SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro. Editora Fundo de Cultura, 1961.
Parte IV Socialismo e Democracia Segundo Schumpeter até o início do século XX, mais precisamente até 1916, as relações entre socialismo e democracia não eram de maneira alguma altamente antagônicas quanto foram nos anos subsequentes. Os próprios socialistas afirmavam ser eles os próprios democratas, ou os verdadeiros defensores dos ideais democráticos. É lógico que os próprios socialistas procurassem elevar os valores de sua doutrina acrescentando-lhes os valores da democracia, porém, segundo estes expoentes do socialismo, a democracia existente seria uma mera falsificação burguesa da verdadeira democracia, em virtude de o poder econômico da classe capitalista refletir no poder político desta classe, portanto não haveria democracia enquanto existisse este poder. Porém, segundo Schumpeter, à medida que se estuda a história dos partidos socialistas, pode-se começar a duvidar “sobre a validez da afirmação de que, uniformemente, todos eles defenderam o credo democrático” (SCHUMPETER, 1961, p. 290). Não pensem os eleitores que estamos acusando os socialistas de insinceros e que desejamos expô-los ao desprezo como maus democratas, oportunistas e conspiradores imorais. Acreditamos realmente, a despeito do maquiavelismo infantil adotado por alguns dos seus profetas, que, fundamentalmente, a maioria deles foi tão sincera nas suas profissões de fé como quaisquer outros. No que interessa à democracia, os partidos socialistas não são presumivelmente mais oportunistas do que os outros. Eles simplesmente adotam a democracia se e quando ela serve aos seus ideais e interesses, e em nenhuma outra hipótese. (SHUMPETER, 1961, p.293)
Outra alegação marcante do autor é que a democracia, como método político, é um arranjo institucional para se chegar em uma decisão política, e longe de ser um ideal absoluto, à lealdade incondicional de algumas pessoas a este sistema é devido a certas garantias de interesses e ideais, que, de certa forma, podem ser colocados acima da democracia, como liberdade de religião, expressão, direito à justiça, entre outros. Para a análise das relações existentes entre democracia e socialismo é necessário traçar alguns conceitos. O conceito de democracia é costumeiramente identificado como governo do povo (demos=povo, kratein=governo), porém, como lembra Schumpeter, esta definição não é suficientemente exata. A simples conceituação de povo pode ser entendida de forma diferente em diferentes sociedades, e se constituir de forma a excluir determinadas camadas da
sociedade dos mecanismos de decisão política. “E sem levar em conta a discriminação legal, diferentes grupos se consideram o povo em épocas diferentes” (SCHUMPETER, 1961, p.297). Podemos afirmar que na sociedade democrática tal discriminação não existe, porém, alguns casos históricos ilustram esta discriminação e mesmo assim não podemos afirmar que tais sociedades não foram democráticas. Da mesma forma nas sociedades democráticas atuais, alguns grupos são discriminados, ou tem seus direitos políticos limitados. Isso evidencia a necessidade de se compreender melhor a relação entre liberdade e democracia. O segundo componente do conceito de democracia o governo também implica em algumas considerações. Primeiramente é necessário nos perguntar de que maneira é tecnicamente possível ao povo governar? Em sociedades pequenas e primitivas é viável que todos os cidadãos se reúnam para decidir sobre as ações istrativas e/ou legislativas, porém em grandes sociedades isso não é possível. Esta condição que impossibilita que uma sociedade seja governada pelo próprio povo no seu sentido absoluto, pode ser resolvida se imaginarmos que o governo “do povo” seria substituído pelo governo “aprovado pelo povo”. [...] Numerosas afirmações que fazemos usualmente a propósito da democracia se aplicariam a todos os governos que contam com a lealdade da grande maioria de todas as classes do povo. Isso se aplica particularmente às virtudes usualmente vinculadas ao método democrático: a dignidade humana, a satisfação de ver que, de maneira geral, os assuntos políticos se desenrolam de acordo com as expectativas da pessoa, a coordenação da política com a opinião pública, a confiança e a cooperação do cidadão com o governo, a dependência deste último do respeito e do apoio do homem das ruas – tudo isso e muito mais, que tantos de nós consideram a própria essência da democracia, é satisfatoriamente abrangido pela ideia do governo aprovado pelo povo. E uma vez que é evidente que, com exceção do caso da democracia direta, o povo, como povo, não pode jamais governar ou dirigir realmente, a justificativa desta definição parece completa. (SCHUMPETER, 1961, p.300).
Porém, como o próprio autor nos lembra, não podemos aceitar tal definição como suficiente, em virtude de podermos verificar que muitos governos ditatoriais contaram muitas vezes com apoio indiscutível da maioria das classes sociais, da mesma forma que o método democrático o faz. Entretanto, nenhuma das formas de democracia podem ser estritamente vistas como governo do povo. “As teorias legais de democracia que evoluíram nos séculos XVII e XVIII foram destinadas precisamente a fornecer as definições que vinculassem certas formas reais ou ideais de governo à ideologia do governo do povo.” (SCHUMPETER, 1961, p.301) Schumpeter traduz estas teorias, ou definições de democracia, como uma filosofia social, levantada pelas especulações gregas do assunto e que resultam em formas de governo que
podem ser definidas como racionalistas, hedonistas e individualistas, e as quais tem profunda ligação com o capitalismo primitivo. [...] em virtude da importância que atribui ao indivíduo racional e hedonista e ao seu livre arbítrio, a filosofia em causa parece estar em condições de ensinar os únicos métodos políticos corretos de dirigir o Estado e concretizar os seus objetivos – a maior felicidade para o maior número, e assim por diante. Finalmente forneceu a base racional para a crença na vontade do povo [...]
Capítulo 21 A doutrina clássica da democracia A filosofia da democracia do século XVIII pode ser expressa da seguinte maneira: o método democrático é o arranjo institucional para se chegar a certas decisões políticas que realizam o bem comum, cabendo ao próprio povo decidir, através da eleição de indivíduos que se reúnem para cumprirlhe a vontade. (SCHUMPETER, 1961, p.306)
Esta definição sustenta que existe um bem comum em uma determinada sociedade, esta afirmação é logicamente aceitável, mas como o autor nos lembra, algumas pessoas podem não desejar o bem comum, assim como o bem comum pode ser algo diverso para diferentes grupos ou indivíduos. Da mesma forma, a vontade do povo (volontê générale) pode sofrer as mesmas considerações, pois para tal fenômeno existir deve-se supor que exista a compreensão por todos do que seria este bem comum e vontade do povo. [...] em consequência das duas proposições anteriores, desvanece-se no ar o conceito da vontade do povo ou da volontê générale, adotado pelos utilitaristas, pois esse conceito pressupõe um bem inequivocadamente determinado e compreendido por todos. Ao contrário dos românticos, os utilitaristas não conheciam aquela entidade semimística, possuidora de uma vontade própria (a alma do povo), tão fartamente explorada pela escola histórica de jurisprudência. Eles inegavelmente inspiram-se, para a vontade do povo, na vontade individual. E a menos que haja um centro, o bem comum, para o qual se dirijam, a longo prazo pelo menos, todas as vontades individuais, de maneira alguma encontraremos esse tipo especial de volontê générale. O centro de gravidade utilitarista, por um lado, unifica as vontades individuais e procura fundi-las por meio da discussão racional e transformálas na vontade do povo e, por outro, confere à última a exclusiva dignidade ética reclamada pelo credo democrático clássico. (SCHUMPETER, 1961, p. 307-308).
A principal argumentação de Schumpeter de que a vontade do povo não pode existir é que os cidadãos além de serem movidos por vontades individuais, estes não possuem capacidade de absorver e interpretar criticamente os dados da realidade política para tomarem decisões racionais com a rapidez necessária que o processo democrático exige. As vontades individuais são costumeiramente bastante divididas e diversificadas que em alguns casos as resultante das políticas produzidas não são aquilo que se pode ser caracterizar como vontade do povo.
Entretanto é possível que, e é exatamente o que se deseja, que as decisões com bases nos interesses individuais dos indivíduos representariam um meio termo justo. Outro fenômeno que adentra a discussão da democracia é a natureza humana na política. Este campo vinculado à psicologia social pode nos esclarecer “a respeito da determinação e independência da vontade do eleitor, seus poderes de observação e interpretação dos fatos, e capacidade de tirar, clara e prontamente, inferências racionais de ambos.” (SCHUMPETER, 1961, p.312). Pois é sabido que o eleitor comum não possui habilidade significativa para compreender a realidade social e política e tomar decisões críticas. Esta visão começou a ser difundida na psicologia social com a concepção de que os indivíduos racionais não possuem uma personalidade homogênea, esta personalidade é, em certo sentido, fragmentada e muitas vezes dirigida por aspectos irracionais característicos de comportamento de multidão. [...] Todos os parlamentos, todos os comitês, todos os conselhos de guerra formados de generais sexagenários revelam, por menor que seja o grau, alguns dos aspectos que surgem tão claramente no caso da ralé, e, em particular, menor senso de responsabilidade, grau mais baixo de energia mental e maior sensibilidade a influências não-lógicas. [...] (SCHUMPETER, 1961, p.315).
Entretanto esta incapacidade do ser humano para decisões complexas em certo sentido não implica que este é um ser que não possui condições de julgar e decidir por si só. O próprio comportamento dos indivíduos no mercado, não é explicado por muitos dos manuais dos economistas, pois não obedecem à lógica apregoada por estes. Em um processo de escolha de mercadorias, por exemplo, os indivíduos sofrem diversas influências negativas e positivas tanto das indústrias por meio da propaganda quanto de amigos e familiares. Este conjunto de fenômenos “desenvolve uma espécie de responsabilidade, induzida por uma relação direta entre os efeitos favoráveis e desfavoráveis de um determinando curso de ação” (SCHUMPETER, 1961, p. 315) [...] há muitos assuntos nacionais que interessam aos indivíduos e grupos tão direta e ineludivelmente que provocam vontades genuínas e bastante definidas. O exemplo mais importante é o fornecido pelos casos que envolvem lucros pecuniários imediatos e pessoais para o eleitor e grupos de eleitores, tais como pagamentos diretos alfandegários, tarifas protetoras, a política de proteção da prata, etc. Experiência que remonta à antiguidade indica que, de maneira geral, os eleitores reagem imediata e racionalmente nesses casos. Mas a doutrina clássica de democracia evidentemente tem muito pouco a ganhar com exemplos de racionalidade desse tipo. Os eleitores, com isso, demonstram serem juízes maus e corruptos dessas questões, e amiúde maus juízes dos seus próprios interesses a longo prazo, pois tomam em consideração politicamente apenas a promessa de curto prazo, e a racionalidade a curto prazo é a única que realmente prevalece. [...] (SCHUMPETER, 1961, p. 317)
Esse reduzido senso de realidade explica não apenas a existência de um reduzido senso de responsabilidade, mas também a ausência de uma vontade eficaz. O indivíduo fala, deseja, sonha, resmunga. E, principalmente, sente simpatias e antipatias. Mas, ordinariamente, esses sentimentos não chegam a ser aquilo que chamamos de vontade, o correspondente psíquico da ação responsável e intencional. De fato, o cidadão privado que medita sobre a situação nacional não encontra campo de ação para sua vontade nem tarefa em que ele possa se desenvolver. Ele é membro de um comitê incapaz de funcionar – o comitê formado por toda uma nação – e é por isso mesmo que emprega menos esforço disciplinado para dominar um problema político do que gasta numa partida de bridge. (SCHUMPETER, 1961, p. 318)
Entretanto esta condição de reduzida senso de responsabilidade e ausência de vontade para a ação não é exclusividade do cidadão comum e sem educação. Esta constatação ainda se torna mais chocante entre o meio de pessoas educadas e que são fortemente atuante em esferas não políticas. Já o cidadão típico assume um rendimento mental inferior ao seu rendimento normal dentro da sua esfera de interesses reais, logo ao entrar no campo da política, este cidadão torna-se primitivo novamente e age com base no pensamento associativo e afetivo. [...] mesmo que não houvesse grupos políticos tentando influencia-lo, o cidadão típico tenderia na esfera política a ceder a preconceitos ou impulsos irracionais ou extrarracionais. A fraqueza do processo racional que ele aplica à política e a ausência real de controle lógico sobre os resultados seriam bastantes para explicar esse fato. Ademais, simplesmente porque não está interessado, ele relaxará também seus padrões morais habituais e, ocasionalmente, cederá à influência de impulsos obscuros, que as condições de sua vida privada ajudam a reprimir. Mas, no que tange à sabedoria e racionalidade de suas inferências e conclusões, seria igualmente mal se ele explodisse em manifestações de generosa indignação. Nesta última hipótese, tornar-se-á ainda mais difícil para ele ver as coisas nas suas proporções corretas ou mesmo ver mais de um único aspecto da realidade em questão de cada vez. Daí se deduz que, se emergir de sua incerteza habitual e revelar a vontade definida postulada pela doutrina clássica da democracia, ele se tornará ainda, mais obtuso e irresponsável do que habitualmente. Em certas circunstâncias, isto poderá ser fatal para a nação. (SCHUMPETER, 1961, p. 319-320).
Contudo, o próprio autor nos lembra que não se pode negar a importância que movimentos ou explosões de manifestação de indignação tiveram em alguns casos, entretanto muitos casos são devido a influência de um grupo específico e não um movimento autêntico de indignação da população. “*...+ quanto mais débil o elemento lógico nos processos de mentalidade coletiva e mais completa a ausência de crítica racional e de influência racionalizadora da experiência e responsabilidade pessoal, maiores serão as oportunidades de um grupo que queira explorá-las.” (SCHUMPETER, 1961, p. 320). A pergunta que se faz presente no texto nesta próxima parte é como a doutrina clássica da democracia conseguiu sobreviver tendo em vista as diversas falhas que podem ser levantadas,
e estão de certa forma expostas nestas páginas. Segundo Schumpeter, o racionalismo utilitário, como base da doutrina clássica está morto e ninguém mais o aceita como uma teoria plausível do corpo político. “*...+ embora a doutrina clássica da ação coletiva possa não estar justificada pelos resultados da análise empírica, está fortemente apoiada pela associação com a fé religiosa. [...] (SCHUMPETER, 1961, p. 322). Para Schumpeter o credo utilitário constituiu-se como um substituto para o intelectual que havia renunciado a fé religiosa, e ao mesmo tempo como o complemento político para aqueles que mantiveram suas crenças. Desta forma as categorias da religião são transportadas para o campo político e o credo democrático modifica-se radicalmente. O bem comum e os valores supremos estão postos para a democracia assim como as verdades religiosas advindas de deus, portanto, a voz do povo torna-se a voz de deus, ou em outro exemplo, a igualdade apregoada fortemente pela doutrina cristã empresta seu credo à democracia. Contudo não se pode negar que também ocorre de a doutrina clássica se ajustar realmente, em alguns casos, a realidade de um sistema político e social. Estes casos ocorrem mais comumente em sociedade primitivas, que servirão de protótipo para os autores expoentes desta doutrina e também, em sociedade onde não se exige decisões importantes ou que tenham problemas graves. Dentre os países que podem servir de exemplos, a Suíça representaria o melhor deles. As oposições raramente vencem quando os grupos dirigentes se encontram no auge do poder e sucesso. Na primeira metade do século XIX, as oposições que professavam o credo clássico da democracia cresceram de importância e finalmente prevaleceram contra governos, alguns dos quais, especialmente na Itália, encontravam-se realmente em estado de decadência e haviam-se tornado exemplos proverbiais de incompetência, brutalidade e corrupção. Naturalmente, embora não logicamente, tudo isso redundou em crédito para a crença, a qual, além de tudo, destacava-se com vantagem quando comparada às superstições obscurantistas defendidas por esses governos. Nessas circunstâncias, a revolução democrática significava o advento da liberdade e da decência. O credo democrático constituía um evangelho de razão e melhoramento. (SCHUMPETER, 1961, p. 326).
Capítulo 22 Mais uma teoria da democracia Dado a exposição do autor sobre as principais características da doutrina clássica da democracia, fica registrado que a principal dificuldade em aceitar tal teoria é que esta pressupõe que os cidadãos tenham uma opinião definida e racional a respeito de todas as questões que envolvem a vida pública e manifesta suas opiniões da melhor forma possível no sistema democrático à medida que escolhe os representantes para os cargos públicos.
Entretanto, “a seleção dos representantes é secundária ao principal objetivo do sistema democrático, que consiste em atribuir ao eleitorado o poder de decidir sobre assuntos políticos.” (SCHUMPETER, 1961, p. 327). Nossa definição a então a ter o seguinte fraseado: o método democrático é um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor. (SCHUMPETER, 1961, p.328)
Com esta definição Schumpeter pretende explicar melhor a teoria do processo democrático a qual é pouco produtiva na sua visão clássica. A teoria clássica encontra dificuldade para distinguir governos democráticos de outros tipos de governo, pois enfatiza a relação de democracia com a vontade do povo e o bem do povo, entretanto, historicamente muitos governos que não podem ser considerados democráticos de acordo com qualquer classificação tradicional, conseguiram servir ou promover o bem coletivo também, ou até melhor, que um governo democrático. Outra lacuna encontrada na teoria clássica é que esta não previu o papel da liderança para a manutenção da democracia. [...] A teoria clássica não previa esse fato. Como vimos acima, atribuía ao eleitorado um grau totalmente irrealista de iniciativa, que praticamente equivalia a ignorar a liderança, que é o mecanismo dominante em praticamente todas as ações coletivas que sejam mais do que simples reflexos. As afirmações sobre o funcionamento e os resultados do método democrático que levam esse fato em conta serão infinitamente mais realistas do que as proposições que o ignoram. Não se satisfarão com a execução da volontê générale, mas irão mais adiante para explicar como ela surge e como é substituída ou falsificada. O fenômeno que chamamos de vontade manufaturada não escapa à teoria, uma aberração por cujo desaparecimento oramos piedosamente. a a fazer parte, como deve, da base da nossa construção. (SCHUMPETER, 1961, p.329)
Da mesma forma que o autor contempla o papel deste tipo de liderança na execução de ações coletivas, a teoria que desenvolve não exclui as vontades autênticas que vez ou outra surgem em grupos sociais, (como a busca de maiores salários), as quais podem permanecer latentes e apenas surgirem por algum líder que as transforma em fatores políticos. [...] Isso ele consegue, ou melhor, seus auxiliares conseguem ao organizar essas vontades, ao estimulá-las e ao incluir finalmente incentivos apropriados no seu programa de ação. A interação entre interesses regionais e opinião pública e a maneira em que eles produzem o conjunto de circunstâncias que chamamos situação política aparecem, deste ponto de vista, sob uma luz nova e muito mais clara. (SCHUMPETER, 1961, p. 329).
Ainda neste campo de análise, Schumpeter pretende esclarecer ainda outros pontos da teoria democrática, sendo entre eles: a relação da concorrência existente pelo apoio do povo, e a relação entre democracia e liberdade individual.
A democracia pressupõe certa liberdade, se não é absoluta, como em nenhum governo ou sociedade pode ser, não pode ser reduzida a zero, de qualquer forma a questão que entra na argumentação é o grau de liberdade necessário à democracia, pois a democracia não implica necessariamente em maior liberdade individual, mas algum grau de liberdade é necessário, pois se todos forem livres para concorrer aos cargos públicos esta situação concederá maiores condições de liberdade de expressão para todos. Ainda a explanação de Schumpeter pretende esclarecer a relação entre a função primária de um eleitorado de formar um governo direta ou indiretamente e o poder de dissolvê-lo e controlá-lo por meio de revoluções ou manifestações que derrubam um ministro ou governo. Outro assunto que se soma ao conteúdo é a relação entre vontade do povo e vontade da maioria, tendo em vista que a vontade da maioria não é por si só representativa da vontade do povo. Algumas tentativas de soluções foram feitas para se reverter este fenômeno por meio de instituições de representação proporcional, todavia esses governos carecem de eficiência e constituem perigos em tempos de crise. [...] O princípio da democracia, então, significa apenas que as rédeas do governo devem ser entregues àqueles que contam com maior apoio do que os outros indivíduos ou grupos concorrentes. Esta definição, por seu turno, parece assegurar a situação do sistema majoritário dentro da lógica do método democrático, embora possamos ainda condená-las por motivos alheios à sua lógica. (SCHUMPETER, 1961, p.333)
A lógica da argumentação de Joseph Schumpeter analisa, sobretudo, o caso da democracia inglesa e o papel do primeiro-ministro para aplicação dos princípios levantados na sua teoria da democracia. No caso inglês, os eleitores votam diretamente nos parlamentares os quais depois de eleitos tem a função de formar um governo e escolher um primeiro-ministro para governar o país, desta forma a eleição se dá de forma indireta. Na data da publicação da obra de Schumpeter os Estados Unidos era o único país que possuía uma eleição direta. A liderança política do primeiro-ministro obedece uma lógica seguida por três elementos que se constituem, embora não possam ser confundidos, para formar a dominação individual de cada primeiro-ministro. [...] ele toma posse do cargo como a primeira figura individual de cada primeiro-ministro. Em face disso, ele toma posse do cargo como a primeira figura do seu partido no Parlamento. Logo que empossado, todavia, ele se torna em certo sentido líder do parlamento, líder natural da Casa de que é membro, e indireto de outra. Trata-se, aqui, de mais do que simples eufemismo oficial e também mais do que é implicado pelo domínio que exerce sobre seu próprio partido. Ele, ou adquire influência sobre os demais partidos ou lhes desperta a antipatia ou a de membros isolados, o que é de
grande importância para suas oportunidades de êxito no cargo. (SCHUMPETER, 1961, p. 336).
Em um sistema parlamentarista a função de formar um governo é de competência do parlamento, porém o parlamento não possui total autoridade sobre a formação do governo. O primeiro-ministro escolhe quem formará este governo e o parlamento em geral sanciona, pois os membros estão limitados por fidelidades partidárias e pela condução da pessoa que escolheram para o cargo de primeiro-ministro. É claro que a resistência iva existe na maioria dos casos, mas é típica do processo democrático. Portanto não é imperativa a afirmação de que o parlamento forma e depõe um governo. Nesta mesma perspectiva, assim como os parlamentares não tem controle total sobre a formação do governo, os eleitores estão condicionados também por alguns fatores que impossibilitam que suas escolhas sejam feitas da melhor forma possível. [...] A escolha, glorificada idealmente como o chamado do povo, não é iniciativa deste último, mas criada artificialmente. E essa criação constitui parte essencial do processo democrático. Os eleitores não decidem casos. Tampouco escolhem com independência, entre a população elegível, os membros do parlamento. Em todos os casos, a iniciativa depende do candidato que se apresenta à eleição e do apoio que possa despertar. Os eleitores se limitam a aceitar essa candidatura de preferências a outras, ou a recusar-se a sufragá-las. [...] (SCHUMPETER, 1961, p. 345).
Capítulo 23 Conclusão
Como foi afirmado no início da obra, os socialistas alegam que não pode haver uma verdadeira democracia senão em um regime socialista, entretanto, Schumpeter defende que tanto uma pode existir sem a outra quanto um regime socialista funcionar de acordo com as regras ou princípio democráticos. Portanto a pergunta que surge neste ponto é se o método democrático funcionaria com mais ou menos eficiência em um regime socialista do que em um capitalista. Segundo a revisão do autor, a democracia não significa um governo do povo no sentido absoluto, pois não há mecanismos que garantam ao povo o exercício do governo direto, o que cabe ao povo, portanto, é a possibilidade de aceitar ou recusar um governo. Da mesma forma em todas as democracias surgem políticos profissionais, os quais tratam a política como negócio, principalmente a disputa pelos votos e a luta pelos cargos políticos. “*...+ o processo democrático produz legislação e istração apenas como subprodutos da luta pelos cargos
políticos”.(SCHUMPETER, 1961, p. 347). Ainda referente às críticas ao regime democrático, argumenta-se que a democracia é ineficiente em sociedades complexas, em virtude da luta entre os líderes políticos dentro e fora do parlamento exigir esforços e desgaste dos líderes, da mesma forma o primeiro-ministro seria comparado a um cavaleiro que está empenhado em manter-se em cima do cavalo que não possui condições de planejar sua cavalgada. Portanto existem algumas condições necessárias para que o método democrático tenha êxito, porém estas condições são relativas. Portanto o êxito do método democrático está condicionado a algumas condições. A primeira delas é a qualidade dos políticos. A segunda é que o campo das decisões políticas não seja demasiadamente longo, como é o caso de uma legislação complexa, portanto os parlamentares precisam aceitar o parecer dos especialistas. “A democracia não necessita que todas as funções do Estado sejam sujeitas ao seu método político” (SCHUMPETER, 1961, p. 356). Em quarto lugar, segundo a classificação do autor, o governo democrático deve contar com os serviços de uma bem treinada burocracia, forte o suficiente para, se necessário, guiar os políticos que dirigem os ministérios e ainda, a concorrência eficiente pela liderança dos políticos deve contar com uma tolerância por parte das opiniões. Ainda, à democracia é necessário um eleitorado e um parlamento com um nível moral elevado, para não cederem “às ofertas de loucos e ladrões”, da mesma forma os parlamentares devem resistir à tentação de atrapalhar o andamento do governo toda vez que tiverem oportunidade, pois nenhum governo conseguirá governar se isto ocorrer. O eleitor, por sua vez deve compreender que não deve retirar com excessiva facilidade um governante do seu cargo, para não tornar a missão de governar impossível. Generalizando o que dissemos acima, o método democrático estará em situação desvantajosa nas épocas de crise. Realmente, democracias de todos os tipos reconhecem quase unanimemente que há situações em que é mais sensato abandonar a liderança competitiva e adotar a monopolista. Na antiga Roma, um cargo não-eletivo, conferindo ao seu ocupante o monopólio de liderança, estava previsto na Constituição. O detentor do cargo era chamado de magiter populi ou dictator. Clausulas semelhantes são conhecidas em quase todas as Constituições [...] (SCHUMPETER, 1961, p. 360).
Dado o que já foi discutido pelo autor até aqui cabe ainda estudar a relação entre a democracia e a ordem socialista, porém para tal conclusão se desenvolver inicialmente faz-se necessário um estudo da democracia e da ordem capitalista. A origem da democracia está ligada ao desenvolvimento do capitalismo, portanto, a democracia moderna tem a sua origem
na ideologia burguesa, que em partes pode ser descrita pela crença na racionalidade da ação humana e dos valores da vida. [...] A burguesia oferece uma solução própria para o problema de reduzir as decisões da esfera política a proporções que podem ser controladas pelo método da liderança competitiva. O esquema burguês limita a esfera da política ao restringir o campo de autoridade pública. Sua solução será o ideal para o Estado modesto, que existe primariamente para garantir a legalidade burguesa e fornecer uma estrutura firme à iniciativa individual em todos os campos. Se, além disso, tomamos em conta as tendências pacifistas (ou pelo menos, antimilitaristas) e livre-cambistas que observamos ser inerentes à sociedade burguesa, verificar-se-á que a importância do papel da decisão política no Estado burguês pode, em princípio pelo menos, ser reduzido a qualquer proporção mínima que se torne necessária devido às imperfeições do setor político. (SCHUMPETER, 1961, p. 361)
É mais viável que a política de não interferência, do Estado em relação aos cidadãos, seja iniciada por uma classe que não precisa viver diretamente do Estado. Da mesma forma o burguês se mostrará mais tolerante em relação a diferenças políticas, desde que estas não afetem a natureza dos seus interesses, do que qualquer outro tipo de pessoa, além disso, enquanto os padrões burgueses forem dominantes, esta tendência persistirá em todas as outras classes, manifesta, inclusive, como influência nas atitudes dos indivíduos pertencentes a outras classes. Contudo, a questão central neste ponto da obra é de que modo um regime socialista poderá utilizar o método democrático. O ponto inicial a se considerar é que um regime socialista incorporará na istração pública todos os assuntos econômicos, portanto, o método democrático será incorporado aos assuntos econômicos. Rever últimas páginas