corre o risco de congelar. Vai mexer-se. Tenho a certeza disso. – Assim que amanhecer, pedirei uma avioneta – prometeu o xerife. – De uma forma ou de outra, vamos encontrá-la. – É melhor falar com a unidade de cavalos caso tenham encontrado algum rasto. O xerife já tinha o rádio na mão e sorriu a Cortez. – Estava a pensar no mesmo.
No entanto, a unidade não sabia nada de novo. Nem o serviço florestal. Era difícil procurar de noite, embora a neve desse luz suficiente para ver. O bosque era imenso e uma pessoa podia ar despercebida entre as árvores. Telefonaram da central. O xerife atendeu enquanto Cortez sentia um aperto no coração, esperançoso. – Recebemos uma chamada de uma das unidades – disse o polícia. – Um dos ocupantes de uma cabana viu ar um todo-o-terreno duas vezes para um caminho sem saída, há umas três horas. – Vamos para lá – disse o xerife e parou para dar meia volta. Cortez sorriu. Finalmente uma pista! Agora só faltava encontrar Phoebe viva...
Quinze
Phoebe começava a estar cansada. Era saudável e as suas pernas eram fortes, porém, o cansaço, os efeitos do frio e a falta de comida começavam a notar-se. Tomara o pequeno-almoço, porém, não quisera almoçar. Parou ao chegar, de repente, a um cruzamento onde o caminho se dividia em quatro. Olhou para a imensa extensão de bosque que se estendia à sua frente e sentiu desespero. Não se viam rastos e não ouviu cântico algum que lhe indicasse o caminho. Pela primeira vez desde que estava naquela situação, pareceu-lhe impossível continuar a andar. Se tivesse mais forças, se soubesse para onde ia, nem que fosse apenas a direcção, talvez tivesse alguma oportunidade. Porém, não sabia onde estava, portanto ignorava que direcção devia seguir. Se seguisse o caminho errado, morreria. Se ficasse ali, morreria. Se entrasse no bosque e se cobrisse com folhas e ramos de pinheiro para tentar conservar o calor, morreria de qualquer forma e nunca seria encontrada. A chuva ensopara-a. Tinha o cabelo molhado, os pés intumescidos e as meias molhadas. Ao dar outro o, apercebeu-se de que já não sentia os pés. Aquilo era demasiado. Já não tinha esperanças. Acabara, não conseguia continuar a andar. Estava tão cansada... Parecia-lhe que andara durante uma eternidade. Tinha frio e fome e os seus pés estavam gelados. Levantou o olhar e sentiu como a neve lhe rasgava a cara. Fechou os olhos. Era o fim. Sentou-se no meio do cruzamento, suspirando, aninhou-se e fechou os olhos. Diziam que a morte por congelamento não era dolorosa. Esperava que fosse verdade. Tinha esperança de que Cortez recordasse como os escassos momentos que tinham ado juntos tinham sido maravilhosos, antes de Tina e Drake terem complicado as coisas. Antes de ela ter complicado tudo. Devia ter ido falar com Cortez e tê-lo obrigado a ouvi-la. Ele teria de viver com a culpa de se ter afastado dela e isso também lhe custava. Amava-o. Murmurou o
seu nome e o seu fôlego saiu num último e fraco suspiro.
No carro do xerife, Cortez apertava os dentes. Além das cabanas, o caminho dividia-se em quatro. Tinham ido até ali com intenção de localizar um lugar em concreto e tinham-se deparado com outro quebra-cabeças. – Pare – disse ao xerife. Saiu do carro e aproximou-se do cruzamento. Baixou-se para observar a terra e entreabriu os olhos. A neve cobrira tudo, porém, sem dúvida haveria marcas de pneus se Claudia Bennett tivesse ado por ali. O xerife saiu e também se baixou. Remexeu suavemente umas folhas cobertas de neve. – Você caça, não é? – perguntou Cortez. – Desde que era um miúdo. Está à procura dos sulcos das rodas, não é verdade? – Sim. É a única hipótese que temos. Pam mãos à obra com as lanternas na mão. Não lhes levou muito tempo. Naquela época do ano os caminhos eram pouco transitados, por isso não havia marcas antigas que pudessem confundi-los. – Encontrei-o! – gritou Cortez e fez gestos ao xerife, que se baixou ao seu lado. Ali, mesmo debaixo da neve, havia um rasto de pneu marcado na lama. Faltavalhe o sulco vertical! Explicou a descoberta ao xerife, que seguira o caso de perto. – Ainda bem que essa tal Bennett não se apercebeu de que era fácil reconhecer os rastos dos seus pneus – disse o xerife Steele. – Sim. Vamos! – Cortez levantou-se com um salto e correu para o carro. O xerife entrou, ligou o carro e seguiu o caminho pelo qual ara o todo-oterreno. Pediu reforços por rádio, no caso de haver mais encruzilhadas para inspeccionar. Tendo em conta que estava desaparecida há horas, o mais provável
era que Phoebe estivesse prestes a morrer congelada. Mais algumas horas e não importaria se a encontravam, porque não conseguiriam chegar a tempo. Cortez sabia. Sabia também que havia a possibilidade de que Claudia Bennett a tivesse matado. Talvez Phoebe estivesse estendida na neve, com os olhos fechados para sempre, morta. Apertou o queixo. Enquanto o carro avançava pelo caminho coberto de neve, rezou com toda a sua alma. O caminho parecia nunca mais acabar. Continuava a existir a possibilidade de que Claudia Bennett tivesse matado Phoebe, tal como matara o seu cúmplice. Desarmada, Phoebe não teria conseguido fazer nada. Cortez não queria sequer pensar nessa possibilidade. Mostrara-se distante com ela da última vez que se tinham visto. Se Phoebe morresse, aquilo atormentá-lo-ia eternamente. A neve continuava a cair, cada vez mais densa. O xerife travava em cada curva. Ambos olhavam fixamente para o caminho. Ouviu-se o rádio e o xerife respondeu. Parou o carro no meio do caminho e ouviu atentamente, com uma expressão de pasmo. Cortez também estava a ouvir. No entanto, limitou-se a sorrir. – Recebemos uma mensagem do senhor Falcão Vermelho, de Oklahoma, para si – disse o polícia. – Diz que é relativo ao caso, que é importante. – Está bem – respondeu o xerife, surpreendido com o olhar fixo de Cortez. – Diga. – Diz que têm de procurar uma bifurcação do caminho em que há dois abetos enormes, um à frente do outro, e um tronco caído no meio do caminho. Ela está aí. Também diz – hesitou e pigarreou – que a menina está grávida. Cortez deixou escapar um gemido. – Está viva? Pergunte-lhe se está viva! – exclamou num tom imperioso. O xerife olhou para ele com curiosidade, porém, repetiu a pergunta. Houve uma breve pausa.
– Sim, diz que sim. – Graças a Deus! – exclamou Cortez e desviou os olhos, para esconder as lágrimas. O xerife agradeceu ao polícia e olhou para Cortez. Ele mal reparou. Phoebe estava grávida? Não conseguia acreditar! Contudo, o seu pai quase nunca se enganava. Se estivesse certo, talvez voltasse a salvar a vida a Phoebe. O xerife tinha uma expressão respeitosa. – Não acredita nos poderes paranormais, espero – disse, voltando a ligar o carro. No entanto, de repente, travou, boquiaberto. Ali, à frente deles, o caminho bifurcava-se. À esquerda havia dois abetos enormes e um tronco a meio do caminho. – Meu Deus! – exclamou o xerife. – Quem é esse tal Falcão Vermelho? – O meu pai – murmurou Cortez com ironia. – É um xamã – não acrescentou que, entre os comanches, não havia um grupo organizado de curandeiros, nem xamãs, mas apenas indivíduos que tinham visões. O dom do seu pai não se devia ao estatuto que ocupava na cultura a que pertencia. Era tão peculiar como o próprio Charles Falcão Vermelho. O xerife olhou para ele. – Eu gostava de conhecer esse cavalheiro – disse com sinceridade e seguiu pelo atalho. Cortez inclinou-se para a frente e fixou o olhar no caminho, entreabrindo os olhos. «Por favor», rezava em silêncio, «por favor, não permitas que a perca». Nada voltaria a importar se Phoebe desaparecesse da face da terra. O xerife travou ao fazer uma curva e acelerou depois numa recta onde o bosque se abria de ambos os lados do caminho. Havia carvalhos enormes, pinheiros e abetos. A neve cobrira tudo com o seu manto. Pelo espelho retrovisor, Cortez viu que as marcas dos seus pneus eram cada vez mais profundas.
– Pare! – gritou de repente. O xerife travou automaticamente e parou a meio metro de uma figura aninhada mesmo no meio do caminho. Cortez saiu e correu para Phoebe. Levantou-a nos braços, receando que fosse demasiado tarde, apesar das palavras do seu pai. Apertou-a contra o seu peito. – Phoebe, querida, estás a ouvir-me? – sussurrou-lhe ao ouvido. Por muito incrível que parecesse, depois de alguns segundos de angústia, sentiu, de repente, o seu fôlego. – Graças a Deus, graças a Deus, graças a Deus! – murmurou contra o seu cabelo. – Phoebe, querida, estás a ouvir-me? Phoebe! Phoebe! Ela ouviu uma voz. Sentiu calor e uns braços fortes à volta dela. Teria morrido? Respirou fundo e tossiu, tremendo, enquanto abria os olhos devagar. Deparou-se com o rosto de Cortez, contraído pela angústia e pelo cansaço. – Jeremiah... – murmurou. Sorriu e estendeu os dedos gelados para a sua cara. – Estou morta e fui para o céu? – sussurrou. – Não, não estás morta – respondeu. – Mas isto parece o céu. Graças a Deus que te encontrámos! – beijou-a intensamente. Ela tinha os lábios frios, porém, mesmo assim responderam ao seu o. Cortez desejava beijá-la até a aquecer, no entanto, não havia tempo para isso. Teve de parar. Abraçou-a e escondeu a cara contra o seu pescoço. Soltou-a um momento, tirou o casaco e envolveu-a nele. – Hum, que quentinho – murmurou com deleite, tremendo. – Estás meio congelada! – resmungou, enquanto a abraçava com força. Phoebe agarrou-se a ele. – Pensava que não ias encontrar-me – sussurrou. – Tinha os pés gelados. Não conseguia continuar a andar. Tinha tanto medo...
Ele sossegou-a com um beijo. – Agora estás a salvo. Estás a salvo! Nunca mais vou deixar-te. Prometo! – fê-la levantar-se suavemente e hesitou ao ver que ela se queixava ao apoiar os pés. Virou-a para conseguir levantá-la com o braço direito e levou-a para o carro, ignorando a pontada de dor que sentia no ombro. – Vais magoar o teu ombro. Não podes levantar pesos... – protestou. – Cala-te – era doloroso saber que, mesmo naquele momento, Phoebe se preocupava mais com ele do que consigo mesma. Ela amava-o. Cortez sabia. Ele também a amava com toda a sua alma. Apertou-a com força. Apesar de sentir uma dor a cada o que dava, levou-a até ao carro. Pediu ao xerife que lhe abrisse a porta e meteu-a no banco de trás. Tirou-lhe os sapatos e esfregou-lhe energicamente os pés. – Tem uma manta? – perguntou ao xerife. – Não, mas tenho um saco-cama no porta-bagagem – respondeu o xerife e apertou o botão que o abria. Foi tirá-lo e deu-o a Cortez, que envolveu rapidamente as pernas de Phoebe. – Tem de a levar imediatamente para o hospital – disse Cortez ao xerife. Só então recordou o que o seu pai lhe dissera. Olhou para Phoebe com pasmo, perguntando-se se o idoso teria razão. Era muito provável. Estaria grávida? Parecia uma esperança descabida, depois do milagre de a ter encontrado, viva, depois do terror das horas anteriores. – Não podemos ir para o hospital – disse Phoebe com voz rouca. – Sei onde está a pistola. Temos de a encontrar. Tenho a certeza de que é a arma do crime. – Phoebe... – protestou Cortez. – Eu bati-lhe e a arma caiu – acrescentou. – Ia matar-me de costas. Pensei que, se me virasse rapidamente e lhe tirasse a pistola com um golpe, talvez conseguisse fugir. Tinha muito medo, mas consegui. Ela tem as mãos pequenas e
era uma pistola automática de calibre 45. Cortez tremeu ao pensar no que podia ter acontecido se aquela mulher tivesse disparado à queima-roupa com uma arma daquele calibre. Ainda se lembrava da última vítima, a que não tinha metade da cara. Envolveu Phoebe entre os seus braços, angustiado. – Precisas de cuidados médicos – disse. – Isso pode esperar. Estou bem. Se não formos agora – disse suavemente, – vou esquecer-me. Não podemos permitir que essa mulher escape por não encontrarem a arma – olhou para o xerife Steele, que tentava fazer-se invisível. – Diga-lhe que tenho razão – suplicou. O xerife fez uma careta. – Sabe que tem razão – respondeu. Cortez levantou a cabeça. Os seus olhos pareciam quentes e suaves sob a luz do carro. – Está bem, vamos procurar a pistola. Esta é a minha rapariga – acrescentou em voz baixa com orgulho. Ela sorriu e tocou-lhe na boca com a ponta dos dedos. – Vamos dar uma olhadela – disse e saiu do carro. Fechou a porta de Phoebe. – Vamos – disse ao xerife. – Se encontrarmos a arma, caso encerrado. – Pode apostar que vamos encontrá-la – disse Steele, rindo-se.
Chegaram ao lugar onde Claudia Bennett quase matara Phoebe. Por muito incrível que parecesse, Phoebe andara quase seis quilómetros. – Estacione aí – Phoebe apontou para a estrada. – Estava mesmo em frente a esse carvalho. O xerife parou o carro. Phoebe, que já aquecera, saiu e devolveu a Cortez o seu casaco. Ia envolta no saco-cama, como se fosse um xaile. – Por aqui – disse e apertou os dentes ao recordar o terror da sua última visita
àquele lugar. Conduziu-os até à beira do pequeno penhasco que caía até outro, e depois até outro. Fechou os olhos, recordando onde ela estivera com Claudia Bennett. Por um instante, sentiu-se doente. Depois recompôs-se. Muitas coisas dependiam da sua memória. Não podia permitir que a assassina escae. Olhou para o penhasco. – Saiu disparada naquela direcção – apontou mais à frente do carvalho. – Pesava muito, portanto não penso que tenha ido muito longe. Ela foi procurá-la quando comecei a correr para me esconder, mas não a encontrou. Estava a nevar e a escurecer. Suponho que pensou que podia atacá-la pelas costas – acrescentou com um sorriso. Cortez olhava à sua volta com uma expressão cautelosa. Podia imaginar aquela mulher desesperada a olhar para Phoebe com a pistola. Se Phoebe não tivesse tido bons reflexos... Nem queria imaginar. O xerife apanhou uns quantos paus e formou uma seta com eles assinalando a direcção que Phoebe lhe indicava. – Excelente ideia – disse Cortez com um sorriso. – Vou chamar a minha equipa com um detector de metais. Vamos encontrar a arma – garantiu ao xerife. Virouse para Phoebe. – Agora temos de te levar para o hospital. Enquanto falava, um carro-patrulha apareceu pelo caminho, seguido de um veículo do serviço florestal. – Isto é que é chegar a tempo – o xerife desatou a rir-se quando Drake Stewart saiu do carro e se aproximou deles. Atrás dele ia um guarda-florestal. – Drake, tens de levar Phoebe para as Urgências. Ela virou-se para Cortez. – Tu não vens? – perguntou, preocupada. Ele hesitou, dividido entre o dever e a preocupação. – Não é preciso ficar para analisar a cena do crime – disse o xerife. – E, para
além disso, muitos cozinheiros estragam a sopa. Eu fico com a sua equipa. Vamos encontrar a pistola e fazer moldes dos rastos dos pneus – garantiu a Cortez. – Vou telefonar a Alice Jones para que venha com a carrinha e a equipa – disse Cortez. – Eu posso levar-vos ao hospital e ar pelo motel de Alice para lhe mostrar o caminho – disse Drake. – Bem pensado – disse Steele com um sorriso. – Força – olhou para Cortez com seriedade. – A assassina ainda anda à solta e já tentou matar a menina Keller uma vez. Será mais útil no hospital do que aqui. – Obrigado – disse Cortez. O xerife encolheu os ombros. – Estamos todos no mesmo barco. – Sim, é verdade – acrescentou Cortez com um sorriso. – Seria uma grande ajuda na Unidade de Investigação Criminal para os Territórios Índios. Valorizamos muito as forças de polícia local. – Considere-me a bordo – disse Steele, sorrindo. – É melhor irem. – Depois devolvo-lhe o saco-cama – disse Phoebe. – Muito obrigada! – De nada – respondeu suavemente. – Lamento que tenha ado por isto. Mas fico muito contente por estar bem. Ela sorriu e apertou a mão de Cortez com força. – Eu também.
Phoebe começou a reagir quando estava na sala das Urgências, à espera que o médico a examinasse. Não se sentia capaz de soltar a mão de Cortez. – Como demónios me encontraste? – perguntou. – Não sabia onde estava, nem
como sair do bosque. Ouvi um canto estranho ao longe e dirigi-me para lá. Mas, quando cheguei ao cruzamento, estava tão cansada e gelada que não consegui continuar. Como me encontraste? – O meu pai levou-me até ti – murmurou. Entrelaçou os dedos com os de Phoebe e ela observou o seu rosto cansado. Tinha o cabelo solto, como sempre que seguia um rasto. Ela estendeu a mão e acariciou uma das suas longas madeixas. – Sempre gostei do teu cabelo – disse suavemente. Ele agarrou-lhe na mão e levou-a aos lábios. Fechou os olhos ao sentir o seu cheiro. – Este foi o dia mais longo da minha vida – disse com voz rouca. – Para mim também – replicou. – Ainda bem que tentaste tirar-lhe a pistola, ou agora estarias morta – murmurou. – Não quero morrer – disse com simplicidade. Olhou para os seus olhos pretos. – Enquanto tu estiveres vivo. Ele inclinou a cabeça solenemente. – Até eu morrer, querida – murmurou. O seu olhar era tão terno que Phoebe teve vontade de chorar. Então o médico entrou. – O que aconteceu – perguntou educadamente. Olhou para as suas notas e acrescentou, – menina Keller? – Uma mulher raptou-me – disse com calma. – Primeiro bateu-me na cabeça com alguma coisa, não sei com o quê. Dói-me a cabeça e tive náuseas. Mas o pior foi o frio. Tive de andar pelo bosque para pedir ajuda e não levava mais do que uma blusa sem mangas, umas calças finas e uns sapatos rasos com meias. Estou gelada.
O médico olhava para ela com ironia. Cortez tirou a sua identificação e mostroulha. – Não está a inventar – disse. – Já temos uma ordem de detenção contra essa mulher. Já matou uma vez. O médico pareceu interessado. – O tipo da gruta, não é verdade? – Estou impressionado – disse Cortez com um sorriso. – O seu nome era-me familiar – disse a Phoebe. – Você é a antropóloga de quem toda a gente fala. A directora do museu índio da vila. – Sim – respondeu. O médico agarrou no estetoscópio que levava à volta do pescoço, pô-lo nos ouvidos e auscultou-lhe o peito. Fez-lhe um exame geral, procurando cuidadosamente sintomas de comoção cerebral. – Precisamos de fazer uma ressonância magnética, claro – disse, – mas tendo em conta que esteve inconsciente durante alguns minutos, acho que tem uma comoção cerebral. Sente enjoos, tonturas, náuseas? – Náuseas, ao princípio. Tonturas, não. Mas tenho uma dor de cabeça enorme – acrescentou com uma suave gargalhada. – Bom, penso que devia ar aqui a noite – disse o médico. – Tem de fazer mais exames... – Podem fazer-lhe uma análise de sangue? Pode estar grávida – acrescentou Cortez com ternura, enquanto olhava para o rosto perplexo de Phoebe, tão intenso como uma confissão de amor. – Não sabes isso! – exclamou. – Não. Quando o meu pai telefonou para nos dizer onde estavas, disse que estavas grávida.
– O seu pai é médico? – perguntou o médico com curiosidade. Cortez pigarreou. – É xamã. O médico arqueou o sobrolho e aproximou as pastas do peito. – Deixe-me adivinhar. Disse-lhe para guardar duas grandes moedas no bolso mesmo antes de dispararem sobre si – murmurou, olhando para Phoebe. Ela desatou a rir-se, espantada, e ele assentiu. Cortez arqueou as sobrancelhas. – O seu pai transformou-se numa espécie de lenda entre o pessoal médico do hospital. Tendo em conta as vezes que acerta, eu diria que a análise de sangue é uma boa ideia – olhou para Cortez. Cortez agarrou na mão de Phoebe e sorriu. – É meu – disse com orgulho. – E vamos casar-nos na semana que vem, quer ela queira, quer não. O médico desatou a rir-se e foi pedir que preparassem um quarto. Phoebe olhou, boquiaberta, para Cortez. O seu coração estava muito acelerado. – Queres casar-te comigo? – murmurou, pasmada. – Claro – respondeu com um sorriso. – Mas nunca disseste que... Falavas sempre de... Não pensei que... – balbuciou, incapaz de formular um único pensamento coerente. Ele beijou-a suavemente. – Amo-te com toda a minha alma – sussurrou. – Com todo o meu coração, com todo o meu espírito, com todo o meu corpo. Quero partilhar a minha vida contigo. Vou amar-te para sempre, Phoebe – acrescentou. – Até morrer e a tua memória irá comigo. Ela tentou conter as lágrimas e levou os longos dedos de Cortez à face. – Amo-te desde o dia em que nos conhecemos – respondeu num sussurro. –
Nunca deixei de te amar. Nem sequer quando pensava que me tinhas abandonado por outra mulher. – Agora já sabes porque o fiz – respondeu. – Porque tive de o fazer. Ela sorriu. – Também amo Joseph. – Teremos filhos nossos – disse. – Começando por este – acrescentou e acariciou suavemente a sua barriga. Ela sorriu. – Que alegria! Phoebe pousou a mão sobre a dele e sorriu, maravilhada. – Sim. Olharam-se nos olhos e sonharam com o futuro.
No entanto, a realidade caiu sobre eles quando Phoebe estava já acomodada num quarto privado. O telefone de Cortez tocou e ele atendeu. – Encontrámos a pistola e tirámos moldes das marcas dos pneus. Estamos a seguir a sua pista – disse o xerife Steele. – Todas as patrulhas do condado estão na estrada, à procura dela. Foi vista perto dos aos subúrbios da vila. Tem ideia de onde possa esconder-se? Cortez reflectiu. – Qual é o último lugar onde iria procurá-la? O xerife fez uma pausa. – Em casa da menina Keller. – Também me parece. Vou para lá. Encontramo-nos na entrada da casa de Phoebe.
– Ponha um homem a vigiar a porta do seu quarto, por precaução – sugeriu o xerife. – Concordo – respondeu Cortez. Desligou e aproximou-se da cama, onde Phoebe, embora medicada, continuava acordada e preocupada. – Não deixes que te matem – disse com firmeza. – Se estiver mesmo grávida, o nosso bebé vai precisar de um pai. Ele sorriu. – E de uma mãe – replicou. Inclinou-se e beijou-a com ternura. – Vou telefonar para a polícia local para que enviem um agente para tomar conta de ti enquanto estiver fora. – Está bem. – Vou ter cuidado – prometeu. – Não podemos permitir que fuja – acrescentou. – Não. Eu fico aqui. Adoro a comida de hospital. Cortez piscou-se um olho e saiu, contrariado.
O médico entrou alguns minutos depois. Tinha uma expressão divertida. – Tenho duas notícias para si – disse. Ela levantou uma mão com a palma para cima. – Está grávida. Ela sorriu e levou as mãos à barriga. – Ena, que surpresa! – ele devolveu-lhe o sorriso. – E a segunda notícia? – perguntou Phoebe. – Parece que tem uma visita. O médico afastou-se e entrou um homem alto, magro, com o cabelo grisalho e um fato cinzento com colete. Tinha os olhos pretos e as maçãs do rosto salientes.
Phoebe ficou petrificada. Olhou com pasmo para o recém-chegado. O médico sorriu e saiu do quarto para acabar a sua ronda. – Então tu és Phoebe – disse o desconhecido. Sorriu calorosamente. – Estou impressionado e não só pelos teus méritos. Tens coragem. Ela pestanejou. – Desculpe, não nos conhecemos, pois não? Ele ignorou a pergunta e aproximou-se dela. – Isso não é importante. Ainda bem que estás a salvo. Tinha medo de não chegar a tempo. Phoebe estava cada vez mais confusa. Talvez os calmantes estivessem a causarlhe alucinações. – Estava em Atlanta. O problema foi conseguir um voo até aqui, com este tempo – disse. – Ia oferecer-me como voluntário para te procurar. Não sei como vou explicar isto ao meu chefe – acrescentou. – O seu chefe? – Dou aulas de História na faculdade da nossa comunidade em Oklahoma. Os exames finais são dentro de quatro dias. Ela ficou boquiaberta. – É... – O pai de Jeremiah, sim – respondeu. Sorriu de orelha a orelha. – Vês? Nada de penas nem guizos, para além disso tirei cursos de Antropologia. Imagina como vou ser um avô útil.
Cortez foi buscar o seu carro, que continuava estacionado no motel. Tina saiu a correr do quarto com Joseph nos braços. – Está bem? Encontraste-a? – perguntou.
– Sim, está bem. Está no hospital. Vai ar a noite em observação. – Está ferida? – perguntou Tina, angustiada. – Não é nada de grave, mas vão fazer-lhe uns exames para se certificarem. Pensam que está grávida – sorriu com atrevimento. – Vais ser tia outra vez! Tina arregalou os olhos. – É... teu? Ele olhou para ela com irritação. – Claro que é meu! – Como pude enganar-me tanto com Drake e Phoebe? – suspirou. – Suponho que às vezes o amor faz-nos fazer loucuras – disse com suavidade. – Drake já sabe tudo. Está feliz por saber que o amas. Ela abriu muito os olhos. – Sim? A sério? – pigarreou. – E em relação a Phoebe, pedir-lhe-ei perdão de joelhos, juro. Para onde vais? – Apanhar a assassina. Fica lá dentro com a porta bem fechada. – Está bem. Ah, recebeste o telefonema? Ele ficou parado. – Qual telefonema? De quem? – Do teu pai – respondeu com um sorriso malicioso. – Vai a caminho do hospital!
Dezasseis
Cortez desatou a rir-se. – Pensava que não conseguíamos sozinhos? – perguntou. – Já conheces o tio Charles – disse alegremente. – Gosta de Phoebe. Disse-me que queria vê-la. Também disse que queria ir ao casamento. Esperava chegar a tempo. Cortez, que estava habituado ao assombroso dom do seu pai, limitou-se a abanar a cabeça. – Casamo-nos dentro de cinco dias, sabe Deus como sabia. – Eu posso ir? – perguntou Tina com timidez. – Claro que sim. Phoebe não é rancorosa. – Ainda bem. Cortez deu um beijo a Joseph e outro a Tina e entrou no carro. – Até logo. Fecha a porta! – Está bem! – Tina entrou, radiante de felicidade. Cortez saiu a toda a velocidade para a casa de Phoebe. Ao fundo do caminho de entrada encontrou o xerife Steele, Drake e um agente especial de uma delegação próxima do FBI, o agente especial Jack Norris. – O mesmo vizinho que a viu a sair daqui ontem acaba de nos confirmar que voltou há alguns minutos – disse o xerife a Cortez. – Estávamos a discutir tácticas. – Teremos de a pressionar – disse Cortez friamente. – Não vou deixar que fuja
outra vez. – Não pode – garantiu o xerife. – Esta é a única saída. A camada de neve é bastante grossa. Derrapou mesmo ao chegar a casa de Phoebe. – Esperar que saia vai demorar muito tempo – respondeu Cortez. – Ela não tem nada a perder. Pode voltar a matar, ou até suicidar-se. – Vamos tirar à sorte quem vai primeiro – disse Drake. Cortez aproximou-se calmamente do seu carro. – Não é preciso. Eu vou. Norris, cobre-me. Tu conduzes. Devagar. Eu salto quando chegarmos ao poço que há no jardim da frente. Tu continuas e dás a volta à casa, mas mantém a cabeça baixa – olhou para o xerife. – Conto convosco para que a parem se chegar até aqui – eles assentiram com a cabeça. – O caso é seu – disse o xerife Steele. – Boa sorte. Cortez levantou as mãos, agradecido. Norris, um jovem alto e moreno, novo no FBI, entrou no carro e Cortez ocupou o banco do acompanhante. Aproximaram-se devagar da casa. Cortez esperava um tiroteio, porém, ninguém disparou da casa. – Quando virares ao pé dos pinheiros, ao lado da casa, trava para eu poder sair. As árvores vão servir de cobertura – disse a Norris. – Está bem. O que faço depois? – Estaciona à frente do seu todo-o-terreno para que não possa sair – disse Cortez. – Assim só poderá sair de marcha-atrás, colocando-se entre as árvores. Por esse caminho, há um precipício de uns cinquenta metros. Vi-o uma vez quando Phoebe estava no trabalho. Ela nem sequer soube. – Bela queda – disse Norris. – Sim. Então, vamos lá. Pára! Norris parou, Cortez saiu com um salto e tirou o seu revólver. Queria apanhar
Claudia Bennett viva, contudo, ela já matara uma vez. Não pensava arriscar-se. Aproximou-se do alpendre da frente e olhou pelas janelas, enquanto Norris recuava pelo caminho coberto de neve, fazendo barulho. Aproveitando o ruído, tentou abrir uma porta e descobriu que não estava fechada à chave. Entrou, aliviado por não ter de fazer barulho. Só esperava que o soalho não rangesse. Parou, fechou os olhos e aguçou o ouvido. Norris parara o carro e desligara o motor. Não se ouvia nada, excepto o assobio do vento. Parara de nevar. Ouviu um leve arrastar de pés na cozinha. Agarrou a arma com força, atravessou a sala de estar e aproximou-se da porta da cozinha. Viu o fogão, o frigorífico e o chão de ladrilhos. Viu um sapato que mal se mexia. Entrou na divisão com a pistola e ficou espantado. Claudia Bennett estava estendida no chão. Ao seu lado, no chão, estava a pistola com que Phoebe aprendera a disparar. A mulher tinha uma mancha vermelha que se estendia na parte dianteira da saia. Olhou para Cortez com olhos frios. Ele ajoelhou-se ao seu lado e chamou Norris. O outro agente abriu a porta de trás, que também não estava fechada à chave, e entrou na cozinha. Também tirara a sua arma, porém, guardou-a assim que viu a mulher no chão. – Disparaste sobre ela? – perguntou a Cortez. Ela engoliu em seco. – Não dói muito, não é estranho? – engoliu em seco outra vez. – Fred ia guardar as peças um ano... antes de as vender. O parvo foi direito ao museu da vila... e vendeu uma a essa tal... Keller – tentou respirar e fez uma careta. A mancha era cada vez maior. Cortez agarrou num pano de cozinha da bancada. Dobrou-o rapidamente e pressionou a ferida com força. Ela gemeu. – Chama uma ambulância – disse Cortez a Norris. – Não é preciso – disse ela a Cortez. – Estou aqui estendida... há uns minutos. Apontei ao... coração, mas as mãos tremeram-me e disparei no estômago –
desatou a rir-se e depois engasgou-se, tossiu e fez outra careta. – O meu marido... telefonou ao arqueólogo, seu primo. Assustei-me. Falei com Fred. Telefonámos ao homem e dissemos que éramos da polícia, que sabíamos das peças roubadas. Disse-nos que fôssemos buscá-lo, que ele nos mostraria onde estavam. Fomos ao seu motel. Estava a falar ao telefone. Não sabíamos a quem telefonara. Assim que desligou, Fred matou-o. Ninguém ouviu nada. Metemo-lo no carro e deixámo-lo num caminho... Fora da vila. Não sabíamos que era... território cherokee – acrescentou com tristeza. – Não queríamos... que o FBI interviesse. Cortez ouvia-a atentamente e rezava para que a ambulância chegasse a tempo, enquanto ela lutava por pronunciar cada palavra. Ela engoliu em seco com dificuldade antes de continuar. – Fred dizia que não pensava voltar para a prisão, custasse o que custasse. Tive medo. Compreendi que ia entregar-me e tenho... antecedentes. Portanto fiz-me ar por professora para falar com a menina Keller. Foi um golpe de sorte. Encontrei o nome de uma professora num artigo do jornal da vila sobre uma mulher que ganhara um prémio. De qualquer forma, esperava que Phoebe se lembrasse de Fred e telefonasse para a polícia para o prenderem. Mas as coisas aconteceram ao contrário – susteve a respiração. A sua voz era cada vez mais fraca. – Fred disse que ia levar o saque e culpar-me do assassinato. Eu não podia permitir isso. Portanto enganei o Longo para que fosse à gruta e apanhasse Fred com as mãos na massa e o entregasse às autoridades. Mas Fred era mais forte. Deixou o Longo inconsciente. Ia matá-lo e eu levava uma pistola no bolso, uma 45. Disse a Fred para ver nos bolsos do meu marido para se certificar de que não levava nenhum microfone. Eu sabia que não tinha nada. Só queria que Fred se... baixasse. Ele baixou-se e eu matei-o. – Podia ter alegado autodefesa – disse Cortez, enquanto Norris lhe indicava que a ambulância e a polícia estavam a caminho. – Como levou o seu marido para a caravana? – Depois de matar Fred, era uma questão de tempo até me descobrirem. Estava tão assustada que poderia ter feito qualquer coisa. Arrastei o Longo até à carrinha, levei-o para a caravana e acendi as luzes. Pensei que ganharia algum tempo. Talvez pensassem que o Longo tinha matado Fred e tinha conseguido chegar, de algum modo, à caravana. Mas a menina Keller era
perigosa. Tinha de a matar para que não me identificasse como a mulher do museu. Ela podia relacionar-me com Fred. Cortez enrijeceu, cheio de raiva. – Mas a menina Keller tirou-me a pistola da mão e perdi-a. Não consegui encontrá-la e ela começou a correr entre as árvores. Não podia ir atrás dela. Fuime embora, mas antes que tivesse tempo de fazer as malas, ouvi pelo rádio que tinham encontrado a menina Keller. Compreendi que era o fim. Vim para aqui porque pensei que estaria a salvo enquanto decidia o que fazer. Ela tinha uma pistola. Encontrei-a na mesa-de-cabeceira. Apesar da dor que Claudia causara, Cortez não conseguia evitar sentir uma pontada de pena por aquele acto de desespero. Apertou-lhe a mão, incentivandoa a continuar. Ela riu-se. – De repente, pareceu-me que não valia a pena fugir e esconder-me. E não podia ir para a prisão. o Longo disse-me que era horrível... – fez uma careta. – Lamento – murmurou, olhando para Cortez. – Diga ao meu irmão... e ao meu marido... que os amo e que lamento. – Está bem – respondeu Cortez com calma. – Só mais uma coisa... como conseguiram roubar o museu de Nova Iorque? – Fred fez-se ar por segurança para entrar no museu de noite. Eu ajudei-o a roubar as peças – acrescentou com tristeza e fechou os olhos. – Foi por diversão. o Longo era tão aborrecido, tão normal... Eu queria aventura, dinheiro... poder – suspirou devagar e abriu os olhos uma última vez. – Estava... tão perto... de conseguir. Diga ao meu marido... que devia ter-me entregado... há anos. Deixei que arcasse com as culpas quando roubei umas jóias de um museu. Condenaram-no e nunca fez nada de mal... excepto amar-me. Que... parvo... que doce... parvo... – fechou os olhos. Suspirou e ficou imóvel. Cortez procurou o seu pulso. Tinha a certeza de que morrera de uma hemorragia interna. Contudo, de qualquer modo, tentou reanimá-la. Ainda estava a tentar quando a ambulância chegou e os paramédicos cuidaram dela.
Cortez fechou a casa à chave para preservar o lugar do crime e Norris e ele seguiram a ambulância até ao hospital. Porém, Claudia Bennett morreu ao chegar. Cortez ou pelo quarto de o Longo para lhe contar o que acontecera. O seu cunhado, Bennett, chegou poucos minutos depois e Cortez repetiu o relato. – Norris e eu ouvimos a sua confissão – disse Cortez com uma expressão sombria. – Uma confissão no leito de morte vale tanto como uma confissão escrita perante um notário. Pode contratar um advogado e pedir ao governador para lhe limpar o cadastro. Nós vamos ajudá-lo – olhou para Bennett. – Você também poderia apagar a situação dos resíduos tóxicos do seu cadastro. Se vos servir de alguma coisa, lamento muito. Tive um irmão que tinha problemas com a lei – acrescentou. – Às vezes nem todo o amor do mundo pode salvar a outra pessoa da prisão. – Suponho que não – disse Bennett. Apertou a mão a Cortez. – Obrigado por não a deixar morrer sem tentar salvá-la. Suicidou-se? Ele assentiu. – Com a pistola de Phoebe, a que o ajudante do xerife lhe deu para que se defendesse. – Não se pode lutar contra o destino – disse o Longo solenemente. – Eu amava-a mas ela não sabia o que era o amor. – Pediu-me que vos dissesse que vos amava e que lamentava – acrescentou Cortez. Inclinou-se para a frente e olhou para o rosto entristecido de o Longo. – Ela impediu que o assassino lhe desse um tiro. Não tinha de o fazer, pois já era cúmplice de assassinato. Mais um não teria feito diferença. Mas matou Norton para o salvar. o Longo conseguiu esboçar um sorriso. – Obrigado. Cortez encolheu os ombros. – O tempo cura tudo – aconselhou.
Bennett limitou-se a assentir. – É melhor telefonar para a funerária... – hesitou. – Primeiro tem de se fazer a autópsia – respondeu Cortez. – Nenhum forense vai aceitar a minha palavra sobre a causa de morte. Mas mesmo assim podem mandar levá-la para a funerária da vila. O laboratório forense do Estado tratará dela a partir daí. Bennett fez uma careta. – Nunca deixarei de me perguntar se poderia tê-la salvado, se tivesse deixado que fosse para a prisão na primeira vez em que cometeu um delito. Preocupavame tanto com o bom nome da minha família... E, agora, isto. – Não se pode mudar o ado. É preciso seguir em frente. Ficaremos em o – acrescentou Cortez. – Tenho de ir ver Phoebe. – Encontrou-a? – perguntou Bennett bruscamente. – Está viva? – Vai ficar bem – Cortez sorriu. – Portanto, pelo menos isso correu bem. – Graças a Deus – disse Bennett. – É menos uma morte na minha consciência. – Ainda bem que vai ficar bem – disse o Longo. – Cuidem-se. – Vocês também – disse Cortez ao sair.
O seu pai estava sentado numa cadeira, junto à cama de Phoebe, com um sorriso radiante. Levantou o olhar quando o seu filho entrou no quarto. Cumprimentaram-se em comanche e abraçaram-se calorosamente. – Concordo com a tua escolha – disse Falcão Vermelho ao seu filho. Olhou para Phoebe com atrevimento. – Mas pergunto-me o que lhe contaste sobre mim. Ficou pasmada quando me viu. – Bom, esperava-te de tanga, com penas e num cavalo – brincou Cortez e viu que Phoebe ficava muito vermelha.
– Não é verdade! – exclamou. Eles desataram a rir-se. – Então, tenho tempo de ser o padrinho? – perguntou o seu pai. – Não posso ficar muito tempo. Na semana que vem tenho exames finais. – Nessa altura já estaremos em lua-de-mel – garantiu Cortez. Inclinou-se e beijou Phoebe com ternura, olhando para ela nos olhos com amor. – Onde vão viver? – perguntou Falcão Vermelho. – Oh... – murmurou Phoebe, que se afeiçoara à vila. Cortez franziu os lábios. – Bom, eu posso viver onde quiser – disse. – Desde que haja um aeroporto por perto. E eu gosto de Chenocetah. Os cherokees não são assim tão maus. O olhar de Phoebe iluminou-se. – A sério? – Seria um bom lugar para criar os nossos filhos – respondeu. – Além disso, Joseph poderá aprender a falar o dialecto local. – Eu posso vir visitar-vos no Verão – acrescentou o seu pai com um sorriso. – Sou uma boa cozinheira – disse Phoebe. – Vou alimentá-lo bem. – Então, está decidido. Que nome vão pôr ao meu neto? – eles olharam para ele, pasmados. – Desculpem – disse com um sorriso. – Suponho que não queriam saber o sexo antes do parto, eh? Phoebe pigarreou. – Salvou-me a vida. Duas vezes. Acho que isso lhe dá direito a dizer o que quiser. E obrigada! Ele desatou a rir-se.
– É só um dom. Eu gosto de pensar que o uso sabiamente. Não tens de quê. – O que aconteceu a Claudia? – perguntou a Cortez de repente. – Matou-se – respondeu. – Falamos disso depois – acrescentou. Não queria dizer-lhe onde Claudia Bennett morrera. Ainda tinham de examinar o lugar do crime. – Entre nós não deve haver segredos – disse. – E não vai haver – garantiu Cortez com um sorriso. – Só este e só por hoje. – Tina telefonou – disse o seu pai. – Quer vir pedir perdão a Phoebe. Parece-vos bem? – Claro – disse Phoebe imediatamente. – Eu não sou rancorosa. – Ainda bem – murmurou Cortez. – Tina não parou de chorar. – Os ciúmes são a pior coisa do mundo – murmurou Phoebe, olhando para ele tranquilamente. Ela sabia muito bem como eram, pensou. Odiara a mulher de Cortez. Os olhos de Cortez escureceram. – Sim – disse, porque ele também tivera problemas com Drake. – Podem vir os dois ao casamento – disse com doçura. Cortez limitou-se a sorrir.
Casaram-se na semana seguinte. Alice Jones voltara para Washington com os outros membros da unidade. Cortez falara com o seu antigo chefe e fizera os preparativos para se instalar em Chenocetah e estar localizável sempre que fosse preciso. A sua nova missão consistia em ensinar ao xerife Steele, Drake e ao agente Parker os procedimentos de investigação em reservas índias para que pudessem fazer parte de forma oficial da Unidade de Investigação Criminal para os Territórios Índios.
Tina e Drake reconciliaram-se tão publicamente no hospital, que durante uma semana foram a bisbilhotice da vila. Tina pediu desculpa a Phoebe e chorou até que Phoebe lhe garantiu que não guardava rancor. Phoebe afeiçoava-se mais a Joseph a cada dia que ava e também ao seu futuro sogro. A especialidade do senhor Pássaro Vermelho era a história colonial norte-americana, especialmente a Guerra Franco-Indígena da década de 1750. Na Carolina do Norte havia muitos lugares relacionados com aquele período. Como Pássaro Vermelho disse a Phoebe, teria muitos lugares para explorar quando fosse visitá-los. Bennett, Yardley e Cortland prosseguiram com os seus respectivos projectos. o Longo pediu perdão e Bennett foi ilibado das suas acusações. Phoebe levou Jock, o seu cão, para casa, e Cortez e Joseph foram viver com ela. O Natal foi maravilhoso. O pessoal do museu e as suas respectivas famílias foram vê-los, assim como Tina e Drake, e o xerife Steele, que era solteiro. Também foram vários agentes de polícia. Phoebe pôs uma árvore enorme na sala de estar. Os índios limitavam-se a sorrir perante o seu entusiasmo, e ajudaram-na a embrulhar os presentes. Na Véspera de Natal, Cortez ofereceu-lhe uma aliança de casamento com um diamante rodeado de rubis. Ela acariciou as pedras, maravilhada. – É lindo – murmurou. – É da cor do céu antes de amanhecer – disse e sorriu ao inclinar-se para a beijar. – É para te recordar que mesmo as noites mais terríveis acabam com o amanhecer. – A esperança nunca morre – disse. Levantou o olhar para ele com adoração. – Tudo valeu a pena, sabes? – O quê? – Os anos de dor e de tristeza – respondeu. – É verdade que há um arco-íris no final da tempestade. Eu estou a viver nele. Cortez beijou-a meigamente.
– Eu também – apertou-a entre os seus braços e fechou os olhos. – Feliz Natal. Phoebe aninhou-se contra ele. – Este é o Natal mais feliz que já vivi. Talvez vivamos muitíssimos mais. Joseph entrou na sala de estar e sorriu ao ver a árvore e os dois adultos. – O Pai Natal está aí? – perguntou, olhando com preocupação para a lareira. – Queimou-se? – acrescentou como se estivesse quase a chorar. – Não vou ter brinquedos! – choramingou. Cortez levantou-se, aproximou-se do menino e pegou-lhe ao colo, enquanto Phoebe se ria. – Escuta, jovenzinho – disse ao menino, – o fato vermelho do Pai Natal é à prova de fogo. Dou-te a minha palavra. Joseph pestanejou e depois sorriu. – Está bem, papá! – Anda, volta para a cama, se queres que te traga presentes. Só vai descer quando estiveres a dormir. – Vou já! – gritou Joseph. Olhou para o canto onde Jock estava a dormir. – Jock não vai morder-lhe? – acrescentou, preocupado. – Jock adora o Pai Natal – garantiu Cortez. – E não caça renas? – insistiu o menino. – Jock adora renas – disse Phoebe. – Está bem – Joseph beijou Cortez e depois Phoebe e afastou-se, a cambalear pelo corredor, para o seu quarto. – Então é à prova de fogo, eh? – perguntou Phoebe, lançando um olhar sagaz a Cortez. – Anda cá! Vamos ver se é verdade. Ele deitou-se entre os seus braços no sofá e beijou-a com ânsia, deixando
escapar um gemido. Pelos vistos, afinal de contas, ele não era feito à prova de fogo.
Se gostou deste livro, também gostará desta apaixonante história que cativa desde a primeira até à última página.
www.harlequinportugal.com