c A MULHER E A PATROA. Há homens que têm patroa. Ela sempre está em casa quando ele chega do trabalho. O jantar é rapidamente servido à mesa. Ela recebe um apertão na bochecha. A patroa pode ser jovem e bonita, mas tem uma atitude subserviente, o que lhe confere um certo ar robusto, como se fosse uma senhora de muitos anos atrás. Há homens que têm mulher. Uma mulher que está em casa na hora que pode, às vezes chega antes dele, às vezes depois. Sua casa não é sua jaula nem seu fogão é industrial. A mulher beija seu marido na boca quando o encontra no fim do dia e recebe dele o melhor dos abraços. A mulher pode ser robusta e até meio feia, mas sua independência lhe confere um ar de garota, regente de si mesma. Há homens que têm patroa, e mesmo que ela tenha tido apenas um filho, ou um casal, parece que gerou uma ninhada, tanto as crianças a solicitam e ela lhes é devota. A patroa é uma santa, muito boa esposa e muito boa mãe, tão boa que é assim que o marido a chama quando não a chama de patroa: mãezinha. Há homens que têm mulher. Minha mulher, Suzana. Minha mulher, Cristina. Minha mulher, Tereza. Mulheres que têm nome, que só são chamadas de mãe pelos filhos, que não arrastam os pés pela casa nem confiscam o salário do marido, porque elas têm o dela. Não mandam nos caras, não obedecem os caras: convivem com eles. Há homens que têm patroa. Vou ligar pra patroa. Vou perguntar pra patroa. Vou buscar a patroa. É carinho, dizem. Às vezes, é deboche. Quase sempre é muito cafona. Há homens que têm mulher. Vou ligar para minha mulher. Vou perguntar para minha mulher. Vou buscar minha mulher. Não há subordinação consentida ou disfarçada. Não há patrões nem empregados. Há algo sexy no ar. Há homens que têm patroa. Há homens que têm mulher. E há mulheres que escolhem o que querem ser. c A VOZ DO SILÊNCIO. Paula Taitelbaum é uma poeta gaúcha que acaba de lançar seu segundo livro, Sem Vergonha, onde encontrei um poema com apenas dois versos que diz assim: "Pior do que uma voz que cala/É um silêncio que fala". Simples. Rápido. E quanta força. Imediatamente me veio a cabeça situações em que o silêncio me disse verdades terríveis, pois você sabe, o silêncio não é dado a amenidades. Um telefone mudo. Um e-mail que não chega. Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca. Silêncios que falam sobre desinteresse, esquecimento, recusas. Quantas coisas são ditas na quietude, depois de uma discussão. O perdão não vem, nem um beijo, nem uma gargalhada para acabar com o clima de tensão. Só ele permanece imutável, o silêncio, a ante-sala do fim. É mil vezes preferível uma voz que diga coisas que a gente não quer ouvir, pois ao menos as palavras que são ditas indicam uma tentativa de entendimento. Cordas vocais em funcionamento articulam argumentos, expõem suas queixas, jogam limpo. Já o silêncio arquiteta planos que não são compartilhados. Quando nada é dito, nada fica combinado. Quantas vezes, numa discussão histérica, ouvimos um dos dois gritar: "diz alguma coisa, diz que não me ama mais, mas não fica aí parado me olhando". É o silêncio de um mandando más notícias para o desespero do outro. É claro que há muitas situações em que o silêncio é bem-vindo. Para um cara que trabalha com uma britadeira na rua, o silêncio é um bálsamo. Para a professora de uma creche, o silêncio é um presente. Para os seguranças dos shows do Sepultura, o silêncio é uma megasena. Mesmo no amor, quando a relação é sólida e madura, o silêncio a dois não incomoda, pois é o silêncio da paz. O único silêncio que perturba é aquele que fala. E fala alto. É quando ninguém bate a nossa porta, não há recados na secretária eletrônica e mesmo assim você entende a mensagem. c ENTRE AMIGOS. Para que serve um amigo? Para rachar a gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar carona pra festa, ar cola, caminhar no shopping, segurar a barra. Todas as alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo do lado esquerdo do peito. Milan Kundera, escritor tcheco, escreveu em seu último livro, "A Identidade", que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu. Chama os amigos de testemunhas do ado e diz que eles são nosso espelho, que através deles podemos nos olhar. Vai além: diz que toda amizade é uma
aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos. Verdade verdadeira. Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo contruído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão. Veremos. Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos. Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta. Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país. Um amigo não dá carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer o teu. Um amigo não a apenas cola. a contigo um aperto, a junto o reveillon. Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado. Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador. Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém. c AMIGOS SECRETOS E OUTROS SEGREDOS. No Sul, chama-se amigo secreto. Em outros Estados, amigo oculto. É quando realiza-se um sorteio para ver quemvai-dar-presente-pra-quem no Natal ou em qualquer outra data festiva em que participe um grupo. Nesse final de ano, você terá pelo menos um amigo secreto na família, na turma, na escola ou no trabalho. Quem será? Surpresa. Amigos secretos revelam-se na hora, faz parte da brincadeira. O que você talvez não saiba, e continue a não saber por toda a vida, é que também existe o apaixonado secreto. Na loteria do destino, alguém abriu o coração e saiu seu nome. Talvez tenha tentado se aproximar e você não percebeu. Talvez faça parte do seu grupo há muitos anos e você nunca o tenha reparado. Talvez tenha lhe encontrado namorando, ou já casado, e discretamente escondeu o interesse para não perturbar a sua paz. Você pode ter, sim, um amor secreto e não saber a falta que pra ele você faz. O presente que essa pessoa gostaria de lhe dar não se compra em shopping, não se paga à vista, não se financia. Você esteve ali ali para receber um beijosurpresa, mas seu amor secreto não teve essa ousadia. Ele pode estar há quilômetros de distância, se comunicando com você pela Internet, ou pode morar no mesmo prédio, estudar na mesma aula, freqüentar a mesma praia. Você não sente sua presença, mas talvez sinta sua ausência. Seu amor secreto não revela-se porque sabe que você detesta cigarro, e ele fuma. Porque sabe que você só namora pessoas da sua idade, e ele é muito mais moço. Porque sabe que você riria da sua gagueira, da sua falta de grana, de seu embaraço. Seu amor secreto lhe deixaria atônito. Por isso, ele mantém-se discreto, platônico. Entre amigos não há sigilo, só um suspense durante a festa, até saber quem irá, afinal, nos abraçar e revelar que está ao grupo representando. Já entre amores secretos não há abraços nem revelações. Alguém lhe ama em segredo, e o presente é manter você acreditando. c O TRUQUE DA RENÚNCIA. Diz a lenda que Jânio Quadros renunciou à presidência para testar seu poder de fogo. Acreditava que o povo não aceitaria perdêlo e que eclodiriam manifestações por todo o país implorando pela sua permanência. Desse modo, seu cargo seria mantido com apoio popular e o desgaste político que vinha ocorrendo seria esquecido. Erro brutal de cálculo. A renúncia de Jânio não só foi aceita como foi muito bem-vinda. Ninguém o segurou pelos pés pedindo que ficasse. O truque falhou. Essas renúncias armadas pela vaidade acontecem com muita freqüência entre casais. O cara ou a garota resolve dizer que está insatisfeito com o rumo que a relação tomou e avisa que está saltando fora. No fundo, quer apenas testar o amor do outro, ver o outro desesperado com a ausência iminente e argumentando em favor da continuidade do relacionamento. Às vezes dá certo. Às vezes não. Posso ver a cena: Fabiana, acho que todo relacionamento precisa de um mínimo de cuidado, e eu sinto que você está se lixando para o nosso namoro. Talvez seja a hora de acabarmos tudo. O que ele quer ouvir
é: - De onde você tirou essa idéia? Eu sou louca por você, não consigo nem imaginar ficar longe de você. O que está errado? Vamos conversar. Mas o que ele escuta é uma navalhada no ego: Tudo bem, Ricardo. É um jogo perigoso. A pessoa que toma a iniciativa de romper tem suas razões para isso, e o faz, quase sempre, com a intenção de terminar tudo mesmo, inclusive torcendo para que não haja reação dramática do outro lado. Mas a aceitação pacífica do final do romance acaba magoando, pois é a prova de que não faremos tanta falta. Rompimentos não devem ser usados como testes de ibope. Se o outro gosta mesmo de você, vai sofrer inutilmente. E se não gosta, quem vai sofrer é você, pois terá dado a ele o álibi perfeito para sair da situação sem culpa. Renuncie só quando estiver mesmo disposto a abandonar o barco. De mentirinha, é um risco que é melhor não correr. c AS SURPRESAS DO INESPERADO. Dizem que o melhor da festa é esperar por ela. Concordo. A festa em si raramente justifica nossa ansiedade. Você se corresponde por e-mail com um rapaz desconhecido. Trocam confidências e abusam um pouco do vocabulário libidinoso, até que um dia ele dá um basta nessa relação virtual e marca um encontro ao vivo com você. Segura coração. Você faz uma reserva para seu primeiro vôo para a Europa: desembarcará em Roma, lugar que sempre desejou conhecer. Lê tudo o que cai nas suas mãos sobre a Cidade Eterna e já consegue sentir o cheiro das ruelas que cercam a Piazza Spagna. Excitação. Você recebe em casa a correspondência que sempre sonhou: aceitaram seu nome para preencher o cargo de gerente de marketing de uma grande empresa. Mal vê a hora de começar. Você planeja um reveillon de arrebentar: vai para Copacabana jogar flores para Iemanjá, pular sete ondas e ar o resto da madrugada com uma garrafa de Veuve Cliquot nas mãos. Contagem regressiva. Pois bem. Você descobre que seu amigo internauta mede 1.55, tem mauhálito e é casadíssimo. Ao chegar em Roma, seu deslumbramento terá que competir com a realidade: os pontos turísticos vivem lotados, as ruas não são tão limpas e o atendimento das lojas deixa a desejar. A gerência de marketing aumentou o seu salário, mas a carga horária também: você não tem hora para largar o serviço à noite e os sábados livres viraram raridade. E quanto ao reveillon, quem diria: três milhões de pessoas tiveram a mesma idéia que você. É claro que essa reversão de expectativa não precisa acontecer, e tudo pode ser ainda melhor do que o imaginado, mas é difícil. Em geral, ao aguardar ansiosamente um acontecimento, principalmente os que envolvem grande carga emocional, a tendência é nos depararmos com os dois lados da moeda, enquanto que nossa imaginação estava valorizando apenas um: o ideal. Ninguém vai deixar de sonhar por causa disso, mas não é má idéia reservar certa dose de humor para receber o inesperado. c OS TRUQUES QUE MR. M NÃO REVELA. Sacana ou não, todo mundo adora quando Mr. M revela o segredo das mágicas mirabolantes que sustentam os ilusionistas. Tigres que desaparecem, mulheres cortadas ao meio, pessoas que levitam, nada mais nos surpreende. É um dedo-duro esse Mister M, e os mágicos têm toda razão de querer socá-lo dentro de uma cartola e despachá-lo para Kuala Lampur com a agem só de ida. Seguirá Claudia Schiffer fazendo aparições ao lado de David Coperfield, agora que ele está a um o de pedir esmolas? Mistério. A bem da verdade, acho Mister M um estraga-prazeres, ainda que a curiosidade me impeça de boicotá-lo. Mas eu seria sua fã número 1 se ele revelasse como funcionam os truques de um relacionamento a dois. 1. Você sai com um cara, pinta um clima, ele pede seu telefone e a deixa em casa. Você achou o cara legal, nada além disso. Está na cara que não é seu príncipe. Dia seguinte, ele não liga. Tudo bem. No outro dia, ele não liga de novo. Você começa a achá-lo muito legal. No sábado seguinte, o telefone segue mudo. Você está troncha de saudades. No domingo ele liga, combina um cinema e você, ao desligar, está completamente apaixonada. Como é que ele conseguiu isso? 2. Você sai com um cara, pinta um clima e ele pede pra você ligar no dia seguinte. Você, claro, não vai dar mole. Dia seguinte, meio-dia, você olha
para o telefone e pensa: ³Ele que espere´. Às três da tarde, pensa: ³Se eu ligar, ele vai achar que estou a perigo´. Às cinco: ³Mas ele pediu, coitado´. Às seis e meia: ³Se eu não ligar, ele vai achar que não estou a fim´. Às sete: ³Vai achar que tenho outro´. Às oito você liga, o telefone dele está ocupado e você começa a rugir pela casa. Como foi que ele a transformou numa onça? 3. Vocês terminaram um namoro de seis meses. Quando estavam juntos, você o achava mal-vestido, desbocado, galinha e insensível. Agora que ele se foi, você acha que ele tinha um olhar doce, ótimas pernas, um belo emprego e sintonia fina com você. Que diabo, como é que ele conseguiu virar outra pessoa? Entregue-os, Mister M. cc O ANTES, O DURANTE E O DEPOIS. Certa vez acompanhei uma enquete de valor intelectual zero, mas curiosa: o entrevistador perguntava para as pessoas qual era, na opinião delas, a melhor parte da relação sexual: o antes, o durante ou o depois? O antes teve alguns votos, principalmente das mulheres. A importância das preliminares foi exaltada e muitas disseram que, não fosse o antes, não haveria o durante. Nada a acrescentar. Mas, como era de se esperar, foi o durante que ficou com o título de grande atração do embate amoroso. A maioria deu seu voto para o apogeu da relação, aquele momento em que se perde a noção do tempo e do espaço, e tudo o que se quer é ver estrelas, mesmo que sejam quatro horas da tarde. Contestar, quem há de? Se fizéssemos uma enquete entre nós, aqui no fórum, o resultado seria idêntico. Antes e durante iriam competir pelo título, com larga vantagem você sabe pra quem. Posto isso, o debate conduz para a seguinte pergunta: como convocar o depois a participar dessa briga? O depois é o lanterninha por vários motivos: porque as pessoas preferem adrenalina ao relaxamento, porque depois é a hora do sono, do ronco, e para desespero dos antitabagistas, do cigarro. Porque depois é preciso procurar onde estão as roupas, porque depois o lençol fica todo amarfanhado, e os cabelos idem. Porque depois a cabeça lateja por causa dos drinques ingeridos antes e o cansaço toma conta por causa do que aconteceu durante. Depois é o fim. Como recuperar esse caso perdido? Há quem defenda a etapa final, dizendo que é maravilhoso quando, após o orgasmo mútuo, o casal dorme abraçadinho, embalado pelo prazer da missão cumprida. Que é depois que se fazem as maiores declarações de amor, que é depois que a plenitude é alcançada, que o carinho fica terno, que o desejo dá lugar à suavidade. Vão mais longe: que depois é a hora mágica dos cafunés. Bendito os que atingem esse Éden, pois na maioria dos casos, o depois é a hora mágica dos que mal podem esperar pelo momento de ficar sozinhos. A única vantagem do depois é que, depois dele, começa tudo outra vez. c A NECESSIDADE DE DESEJAR. Todos sentem necessidade de amar, e esta necessidade geralmente é satisfeita quando encontramos o objeto de nosso amor e com ele mantemos uma relação freqüente e feliz. Pois bem. Enquanto vamos juntinhos à feira escolher frutas e verduras, enquanto mandamos consertar a infiltração do banheiro e enquanto vemos televisão sentados lado a lado no sofá, o que fazemos com nossa necessidade de desejar? Lendo Alain de Botton, um escritor inglês que já foi mencionado nesta coluna, depareime com essa questão: amor e desejo podem ser conciliáveis no início de uma relação, mas despedem-se ao longo do convívio. Só por um milagre você vai ouvir seu coração batendo acelerado ao ver seu marido chegando do trabalho, depois de vê-lo fazendo a mesma coisa há cinco, dez, quinze anos. Ao ouvir a voz dela no telefone, você também não sentirá nenhum friozinho na barriga, ainda mais se o que ela tem para dizer é "não chegue tarde hoje que vamos jantar na mamãe". Você ama o seu namorado, você ama a sua mulher. Mais que isso: você os tem. Mas a gente só deseja aquilo que não tem. O problema da infidelidade a por aqui. Muitos acreditam que a pessoa que foi infiel não ama mais seu parceiro: não é verdade. Ama e tem atração física, inclusive, mas não consegue mais desejá-lo, porque já o tem. Fica então aquele vácuo, aquela lacuna, aquela maldita vontade de novamente desejar alguém e ser desejado, o que só é possível entre pessoas que ainda não se conquistaram. Não é preciso
arranjar um amante para resolver o problema. Há recursos outros: flertes virtuais, fantasias eróticas, paqueras inconsequentes. Tem muita gente aí fora a fim de entrar nesse jogo sem se envolver, sem colocar em risco o amor conquistado, porque sabe que a troca não compensa. Amor é joia rara, o resto é diversão. Mas uma diversão que precisa ter seu espaço, até para salvar o amor do cansaço. Necessidade de amar x necessidade de desejar. Os conservadores temem reconhecer as diferenças entre uma e outra. Os galinhas agarram-se a essa justificativa. E os moderados tratam de istrar essa arapuca. c DOR FÍSICA X DOR EMOCIONAL. O maior medo do ser humano, depois do medo da morte, é o medo da dor. Dor física: um corte, uma picada, uma ardência, uma distensão, uma fratura, uma cárie. Dor que só cessa com analgésico, no caso de ser uma dor comum, ou com morfina, quando é uma dor inável. Mas é a dor emocional a mais temível, porque essa não tem medicamento que dê jeito. Uma vez, conversando com uma amiga, ficamos nessa discussão por horas: o que é mais dolorido, ter o braço quebrado ou o coração? Uma pessoa que foi rejeitada pelo seu amor sofre menos ou mais do que quem levou 20 pontos no supercílio? Dores absolutamente diferentes. Eu acho que dói mais a dor emocional, aquela que sangra por dentro. Qualquer mãe preferiria ter úlcera para o resto da vida do que conviver com o vazio causado pela morte de um filho. As estatísticas não mentem: é mais fácil ser atingida por uma depressão do que por uma bala perdida. Existe médico para baixo astral? Psicanalistas. E remédio? Antidepressivos. Funcionam? Funcionam, mas não com a rapidez de uma injeção, não com a eficiência de uma cirurgia. Certas feridas não ficam à mostra. Acabar com a dor da baixa autoestima é bem mais demorado do que acabar com uma dor localizada. Parece absurdo que alguém possa sofrer num dia de céu azul, na beira do mar, numa festa, num bar. Parece exagero dizer que alguém que leve uma pancada na cabeça sofrerá menos do que alguém que for demitido. Onde está o hematoma causado pelo desemprego, onde está a cicatriz da fome, onde está o gesso imobilizando a dor de um preconceito? Custamos a respeitar as dores invisíveis, para as quais não existem prontos-socorros. Não adianta assoprar que não a. Tenho um respeito tremendo por quem sofre em silêncio, principalmente pelos que sofrem por amor. Perder a companhia de quem se ama pode ser uma mutilação tão séria quanto a sofrida por Lars Grael, só que os outros não enxergam a parte que nos falta, e por isso tendem a menosprezar nosso martírio. O próprio iatista terá sua dor emocional prolongada por algum tempo, diante da nova realidade que enfrenta. Nenhuma fisgada se compara à dor de um destino alterado para sempre. c O FANTASMA DO EX. Generalizações nem sempre correspondem à verdade, mas me corrija se eu estiver errada: todo mundo tem um ex assombrando sua vida. Você não tem? Vai ter, é uma questão de tempo. O ex (os rapazes, por gentileza, leiam "a ex") pode ser aquele primeiro amor que durou pouco, mas que foi intenso. Ou que durou muito, e deixou cicatrizes. Pode ser um amor platônico, que nem chegou a se realizar, e que por isso mesmo faz seu coração saltar pela boca cada vez que cruza com ele na rua, fazendo-a imaginar as cenas que nunca aconteceram. Pode ser um ex-marido, uma ex-mulher. Só nós sabemos qual é o fantasma que nos atormenta. E se atormenta, é porque o relacionamento não teve um fim bem assimilado. Ex bem-resolvido não é ex: é amigo. Já o ex que assombra é vitalício. É aquele que, quando foi embora, você sofreu o diabo. É aquele que, mesmo você tendo refeito sua vida amorosa, ainda impede que você rasgue cartas, fotos e coloque fora aquela rolha imunda do primeiro vinho que beberam juntos. É aquele de quem você vive dizendo para as amigas que não sente o menor ciúme, que ele pode até namorar sua irmã que tudo bem, mas que no fundo deixa você com dor-de-barriga cada vez que fica com outra. É aquele que, lá no seu íntimo, faz você sonhar em ser resgatada num cavalo branco e levada para a Terra do Nunca. Do nunca mais se separar, nunca mais brigar, nunca mais repetir os mesmos erros, nunca mais trair e, principalmente, nunca mais ter um ex, já que ele voltou para assumir seu posto. Só que isso é
lenda. Tem que ser assim, desesperante? Não. Um ex nada mais é do que uma boa lembrança, alguém que lhe tocou fundo numa época em que você ainda não tinha muita experiência e, portanto, não podia compará-lo com ninguém, caindo na cilada do endeusamento. Hoje você já amou outras pessoas, já sabe que todos têm qualidades e defeitos, e o que resta é a vaga impressão que aquele primeiro amor foi maior que todos. Esse fantasma não a de uma nostalgia, de um romantismo, de uma saudade boa de um tempo que não volta mais. Mas que custa pra desencarnar, custa. c À PRIMEIRA VISTA. Estamos na semana dos namorados. Quem tem o seu, está na boa. Quem não tem, está correndo contra o relógio. ar essa semana sozinho é pior que comer sopa com garfo. Para entrar no clima, recomendo a leitura do livro de estréia de Leticia Wierzchowski, chamado O Anjo e o Resto de Nós. Ela narra, com muita propriedade, a saga de uma família um tanto quanto peculiar, mas o que surpreende é a competência do Cupido: todos os personagens são contemplados com um amor à primeira vista. Botam o olho num sujeito caminhando na rua, ou numa rapariga que surge por trás da cortina, e são abatidos na hora por um flechaço bem mirado. No livro funciona, mas na vida real, sei não. Pode alguém avistar uma pessoa com quem nunca trocou nem duas palavras e ter certeza de que esse é o amor da sua vida? O amor, me parece, não é chegado a arrebatamentos: é ensaiado dia após dia, costurado como um tapete, que aos poucos ganha forma, sentido, maciez, cores, utilidade. O amor não vem pronto, não chega sem avisar, não é dado a surpresas. O amor não cai de pára-quedas: chega caminhando e se instala de mansinho. É? Então qual é o nome daquilo que você sentiu quando viu seu namorado à primeira vez? Deixa eu adivinhar: começa com P. Nisso eu acredito: paixão à primeira vista. Os pelinhos do braço se arrepiando, sua boca ressecando, seu coração pulsando como se você tivesse numa prova de triatlon, uma sensação de vertigem, desatino, compulsão, medo e felicidade: um fisgão à queima-roupa. Nisso eu acredito: numa perturbação gostosa. Você percebe alguém no meio de uma turma, só enxerga essa pessoa e tem a sensação de que a vida não valeu a pena antes de conhecê-la, que tudo não ou de uma preparação para esse instante. Nisso eu acredito: num sentimento que não se justifica, não se explica, não vem com legendas. Uma coisa que arrebata no momento em que os dois pares de olhos se encontram. Um rompante. Uma atração fulminante. Um ciclone que não é previsto, que surge e varre o que há em volta, que aparece e some de repente. Amor é diferente: é mais calmo e é para sempre. c ACERTANDO NA MOSCA. Finalmente, paz em Kosovo. Enquanto os refugiados preparam-se para voltar para suas casas, Milosevic e a Otan disputam agora o título de vencedor da guerra, como se tudo não tivesse ado de uma partida de futebol. Ninguém marcou gol nesse combate insano, não há o que comemorar, mas uma lição foi deixada pelo episódio: os estragos que a falta de mira pode provocar. Na guerra do dia-a-dia não é diferente: pontaria é fundamental. Você anda desmotivado, acha que a vida está sem emoção e que na sua casa ninguém lhe entende. Sai pra noite, então, e cruza com uns caras que fazem pega de moto, picham muros, depredam orelhões e parecem divertir-se muito com isso. Une-se ao grupo. Erro fatal: você acaba de se aliar ao inimigo. Você está em busca de emprego, você e toda a torcida do Flamengo. Por um desses milagres da vida, surgem duas oportunidades de trabalho. Uma é um estágio dentro do campo que você quer atuar no futuro. É para trabalhar ao lado de bons profissionais, mas ganhando apenas uma ajuda de custo. Vai ter que ralar. A outra proposta é para ganhar três salários com carteira assinada, mas num ramo que não lhe oferece a menor chance de crescimento profissional, um lugar onde você será uma peça na engrenagem, facilmente substituível. Pense bem: só tem uma bala na agulha. Você está mais carente que noiva abandonada no altar. Sozinha a um ano e meio, anda fazendo cafuné em pantufa. Aí surge ele, o cara que fala pelos cotovelos sobre o próprio carro, o próprio time, as próprias aventuras amorosas, o próprio umbigo. Não é o seu tipo, mas é o que pintou. Pega carona no ego dele ou fica mais um tempo sozinha? Boa pontaria faz toda a diferença. Às vezes um alvo está mais perto que outro e isso parece facilitar as coisas, às vezes uma pessoa parece legal mas é camuflagem,
às vezes alguém se move em nossa direção e, antes de ouví-lo, o abatemos. Viver é lutar um pouquinho a cada dia pela nossa felicidade. Ninguém sai ileso dessa briga, mas fere-se menos quem tem bom faro, noções de diplomacia e, principalmente, sabedoria para distingüir a hora de atacar e a hora de se defender. c PARA LER E GOZAR. João Ubaldo Ribeiro já escreveu grandes livros, como Viva o Povo Brasileiro e O Sorriso do Lagarto. Acaba de lançar mais um, pela coleção Plenos Pecados, editada pela Objetiva. Coube a João Ubaldo escrever sobre o pecado da luxúria, e o fez com tamanha propriedade que, ao término da leitura, dá vontade de acender um cigarro e perguntar para a parede: foi bom pra você também? Pode-se até odiar o livro, mas duvido que o corpo não dê sinais de aprovação. Não é um livro pornográfico: é bem escrito, inteligente e divertido. João Ubaldo descreve, com certa gratuidade, as transas mais insólitas: tio com sobrinha, professor com aluna, irmão com irmã, amiga com amiga e bacanais vários. O livro é isso: a vida sexual de uma mulher e suas motivações, que no fundo são até meio moralistas, no final do livro você entende por quê. De qualquer maneira, nosso voyeurismo agradece. Nada do que João Ubaldo descreve é exatamente novo: já vimos no cinema e na tevê cenas tão picantes quanto, e com muito mais realismo, porque podíamos ver o suor, ouvir os gemidos, enxergar por onde andavam as mãos. Num livro você não enxerga nada, só imagina. E quando a nossa mente comanda o espetáculo, a obscenidade é muito maior. Tem um autor americano que é craque no assunto. Nicholson Baker escreveu o interessante Vox, que narra a relação de um homem e uma mulher através do tele-sexo, e depois publicou Fermata, que faz A Casa dos Budas Ditosos de João Ubaldo parecer um livro infanto-juvenil. Há muito preconceito com esse tipo de literatura, e o primeiro deles é desconsiderá-la como literatura. Bobagem. O sexo pelo sexo, disassociado do amor ou de qualquer trama que o justifique, também rende lindas frases, grandes parágrafos e faz pensar. Filosofar sobre os prazeres da carne não é menos importante que filosofar sobre o sentido da vida, e quando se faz isso com o talento de João Ubaldo, ganhamos todos. Que venham mais livros exaltando a luxúria. A literatura é, às vezes, nossa única viagem rumo a uma experiência não vivida na realidade, e o erotismo, livre de convenções, deve continuar à disposição ao menos nas estantes das livrarias. c FEMINISMO ÀS AVESSAS. A mais importante líder e intelectual feminista do mundo, Gloria Steinem, em entrevista à revista República, disse uma frase que resume o futuro do feminismo no próximo milênio: "Progredimos muito em convencer a população de que as mulheres podem fazer o que os homens fazem, mas ainda nem começamos a demonstrar que os homens podem fazer o que as mulheres fazem". É uma idéia que sempre me rondou. As mulheres já conquistaram sua posição no mercado de trabalho e isso é um caminho sem volta. Através da independência financeira e da auto-estima conquistada, alteraram-se as relações familiares, a vida sexual, as leis e até mesmo alguns valores religiosos. A mulher veio para mudar, e mudou. Muito. Mas não tudo. Ela trabalha fora, mas continua trabalhando dentro, e sozinha. Haverá igualdade plena no próximo milênio? Cabe aos homens responder. Algum tempo atrás escrevi que a maternidade e a vida doméstica eram as vantagens do homem sobre a mulher, e são. Enquanto as mulheres monopolizarem a criação de filhos e a istração da casa, estarão sempre com dois corações em seu ambiente profissional. Alguns poucos casais já compreenderam isso e dividem, sim, as idas ao super e à cozinha, as reuniões na escola e as consultas ao pediatra, a arrumação da cama e a lavagem de louça. Está provado: assim como as mulheres podem fazer o que os homens fazem, sendo policiais, pilotos de boeing e garis, os homens também podem fazer o que as mulheres fazem. Resta saber se eles querem. Para as mulheres sempre foi vantagem executar um trabalho dito masculino: era a maneira de ter autonomia financeira e vida inteligente além das quatro paredes de casa. Porém, aos homens parecem menos visíveis as vantagens de repartir as tarefas domésticas, mesmo elas não sendo poucas: conviver mais com os filhos, não sentir-se apenas um provedor e ter uma vida menos estressante. A saída é educar os garotos que estão nascendo hoje para que, ao tornarem-se
adultos, construam relações afetivas com comunhão de responsabilidades. Só assim o próximo milênio não será a era das supermulheres, e sim dos supercasais. c WOODSTOCK 99. Prato feito para os conservadores. A violência e depredação que tomou conta da edição 99 do festival de Woodstock justifica as idéias préconcebidas a respeito de shows de rock, para muitos ainda considerados antros de perdição. No entanto, cenas de vandalismo não são prerrogativas de espetáculos de massa. O que está acontecendo é outra coisa. Cazuza já dizia: "ideologia, eu quero uma pra viver". Em 1969, o autêntico Woodstock fez todo mundo pregar a paz e o amor ao som de Janis Joplin, Jimi Hendrix, Joe Cocker, Santana e outros do mesmo quilate. O clima era de contestação, mas contestava-se a formalidade, a caretice, o amor preso à convenções e à repressão familiar. ados 30 anos, já não há o que contestar: os jovens transam com liberdade e recebem dos pais uma condescendência que nem em sonhos a geração flower power suporia conquistar. Se antes lutava-se contra a redução da vida a uma única possibilidade (trabalhar, casar, ter filhos e morrer, de preferência heroicamente pela pátria), hoje os adolescentes podem fazer o que bem entender que os pais, cansados de guerra, dão a benção. A violência generalizada deste final de milênio acontece muito mais em estradas, escolas e estádios de futebol do que na tríade Sexo, Drogas & Rock'n'roll. Agora a tríade que generaliza a nova geração é Inexistência de valores, Consumismo & Alienação. Guitarras não têm nada a ver com isso. Com o fim do comunismo, da virgindade e do autoritarismo, a liberdade nunca pareceu tão vasta e entediante. Não havendo contra quem ou contra o que se rebelar, chuta-se o balde, quebra-se o vidro, incendeia-se o que houver pela frente. É a necessidade humana de se destacar: não sabendo escrever poemas, forma-se uma gangue. Não sabendo tocar violão, rouba-se toca-fitas. Não tendo coragem de escalar montanhas, depreda-se um orelhão. O mundo está cheio de talentos para a boçalidade. Seguimos, mais do que nunca, precisando de um Woodstock. Um festival em que se possa dançar com pouca roupa, que o dinheiro não seja venerado, que o ópio seja leve e que duas coisinhas revolucionárias sejam resgatadas a tempo: paz e amor, ainda eles. c DEMOCRACIA SEXUAL. Se você frequentou reunião dançantes, lá pelos idos dos anos 70, vai se lembrar. Era muito comum uma garota ser tirada para dançar e responder na lata: "não". Se era uma garota educada, dizia: "não, obrigada". Mas não havia um pingo de remorso na negativa. Ela não estava a fim. O cara que voltasse para seu lugar ou tentasse dançar com outra menina. Hoje todos dançam em grupo e também sozinhos, é só chegar e entrar na pista. As relações mudaram. Uma garota, por exemplo, já não precisa esperar para ser "pedida em namoro", como acontecia antes. As coisas rolam com mais naturalidade, e se ela estiver a fim do cara, é só falar. E ele tem todo o direito de responder: "não". Se for educado, "não, obrigado". Parece simples, mas muita gente ainda está engessado no tempo em que uma mulher podia negar um homem, mas um homem não podia negar uma mulher. Alguns homens ainda se sentem na obrigação de encarar um romance, ainda que por uma noite só, com uma mulher por quem eles não sentem absolutamente nada, mas que facilitou. E muitas mulheres ainda se sentem ofendidíssimas quando demonstram interesse explícito por um homem e ele recusa a oferenda. A revolução sexual acabou com esses rituais de caça e caçador. Se a caça se oferece para o abate mas o caçador não está com fome, ele tem todo o direito de deixar a chance ar sem que outros caçadores o rotulem de babaca e sem que a caça se sinta humilhada. Vivemos uma época em que alguns casais se unem pelo amor e outros casais se unem pelo desejo, estes últimos abrindo mão das idealizações e do romantismo. Quando surgiu a pílula anticoncepcional e os tabus sexuais caíram por terra, mulheres do mundo inteiro comemoraram a possibilidade de vivenciar romances leves, prazerosos e descompromissados, como os homens vinham fazendo por séculos. A conta, no entanto, não tardou a chegar: o convívio com a rejeição. O homem pode transar com a mulher numa noite e na manhã seguinte partir sem deixar o número do telefone, e as mulheres devem aceitar isso como parte do jogo. Uns ficam, uns vão. Lutamos
muito para ter o direito de tirá-los para dançar. Agora temos que aprender a ouvir "não, obrigado" e não deixar que isso estrague o baile. cc FOFOCA: UMA OBRA SEM AUTOR. O próprio som da palavra fofoca dá a ela um certo ar de frivolidade. Fofoca, mexerico, coisa sem importância. Difamação é crime, mas fofoca é só uma brincadeira. O que seria da vida sem um bom diz-que-me-diz-que, não? Não. Dispenso fofocas e fofoqueiros. Quando alguém se aproxima de mim, segura no meu braço e olha para o lado antes de começar a falar, já sei que vem aí uma lama que não me diz respeito. Se não tiver como fugir, deixo que a indiscrição entre por um ouvido e saia pelo outro, dando assim o pior castigo para o meu interlocutor: não arei adiante nem uma palavra. Não recuso uma olhada na revista Caras, especialista em entregar quem come quem, quem traiu quem, quem faliu, quem casou, quem separou. É a única publicação do gênero que a alguma credibilidade, porque sei que os envolvidos foram escutados, deram declarações por vontade própria, deixaram-se fotografar. São fofocas profissionais, consentidas e quase sempre assinadas. Fofoca anônima é que é golpe baixo. A fofoca nasce da boca de quem? Ninguém sabe. Ouviu-se falar. É uma afirmação sem fonte, uma suspeita sem indício, uma leviandade órfã de pai e mãe. Quem fabrica uma fofoca quer ter a sensação de poder. Poder o quê? Poder divulgar algo seu, ver seu "trabalho" ado adiante, provocando reações, mobilizando pessoas. Quem dera o criador da fofoca pudesse contribuir para a sociedade com um quadro, um projeto de arquitetura, um plano educacional, mas sem talento para tanto, ele gera boatos. Quem faz intrigas sobre a vida alheia quer ter algo de sua autoria, uma obra que se alastre e cresça, que se torne pública e que seja muito comentada. Algo que lhe dê continuidade. É por isso que fofocar é uma tentação. Porque nos dá, por poucos minutos, a sensação de ser portador de uma informação valiosa que está sendo gentilmente dividida com os outros. Na verdade, está-se exercitando uma pequena maldade, não prevista no Código Penal. Fofocas podem provocar lesões emocionais. Por mais inocente ou absurda, sempre deixa um rastro de desconfiança. Onde há fumaça há fogo, acreditam todos, o que transforma toda fofoca numa verdade em potencial. Não há fofoca que compense. Se for mesmo verdade, é uma bala perdida. Se for mentira, é um tiro pelas costas. c VÁ PROCURAR SUA TURMA. Geralmente, quando alguém está em descordo com nossas idéias, fazendo muito zunido em nossos ouvidos e acrescentando quase nada ao nosso bem-estar, caímos na tentação de despachá-lo com uma frase grosseira: "vá procurar sua turma". O ofendido, na verdade, acaba de receber um sábio conselho. A vida é curta demais para dedicarmos tempo e afeto a quem não nos apóia, não nos incentiva, não nos enxerga. É claro que é saudável conviver com todas as tribos, pois todas têm algo a ensinar, mas aquela meia-dúzia de pessoas que realmente contam, aquelas que elegeremos como uma nova família, essas têm que ter uma alma gêmea, e não estou fazendo aqui propaganda do site em que nos encontramos nesse instante. A família genética não é escolhida. Pai, mãe, irmãos, tios e avós são herdados involuntariamente. Criamos com eles laços profundos e eternos, mas nem sempre o vínculo sangüíneo preenche nossas carências. Mesmo amando nossos progenitores, as visões de mundo tendem a ser antagônicas. Ao descobrir que, mesmo sendo amados, continuamos solitários, é hora de sair em busca da nossa família psíquica. No livro "Mulheres que correm com os lobos", a psicanalista Clarissa Estés analisa esse estigma do patinho feio, aquele que era diferente de todos porque, na verdade, não era um pato, mas um cisne. Muitas vezes sentimos a sensação de estar deslocados, mesmo entre familiares, pois ninguém consegue confortar nossa angústia ou compartilhar os mesmos sonhos. O segredo é sair em busca da nossa turma, procurar outros cisnes, a quem também chamaremos de irmãos. A sociedade classifica os grupos por classe social, cor e religião. Na verdade, devemos buscar nossos pares não entre pretos ou brancos, entre ricos ou pobres, mas entre os que gostam de poesia, ou os que gostam de esportes, ou os que fazem música, os que meditam, os que têm bom humor, os que preferem a natureza. Só então, convivendo tanto com a família genética quanto com a família psíquica, esta com quem nos afinamos espontaneamente, é que teremos a sensação de estar fazendo parte de
um todo. Da próxima vez que alguém lhe disser "vá procurar sua turma", sorria e agradeça o toque. c BEIJOS À GRANEL. Todo mundo sabe o que é ficar. Você vai numa festa, cruza olhares com alguém, que pode ser um colega de cursinho ou um total desconhecido, e dali a cinco minutos a dupla cai de boca um no outro: beijos, beijos, beijos. Ficaram. Isso não é novo. Vinte anos atrás, quando eu era adolescente, ficar era prática comum, só que nós chamávamos de transar, sem qualquer conotação sexual. Sexo era dormir junto. A Rê tá dormindo com o Ricardo. O Beto tá dormindo com a Carol. Nada de novo no front, a não ser o vocabulário. Ficar é legal. É uma maneira de testar a própria sexualidade e iniciar-se nos complexos mecanismos da conquista. Namorar é ainda mais legal, porque é ficar todos os dias com alguém que você não acha apenas bonitinho, mas que gosta de verdade. Acho namorar melhor que ficar, mas ambos são bons. Ficação, sim, me arrepia. Ficação é campeonato. Uma menina de 13 anos fica com o Gustavo, com o Bruno, com o Serginho e com o Zeca numa mesma noite. Meia hora pra cada um. Volta pra casa sem vestígios do batom, com a alça do sutiã arrebentado e com a sensação de que é a garota mais desejada do planeta. O Gustavo, aquele com quem ela ficou primeiro, também volta pra casa feliz da vida, porque além dela, ficou com a Lúcia, de 12, com a Mariana, de 14, e com aquela ruivinha que ele nem perguntou o nome. Enfim, todo mundo se divertiu. Parece excitante? Uau, para qualquer adulto, diga-se. O próximo o? Ficar com dois ao mesmo tempo. Muito excitante. Ficar com alguém que você não sabe o nome. Ser beijada por um estranho, e daqui a cinco minutos, por outro, e chegar em casa sem associar o beijo à pessoa. Excitante pra caramba. Excitante pra quem tem 30, 40, 50 anos, e já ou da idade de procurar príncipes e princesas encantadas. Mas com 13, a vontade de se apaixonar não será maior do que a de soltar faíscas com vários caras que na manhã seguinte nem vão lembrar que você existe? Serve para os garotos também: será bacana ver a morena que estava em seus braços enredar-se nos braços do seu primo, com a mesma languidez, já na música seguinte? Excitante, prazeroso e não tira pedaço. Só quem corre o risco de se machucar nessa brincadeira é a auto-estima. Assim como não se deve misturar bebidas, misturar pessoas também pode dar ressaca. c AMANDO DOIS. 50% da população mundial defende a tese de que a gente só ama, verdadeiramente, uma vez na vida. Os outros relacionamentos são paixões meteóricas, atrações momentâneas, afeto, amizade com sexo, sentimentos mornos, mas amor, mesmo, só se sente uma vez. Os outros 50% discordam. Acreditam que a gente pode amar uma vez na adolescência, outra vez na idade adulta, mais uma vez na idade adulta, e talvez ainda reste um amor para a terceira idade, sem falar nas tais paixões meteóricas e atrações momentâneas. O coração é vasto. Pode se amar dezenas de vezes. Divididas as duas correntes de pensamento, não há espaço possível para se discutir uma terceira questão: pode se amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Polêmica à vista. Nem pensar, responderão em coro. O amor é pleno, não se reparte. Já é tão desconfortável saber que o amor não é eterno: aceitar que ele possa ser dividido por dois, ou duas, já é provocação. É uma idéia difícil, reconheço, mas não acho improvável. O amor é pleno, único, indivisível? É. O amor que sentimos por uma pessoa é tudo isso e ainda mais: é intenso, cheio de nuanças, particularidades, e só funciona quando em total sintonia com o objeto amado. É um amor único o amor de João por Maria, por exemplo. João nunca mais amará outra pessoa como ama Maria. É um amor terno, calmo, sem fissuras, sem rompantes, um amor que nunca mais se repetirá enquanto eles formarem um casal. Mas João é uma pessoa, Maria é outra. Maria não sabe, mas João namorou, anos atrás, Sofia. Foi também um amor único o de João por Sofia, cheio de palpitações, palavrões, ofegâncias. João e Sofia se amaram com violência, brigas e reconciliações. João ainda ama Sofia, pois ela satisfaz alguns instintos seus que o excitam. E João também ama Maria, pois ela realizou a busca dele por paz e ternura. O mesmo João forma dois casais diferentes, sente dois amores diferentes, ambos plenos e únicos, porém acontecendo ao mesmo tempo. Calma, é só uma parábola. João, Maria e Sofia
acabaram de ter suas vidas inventadas por mim e protagonizaram esse desacerto para que a platéia reflita um pouco: nem sempre 50% + 50% englobam o mundo inteiro. Há mais verdades sobre a Terra do que a nossa moral permite. c BEIJO NA BOCA. Uma vez a atriz e cineasta Carla Camuratti declarou, numa entrevista, que um bom beijo é melhor do que uma transa insossa. Quando a escutei dizendo isso, pensei: "então não sou só eu". Estou com Carla: o beijo é a parte mais importante da relação física entre duas pessoas, e se ele não funcionar, pode desistir do resto. A Editora Mandarim acaba de lançar um livro que reúne ensaios de diversos intelectuais a respeito do assunto. O nome do livro é O Beijo - Primeiras Lições de Amor, História, Arte e Erotismo. Os autores discutem o beijo materno, o beijo nos contos-de-fadas, o beijo traiçoeiro de Judas, os primeiros beijos impressos em cartazes, o beijo na propaganda, o mais longo beijo do cinema e todas as suas simbologias. Às vezes o livro fica prolixo demais, mas ainda assim é um assunto tentador. Procure-o nas melhores casas do ramo. O livro, porque beijo não está à venda. Todo mundo sonha com aquele beijo made in Hollywood, que tira o fôlego e dá início a um romance incandescente. Pena que nem sempre isso aconteça na vida real. O primeiro beijo entre um casal costuma ser suave, investigativo, decente. Aos pouquinhos, no entanto, acende-se a labareda e as bocas dizem a que vieram. Existe um prazo para isso acontecer: entre cinco minutos depois do primeiro roçar de lábios até, no máximo, cinco dias. Neste espaço de tempo, ainda compreendese que os beijos sejam vacilantes: tratam-se de duas pessoas criando um vínculo e testando suas reações. Mas se a decência persistir, não espere ver estrelinhas na etapa seguinte. A química não aconteceu. Beijo é maravilhoso porque você interage com o corpo do outro sem deixar vestígios, é um mergulho no escuro, uma viagem sem volta. Beijo é uma maneira de compartilhar intimidades, de sentir o sabor de quem se gosta, de dizer mil coisas em silêncio. Beijo é gostoso porque não cansa, não engravida, não transmite o HIV. Beijo é prático porque não precisa tirar a roupa, não precisa sair da festa, não precisa ligar no dia seguinte. E sem essa de que beijo é insalubre porque troca-se até 9 miligramas de água, 0,7 grama de albumia, 0,18 de substâncias orgânicas, 0,711 miligrama de matérias gordurosas e 0,45 miligrama de sais, sem contar os vírus e as bactérias. Quem está preocupado com isso? Insalubre é não amar. c A ALEGRIA DA TRISTEZA. O título desse texto na verdade não é meu, e sim de um poema do uruguaio Mario Benedetti. No original, chama-se "Alegría de la tristeza" e está no livro "La vida ese paréntesis" que, até onde sei, permanece inédito no Brasil. O poema diz que a gente pode entristecer-se por vários motivos ou por nenhum motivo aparente, a tristeza pode ser por nós mesmos ou pelas dores do mundo, pode advir de uma palavra ou de um gesto, mas que ela sempre aparece e devemos nos aprontar para recebê-la, porque existe uma alegria inesperada na tristeza, que vem do fato de ainda conseguirmos senti-la. Pode parecer confuso mas é um alento. Olhe para o lado: estamos vivendo numa era em que pessoas matam em briga de trânsito, matam por um boné, matam para se divertir. Além disso, as pessoas estão sem dinheiro. Quem tem emprego, segura. Quem não tem, procura. Os que possuem um amor desconfiam até da própria sombra, já que há muita oferta de sexo no mercado. E a gente corre pra caramba, é escravo do relógio, não consegue mais ficar deitado numa rede, lendo um livro, ouvindo música. Há tanta coisa pra fazer que resta pouco tempo pra sentir. Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora. Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento. Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado. Sentir e fazer, ambos são necessários, mas só o fazer rende grana, contatos, diplomas, convites, aquisições. Até parece que sentir não serve para subir na vida. Uma pessoa triste é evitada. Não cabe no mundo da propaganda dos cremes dentais, dos pagodes, dos carnavais. Tristeza parece praga, lepra, doença contagiosa, um estacionamento proibido. Ok, tristeza não faz realmente bem pra saúde, mas a introspecção é um recuo providencial, pois é quando silenciamos que melhor conversamos
com nossos botões. E dessa conversa sai luz, lições, sinais, e a tristeza acaba saindo também, dando espaço para uma alegria nova e revitalizada. Triste é não sentir nada. c AS SOBRANCELHAS DA TIAZINHA. José Simão, o irreverente colunista do jornal Folha de São Paulo, mais uma vez saiu-se com uma pérola, ao comentar a nudez da mascarada Tiazinha: "É a primeira vez que os homens vão comprar a Playboy para ver a cara". Pois é, o strip-tease foi absoluto, ela mostrou inclusive com que rosto veio ao mundo. Entende-se, agora, porque evitava mostrá-lo. Despeitada! Invejosa! Acuse-me do que quiser, assumo os riscos que toda mulher corre quando fala de um exemplar da mesma espécie. Tiazinha, com máscara, é um avião. Sem máscara, tem trezentas iguais ando neste momento na Avenida Vieira Souto. Tiazinha virou refém do ório fetichista que a transformou em sex symbol. Mais que seu sorriso deslumbrante, mais que seus cabelos sedosos, mais que seu narizinho de boneca, era a máscara que a destacava do resto do mulherio e despertava a libido masculina. A máscara fazia as vezes de sobrancelha da Tiazinha: uma sobrancelha que se imaginava espessa, selvagem, sexy. Mas Tiazinha tem uma sobrancelha insignificante e olhos que não cativam. Despeitada! Invejosa! E lá alguém quer saber de sobrancelhas, tendo ela aquele derrière? Quando se pergunta para um homem o que ele repara primeiro numa mulher, as respostas variam: pernas, bunda, olhos, seios, cabelos, boca, pés, mãos, cintura, dentes, orelhas, unhas, joelho, pescoço, nariz, bochechas. Os homens reparam em tudo, menos naquele rasgo capilar que também atende pelo nome de supercílio. Gostem os homens ou não, sobrancelha é um trunfo natural. É ela que dá personalidade ao rosto, que marca a expressão, que codifica o olhar. Clarice Lispector tinha sobrancelhas ínfimas e levantadas, que davam a ela um ar de mistério. Malu Mader tem sobrancelhas enormes e estupendas, que contrastam com o ar de boa menina. Ana Paula Arosio tem uma sobrancelha chique, desenhada. Que descalabro! Sobrancelha chique! Ninguém me demove da idéia: a máscara é a sobrancelha que a Tiazinha gostaria de ter. Negra, protetora, enigmática, quase viril. Sem a máscara, Tiazinha virou uma menina frágil, de olhar perdido, apenas mais umazinha. O que não quer dizer que, em troca daquele corpo, eu não rase as minhas duas. c UM POR TODOS. Recessão é a palavra da moda. Não se fala em outra coisa na Rússia e na Europa, na Ásia e no Brasil. Os motivos da bancarrota são, entre outros, a economia globalizada, o efeito dominó e a alta taxa de juros. Mas o maior vilão desse desaquecimento da economia e da falta de empregos é o casamento. Faça as contas: são duas pessoas consumindo por uma. Duas pessoas e um aluguel, duas pessoas e um fogão, duas pessoas usando o mesmo desodorante, a mesma pasta de dente. Desaceleração total da produção. Casais, além disso, saem menos à noite, vão menos à boates, bebem menos, quase não ligam pra moda, divertem-se dentro de casa. Casais só sustentam as locadoras de vídeo, o que não basta para desenvolver uma nação. É preciso que se divorciem imediatamente. O divorciado, sim, mete a mão na carteira. Em primeiro lugar, precisa formar um novo lar, salvando da crise o mercado imobiliário e o varejo. Além de alugar um quarto-e-sala, terá que comprar, no mínimo, uma cama, um colchão, uma tevê, uma geladeira e um som, além de copos, talheres e um abridor. Uma toalha de banho e um jogo de lençóis também são imprescindíveis. Recomeçar não sai barato. Aos poucos, o divorciado vai sentir saudades dos discos e dos livros que, na pressa de sair, deixou na antiga casa. Compra tudo de novo. Está salva a cultura do país. Mas ele está triste, é natural. Acaba de terminar um relacionamento, não quer ficar sozinho. Resultado: percorre todas as cervejarias, boates e bares da cidade, em busca de companhia e bebendo pra esquecer. Reencontra velhos amigos. E velhas amigas. Volta para a casa às seis da manhã. a a madrugada gastando. Divorciado fala mais no telefone. Divorciado precisa fazer uma nova de jornal. Divorciado a mais horas na Internet. Fuma mais. Compra mais roupa. Faz terapia. Come fora. Gasta mais combustível. Divorciado é uma caixa registradora ambulante, ajudando a aquecer a indústria e o comércio e facilitando a vida dos bancos, já que usa mais o cartão e entra mais no cheque especial. Se todos se divorciassem, não haveriam
desempregados e o mundo estaria longe de falir. É uma constatação, não uma sugestão. Ainda acho preferível um mundo carente de lucros do que carente de amor. c INTIMIDADE: PRÓS E CONTRAS. As pessoas desancam o casamento. Dizem que o amor mingüa, que o sexo começa a rarear, que a rotina é acachapante. Dizem, dizem, mas as pessoas seguem casando e mantendo-se casadas por quilométricos anos. Qual é a boa dessa história? Uma jóia chamada intimidade. Íntimos, muitos acreditam, são duas pessoas que possuem relações físicas e emocionais entre si. É bem mais que isso. Intimidade é você não precisar verbalizar tudo o que pensa, é aceitar a solidão do outro, é estarem familiarizados com o silêncio de cada um. Intimidade é não precisar estar linda em todos os momentos, não precisar ser coerente em todas as atitudes, é rirem juntos de uma história que só eles conhecem o final. Intimidade é ler os olhos, os lábios e as mãos de quem está com você. Mais do que repartir um endereço, é repartir um projeto de vida. Não basta estar disponível, não basta apoiar decisões, não basta acompanhar no cinema: intimidade é não precisar ser acionado, pois já se está mentalmente a postos. Intimidade é não ter vergonha de ser o que a gente é, não precisar explicar coisa alguma, ser compreendido e brigar sabendo que nada irá se romper. Intimidade é não precisar andar na ponta dos pés pelos corredores de uma vida compartilhada. Muitos mantém-se casados por causa desse idílio que é não precisar se anunciar todo dia como um investimento seguro, podendo inclusive usar aquelas camisetas puídas e comer o "s" de um palavra no plural sem que a sua cotação desabe. Só há uma coisa ruim na intimidade: a falta que faz um pouco de cerimônia. Calcinhas penduradas no banheiro, o telefonema sempre na mesma hora da tarde, o arroto que dispensa o pedido de desculpas, o lençol amarfanhado, a TPM todo santo mês, o mesmo perfume, as mesmas reações, o mesmo cardápio. O lado negro de um matrimônio feliz. O casamento dá uma intimidade rara, apaziguadora, salutar. Não há máscaras nem teatro: é o habitat natural de um homem e de uma mulher que se querem como são. A intimidade salva as relações extensas, a não ser quando as corrói. Contradição maquiavélica. O melhor e o pior dos mundos, nos obrigando a escolher entre o habitual e a novidade, entre a paz e a adrenalina, entre a rede e o salto. Sedução x segurança: que vença o melhor. c NEM TODOS DIZEM EU TE AMO. É a frase que mais desejamos ouvir na vida, e não da boca de nossa mãezinha. Eu te amo. Imagine escutar essas três palavrinhas mágicas ditas pelo cara que você desejou desde o primeiro dia em que o viu e que só foi reparar em você anos depois. Ouvir da gata mais linda da cidade, aquela que você pensou que nunca te daria bola. Ouvir do seu namorado caladão, cuja voz está sempre vários decibéis abaixo da humanidade. Ouvir da sua namorada que jura nunca ter dito isso pra ninguém antes. Te amo. É de deixar qualquer um pulando num pé só. Porém, é difícil encontrar alguém que saiba usá-la com uma freqüência razoável. Ou essa frase é dita de cinco em cinco minutos, banalizando-se, ou é dita de cinco em cinco anos, e ninguém agüenta esperar tanto. Você deve conhecer um casal assim: não desligam o telefone antes de se afogarem em declarações: "te amo", "eu também", "diz a frase completa", "eu também te amo", "te amo também". O amor é lindo, portanto, perdoase tanto mel. Pior é quando o diálogo que vem antes é completamente sem romantismo: "Luciana, você pegou a chave do meu carro?" "Eu nem sei dirigir, Antônio" "Droga, vê se eu não deixei do lado do cinzeiro" "Tem dó, Antônio, tô saindo de casa" "Custa você me dar essa força?" "Não tá do lado do cinzeiro, já olhei" "E embaixo da cama?" "Capaz que vou me ajoelhar pra olhar lá embaixo, tô de meia-calça nova!" "Muito obrigado, viu?" "Irônico" "Imprestável" "Vê se não me amola, tchau, te amo". Despedidas mecânicas. Um "te amo" dito por hábito perde todo o sentido, é só mais uma frase, como "me a o sal". Nada nos deixa mais carentes do que ouvi-la 500 vezes, como se estivéssemos namorando um papagaio bem treinado. Minto: tem, sim, uma coisa pior. Não ouvir nunca. Vocês namoram há um ano, transam, viajam juntos, ele devora você com os olhos e nunca ou do "eu te adoro". A revista Capricho fez uma reportagem sobre isso. Medo de comprometer-se, foi a conclusão. Compreende-se, mas uma vezinha só não mata. O que eles pensam, que serão transportados para um altar assim que terminarem a frase?
Bobagem. O máximo que essa frase consegue é nos transportar para as nuvens. Se você ama alguém, diga, e não esqueça de apertar o cinto antes de decolar. cc CRÔNICA DE UM AMOR ANUNCIADO. Toda pessoa apaixonada é um publicitário em potencial. Não anuncia cigarros, hidratantes ou máquinas de lavar, mas anuncia seu amor, como se vivê-lo em segredo diminuísse sua intensidade. O hábito começa na escola. O caderno abarrotado de regras gramaticais, fórmulas matemáticas e lições de geografia, e lá, na última página, centenas de corações desenhados com caneta vermelha. Parece aula de ciências, mas é introdução à publicidade. Em breve se estará desenhando corações em árvores, escrevendo atrás da porta do banheiro e grafitando a parede do corredor: Suzana ama João. A partir de uma certa idade, a veia publicitária vai tornando-se mais discreta. Já não anunciamos nossa paixão em muros e bancos de jardim. Dispensa-se a mídia de massa e parte-se para o telemarketing. Contamos por telefone mesmo, para um público selecionado, as últimas notícias da nossa vida afetiva. Mas alguns não resistem em seguir propagando com alarde o seu amor. Colocam anúncios de verdade no jornal, geralmente nos classificados: Kika, te amo. Beto, volta pra mim. Everaldo, não me deixe por essa loira de farmácia. Joana, foi bom pra você também? O grau máximo de profissionalismo é atingido quando o apaixonado manda colocar sua mensagem num outdoor em frente a casa da pessoa amada. O recado é para ela, mas a cidade inteira fica sabendo que alguém está tentando recuperar seu amor. Em grau menor de assiduidade, há casos em que apaixonados mandam despejar de um helicóptero pétalas de rosas no endereço do namorado, ou gastam uma fortuna para que a fumaça de um avião desenhe as iniciais do casal no céu. A criatividade dos amantes é infinita. O amor é uma coisa íntima, mas todos nós temos a necessidade de torná-lo público. É a nossa vitória contra a solidão. Assim como as torcidas de futebol comemoram seus títulos com buzinaços, foguetório e cantorias, queremos também alardear nossa conquista pessoal, dividir a alegria de ter alguém que faz nosso coração bater mais forte. É por isso que, mesmo não sendo adepta do estardalhaço, me consterno por aqueles que amam escondido, amam em silêncio, amam clandestinamente. Mesmo que funcione como fetiche, priva o prazer de ter um amor compartilhado. c SEXO E AMOR NO ANO 2000. O ano 2000 está aí, e com ele a obrigação de sermos modernos. Tecnologia, moda, música, decoração, poesia, tudo o que for feito no terceiro milênio tem que ser cristalino, funcional e inteligente. Não se ite nada que cheire a naftalina na nova era que inicia. Até parece que é fácil. Em termos de comportamento, é verdade que avançamos muito, mas ainda há um longo caminho a percorrer, principalmente no que se refere a sexo. Sim, aparentamos ser liberais, consumimos sexo em revistas, novelas e programas de auditório, somos o país das mulheres belas e nuas, um povo altamente resolvido quando o assunto é a nossa libido. Mas enquanto continuarmos achando que amor é assunto de mulher e sexo é assunto de homem, não existirá "nossa" libido. Estaremos sempre habitando mundo diferentes, ambos antigos. A seguir, duas situações clichês que mostram como temos posturas diferentes sobre o assunto. Digamos que um homem traia a sua esposa com outra mulher. A esposa descobre. Arma um barraco. Aí o cara, provavelmente ajoelhado, diz a frase que ela quer ouvir: "Amor, foi apenas sexo, nada mais". A esposa ultrajada pára de jogar os copos contra a parede. Continua magoada, mas recebeu um recado que lhe agradou: ele não vai abandoná-la, ele a ama, está arrependido, foi só uma fraqueza tipicamente masculina. Depois de três semanas emburrada, as coisas vão voltando ao normal, e o caso é esquecido. Um ano depois, é a vez dela trair o marido. Ele descobre. Arma um barraco. Pensa em estrangulá-la. Aí ela diz, não de joelhos pra não rasgar a meia-calça: "Amor, foi apenas sexo, nada mais". Ele busca uma faca na cozinha. "Puxa, foi só uma fraqueza feminina, me perdoa!". Ele urra: "Como assim, só sexo? Você não o ama??? Se você o amasse, eu poderia entender!" Salvo raras e bemvindas exceções, tudo continua como no tempo das cavernas: acreditamos que o homem precisa mais de sexo do que a mulher, e que a mulher precisa mais de amor do que o homem. Desta idéia
jurássica decorrem os equívocos, as decepções, as mágoas que são adas de geração para geração. Muita coisa ainda precisa mudar para o ano 2000 não estrear com cara de dinossauro. c CASAMENTOS SEXUAIS. Estava lendo outro dia o livro "A Cena Conjugal", do psicanalista Gley P. Costa, quando me deparei com um trecho que analisava a base de sustentação de um casamento. O que faz uma relação durar mais do que outras? Elementar, meu caro internauta: cama. Não é uma idéia romântica, nem mesmo uma idéia nova. Sangue de Jesus tem poder, mas sexo, me perdoem os fiéis, é páreo. Segundo o autor do livro, o prazer é o anseio número um dos casais, e quando ele é atingido plenamente, as outras áreas do relacionamento conjugal tendem a ficar menos conflitantes. Concordo: estando tudo nos trinques na hora do bem-bom, com qualidade, criatividade e relativa freqüência, o ronco do outro não incomoda tanto, o tempo que ela a no telefone é irrelevante, a discordância sobre o filme que querem ver é café pequeno. Os problemas do cotidiano são diluídos embaixo dos lençóis. Você deve conhecer ao menos um casal que, por mais que se desentenda, não consegue se separar. São aqueles casais-sanfonas, vão e voltam inúmeras vezes. Todos os amigos sabem que não vai dar certo, e não dá mesmo, eles brigam feito galos de rinha. Mas voltam. Nem que seja um ano depois, nem que seja para uma recaída breve, nem que seja para brigar um pouquinho mais: voltam. Estão unidos pelos laços sagrados do amor carnal. Devem conhecer todos os segredos do Kama Sutra. Claro que não basta que só o sexo seja bom. O casal tem que ter afinidades matinais e vespertinas, não só noturnas. Mas o amor, verdadeiro motivo de qualquer enlace, não consegue dar conta do recado sozinho. Alguns acham que o amor resolve tudo, supera tudo, até o sexo raro e sem graça. Não é verdade. O casal que não transa bem, cuja química não funciona ou os cheiros não combinam, podem manter-se unidos até que a morte os separe, mas terminarão como dois irmãos. Ou farão voto de castidade em nome deste amor fraternal, ou procurarão sexo no mercado paralelo. Eu não condeno uma coisa nem outra, mas se podemos ter tudo em casa, amor e paixão, amor e desejo, amor e adrenalina, tanto melhor. Se você andou ouvindo seu coração e resolveu casar, agende antes uma entrevista com seu corpo também. Ele lhe dirá o que pouca gente ite: que desejar é tão importante quanto amar. c NA MINHA FAMÍLIA OU NA SUA? Se tem coisa que não dá para fugir é do Natal. No Ano Novo a dispersão é um pouco mais aceita, mas no Natal a família se impõe e ai de quem arredar pé. Maridos, filhos, netos, todos precisam estar reunidos em volta do peru ou correrão o risco de serem deserdados. Tá bom, tá bom, a gente fica. Porém, nem todos as pessoas são avulsas. Há aqueles que têm namorados, noivos, maridos e esposas, cada um com sua família de origem. Como não é possível estar em dois lugares ao mesmo tempo, é preciso um acerto prévio com os ponteiros do relógio. Dos problemas do mundo, este deve estar certamente no final da fila. Pelo menos é o que eu achava, até que outro dia recebi a carta de um leitor que dizia estar quase perdendo a namorada por causa deste ime. Simplesmente ela estava se recusando a ar as festas de fim de ano sem ele. O rapaz contemporizou. Disse que aria a ceia com a família dele e depois iria para a casa dela. Mais sensato, impossível. Mas a garota não topou o arranjo. Quer o cara ao seu lado em todas as meias-noites a que tem direito neste emblemático fim-de-ano. Caso contrário, será a prova de que ele não a ama mais. Ah, os caprichos do amor. A garota não quer apenas a companhia do rapaz: quer um atestado de que não está só, quer se sentir capaz de fazer seu namorado mudar de hábitos e deixar claro que o feminismo jamais conseguirá extinguir certas regras sociais. Namorado tem que abrir mão da família em nome da sua garota, e se puder vir de cavalo branco, tanto melhor. Eu não sei qual foi o desfecho desta história, se ele conseguiu negociar ou se foi vencido. Eu torço pela primeira hipótese, para o bem deste amor. Quando o casal, desde o início, põe em prática essas disputas de poder, a relação tem tudo para ser desastrosa. Se existe uma coisa boa da maturidade é dar importância apenas para o que é importante, enquanto que na adolescência a gente faz drama por nada. Este será o último Natal do século, e logo em seguida vem a virada para o ano 2000. É natural que a gente queira tudo a que tem direito nestas duas grandes datas, inclusive á-las
ao lado do nosso amor. Se der, ótimo. Se não der, está aí uma boa oportunidade para demonstrarmos que modernidade não depende do calendário, mas de nossas atitudes. c A IMAGINAÇÃO. Ele ficou de ligar às duas da tarde. Às duas em ponto você estava plantada ao lado do telefone. Às duas em ponto o telefone não tocou. Nem às duas e quinze. Nem às duas e meia. Nem às três. Você liga pra ele e ele não está. Ninguém sabe onde ele está. Quatro e meia. O telefone numa quietude petulante. A imaginação, então, começa aquele exercício macabro de formular suposições. Onde ele está, afinal? 1. Ele está em casa, quietinho. Não ligou de propósito. Não atendeu o telefone de propósito. Ele quer que eu me dê conta sozinha de que a história acabou. Ele não tem coragem de terminar olhando nos meus olhos. Prefere que eu fique com raiva dele, assim me conformo mais rápido. No fundo, ele está se achando muito bonzinho, aquele pulha. 2. Ele não ligou porque ficou chateado com o que eu fiz ontem. Foi isso. Mas que diabo fiz ontem??? Nós não brigamos. Não nos xingamos. Não falei mal da mãe dele. Nem da camisa puída dele. Nem do timeco dele. Ficamos o tempo todo no maior amasso. Eu fiz tudo certo, santo Cristo. 3. Ele conheceu outra depois que saiu aqui de casa. Ele ou num bar para tomar a saideira e viu a garota encostada no balcão. Chegou nela. Falaram. Ficaram. Saíram juntos. Estão juntos até agora, cinco e vinte da tarde. Eu quero morrer. 4. Morrer? Foi isso! Ele saiu daqui levitando de paixão, atravessou a rua sem olhar para os lados e cataplum! aram por cima. No tombo, perdeu a carteira de identidade. Foi levado para o IML. Não o identificaram. Foi enterrado como indigente numa vala comum. Impossível telefonar de lá. 5. Ele não morreu. Foi atropelado mas não morreu, só ficou com uns lapsos de memória. Esqueceu meu número. Esqueceu meu endereço. Esqueceu que existe guia telefônico. Vai ver não sabe mais ver as horas. 6. Ele ligou. Ele ligou pontualmente às duas, como estava combinado, mas eu não ouvi. Que silêncio é esse? Estou surda. Socorro, estou surda. Você está louca, isso sim. Basta falhar a combinação e você já fica variando, criando mil fantasias na cabeça. Você e a torcida do Flamengo. Por que ficamos tão enlouquecidos com a desinformação? Por que estamos sempre achando que vamos ser deixados de uma hora pra outra? Por que acreditamos tão pouco em contratempos e ficamos a imaginar o pior? Simples: porque estamos apaixonados. Acontece com as melhores cabeças. cc TARDE DEMAIS PARA SABER. Outro dia um homem me escreveu uma carta comovente. Dizia ter vivido 12 anos ao lado de uma mulher. Excentuando-se aquele período de paixão que caracteriza todo início de relacionamento, o resto do tempo que aram juntos foi pouco estimulante. Almoçavam juntos, viajavam de vez em quando, transavam regularmente, riam das mesmas piadas, mas a verdade é que ele não prestava muita atenção nela. Havia se acostumado com sua presença. Até que um belo dia ela pediu as contas. Arrumou a mala e se foi. Cansou de não ser percebida. E só aí ele caiu em si. Disse-me este senhor que bastou dez minutos longe dela para descobrir o quanto a amava. Durante os 12 anos de convívio, ele estava mais preocupado com as seduções externas: trabalho, futebol, e sim, outras mulheres, ainda que ageiras. Por um erro de avaliação, ele não considerava que aquele almoçar junto, viajar junto, transar e rir das mesmas piadas pudesse ser também chamado de amor. O amor que ele via anunciado nas revistas e o amor que os seus amigos diziam estar vivenciando pareciam muito mais verdadeiros do que aquele amor que ele tinha em casa, desglamurizado, com cenas que pareciam em preto e branco. "Sou uma besta", ele concluiu. Somos, meu amigo, todos umas bestas. A gente pode estar vivendo uma relação tranqüila, satisfatória e afetiva, mas sempre tem a maldita janela nos chamando lá para fora, iludindo a gente de que há algo mais tentador, mais desafiante do que aquilo que temos nas mãos. Como muitos ganhadores de loteria que continuam a jogar, não nos basta o quão rico já estamos: queremos mais. E de olho no futuro, desprezamos o que temos de melhor, o presente. Eu já recebi cartas contendo problemas bem mais escabrosos, mas não minimizei a tristeza deste homem, pois sei como é duro descobrir tarde demais que se ama alguém. Além da dor da saudade, tem a dor de ter sido estúpido. Damos valor às pessoas apenas quando elas não estão mais por perto, os velórios chorosos estão aí para
provar. Até inimigo sai falando bem do morto. Só que o morto já não pode escutar. Este homem não teve sua mulher de volta. Decidida, ela tomou seu rumo. "O que faço agora?" ele me pergunta. Sofra, meu caro. O sofrimento é a melhor penitência para não reincidir no erro. E da próxima vez, saia um pouco da janela. cc O ALTO PREÇO DE FAZER SEXO COM UM ESTRANHO. Antigamente, julgar pela aparência não era de todo arriscado. Os bem-vestidos e bem-barbeados costumavam ter mais credibilidade do que aqueles com cara de bandido. Isso acabou. O que tem cara de mauricinho pode ser um marginal. O que tem cara de marginal pode ser um magnata. Esqueçam as aparências. Escrevo isso porque me enviaram um e-mail contando uma história diabólica sobre uma garota que conheceu um cara numa danceteria. Eles ficaram um com o outro, e o sujeito era tão bacana, tão bonito, tão gentil, tão educado, tão família, que ela topou ir para o apartamento dele. Tiveram uma noite de amor daquelas. Ao acordar, no dia seguinte, o galã foi providenciar o café-da-manhã da sua deusa. Voltou para o quarto e serviu de bandeja a iguaria que havia preparado. Não eram torradas. Não eram croissants. Não vou dizer o que era porque, como eu, você também não deve ser chegado em escatologia. O que o rapaz trouxe não foi feito na cozinha, mas no banheiro, e a fez comer com um revólver apontado para a cabeça, enquanto ele se masturbava. Gente finíssima. Não tenho como confirmar se esse caso aconteceu mesmo, mas sei que poderia acontecer, e é o que basta para á-lo adiante como um alerta. Tem muita gente carente por aí. Gente transando com desconhecidos só para se sentir menos sozinha. Não é pecado. Ao contrário, é natural que as pessoas procurem umas às outras e iniciem um relacionamento sem se conhecerem direito. O conhecimento vem com o tempo. Mas atenção. Uma camisa de grife não é credencial. Um carrão na garagem, qualquer traficante pode ter. Já aquele cara meio desleixado, que a gente nem olha, pode ser um tremendo poeta, um homem sensível que não dá a mínima para moda. Aparência não quer dizer nada. Dê uma espiada na editoria de polícia do seu jornal. Os bandidos andam cada vez mais bonitinhos. A garota deu azar de cruzar com um tarado da pior espécie. O que aconteceu com ela foi exceção. Mas fica aqui o registro. Dizem que esse animal não foi denunciado, está solto, e como ele há muitos homens e mulheres que gostam de humilhar seus parceiros sexuais. Tudo bem procurar diversão nas boates e bares da vida, mas não é boa idéia ficar entre quatro paredes com um pessoa de quem não temos referência alguma. De príncipe a sapo, é um estalo. cc QUANTO VALE UM SIM. Você consegue um bom emprego na hora que bem entender? Você descola um amor do dia pra noite? Se entrar num banco, sai de lá com um empréstimo sem burocracia? Se você respondeu sim para todas estas perguntas, parabéns. E fique atento para o horário de partida do seu disco voador, pois a qualquer momento você terá que voltar para seu planeta. Entre nós, terrestres, o sim é uma resposta rara. Na maioria das vezes, NÃO há vagas, NÃO querem editar nossos poemas, NÃO temos fiador, a garota NÃO quer ouvir uns discos na sua casa, o garoto NÃO quer usar camisinha e o guarda de trânsito NÃO foi com sua cara e vai multá-lo, sim, senhor. NÃO está fácil pra ninguém. Ao contrário do que possa parecer, esta não é uma visão pessimista da vida. As coisas são assim, dão certo e dão errado. Pessimismo é acreditar que ouvir um não seja uma barreira para realizar nossos planos. Tem gente que fica paralisado diante de um não. Nunca mais vai à luta. Já o otimista resmunga um pouco e em seguida respira fundo e segue em frente. Quando eu tinha 17 anos, mandei uns versos para um concurso de poesia. Não ganhei nem menção honrosa. Daí entreguei meus versos para o Mario Quintana avaliar. Ele não respondeu. Neste meio tempo eu estava apaixonada por um cara que ignorava minha existência. Quando eu não estava pensando nele, fazia planos de morar sozinha, mas meu estágio não era remunerado. Aí quis viajar para a Europa, mas não consegui entrar num programa de intercâmbio. Surpreendentemente, não me ou pela cabeça a idéia de me atirar embaixo de um caminhão. Hoje tenho nove livros publicados (cinco deles de poesia), sou casada com o homem que amo, tenho a profissão dos sonhos e viajo uma vez por ano, e tudo isso sem ganhar na megasena, sem cirurgia plástica, sem
pistolão ou pacto com o demônio. O segredo: cada não que eu recebi na vida entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Não os colecionei. Não foram sobrevalorizados. Esperei, sem pressa, a hora do sim. O não é tão freqüente que chega a ser banal. O não é inútil, serve só para fragilizar nossa auto-estima. Já o sim é transformador. O sim muda a sua vida. SIM, aceito casar com você. SIM, você foi selecionado. SIM, vamos patrocinar sua peça. SIM, a Ana Paula Arosio deu o número do celular dela. Quando não há o que detenha você, as coisas começam a acontecer, sim. cc A DOR COMO AFRODISÍACO. O cara atende todas as suas vontades. Vive ligando, gravando fitas, chamando para uns programas bacanas e dizendo tudo aquilo que é muito bem-vindo: te adoro, te acho linda, não me imagino longe de ti. Está tudo muito bem, mas seu coração continua batendo devagar. Aí surge outro cara. Ele fica com você um dia e desaparece no outro. Telefona num sábado e some no domingo. Diz que curte você mas quer aproveitar a vida. Você escuta, então, um barulho que parece a bateria da escola de samba da Imperatriz Leopoldinense invadindo seu quarto, mas é seu coração. Dá para ouvi-lo bater daqui. Que raio de mecanismo é esse que faz com que a gente se ligue em quem não nos dá bola? Não é prerrogativa feminina, vale para ambos os sexos. Conheço muito cara que lambe o chão que pisa a menina que faz jogo duro. Será que, faltando quatro semanas para o ano 2000, ainda não caducou aquela regra que diz que homens e mulheres difíceis é que são valorizados? Eu estou com o Jota Quest: um dia feliz às vezes é muito raro, então vamos saudar tudo o que for extremamente fácil. Que bom poder amar e ser amado na mesma sintonia e com a mesma intensidade. Xô, dificuldade. Pena que o ser humano é extremamente difícil. Cultivamos um lado masoquista que se revela quando menos precisamos dele. Temos uma necessidade congênita de enfrentar desafios. A conquista nos interessa mais que a vitória. Nem pensar em sair do jogo. A gente não sossega enquanto aquele idiota não perceber o quanto somos maravilhosas e indispensáveis. Quando ele (ou ela) finalmente descobrir que está apaixonado por nós e se entregar, aí sim poderemos relaxar. E partir pra outra. Essa é a má notícia: sofrer por amor é afrodisíaco. Agora a boa notícia: afrodisíaco para adolescentes. Como ninguém estaciona nos 17 anos, a tendência é mais tarde, com mais experiência de vida e menos tempo a perder, homens e mulheres arem a se valorizar mais e a querer ao seu lado só aqueles que estão dispostos a compartilhar bons momentos. É claro que a maturidade também tem uma quedinha por desafios, mas a auto-estima impede que esta quedinha, que é até saudável, se transforme num problema crônico de relacionamento. Em vez de complicar a própria vida, é bem mais fácil, extremamente fácil, lembrar do seguinte: quem não te quer, não te merece. cc MISS GASOLINA. Quando um garoto completa 18 anos, o que ele mais deseja: o título de eleitor ou a carteira de motorista? Bidu. Ele quer estar habilitado para dirigir, é lógico, e se conseguir comprar ou ganhar um carro nessa idade, aí é o paraíso completo. Sendo dono de um Gol, de um Uno, de um Corsa ou de qualquer outro veículo com quatro rodas, garota nenhuma irá reparar nas suas espinhas, na sua falta de assunto, na sua experiência limitada. Ele tem um carro, pomba! Vai chover mulher. As garotas devem estar fuzilando este texto com o olhar, mas calma. Vamos desvendar este mistério. Por que os homens pensam que basta um carro para amolecer nosso coração? É claro que não basta. Tem que ser um importado! Sem brincadeira: não são todas, mas muitas mulheres torcem o nariz quando um cara as convida para sair de ônibus. Ou a pé. Você se produz toda, coloca um salto oito e meio, leva horas arrumando o cabelo e aí surge o seu príncipe, lépido e faceiro, dizendo que o bar fica pertinho, vocês até podem ir caminhando. São só doze quadras. Homem nenhum deve ser julgado pelo carro que tem, ou não tem. Mas a verdade é que a sociedade ajuda a divulgar essa idéia de que quanto mais potente o motor, melhor o homem e, como uma coisa leva a outra, melhor será sua mulher. Você já foi a algum Salão do Automóvel? Dezenas de modelos são contratadas para circularem entre os clientes. E os anúncios de carro? Mostram sempre uma gatona, como se ela fosse mais um item opcional, como o air bag. O que mais se vê em box de Fórmula 1? Mecânicos,
engenheiros e pilhas de garotas. Será que nós, mulheres, levamos assim tão a sério o meio de transporte dos nossos candidatos a marido? Respondo por mim: não. Já namorei em ônibus, táxi, Maverick, Opala e caminhonete, e não era uma Cherokee, e sim uma Veraneio bem fuleira. Carro nenhum vale o caráter, a inteligência e o bom humor de um homem. Pelo contrário, sempre desconfiei de quem ostenta carrões, anda com o banco reclinado, som a mil e só fala das virtudes do seu possante. Dá a impressão de que o carro substitui algo que eles não têm, pelo menos não para pronta-entrega. Fiquem ligadas, garotas. Se o seu namorado tem carro, tanto melhor, mas se o amor da sua vida surgir a pé, invista igual. Ele pode ter mais combustível do que você imagina. Mais colunas ccc UM AMOR E DOIS ENDEREÇOS. Não é muito comum, mas existem adeptos do casamento em casas separadas. Os dois se adoram, registram o seu amor em cartório mas decidem ter dois fogões, dois quartos, dois tetos. Como tudo na vida, há vantagens e desvantagens. Comecemos pelas vantagens, que não são poucas. Uma casa todinha sua. Poder ouvir os discos que quiser no volume que bem entender. Convidar os amigos barulhentos para um pôquer, deixando os cinzeiros lotados de baganas sem ninguém para chiar. Ou, no caso de você ser uma garota, convidar suas amigas para um bate-papo com direito a sonoras gargalhadas, sem precisar trancar o maridão no quarto. Uma casa todinha sua para ter na geladeira só as comidas naturebas que você ama, para deixar a cama desarrumada, para não precisar dar explicações sobre onde esteve e com quem, para ler até tarde sem preocupar-se em apagar a luz para o outro dormir e, santa independência, um banheiro privativo, só suas toalhas, seus sabonetes, sua intimidade. Tudo isso sem sofrer de solidão: basta um telefonema e em minutos você estará recebendo a visita do seu amor, que ficará o tempo que durar o bom humor de ambos. Se alguém levantar a voz, aparta que é briga. Cada um volta para sua home sweet home. Desvantagens? Também tem. Ele mora só, ela mora só. Não havendo 100% de confiança, é prato feito para a paranóia. Trair e coçar é só começar. Outra desvantagem: a despesa dupla. São dois aluguéis, duas contas de luz, dois microondas. Liberdade exige um saldo decente. Ainda em defesa do teto único: só ela sabe onde você coloca suas meias, o suflê de queijo dela só fica bom se for comido na hora, ela enche a casa de flores, faz um cafuné delicioso e esquenta seus pés à noite. E ele? Conserta chuveiros, adora preparar sanduíches de madrugada e é o único que consegue encontrar, no meio da bagunça, o disco de vinil dos Novos Baianos que você adora. Pequenas delícias compartilhadas a dois. Morando junto, vocês não precisam se despedir, mas morando separado, preservam-se das mesquinharias diárias e fazem festa todo dia quando encontram-se. Pode ser que as vantagens de ter dois endereços superem as desvantagens, a não ser que vocês tenham planos para o futuro. Filhos. Pronto, lá se foi o sonho da casa própria. cc UM ROMANCE DE APARÊNCIA. Adolescentes andam em turma e nunca chegam numa festa sem estar pelo menos com quatro amigos a tiracolo. Atacam em bando, tanto os meninos quanto as meninas. É praxe. Uma mulher de 40 anos, ao contrário, não costuma chegar numa festa com uma penca de amigas. A essa altura do campeonato ela já tem quem a escolte, seja marido ou namorado. Se, ao invés disso, ela estiver solteirinha da silva, não arriscará adentrar num recinto com o bloco das encalhadas: pode assustar os convidados. Depois de uma certa idade, chique é ser discreta. Sendo assim, o melhor é ir sozinha e encontrar as amigas lá. Muito civilizado, mas haja autosuficiência. Chegar sozinha num local é loteria. Você pode chegar numa festa e não conhecer ninguém. Pode chegar num coquetel e encontrar o seu chefe e a esposa careta dele, que sempre temeu a sua solteirice ameaçadora. Pior ainda: pode ir num aniversário e deparar-se com seu ex-namorado totalmente recuperado da briga de vocês, já que não desgruda de uma loira vitaminada. Vai dizer que não dá vontade de chegar nesses lugares acompanhada de um cara super bacana, babando por você? A gente morre e não vê tudo. Em Londres, existe uma agência de aluguel de homens. Isso mesmo, aluguel de homens. Está sem vontade de ir ao teatro sozinha? Quer desfilar ao lado de um deus para seu ex morrer de ciúmes? Quer levar alguém para almoçar na casa de seus pais e deixar a família mais
tranqüila, mostrando que você não vai ficar para tia ? Alugue um namorado. Tudo o que ele precisa é ficar o tempo inteiro do seu lado, lindão. Abrir a porta pra você entrar, buscar drinques, sorrir, dançar com você. No final da noite, um bom aperto de mãos e bye, bye. Você causou uma bela impressão. Existe, juro. Pode até ser divertido no princípio, mas depois, ao chegar em casa, a sensação de carência deve ser ainda maior. Amor não é bicicleta, não se aluga. Ou se tem de graça ou não se tem. No entanto, a solidão está abrindo novos mercados e gerando empregos. Já existe até uma agência que aluga amantes, para quem quer trair a mulher ou o marido sem dar muita bandeira. Ricardões de aluguel. Sigilo garantido. Que não está fácil arranjar um amor, não está, mas acho que ainda vale a pena tentar encontrar o seu pelos métodos convencionais. Perder o senso do ridículo, só em último caso. cc O HOMEM E A MULHER DA SUA VIDA. Minha cara-metade. O outro pedaço da minha laranja. O amor da minha vida. É assim que eles costumam se apresentar. Patrícia é a mulher da minha vida. Ricardo é o homem da minha vida. Juntos há 25 anos. Não é uma sorte Patricia e Ricardo terem nascido no mesmo século, no mesmo país, na mesma cidade? Fátima Bernardes é a mulher da vida de William Bonner. Edson Celulari é o homem da vida de Cláudia Raia. Malu Mader é a mulher da vida de Tony Belotto. Casais bacanas, que parecem mesmo terem sido feitos uns para os outros. Mas se for verdade essa história de que existe alguém predestinado para ser nosso e nos fazer feliz, não seria uma tremenda coincidência o fato de, entre os bilhões de habitantes da Terra, termos cruzado com ele justo na casa da nossa prima? Costumamos chamar de "homem da minha vida" ou "mulher da minha vida" o nosso primeiro amor, ou o primeiro amor que deu certo, a pessoa que, entre todas as que a gente namorou, melhor nos entendeu, mais nos completou. É o principal amor de uma vida restrita, vivida numa única cidade, num mesmo bairro, freqüentando as mesmas ruas e o mesmo clube. Um amor pinçado de uma pequena amostra do universo. Mas se tivéssemos o ao universo inteiro, seria esse o amor eleito? O homem da sua vida pode estar em Macau, em Helsinque ou em Fernando de Noronha, fazendo mergulho submarino. O homem da sua vida pode ter nascido em 1886 e não estar mais entre nós. O homem da sua vida pode ser um economista, um guia turístico, um corredor de maratona. Pode ser um artista gráfico canadense de 49 anos que ainda está solteiro porque sente, dentro do peito, que ainda não conheceu a mulher da vida dele, que é você. Você que mora em Jericoacoara, tem 24 anos, está noiva do Zé e nem morta coloca os pés num avião. A mulher da sua vida tanto pode ser uma cabeleireira da Baixada Fluminense como pode ser a Michelle Pfeifer. Como você vai saber, se não conhece uma nem outra? A mulher da sua vida pode estar ainda na barriga da mãe. Pior: pode ser essa mãe, grávida de um guitarrista e que nem sonha que você está de olho na mulher dele. Basta de fantasia. A mulher e o homem da nossa vida é quem está à mão e nos faz feliz, mas uma pulga atrás de orelha volta e meia nos faz pensar: alguém, em algum ponto do planeta, ainda estará a nossa espera? cc TIRE-O DA CABEÇA. Você estava apaixonado por alguém e levou um fora. Acontece mais do que acidente de avião, desastre com romeiros e incêndio na floresta. Corações partidos é o grande drama nacional. O que fazer? Ainda não lançaram um manual de auto-ajuda que consiga eliminar nossa fossa, e dos amigos só podemos esperar uma frase, repetida à exaustão: tire esse cara da cabeça. Parece fácil. Mas alguém aí me diga: como é que se tira alguém de um lugar tão cheio de mistérios? Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto: não gosto mais dele, não quero mais saber daquele prepotente, desapareça, um, dois e já! Parece que funcionou. Você sai na rua para testar. Sim, você conseguiu: olhou vitrines, comeu um sorvete e folheou duas revistas sem derramar uma única lágrima. Até que começa a tocar uma música no rádio e desanda a maionese. Você não tirou coisa alguma da cabeça, ele ainda está lá, cantando baixinho pra você. Táticas. Não ficar em casa relendo cartas e revendo fotos. Descole uma festa e produza-se para matar. Você bem que tenta,
mas nada sai como o planejado. Os casais que se beijam ao seu lado são como socos no estômago. Você se sente uma retardada na pista de dança. Um carinha puxa papo com você e tudo o que ele diz é comparado com o que o seu ex diria, com o que o seu ex faria. Chamem o EccoSalva. Livros. Um ótimo hábito, mas em vez de abstrair, você acha que tudo o que o escritor escreve é para você em particular, tudo tem semelhança com o que você está vivendo, mesmo que você esteja lendo sobre a erupção do Vesúvio que soterrou Pompéia. Viajar. Quem vai na bagagem? Ele. Você fica olhando a paisagem pela janela do ônibus e só no que pensa é onde ele estará agora, sem notar que ele está ali mesmo, preso na sua mente. Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, impossível de programar. Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. Permitir-se recordar, chorar, ter saudade. Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la. Com fórceps é que a criatura não sai. cc RELACIONAMENTOS MADUROS. Sua amiga telefona avisando que, depois de uma longa estiagem, voltou a chover na sua horta: está namorando. Quem? quem?, você pergunta curiosa. Descobre que ele se chama Mateus, um cara sensacional que não sente um pingo de ciúmes dela, que a incentiva a sair sozinha com as amigas e que acredita que a independência é o elixir da felicidade. Enfim, um relacionamento maduro. Você então deseja que eles sejam felizes, que amem-se muito, que sigam preservando sua individualidade e que a relação progrida dentro desse clima de respeito e confiança. Ao desligar, se sente a mais infantil das criaturas. Momentos antes de falar com sua amiga, você estava à beira de um ataque de nervos porque seu namorado disse que não iria ar na sua casa, estava exausto. O que isto significa? Num relacionamento maduro, significa que ele está mesmo exausto e que os dois podem muito bem ficar sem se verem uma noite. Mas para ela, é a prova de que ele não a ama mais, que está desinteressado, ou armando alguma. Você é assim: sofre por ficar cinco minutos longe de quem gosta. Você não está preparada para um relacionamento maduro. Em relacionamentos maduros, cada um reivindica o seu espaço. Em relacionamentos maduros, o esquecimento de uma data importante não é motivo para briga, elogiar a beldade que entrou no restaurante é uma coisa natural e conviver com ex-namorados é civilizado. Em relacionamentos maduros, ninguém inspeciona colarinhos, fiscaliza a agenda alheia ou fica ouvindo conversas na extensão. No planeta dos maduros não se atiram vasos contra a parede. Imagine se soubessem que você entra em surto cada vez que seu namorado cumprimenta uma fulana da época do primário, que não descansa enquanto ele não diz onde esteve e com quem, que se sente incomodada até quando ele tira uma prima pra dançar. O que pensariam se soubessem que você desconfia quando liga para o escritório e ele não está, que você costuma dar uma geral no portaluvas do carro em busca das provas de uma suposta traição e que bisbilhoteia o canhoto do talão de cheques dele? Que diriam se soubessem que você adora que ele proíba seus decotes e que já o procurou no Instituto Médico Legal por causa de um atraso de 25 minutos? Relacionamentos maduros. Podem não ser animados, mas dão muito menos trabalho. c HOMENS QUE SE APROVEITAM. Entra geração, sai geração e os pais seguem dando os mesmos conselhos. Mamãe para sua menina: "Filhinha, dê-se o valor. Não saia com qualquer um, esses garotos só querem se aproveitar de você". Papai para seu menino: "Filho, não se amarre tão cedo. Faça muita festa, namore todas, aproveite a vida". Moral da história: toda menina é carniça, todo homem é urubu. Não olhe agora mas teias de aranha estão formando-se no teto. Estou pra ver papo mais obsoleto. Mesmo que as mães estejam hoje menos caretas e já não destilem tanto preconceito, ainda assim paira no ar a idéia de que, quando um homem e uma mulher vão para os finalmentes sem haver um compromisso formal, ele está tirando uma lasquinha da pobre infeliz, que está ali sendo iludida, usada, consumida. Tirem as crianças da sala! O que ninguém contou para o urubu é que a carniça não está morta: ela também tem fome e sacia-se plenamente com essa refeição. Pelo amor de Deus, as mulheres aproveitam também! A diferença é que a gente não sai com um cara só para ter assunto com as amigas no
dia seguinte: as mulheres é que são as verdadeiras comem-quietas. Não acredito quando ouço uma garota dizer que fulano se aproveitou dela. Como assim, ela estava desmaiada? Algumas mulheres ainda têm esse vício de achar que uma relação sexual que não evoluiu para o namoro sério ou para o casamento é uma espécie de estelionato: o cara furtou sua ilusão de amor. Essa garota até pode ter caído numa cantada mal-intencionada, mas ainda assim, durante o bem-bom, ela não estava fazendo nenhum sacrifício: trocou carinho, sentiu prazer, ficou satisfeita. Por que só o homem se aproveita? Aliás, por que esse "se" pejorativo, como se o ato sexual fosse praticado por um só? Homens e mulheres apenas "se" aproveitam quando "se" masturbam, amando-se a si próprios. O resto é em proveito dos dois. Ninguém deve se entregar para uma pessoa em troca de garantias. Uma relação sexual não é um aporte para o altar, é apenas uma transa, que pode virar duas, três, trezentas, ou pode permanecer filha única. Nenhuma mulher pode dizer que alguém se aproveitou da sua ingenuidade depois de ela ter consentido tirar a roupa. Se tirou, que aproveite também. Quem acha que o prazer é um direito apenas dos homens precisa voltar para os anos 70 e recuperar as aulas perdidas. c VALE DE LÁGRIMAS. Uma vez eu estava no cinema vendo um filme triste. Não era dilacerante, só um pouco terno, mas eu comecei a chorar mesmo assim. Não costumo chorar em cinema, no máximo fico comovida, com o olho cheio d'água, mas dessa vez chorei de lavar a alma. De repente a parte triste do filme cessou, estava numa parte até bem alegre, e eu seguia me debulhando. Já nem via mais o filme que ava na minha frente, estava agora assistindo o filme que ava dentro de mim, e chorava feito uma condenada. Chorar faz bem, todos dizem, mas eu não gosto. Chorar me dói, me incha e me fragiliza. Assim como ajoelhar faz a gente sentir mais fé e beijar nos torna mais apaixonados, chorar me faz sentir ainda mais pra baixo. Mas não é algo que se possa impedir. Choro vendo reportagens sobre crianças que am fome, choro ao saber de grandes injustiças, choro lendo as agens emocionantes de um livro, e chorei à beça quando, semana ada, prendi o dedo na porta do carro. Mas nenhum choro é tão sentido quanto aquele que não tem razão aparente. Já deve ter acontecido com você. Você está morrendo de rir e de repente o riso vira choro. Ou você ouve uma música que a faz lembrar de alguém, e as lágrimas escorrem. Ou você está deitada à noite, sem conseguir dormir, sem conseguir sentir nada, gostar de nada, e chora sem saber a razão, e isso lhe dá ainda mais vontade de continuar chorando. Por que a gente chora? Tem choro de alegria, de revolta, mas o mais comum é mesmo o choro de tristeza, e o motivo nem sempre é o que parece ser. Você briga com uma amiga mas chora pela falta de auto-estima. Perde a vaga de um emprego mas chora porque se sente incapaz. Não é aprovado no vestibular mas chora porque acha que nada dá certo pra você. Você não chora pelo o que lhe acontece, mas por quem você é. Daí que a única comporta capaz de estancar o aguaceiro é o auto-conhecimento. Quando a gente detecta as próprias limitações e dispõe-se a vencê-las, consegue trocar lágrimas por disposição e seguir em frente, com os olhos abertos e bem secos. Aprender a conviver com a rejeição ajuda a economizar uma nota em lenços de papel. Ninguém vai deixar de chorar, que isso faz parte da vida de qualquer ser humano, mas nos conhecendo melhor, amos a chorar mais pelos outros e menos por nós mesmos. c AMOR EPIDÉRMICO. Seus pais foram jantar fora e deixaram o apartamento só para você, seu namorado e a tevê a cabo. Que inconseqüentes! Em menos de um minuto vocês deixam a televisão falando sozinha e vão ensaiar umas cenas de amor no quartinho dos fundos. De repente, escutam o barulho da fechadura. Seu pai esqueceu o talão de cheques. os no corredor. Antes que você localize sua camiseta, sua mãe se materializa na porta. Parece que ela está brincando de estátua, mas não resta dúvida que entrou em estado de choque. Você diz o quê? Mãe, a carne é fraca. A desculpa é esfarrapada mas é legítima. Nada é mais vulnerável que nosso desejo. Na luta entre o cérebro e a pele, nunca dá empate. A pele sempre ganha de W. O. Você planeja terminar um relacionamento. Chegou à conclusão que não quer mais ter a seu lado uma pessoa distante, que não leva nada à sério, que vive contando
piadinhas preconceituosas e que não parece estar muito apaixonado. Por que levar a história adiante? Melhor terminar tudo hoje mesmo. Marca um encontro. Ele chega no horário, você também. Começam a conversar. Você engata o assunto. Para sua surpresa, ele ficou triste. Não quer se separar de você. E para provar, segura seu rosto com as duas mãos e tasca-lhe um beijo. Danou-se. Onde foram parar as teorias, os diálogos que você planejou, a decisão que parecia irrevogável? Tomaram Doril. Você agora está sob os efeitos do cheiro dele, está rendida ao gosto dele, está ligada a ele pela derme e epiderme. A gravação do seu celular informa: seus neurônios estão fora da área de cobertura ou desligados. Isso nunca aconteceu com você? Reluto entre darlhe os parabéns ou os pêsames. Por um lado, é ótimo ter controle absoluto de todas as suas ações e reações, ter força suficiente para resistir ao próprio desejo. Por outro lado, como é bom dar folga ao nosso raciocínio e deixar-se seduzir, sem ficar calculando perdas e danos, apenas dando-se ao luxo de viver o seu dia de Pigmaleão. A carne é fraca, mas você tem que ser forte, é o que recomendam todos. Tente, ao menos de vez em quando, ser sexualmente vegetariano e não ceder às tentações. Se conseguir, bravo: terá as rédeas de seu destino na mão. Mas se não der certo, console-se. Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negarse costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios. Alguma recompensa há de ter. c IDADE x MATURIDADE. Entre todos os crimes que foram anunciados pela tevê nos últimos anos, um sempre me deixou dividida: é o caso daquela professora americana de 35 anos que foi julgada e condenada por envolver-se com um aluno de 13. Os dois declararam-se apaixonados e já tiveram dois filhos, se não me engano, e o garoto, que hoje deve estar com 16, aguarda o término da pena para voltar a viver com sua amada. É crime, isso? É, segundo a lei. Chama-se corrupção de menores. No entanto, custo a aceitar a idéia de que essa professora é tão nociva à sociedade quanto um estelionatário. Ao que tudo indica, há entre os dois uma relação de amor, ainda que incomum. Uma relação duradoura, recíproca, que gerou filhos. Não seria mais sensato manter a discussão entre as famílias envolvidas? Lógico que os pais do garoto devem ter ficado de cabelo em pé, porém não me parece que a professora é uma tarada e o estudante um retardado mental. Foram vítimas do calendário: nasceram longe demais um do outro. Estou muito condescendente? Talvez. Não entendo nada de Direito, mas arrisco uns palpites quando o assunto é romantismo. Eu absolvia. Casais com grande diferença de idade já não são raros, até porque não existe um comportamento padrão para cada fase da vida: aos 15 você é babaca, aos 21 é responsável, aos 30 é liberal, aos 40 é careta, aos 60 é um velho. Quem disse? Você pode ser um chato aos 20 e extremamente divertido com 50. A idade é só o resultado da soma dos anos vividos desde o dia do nascimento: o estado de espírito é que revela quem é jovem, quem é moderno, quem é bobalhão. Infantil, pra mim, é se drogar, fazer pega de carro e seguir os mandamentos de uma única tribo. Classifico de maduros os educados, os ecléticos, os bem-informados e bem-humorados. Pode-se segmentar esses comportamentos por idade? A professora e o aluno, quando se conheceram, tinham 22 anos de diferença: uma mulher vivida X um adolescente recém saído da infância. Mas só um mergulho em suas almas revelaria se o garoto já tinha a cabeça feita e se a professora era irreverente e jovial, contrariando as tendências e aproximando-os. Quem tem o poder de fazer esse cálculo senão eles mesmos? Não é um assunto fácil, mas se não houve aliciamento, hipnose, doping, chantagem, vigarice ou má-fé, foi um caso explícito de preconceito: prendam os jurados. c AÍ TEM. As coisas são como são. Se alguém diz que está calmo, é porque está calmo. Se alguém diz que te ama, é porque te ama. Se alguém diz que não vai poder sair à noite porque precisa estudar, está explicado. Mas a gente não escuta só as palavras: a gente ouve também os sinais. Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava frio como um iglu. Você falava, falava, e ele quieto, monossilábico. Até que você o coloca contra a parede: "O que é que está havendo?". "Nada, tô na minha, só isso." Só isso? Aí tem. Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava exaltado demais. Não parava de tagarelar. Um entusiasmo fora
do comum. Você pergunta à queima-roupa: "Que alegria é essa?" "Ué, tô feliz, só isso". Só isso? Aí tem. Os tais sinais. Ansiedade fora de hora, mudez estranha, olhar perdido, mudança no jeito de se vestir, olheiras e bocejos de quem dormiu pouco à noite: aí tem. Somos doutoras em traduzir gestos, silêncios e atitudes incomuns. Se ele está calado demais, é porque está pensando na melhor maneira de nos dar uma má notícia. Se está esfuziante demais, é porque andou rolando novidades que você não está sabendo. Se ele está carinhoso demais, é porque não quer que você perceba que está com a cabeça em outra. Se manda flores, é porque está querendo que a gente facilite alguma coisa pra ele. Se vai viajar com os amigos, é porque não nos ama mais. Se parou de fumar, é uma promessa que ele não contou pra você. Enfim, o cara não pode respirar diferente que aí tem. Às vezes não tem. O cara pode estar calado porque leu um troço que mexeu com ele, ou está falando muito porque o time dele venceu. Pode estar mais carinhoso porque conversou sobre isso na terapia e pode estar mais produzido porque teve um aumento de salário. Por que tudo o que eles fazem tem que ser um recado pra gente? É uma generalização, mas as mulheres costumam ser mais inseguras que os homens no quesito relacionamento. Qualquer mudança de rota nos deixa em estado de alerta, qualquer outra mulher que cruze o caminho dele pode ser uma concorrente, qualquer rispidez não justificada pode ser um cartão amarelo. O que ele diz importa menos do que sua conduta. Pobres homens. Se não estão babando por nós, se tiram o dia para meditar ou para assistir um jogo de vôlei na tevê sem avisar com duas semanas de antecedência, danou-se: aí tem. cc O CONTRÁRIO DO AMOR. O contrário de bonito é feio, de rico é pobre, de preto é branco, isso se aprende antes de entrar na escola. Se você fizer uma enquete entre as crianças, ouvirá também que o contrário do amor é o ódio. Elas estão erradas. Faça uma enquete entre adultos e descubra a resposta certa: o contrário do amor não é o ódio, é a indiferença. O que seria preferível, que a pessoa que você ama asse a lhe odiar, ou que lhe fosse totalmente indiferente? Que perdesse o sono imaginando maneiras de fazer você se dar mal ou que dormisse feito um anjo a noite inteira, esquecido por completo da sua existência? O ódio é também uma maneira de se estar com alguém. Já a indiferença não aceita declarações ou reclamações: seu nome não consta mais do cadastro. Para odiar alguém, precisamos reconhecer que esse alguém existe e que nos provoca sensações, por piores que sejam. Para odiar alguém, precisamos de um coração, ainda que frio, e raciocínio, ainda que doente. Para odiar alguém gastamos energia, neurônios e tempo. Odiar nos dá fios brancos no cabelo, rugas pela face e angústia no peito. Para odiar, necessitamos do objeto do ódio, necessitamos dele nem que seja para dedicar-lhe nosso rancor, nossa ira, nossa pouca sabedoria para entendê-lo e pouco humor para aturá-lo. O ódio, se tivesse uma cor, seria vermelho, tal qual a cor do amor. Já para sermos indiferentes a alguém, precisamos do quê? De coisa alguma. A pessoa em questão pode saltar de bung-jump, assistir aula de fraque, ganhar um Oscar ou uma prisão perpétua, estamos nem aí. Não julgamos seus atos, não observamos seus modos, não testemunhamos sua existência. Ela não nos exige olhos, boca, coração, cérebro: nosso corpo ignora sua presença, e muito menos se dá conta de sua ausência. Não temos o número do telefone das pessoas para quem não ligamos. A indiferença, se tivesse uma cor, seria cor da água, cor do ar, cor de nada. Uma criança nunca experimentou essa sensação: ou ela é muito amada, ou criticada pelo que apronta. Uma criança está sempre em uma das pontas da gangorra, adoração ou queixas, mas nunca é ignorada. Só bem mais tarde, quando necessitar de uma atenção que não seja materna ou paterna, é que descobrirá que o amor e o ódio habitam o mesmo universo, enquanto que a indiferença é um exílio no deserto. c AS ESCOLHAS DE UMA VIDA. A certa altura do filme Crimes e Pecados, o personagem interpretado por Woody Allen diz: "Nós somos a soma das nossas decisões". Essa frase acomodou-se na minha massa cinzenta e de lá nunca mais saiu. Compartilho do ceticismo de Allen: a gente é o que a gente escolhe ser, o destino pouco tem a ver com isso. Desde pequenos aprendemos que, ao fazer uma opção, estamos descartando outra, e
de opção em opção vamos tecendo essa teia que se convencionou chamar "minha vida". Não é tarefa fácil. No momento em que se escolhe ser médico, se está abrindo mão de ser piloto de avião. Ao optar pela vida de atriz, será quase impossível conciliar com a arquitetura. Se é a psicologia que se almeja, pouco tempo sobrará para fazer o curso de odontologia. Não se pode ter tudo. No amor, a mesma coisa: namora-se um, outro, e mais outro, num excitante vaivém de romances. Até que chega um momento em que é preciso decidir entre ar o resto da vida sem compromisso formal com alguém, apenas vivenciando amores e deixando-os ir embora quando se findam, ou casar, e através do casamento fundar uma microempresa, com direito a casa própria, orçamento doméstico e responsabilidades. As duas opções têm seus prós e contras: viver sem laços e viver com laços. Escolha. Morar em Londres ou numa chácara? Ter filhos ou não? Posar nua ou ralar atrás de um balcão? Correr de kart ou entrar para um convento? Fumar e beber até cair ou virar vegetariano e budista? Todas as alternativas são válidas, mas há um preço a pagar por elas. Quem dera pudéssemos ser uma pessoa diferente a cada 6 meses, ser casados de segunda a sexta e solteiros nos finais de semana, ter filhos quando se está bem-disposto e não tê-los quando se está cansado, viver de poesia e dormir em hotel 5 estrelas. No way. Por isso é tão importante o auto-conhecimento. Por isso é necessário ler muito, ouvir os outros, estagiar em várias tribos, prestar atenção ao que acontece em volta e não cultivar preconceitos. Nossas escolhas não podem ser apenas intuitivas, elas têm que refletir o que a gente é. Lógico que se deve reavaliar decisões e trocar de caminho: ninguém é o mesmo para sempre. Mas que essas mudanças de rota venham para acrescentar, e não para anular a vivência do caminho anteriormente percorrido. A estrada é longa e o tempo é curto. Quanto menos a gente errar, melhor. c CASAMENTOS RELÂMPAGOS. Muita gente diz que casamento é loteria. Não importa se o casal namorou seis meses ou seis anos, nunca se terá a garantia de ser feliz para sempre. Concordo em termos. O tempo de namoro realmente não é pré-requisito para a felicidade conjugal, mas ajuda a iluminar o longo caminho que será percorrido depois que o casal for morar sob o mesmo teto. Os primeiros meses de namoro se caracterizam pela paixão, pelo sexo, pela novidade, pela sedução, ou seja, é meio fora da realidade. Esse idílio não dura muito. Em seguida a vida a dois assume um ritmo mais lento, normal, rotineiro. É aí que o amor é posto à prova, lá pelo segundo semestre do namoro, quando o que tem que seduzir não é mais a novidade, e sim a intimidade conquistada. Não existe intimidade instantânea. Enquanto a gente não experimentar o lado bom e o lado ruim de se conhecer alguém profundamente, de conviver com seu alto astral e suas esquisitices, com suas qualidades e suas obsessões, qualquer troca de alianças será precipitada. Levando-se em consideração que não descobri a pólvora, a pergunta que não quer calar é: por que as pessoas não esperam um pouco antes de sair casando a jato? Claro que esse papo tem a ver com o fim do casamento de Adriane Galisteu, que não é da conta de ninguém, mas que serve como exemplo do que estamos discutindo aqui. Do namoro ao altar, foi tudo muito rápido. E barulhento. Toda a imprensa documentou o "sim" dos noivos, e agora está documentando o "não". Adriane está na capa da Caras, posando de triste para os fotógrafos, e tem declarado publicamente sua frustração. Pelo visto, não é um assunto privado. Posso usá-la como exemplo, sim. Adriane e Roberto Justus casaram no auge da paixão, exatamente naquele período em que a razão é jogada pra escanteio e só ouvimos o coração, que é um bobo. A decisão de casar tem que ser tomada com a cabeça, por mais que isso pareça frio e calculista. É claro que o amor tem que ser ouvido, mas também é preciso escutar a intuição, a experiência e a inteligência de cada um. Quem casa quer estabilidade, fidelidade e cumplicidade. Tudo isso tem que ser testado. Não basta um conhecimento superficial. Qual é o tempo seguro, então, para namorar antes de decidir casar? Um tempo que ultrae a ilusão. c INFIDELIDADE VIRTUAL. Entre tantas mudanças que a internet trouxe para o cotidiano das pessoas, uma tem mexido com nossos brios: a infidelidade on line. O tema andou sendo debatido por psicanalistas italianos, que concluíram que a internet está
revolucionando os jogos de sedução, já que antes o olhar, o tom de voz e as atitudes contavam muito mais do que as palavras. Agora o texto é que seduz. Eu confesso que já fui mais cética quanto às relações virtuais, até que foram pipocando ao meu lado casos e mais casos de pessoas que se conheceram através da rede, começaram a namorar e acabaram trocando alianças. Em setembro próximo serei madrinha de um casamento que foi gestado por uma troca de e-mails. Não há o que contestar: funciona. O que anda tirando o sono de alguns é o que vem depois: se a esposa ou o marido iniciar uma correspondência com alguém que conheceu na rede e ar a namorá-lo virtualmente, sem que seu parceiro desconfie de nada, é traição? Fantasias sempre fizeram parte das relações matrimoniais. Mais cedo ou mais tarde, um dos cônjuges, ou ambos, sente saudades de emoções que já não sente, mesmo continuando a amar a pessoa com quem vive. A rotina abre alas pro tédio: ficar com o coração disparado ou com as pernas bambas são sensações enterradas no baú dos guardados. Tendo o casal jurado fidelidade na frente do padre, apelam, então, para um recurso sem contra-indicações: a imaginação. Que jogue a primeira pedra quem nunca fantasiou estar nos braços de Ricky Martin ou tomando uma chuverada com Cameron Diaz. Fantasiar é natural, saudável e nunca foi motivo para divórcio. A questão é se essa tolerância se aplica também a parceiros que, apesar de não terem rosto nem voz, correspondem aos nossos anseios com sujeito, verbo e predicado. Teclar com um desconhecido não é o mesmo que masturbar-se: existe outra pessoa. Uma pessoa que pensa, que malicia, que conta o que achou de um filme ou o que comeu no almoço. É uma relação. Eu não condenaria ninguém à cadeira elétrica por isso, talvez seja até um ótimo tempero para um casamento que anda morno e sem gosto, mas é diferente da fantasia solitária. Ricky Martin, em sonhos, diz as palavras que a gente coloca na boca dele. Um parceiro virtual, ao contrário, tem idéias próprias, nos provoca, nos surpreende. É um amante em potencial. c FANTASIA E IDEALIZAÇÃO. Fantasia e idealização são considerados sinônimos, mas diferem entre si. Fantasia, ninguém espera que se realize. É uma viagem do imaginário. Tira nossos pés do chão e nos faz pisar num palco, onde representamos novos e inusitados papéis. Na fantasia, estamos fazendo um cruzeiro pelas Bahamas e encontramos George Clooney dando sopa no convés. Na fantasia, somos uma famosa cantora que vive em uma mansão em Malibu e tem agendados vários concertos pelo mundo. Na fantasia, damos entrevista para Marilia Gabriela, somos a capa da Playboy, participamos de um menage-àtrois, ganhamos o Nobel de economia, moramos num loft no Soho, viramos a cabeça do entregador de pizza. Nada disso é projeto de vida. São apenas divagações para distrair a mente, válvulas de escape de um mundo deveras convencional, um alucinógeno sem contraindicações. A idealização, sim, pode ser perigosa. O idealista costuma ser um sujeito que acredita em utopias e não mede esforços para transformar o mundo num lugar melhor pra se viver. Até aí, nenhum problema. A coisa vira patologia quando ele começa a idealizar o próprio destino, tentando prever cada diálogo e cada cena a ser vivida, obstinado em fazer com que as coisas aconteçam exatamente como ele sonhou. Esse idealista aceita um emprego achando que vai salvar a empresa onde trabalha. Ele vai triplicar o faturamento, será líder da equipe e acabará virando consultor da diretoria, mesmo tendo sido contratado para ser assistente do almoxarifado. Poderia, com menos pressa, alcançar suas metas, não fosse candidato potencial para cair das nuvens. No amor, a idealização causa ainda mais estrago. Será um amor de novela: ele se consumirá por mim, ela retribuirá todos os meus olhares, ele será forte e me protegerá, ela será frágil e me deixará tomar as decisões, ele nunca vai perder o emprego, ela nunca vai ganhar peso, ele nunca olhará para outra, ela sempre vai dizer sim. E a vida real minando esse conto-de-fada. A infância, povoada de super-heróis, incentiva nossas idealizações e fantasias. Com o tempo, porém, as fantasias se sofisticam e as idealizações são dispensadas. Maturidade, é como se chama esse jogo. Só perde quem inverte as regras: dispensa a fantasia e a a cultivar a frustração. c RELIGIÃO E INFIDELIDADE. Há quem ame e quem odeie Arnaldo Jabor. Faço parte do primeiro time. Depois que Paulo Francis faleceu, o jornalismo corrosivo ficou
órfão, e Jabor acabou assumindo o posto. Uns acham que seu texto é meio arquitetado, produzido para chocar. Que seja. Prefiro a inteligência provocante de alguém que não se contenta com primeiras versões do que a reverência bovina com que recebemos a maioria das informações que nos despejam. No programa Manhattan Connection do dia primeiro de agosto, mesa-redonda dominical que vai ao ar pelo canal GNT, Jabor falava sobre casamento quando saiu-se com essa pérola: "os casamentos convencionais só se sustentam por causa da religião ou da infidelidade". Ainda provocou: "essa frase vai fazer eu receber uns e-mails bem mal-criados". Tenho dúvidas se esta frase é dele ou do Nelson Rodrigues, e se ele recebeu alguns desaforos via internet, não sei, mas que é um assunto palpitante, isso é. Vem corroborar com uma crônica que já publiquei nesta coluna, onde eu perguntava: depois de conseguir casar e ser feliz, o que a gente faz com nossa necessidade de desejar? Jabor apontou duas saídas. A saída do bem é a religião, principalmente a católica, que chega às raias do histerismo em relação ao sexo: condena as relações prématrimoniais, condena a pílula e a camisinha, condena o divórcio e se o assunto é adultério, vade retro. Para a Igreja, o casamento se justifica apenas para constituir família, e só obedecendo timtim por timtim os mandamentos divinos é que se poderá fugir das tentações e ser feliz para sempre. A saída do mal é mais realista, porém condenável sob a luz do sol. Um casal vive sob o mesmo teto, se ama e se entende. Pode ter filhos ou não. Viaja junto, vai ao cinema junto, dorme junto, acorda junto. Uma maravilha, mas onde foi parar a adrenalina que estava aqui? A rotina comeu. Restam duas alternativas: ou confunde-se tédio com falta de amor e se separam, ou mantém-se juntos mas preservam suas fantasias, também conhecido como "cavalo amarrado também pasta". Casamentos de longos anos, plenamente satisfatórios, baseados no amor, respeito e confiança, sem precisarem apelar para a fé ou para os motéis? Existem, evidente. Foram todos fotografados e estão expostos nas salas de estar. Mas no dia-a-dia, 20 anos de vida em comum mantendo o sorriso nos lábios e o vigor sexual, ou o casal é muito cristão ou é muito malandro. c O TEMPO PERDOA TUDO. Se alguém mata uma pessoa, e consegue escapar da polícia, mantendo-se fora do alcance da lei por um longo período, o crime prescreve. Ou seja, vinte anos depois do delito cometido, fica extinguida a punibilidade do criminoso por o Estado não tê-lo julgado e condenado em tempo hábil. Agora pense bem: se até a Justiça ite que depois de os ânimos serenarem ninguém precisa mais de castigo, talvez a gente também devesse suspender a pena daqueles que cometeram crimes contra o nosso coração. Mágoas entre pais e filhos, por exemplo. Não tem nada mais complicado do que família, você sabe. Amor à parte, os desentendimentos são generalizados, e às vezes uma frustração infantil segue perturbando a gente até a idade adulta. Seu pai nunca lhe deu um abraço? É um crime fazer isso com uma criança, mas é preciso prescrevê-lo. Vinte anos depois, não dá para continuar usando essa justificativa para explicar porque você usa drogas ou porque não consegue ser afetuoso com os outros. Cresça e perdoe. Você jurou que nunca mais iria falar com aquele seu amigo que lhe dedurou no colégio? Olha, eu também acho que deduragem é falta de caráter, e você teve toda a razão de ficar danado da vida. Mas quanto tempo faz isso? O cara agora está jogando futebol no seu time, tem sido um companheirão, e você segue não baixando a guarda por causa daquela molecagem do ado. Releve e chame o ex-inimigo para tomar uma cerveja, por conta dos novos tempos. Ai, agora é dureza. Ele foi o amor da sua vida. Chegaram a noivar. Você já estava comprando o enxoval quando o cara terminou tudo. Por telefone. Não deu explicação: rompeu e desligou. Na semana seguinte foi visto enrabichado numa bisca. Você deseja ardentemente que ambos caiam numa piscina lotada de piranhas famintas. Apoiado. Mas faz quanto tempo isso? Você já casou, ele já casou, aquela bisca não durou nem duas semanas. Por que ainda fingir que não o vê quando o encontra num restaurante? É bandeira demais ficar tanto tempo magoada. E a tal da superioridade, onde fica? Dê um abaninho pra ele. Se quem estrangula e degola recebe o perdão da sociedade depois de duas décadas, os pequenos criminosos do cotidiano também merecem que a agem do tempo atenue seus delitos. Não
cultive rancor. Se não quiser mais conviver com quem lhe fez mal, não conviva, mas não fique até hoje armando estratégias de vingança. Perdoe. Vinte anos depois, bem entendido. c PEQUENOS GRANDES NEGÓCIOS. O filme Próxima Parada, Wonderland, que está em cartaz no país, não concorre ao Oscar e nem tem astros no elenco. A trilha sonora é bárbara (bossa nova by Stan Getz), mas é apenas uma produção independente e despretensiosa sobre solidão e amor. Eu gostei, saí leve do cinema. Fica a dica pra quem anda cansado de efeitos especiais e litros de sangue jorrados da tela. É um filme diet. A história: uma garota acaba de sair de um relacionamento. As pessoas a sua volta, então, ficam tentando arranjar-lhe outro namorado, como se fosse pecado ficar sozinha. A mãe da garota, que desconhece o significado da palavra privacidade, chega ao ponto de colocar um anúncio nos classificados em nome da filha, oferecendo-a: "Loira, alta, culta, charmosa, independente". A garota, depois de querer esganar a mãe, telefona, por curiosidade, para sua caixa postal e descobre que mais de 60 homens responderam. Estará, entre eles, o príncipe? O anúncio classificado surgiu para facilitar a comercialização de bens materiais entre alguém com algo para vender e outra com dinheiro para comprar. Um negócio da china para transações sem intermediários: telefones, carros, apartamentos, bicicletas, barracas de camping, coleções de Cds, tudo ou a trocar de mãos através de anúncios minúsculos, de poucas linhas mas com um retorno imenso. Uma idéia boa demais para não ser aproveitada para outros fins. Hoje oferece-se sexo à granel pelos classificados. Agiotas acenam com dinheiro vivo para quem está com a corda no pescoço. Há quem tope assumir multas de trânsito alheias em troca de uma módica quantia. Até o ator Cacá Rosset andou se oferecendo para trabalhar em novelas, devido à crise no setor teatral, que é onde sempre reinou. Tudo pelos classificados. Numa sociedade de consumo, gente é produto, portanto temos que nos anunciar. Se isso soa mal pra você, a mim tampouco soa bem. Mas a verdade é que foi-se o tempo em que bastava estudar e entregar o resto a Deus. Se não nos embalarmos para presente, alguém que sabe fazer propaganda de si próprio ficará com nossa vaga, seja ela a vaga de um emprego, de uma cama vazia ou de um coração desocupado. Marketing pessoal ou o esquecimento eterno, são as regras do jogo. Talvez por isso eu tenha gostado tanto de Próxima Parada, Wonderland, um filme em que as pessoas ainda acreditam que o destino pode ser mais eficiente que a mídia. c TER OU NUNCA TER TIDO, EIS A QUESTÃO. O cenário: um boteco. Personagens: uma turma. O enredo: papo e cerveja. Lá pelas tantas, alguém levanta a questão mais batida e menos respondida deste século: o que é pior, nunca ter amado, ou ter amado e perdido o amor? As opiniões se dividem, mas não em partes iguais. A maioria acha que é mil vezes melhor ter amado ao menos uma vez do que ar a existência inteira sem saber o que é receber um beijo apaixonado, nunca ter sido importante para alguém, nunca ter provocado uma saudade. Muitos concordam que é preferível ter vivido um grande amor, mesmo que depois tenha padecido no inferno por perdê-lo, do que nunca ter amado. No entanto, muitos dos que estão na rua da amargura, desolados com a ausência do seu amor, prefeririam nunca terem estado apaixonados: abririam mão da paixão e da dor, escolheriam uma vida anestesiada, sem beijos, mas também sem lágrimas. Acreditam que o desespero da perda não paga um amor tipo "infinito enquanto dure", porque geralmente dura pouco, e as lembranças pra nada servem, a não ser causar mais dor. Façam suas apostas. Da minha parte, prefiro perder o que tive do que nunca ter tido: estamos aqui para vivenciar, aprender, dar-se bem e dar-se mal. Não somos zumbis, robôs, Ets. Caímos no mundo e nele temos que nos virar. Muda o placar quando o assunto é dinheiro: o que é preferível, ser pobre para sempre ou ar uma temporada como rico e depois perder tudo? Será melhor ar a vida inteira com seu arrozinho com feijão, futebol aos sábados e Silvio Santos aos domingos, ou ter tido a oportunidade de ar férias em Angra, andar de lancha, tomar champanhe, morar numa cobertura com piscina, ter todas as roupas que sonhou, mesmo que um dia tudo isso evapore e tenhamos que voltar a ar a pão e água? A maioria, acredito, iria preferir não sentir o gosto do bem-bom e ficar com seu arrozinho com feijão, que
também tem o seu valor. Champanhe, lancha e roupa de grife não são essenciais como o amor, pode-se ar sem eles para sempre e ainda assim ser muito feliz. O máximo que uma temporada na ilha da fantasia pode nos trazer é uma certa revolta em voltar para o barraco de onde nunca devíamos ter saído. Quem perde um amor, sofre mas conforma-se. Quem perde dinheiro, sofre e corrompe-se. Amor, que a gente tenha nem que seja por um dia. Dinheiro, que venha para sempre ou fique onde está. c QUEM NÃO ARRISCA NÃO PETISCA. Você deve conhecer um poeta brilhante, porém inédito. Ou um cara que canta superbem, mas que nunca teve uma chance. Ou ainda uma garota que pinta que nem Tarsila do Amaral, mas jamais recebeu um convite para expôr. Talvez seja você mesmo esse gênio incompreendido, esse talento prestes a estourar, esperando apenas uma oportunidade. Fora da mídia, existem milhares de artistas desconhecidos, batalhando por um lugar nesse disputado mercado cultural. A maioria desiste da carreira antes de começar, e coloca a culpa nos outros, decretando que a humanidade é insensível demais para reconhecer sua genialidade. E há os que não têm pressa em virar estrelas e cavocam o próprio espaço. Declamam seus versos em bares, tocam seu violão em estações de metrô, correm atrás do seu público. É verdade que esse público geralmente a reto sem olhar, mas o elemento sorte pode estar ali por perto, rondando. Um caçador de talentos, um empresário a fim de investir em cultura, um editor farejando novidades, eles podem estar bem atrás de você. Tudo o que se tem a fazer é estar no lugar certo na hora certa. Um caso em mil? Pode ser, mas as estatísticas não estão com essa bola toda, ou não haveria tanta gente apostando na megasena. Escuta esta: quatro adolescentes ingleses de 16 anos formaram uma banda num subúrbio próximo à cidade de Manchester. Mas não saíram da garagem. Resolveram então gravar um CD demo, colocaram o disco num envelope e escreveram: para Rainha Elizabeth, Palácio de Buckingham, Londres. Junto mandaram um bilhete apresentando-se e dizendo que não usavam drogas, o que foi bem lembrado, pois a atitude deles era de quem estava em viagem de ácido. Surpresa: duas semanas depois receberam um convite da rainha para fazer uma apresentação de 20 minutos no aniversário de 50 anos do príncipe Charles. Platéia de 800 convidados, maior do que muito teatro. Se os garotos mandaram bem, não sei, mas a imprensa estava lá, documentou. Só voltam pra garagem se forem muito ruins. Que seja um caso em mil. A verdade é que ninguém vai cair do céu com um contrato prontinho pra você . É preciso se expôr sem medo de dar vexame. É preciso colocar o trabalho na rua. É preciso saber ouvir um não e, depois de secar as lágrimas, seguir batalhando. Arriscar, é o nome do jogo. Muitos perdem, poucos ganham. Mas quem não tenta, não tem ao menos o direito de reclamar. cc A TRILHA SONORA DO AMOR. Já viu cena de amor na televisão sem um cha-lá-lá de fundo? Não tem. Desde a primeira versão de Selva de Pedra, quando Regina Duarte se aninhava nos braços de Francisco Cuoco ao som de B. J. Thomas, o amor deixou de ser silencioso e as vendas de trilhas sonoras de novela dispararam, o que acontece até hoje. No cinema é a mesma coisa. O sucesso de Nove Semanas e Meia de Amor não deve-se apenas às belas pernas de Kim Basinger, mas também à bela voz de Joe Cocker, que serviu de pano de fundo para o strip-tease da moça. Quem não lembra? Só os surdos. Música e amor nasceram um para o outro. Não é à toa que paquera também é chamada de cantada. O cara convidou você para ouvir uns disquinhos no apê dele? Não é original, mas faz sentido. Música relaxa quando você está apaixonado, querendo lembrar de ontem à noite. E excita, se o objeto do amor não estiver apenas na lembrança, mas sentado ao seu lado no sofá. Música põe lenha na fogueira. Que tipo de música? Há controvérsias. Não consigo imaginar uma cena de amor ao som de pagode, por exemplo. Pagode me inspira a matar, não a amar. Samba também a longe da minha libido. Chorinho, seresta, música sertaneja, nada que que saia da boca de Leonardo ou de Daniel me servem como Viagra. Wando, aquele que transformou a própria casa em motel e que se acha o rei da cocada preta, me dá ânsia você sabe do quê. O amor merece outros acordes. Para um romance comportado, maduro, contemplativo, sugiro Miles Davis, Sthephane Grapelli,
Billy Holiday. Lembra do Andreas Wollenweider? Nem pensar. Evite ressucitar modismos. Se o romance for maduro mas não for comportado e muito menos contemplativo, blues. Magic Slim, John Lee Hooker, B. B. King, Eric Clapton, Muddy Waters. Você tem razão, não é romântico, mas eu também não sou, senão estaria ouvindo Celine Dion abraçada aos meus bichinhos de pelúcia. A verdade é que amor, no meu dicionário, combina com guitarra. Tem que ser elétrico, pulsante, estimulante, adrenalínico. Não pode dar sono. Não pode incentivar beijinho de esquimó. Tem que pegar na veia, mexer com o corpo, fazer vestir uma jaqueta de couro. Eu adoro Djavan, mas a música dele me dá vontade de escrever poemas. Adoro Chico Buarque, mas a música dele me dá vontade de escrever um manifesto. Já Rita Lee, Cazuza, Titãs, Renato Russo, Paula Toller, Rolling Stones, Oasis, Tina Turner e Prince me dão vontade de escrever torpedos. Cada um ama no seu ritmo. c FEIOS, PORÉM LINDOS. "As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental". Era um poeta maravilhoso, esse Vinicius de Moraes, mas deixou imortalizada uma frase que jamais sairia da boca de uma mulher. Aos feios, as mulheres dão boas vindas, desde que por trás do olho que não é azul e do corpo que não é atlético haja bom humor, inteligência e sex appeal. Nunca veremos Brad Pitt e George Clooney namorando feinhas, mas já vimos Julia Roberts casar com Lyle Lovatt, um músico que tinha o rosto decorados com crateras, e a estonteante Sharon Stone desfilar com baixinhos barrigudos até contrair matrimônio com um senhor que mais parece um boneco de cêra. Há quem defenda a idéia de que mulheres casam com qualquer um, desde que tenha poder ou dinheiro. Poucas. Não foi o caso de Julia Roberts nem o de Sharon Stone, ricas e poderosas por si só, e também não é o caso de muitas Lúcias, Andreas, Cristinas, Danielas, Fernandas e Jussaras anônimas. Mulheres preferem ser amadas do que invejadas. Essa história de beleza tem a ver com atração, que tem a ver com "a primeira impressão é a que fica", que tem a ver com inícios de relações. Se a garota for um canhão, as chances de conquistar um deus são quase zero (é uma generalização, toda regra tem exceções). Já se o garoto for feio, porém espirituoso, talentoso e auto-confiante, pode descolar o número do telefone da Marisa Monte. Lembrem-se que ela já namorou o Nando Reis, dos Titãs. Alguma coisa ele tem de lindo. Mick Jagger é raquítico e branquela. Gerald Thomas é raquítico, branquela e usa óculos. Woody Allen é raquítico, branquela, usa óculos e está quase careca. Apesar desse quadro de horror, sei de muita mulher que não os expulsariam da sua cama. Será que elas nunca ouviram falar em Mel Gibson, Antonio Banderas, Pedro Bial? Elas nunca ouviram falar é que beleza garanta o conteúdo. Mulher tem faro, não se contenta com a embalagem. É bem mais comum ver uma mulher linda acompanhada de um homem aparentemente sem graça do que o contrário. Não é (só) porque a concorrência é implacável e nos contentamos com o que sobra. É porque mulher tem raio-x: consegue olhar o que se esconde lá dentro. Se além de um belo coração e um cérebro em atividade ele ainda for apetecível, é lucro. Pena que a recíproca raramente seja verdadeira. Economizaríamos fortunas em cabeleireiros e academias se os homens fossem direto ao que interessa, na alma e no espírito, para os quais não adianta maquiagem. c MANIA DE VOCÊ. Nada pior do que ser viciado em alguma coisa. Fumantes, alcóolatras, workaholics, drogados, todos são PhD em escravatura. Mas o vício mais nocivo é o vício por outra pessoa, que muitos confundem com amor. Amor de verdade liberta. Vício é jaula. Você já deve ter dito para uma amiga, ou escutado dela: "isso que você sente é uma doença". Não é outra coisa. Os sintomas são facilmente reconhecíveis. Vocês têm um relacionamento caótico. Brigam 24 horas. Um é de Marte, o outro de Vênus, como diz o título de um livro. Um dia os planetas se chocam e seu mundo desmorona. Se fosse amor, o que viria depois do rompimento? Revolta, lágrimas, saudade, uma recaída breve, mais lágrimas, mais saudade, até que aos poucos surgiria uma certa paz, a auto-estima voltaria e o amor se tranformaria em lembrança. Com o coração às moscas, você sairia em busca de um novo romance e começaria tudo outra vez. Não é um processo rápido, mas é mais ou menos assim. Vício, não. Se você é viciado em alguém, vai só até a metade do caminho: revolta, lágrimas,
saudade e recaída. E pára por aí. Insiste na recaída. A ansiedade faz você cometer loucuras para ter o seu amor de volta, e quando consegue cinco minutos com ele, atira-se com volúpia: fuma, cheira, bebe o cara até a última gota. Depois? Uma inebriante sensação de cura. Não, você não precisa mais dele. Pode muito bem ar sem ele. Você nem o acha tão atraente assim, e volta para casa sentindo-se um Hércules de saias: conseguiu vencer a si própria. am-se então duas semanas e você liga para a companhia telefônica para saber se sua linha está com defeito. O telefone simplesmente não toca! Seu carro também já não obedece suas ordens: dirige-se sozinho para a rua onde mora o querido, só para ver se a moto dele está em frente à garagem. Está. Então ele não voltou para Vênus, continua na cidade. Você começa a suar frio. Sente vertigens. Mastiga o lápis do escritório, derrama café nos colegas, treme ao segurar um copo. Diagnóstico: crise de abstinência. Você o procura. Precisa urgente de uma injeção de carinho na veia. O final dessa história? Não existe. Ele precisa dela também, caso contrário nem abriria a porta. Reivindica-se a criação urgente de um AA: Apaixonados Anônimos. Assim como tem gente que, para vencer o alcoolismo, evita dar o primeiro gole, algumas pessoas precisam aprender a evitar o primeiro beijo para não reincidir num amor que faz mal à saúde. c DERRETIMENTO VERBAL. O tempo a, o tempo voa, e as pessoas continuam querendo amar e serem amadas. É verdade que muita coisa evoluiu: a virgindade deixou de ser um tabu, as pessoas podem experimentar viver sob o mesmo teto antes de os papéis, ou assiná-los nunca, podem ficar em vez de namorar, podem ter relações homossexuais sem tanta perseguição, podem relacionarem-se com pessoas bem mais jovens, ou bem mais velhas, podem preferir a solteirice eterna, e podem até casar e ter filhos convencionalmente, como seus pais e avós. Podem tudo, desde que não inventem moda no vocabulário. Declaração de amor é o tipo da coisa que não precisa ser original. "Senti tua falta", "gosto muito de ti", "não posso ficar 5 minutos sem te ver que já morro de saudades"... Precisa ser mais criativo? Você pode usar piercing no umbigo, tatuagem na virilha, ter o cabelo vermelho, as unhas pintadas de preto, pode ser apresentadora da MTV, líder de uma banda de rock, top model exclusiva de John Galliano, amiga íntima de Madonna, pode ser referência de modernidade em Nova York e no Japão, mas tem uma hora que acaba sucumbindo a um dengue, a um cafuné, e se pega falando "te amo" com aquela cara de sonsa que a gente fica quando está apaixonada. O sucesso da música Sozinho, de autoria do Peninha e gravada ao vivo por Caetano Veloso, é um exemplo de como fazem falta palavras simples na hora de declarar amor. "Às vezes no silêncio da noite/eu fico imaginando nós dois/eu fico ali sonhando acordado/juntando o antes, o agora e o depois". Ai, meus sais. E continua: "Eu tenho meus segredos e planos/só abro pra você mais ninguém/por que você me deixa tão solto/por que você não cola em mim?" Está certo que, na voz de Caetano, até Parabéns a Você alcança o primeiro lugar das paradas, mas é inegável que nada é mais sedutor que um coração que vai direto ao ponto. Tenho uma amiga que curte declarações mais imaginativas. Ela entra em êxtase quando lhe dizem coisas como "você é a azeitona que faltava na minha empada" ou "onde é que fui amarrar meu bode". Certa vez um cara disse "quero ar o resto da vida comendo seu arroz com linguiça, fazer xixi com a porta aberta e contar cada pé-de-galinha que for surgindo em volta de seus olhos" e ela, duas semanas depois, respondeu que sim, porque isso era, acredite, um pedido de casamento. Foram felizes para sempre, mas se a pergunta fosse "por que você não cola em mim?", eu responderia no ato. c LITERATURA PARA DOIS. Começou dia 30 de outubro e vai até 15 de novembro a Feira do Livro de Porto Alegre, que acontece há 44 anos na Praça da Alfândega, em pleno centro da cidade. Mesmo quem não vive no Rio Grande do Sul já deve ter ouvido falar desse que é um dos maiores eventos literários ao ar livre do país. Vou, portanto, aproveitar o embalo para recomendar um autor que não é muito conhecido mas que escreve como ninguém sobre o assunto que traz todos até esta coluna, o tal de amor. Se você não estiver em Porto Alegre nesse período, garimpe na livraria mais próxima de você. O nome dele é Alain de Botton. Mora em Londres, tem 29 anos e o dobro em vivência, pelo menos é a impressão que dá aos
seus leitores, tal é o conhecimento que tem sobre o tema. Dois de seus quatro livros já foram publicados no Brasil: Ensaios de Amor, em 97, e O Movimento Romântico, em 98, ambos pela Editora Rocco. São bons de doer. Os homens costumam reclamar que as mulheres estão sempre querendo discutir a relação, coisa para o qual eles não têm muita paciência. Pois a primeira surpresa dos livros de Botton é justamente essa: foram escritos por um homem viciado em discutir a relação, e se sai melhor do que quem usa saia. A segunda surpresa é que ele não puxa a brasa para o seu lado: em seus dois livros ele narra os encontros e desencontros de um determinado casal, conseguindo identificar com perfeição as neuras e carências tanto do lado feminino como do masculino, deixando-nos frente a frente com um espelho. A terceira surpresa é que ele não é chato. Seu texto é refinado mas não é pedante, é papo-cabeça mas é superdivertido. A gente termina o livro querendo mais. Impossível não se identificar com um ou outro personagem, às vezes com todos ao mesmo tempo. Alain de Botton analisa o ciúme, a insegurança, as idealizações, o medo de se apaixonar, os triângulos amorosos, os truques de sedução, as delícias e as armadilhas da intimidade, enfim, tudo aquilo que faz do amor o jogo mais excitante e perigoso do mundo. Não é um livro para mulherzinhas: é um livro para adultos de ambos os sexos que gostem de rir de si mesmos e que tenham interesse pelos mecanismos que afastam e aproximam casais. Inteligência, bom humor e jogo da verdade: quem não gosta? Compre os livros, peça emprestado ou descole numa biblioteca: o autor não é nenhum Shakeaspeare mas muita gente conhece. E prepare-se para colocá-lo no rol dos seus autores preferidos. Boa literatura é que nem o amor: vicia. c UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE. Desde que a Lei do Divórcio entrou em vigor no Brasil, em setembro de 1977, as mulheres não são mais obrigadas a trocar de sobrenome quando casam. Porém, 22 anos depois desta conquista, a maioria continua a adotar o sobrenome do marido, e só depois da lua-de-mel é que vão se dar conta de que trocar de identidade não é mais tão simples quanto foi para nossas avós. Antigamente mulher tinha dono. Primeiro o pai, depois o marido. Era comum obedecer ordens num mundo regido somente por homens, e herdar o sobrenome da família deles era uma convenção facilmente assimilável. Hoje muita coisa mudou, mas essa convenção permanece intacta na maior parte dos casamentos. Trocar o sobrenome continua sendo uma providência matrimonial tão automática quanto escolher a igreja ou comprar as alianças. Terminada a cerimônia, a noiva guarda um vestido e um nome que nunca mais serão usados, como se num e de mágica ela houvesse se tranformado em outra pessoa. Pense um pouco. Esposa não é um bem de consumo que se possa registrar em nome de alguém, como se faz com um apartamento ou um carro. Todo casal que planeje construir uma relação estável sabe que a fórmula "dois em um" está falida, e está partindo para a fórmula "um mais um". Cada um com sua individualidade, sua profissão, seus amigos de infância. O amor só ganha com isso. E, se por uma falta de sorte, o amor terminar, e com ele o casamento, o recomeço será doloroso mas bem menos complicado. A burocracia para refazer RG, CIC e aporte é desanimante. Nosso nome é um patrimônio, uma marca registrada. Qualquer empresa sabe que trocar o nome de um produto é arriscado: pode acarretar a perda da imagem e dos clientes já conquistados. Com as pessoas é a mesma coisa. Profissionais liberais carregam, junto ao seu no me, o prestígio alcançado em anos de carreira. Imagine o Dr. Ivo Pitanguy transformando-se em Ivo Menezes, assim, de um dia para o outro. Você entregaria seu lindo narizinho na mão desse desconhecido? O sobrenome é uma parte da gente que não merece ser amputada. No mínimo, é um bom exemplo para os filhos, que já nascem sabendo que mamãe e papai têm a mesma importância. Democracia se aprende em casa. Tudo isso pode não ser romântico, mas é prático, sensato e até excitante. Seu marido estará indo para a cama todo dia com uma mulher que não é propriedade sua. Se você está para casar, seja bem exigente nos quesitos respeito, paixão, carinho, sexo, afinidades. Mas não queira nada dele que já não seja seu.
c LIGAÇÕES PERIGOSAS. Qual é o símbolo do amor? Um coração? Um anjinho munido de arco e flecha? Errou. É o telefone. A resposta está longe de ser romântica, mas reflita comigo: nada nos deixa mais radiantes do que a providencial invenção de Graham Bell. Quando toca, bem entendido. Quando não toca, é o castigo do inferno. Se alguém quer ver você irritada, apreensiva e dependente é só colocá-la ao lado de um telefone mudo. Ele disse que ia ligar e nada. A cada trimmm você salta do sofá e atende com um alô esperançoso, mas não é pra você. É pra sua mãe. Pro seu irmão. Pra empregada. É um recado para um vizinho. Alô, alô, alô! Caiu a ligação. O telefone é o depositário das nossas angústias e fantasias. Em torno dele são montadas estratégias de guerra. Ligo ou não ligo? Se ligar, parece que estou dando mole. Se não ligar, parece que estou desinteressada. E se atender outra garota? E se eu ligar bem na hora do jogo que decide o campeonato? E se ele não lembrar de mim? Ana? Que Ana? Só tem uma coisa pior do que sair com um cara e ele não pedir o número do seu telefone: é ele pedir e não usar. Você sofre quando fica em casa e a chamada não vem. Sofre quando sai de casa porque ele pode ligar quando você estiver fora. E arranca os cabelos quando volta para casa e sua irmã mais nova, com aquele ar de quem acaba de puxar o seu tapete, diz: "Ligaram pra você. Voz de homem. Não entendi direito o nome. Pediu pra você ligar mas eu fiquei com preguiça de buscar uma caneta para anotar o número." Você reluta entre cometer um assassinato e comprar um celular. Ninguém tem tanto poder de nos enlouquecer como um telefone. Ele toca, você atende e ninguém responde do outro lado. Ou ele toca bem na hora que seu namorado disse que iria ligar, mas não é ele, é um cliente do seu pai que fica 47 minutos pendurado, tratando de negócios. Ou ele toca naquele sábado à noite que você não tem nada para fazer e do outro lado da linha está justamente o cara dos seus sonhos, mas você está no banheiro e sua mãe faz a gentileza de contar para o rapaz, enquanto ele espera, os detalhes sobre sua fascinante prisão de ventre. É ou não é um complô? Telefone é bom para bater papo com as amigas, para combinar uma festa, para chamar um encanador, para pedir uma pizza. Telefone é bom quando você é casada e sabe que o fato de seu marido não ligar não significa que tenha fugido com a Luana Piovani. Mas se você está começando ou terminando um namoro, o telefone vira o centro do universo. Tocando, está tudo bem. Não tocando, seu amor pode estar por um fio." c O QUE A MTV TEM QUE AS OUTRAS NÃO TÊM. A mídia está investindo na geração teen. Pipocam revistas destinadas aos jovens e, principalmente, programas de televisão, como Malhação, o H do Luciano Huck e o Programa Livre do Serginho Groissmann: está todo mundo no encalço dessa turma que tem fome e sede de novidade. A pergunta é: estes programas são mesmo novos? Mezzo novos, mezzo antigos. A verdade é que nada se compara com o trabalho que a MTV Brasil vem fazendo. O carro-chefe da emissora continuam sendo os clipes, mas faz tempo que a programação não se resume a eles. O bom da MTV é que tudo é bom. As vinhetas da emissora dão um banho de originalidade em qualquer concorrente. Sua programação visual abusa de animação, efeitos especiais e uma pitada de loucura, fundamental para arejar nossas idéias já tão condicionadas a ver sempre a mesma coisa. Os comerciais produzidos pela emissora também fogem da mesmice do setor, principalmente os que procuram conscientizar sobre problemas como violência, drogas e, sobretudo, Aids. Tudo o que o Ministério da Saúde já fez no quesito propaganda de incentivo ao uso de preservativo parece saído da idade da pedra. Está certo que o governo tem a obrigação de alertar a população inteira, não só os jovens, o que limita a linguagem, mas ainda assim, abusam do dramatismo. O que a MTV faz de especial? Nada de especial: ao contrário, banaliza o tema. Informa com humor, retrata situações corriqueiras e esclarece dúvidas concretas e não abstratas. Os programas de debates e entrevistas também aparecem rejuvenecidos, principalmente os regidos pela cumbuco2 de Astrid Fontanelle. Barraco MTV não chega a ter um formato inédito, ao contrário, mesa-redonda é o que mais se vê na telinha, mas o Barraco tem aquela coisa de bar que torna tudo mais verdadeiro, os participantes não têm nada a ver uns com os outros e a polêmica não fica burocrática. Astrid também comanda o Pé na Cozinha, um programa semanal de entrevistas realizado junto ao
fogão. Astrid é inteligente, rápida, espirituosa e informada, e seus convidados, quase todos, idem. Papos servidos al dente. Cinema, estrada, acústicos, vivências, música. Não é preciso ter 16 anos para gostar, basta se sentir jovem na idade que se tem. Os próprios VJs da casa estão, em sua maioria, pertinho dos 30. O segredo: naturalidade. O ouro em pó que toda programação voltada para adolescentes persegue, mas que, por enquanto, só a MTV tem guardada em seu cofre. c A ARTE DA INQUIETAÇÃO. Lupicínio Rodrigues, um compositor que não é da nossa geração mas que todos reconhecem a importância, certa vez disse: "As mulheres que me fizeram bem eu esqueci. Só as que me fizeram mal viraram música". Esta declaração comprova o que muita gente já sabe: o sofrimento não é um inimigo, mas um mestre. Ele ajuda a gente a se conhecer melhor, a não repetir os mesmos erros, a amadurecer, principalmente quando o que sentimos é dor de amor. Mesmo quando a dor não é romântica, ainda assim ela tem essa serventia: pode virar quadros, filmes, livros, música. O sofrimento, que sempre queremos tão longe, tem ao menos a qualidade de nos tornar criativos. O jazz nasceu do sofrimento dos escravos, o rock nasceu da rebeldia, o rap nasceu da necessidade dos negros reivindicarem liberdade, o samba é a alegria que ameniza o drama dos morros, o tropicalismo foi uma forma de protesto. Nenhum desses estilos musicais foram gerados por um mundo sem problemas, por pessoas com seus direitos plenamente atendidos. A censura, uma pedra no caminho da geração que viveu a ditadura militar de Médici, fez com que muita gente precisasse dar asas à imaginação para driblá-la, como Millôr Fernandes e Paulo Francis, que escreviam em O Pasquim, Glauber Rocha, que inventou o Cinema Novo, e Leila Diniz, que ajudou as mulheres a saírem da casca. A censura é responsável por versos memoráveis de Chico Buarque e pela irreverência de Os Mutantes. Foram tantos os caminhos que a cultura brasileira encontrou para sobreviver aos anos de chumbo que Arnaldo Jabor chegou a declarar que a liberdade, de certo modo, acabou com o cinema nacional. É uma frase polêmica, mas compreende-se. A Guerra Civil na Espanha gerou Guernica, um dos quadros mais espetaculares de Picasso, e a musa inspiradora de Van Gogh foi sua própria angústia. O existencialismo de Sartre foi parido pela náusea de viver, não pelo êxtase, e a maioria dos poemas escritos no mundo são filhos da dor-de-cotovelo, da ausência do ser amado, de sonhos não atingidos, e não de uma ida espetacular ao supermercado ou de uma festa à beira de uma piscina. Todos devem buscar uma vida plena de realizações. Mas vale lembrar que as inevitáveis dores do coração, insatisfações políticas, carências sociais e a solidão, nosso eterna companheira, podem ser recicladas em versos, roteiros e os de dança. Ninguém é 100% feliz. A percentagem que falta, em vez de ser transformada em rancor, inveja e rugas, será mais bem aproveitada se virar arte. c TEST DRIVE PARA O AMOR. Existem muitas maneiras de duas pessoas apaixonadas se conhecerem melhor: irem juntas ao cinema, sairem para um chope, earem de bicicleta, fazerem festa com os amigos, motel. É a programação clichê da maioria dos namorados. Mas será que isso basta para conhecer alguém? Um homem e uma mulher podem tomar quatrocentos litros de chope juntos e continuarem sabendo muito pouco um do outro. Uma coisa é saber o que ele pensa, e isso pode ser feito numa mesa de bar. Outra é saber como ele é, e isso requer mais intimidade, e não é de sexo que se está falando. É de convivência 24 horas. Como descobrir, antes de casar ou morar junto, se ele ronca, se ela demora no banho, se ele usa fio dental, se ela acorda de mau humor, se ele sabe lidar com o inesperado, se ela é mesmo independente? Pegando a estrada. Viajar juntos é o grande teste para um casal. ar alguns dias acampando, ou num hotel, numa casa alugada, não importa onde, desde que seja um território neutro onde se possa repartir os bons e maus momentos, descobrir as manias de cada um, os hábitos que foram herdados dos pais, a verdadeira face oculta, que dificilmente se revela numa festa de sábado. Ela sempre aparecia cheirosa nos encontros. Perfumaria. Viajando juntos, você descobre que ela é adepta do banho de gato, uns respingos e deu. Dorme com uma baba no cabelo, que é pra não ressecar. Usa a mesma camiseta cinco dias seguidos e sua escova de dentes completou três aninhos em agosto. Ele sempre falou que honestidade era sua maior
virtude. Nota-se. Na estrada, tentou subornar dois guardas. Chegando na casa que alugaram, ele deu um jeito de emperrar uma janela para pedir um abatimento no preço. Ao fazerem as primeiras compras no mercadinho da cidade, você o flagrou escondendo uma barra de chocolate no casaco e ando pelo caixa sem pagar. Um exemplo de dignidade. É claro que, na maioria das vezes, uma viagem confirma que a pessoa que elegemos é mesmo maravilhosa, e novas qualidades são descobertas. Mas é conveniente não reservar as surpresas para a lua-de-mel. Pequenas viagens de fins-de-semana, ao longo do relacionamento, podem ser muito reveladoras. Você já sabe que ele gosta de filmes de ação e que ela prefere comer peixe, mas os dois só saberão dos detalhes da personalidade de cada um se criarem uma pequena rotina doméstica, fora da vida social. Isso é brincar de casinha? Que seja. Ainda é o melhor teste para saber se o amor resistirá a uma vida de verdade. cc BAIXO ASTRAL: DE QUEM É A CULPA? No café-da-manhã, suco de laranja com Prozac. No almoço, água mineral com Lexotan. Na janta, uísque e Dormonid. Não é a nova dieta da Adriane Galisteu: é a dieta de quem está com excesso de peso na alma. O maior mal das pessoas infelizes é não diagnosticar corretamente de onde vem a sua dor. Ninguém acha que tem culpa por as coisas estarem dando errado. É culpa do chefe, do ex, dos pais, dos políticos, do síndico, da tevê, de todos que fazem parte desse mundo do qual você foi expulso. Que tal assumir a responsabilidade sozinho para ver o que acontece? Estou longe de ser fã do Lair Ribeiro, papa da neurolingüística brasileira, mas devo reconhecer que a maioria dos nossos problemas foram originados dentro de nós mesmos e só por nós podem ser solucionados. Não se está falando aqui de problemas graves, como a perda de um parente, de um imóvel, de um emprego ou da própria saúde, mas daquelas ingresias do cotidiano que nos tornam incapazes de sorrir. Você se acha feia. Cada vez que vê uma foto da Ana Paula Arósio agradece a Deus por morar no térreo, pois se fosse no oitavo andar se atirava de bico. Se acha gorda, também. Tem um senhor quadril. O melhorzinho em você são os pés, mas ninguém irá olhar para eles enquanto você não reduzir seu nariz pela metade. Espelho, espelho meu, logo eu? Se ao menos você fosse assombrosamente inteligente, mas você é médio. Lê 5 livros por ano e nunca disse nada que merecesse entrar para uma antologia poética. Você queria escrever tão bem quanto o Verissimo, ser tão espirituosa quanto o Jô e tão bem informada quanto a Marilia Gabriela, mas se sente tão insossa quanto a sua manicure. Nada disso lhe afetaria se você tivesse uma conta bancária recheada, mas você não recebe aumento há três anos. Se ao menos o seu namorado fosse a cara do Brad Pitt, mas ele é a cara do Keith Richards. Se ao menos você morasse em Nova York, mas seus pais fizeram a gentileza de se mudar para uma cidade chamada Sertãozinho, onde ninguém jamais botou os olhos num Big Mac. Aparentemente, não dá para dizer que sua vida é nitroglicerina pura, mas só podemos chamar de tragédia aquilo que é irreversível, o que não é o seu caso. Tudo é uma questão de humor e de atitude: mude. Deixe de colocar sua felicidade na mão dos outros. Comece um caso de amor consigo mesma e pare de se boicotar. A Ana Paula Arosio, o Veríssimo, a Marília Gariela e o Brad Pitt não têm culpa de você insistir em seguir modelos. Inaugure sua própria fórmula de ser feliz e patenteie. Você ainda vai ficar rica com os direitos autorais. c SEXO EM VEZ DE ASPIRINA. Mesmo quando é ruim, é bom. Essa é uma das pérolas que correm de boca em boca quando o assunto é sexo. Pois a ciência acaba de dar um novo significado para essa frase que, até então, era associada apenas ao prazer. É, agora, associada à saúde. Mesmo quando é ruim, sexo é bom para fortalecer as células, irrigar o sangue, oxigenar o organismo, enrijecer o abdômen, tonificar os músculos, combater a celulite, melhorar o sono, hidratar a pele e adiar o envelhecimento. Não é pra menos que o Papa João Paulo II esteja tão mal das pernas. Nunca pensei que um dia as maravilhas do sexo mereceriam capa de revista, até porque isso está longe de ser uma novidade, mas a IstoÉ da semana ada resolveu supervalorizar o assunto, baseada no resultado de uma pesquisa feita pelo Hospital de Clínicas de São Paulo com 300 mulheres, onde ficou comprovado que as que possuíam vida
sexual ativa tinham menos propensão a adoecer do que as que estavam matando cachorro a grito. Descobriram a pólvora. Sexo é uma atividade biológica, como dormir, beber e comer. Lógico que é saudável, principalmente quando é feito por livre e espontânea vontade, com alguém bemdisposto e que goste de você. Sexo é tão bom quanto dormir 8 horas seguidas, tão gostoso quanto comer uma salada de frutas, tão saudável quanto beber um suco na beira da praia. Mas também pode fazer mal à saúde. Sexo sem camisinha: também conhecido como sexo inseguro, imaturo e irresponsável. Pode ocasionar desde uma gravidez indesejada até a transmissão de um vírus letal. Evite seus efeitos colaterais. Sexo sem amor: Não é necessariamente ruim, pode até ser divertido, mas corre-se o risco de um breve vazio existencial pós-motel. Se você faz o estilo carente, ninguém-me-ama, ninguém-me-quer, evite cair nessa roubada porque, quando ele não ligar no dia seguinte, a ressaca vai ser daquelas. Sexo para perder a virgindade a qualquer custo: babaquice. A hora certa pra transar é a hora que você está apaixonada e preparada para assumir seus atos, e isso pode acontecer aos 15, aos 18, aos 22, não existe uma idade padrão. Transar só porque sua turma toda já transou é falta de personalidade. Sexo por dinheiro: Deve haver outra maneira de se sustentar sem precisar se prostituir. É uma violência contra o corpo e contra o coração: sem prazer, não há sexo que faça bem. Tirando essas exceções, sexo é ótimo de dia ou de noite, entre quatro paredes ou ao ar livre, chova ou faça sol, e o que é melhor: cura dor de cabeça e depressão sem você precisar abrir conta na farmácia. Transe e viva 100 anos! c A NECESSIDADE E O ACASO. Lendo as mensagens deixadas pelos leitores da coluna, fui atingida por uma pergunta à queima-roupa: a necessidade cria o amor ou ele existe? A questão é delicada e conduz a uma resposta que confunde mais do que explica. Sim, a necessidade cria o amor. Sim, o amor existe. Na verdade, fomos condicionados pela sociedade e seus contos de fada a acreditar que o amor é uma coisa que acontece quando menos se espera, que domina nosso coração, que interrompe nossos neurônios e nos captura para uma vida de palpitações, suspiros e lágrimas. Que o amor não tem idade, não tem hora pra chegar, não tem escapatória. Que o amor é lindo, poderoso e absoluto, que vence todos os preconceitos, que vence a nossa resistência e ceticismo, que é transformador e vital. Esse amor existe e ai de quem se atrever a questioná-lo, ainda mais vocês, reles internautas, é o que devem estar dizendo os deuses lá em cima. Rendo-me, senhores. Esse amor existe mesmo, é invasivo e muitas vezes perverso, mas também pode ser discreto, sereno e indolor. Costuma acontecer ao menos uma vez na vida de todo ser humano, ou três vezes, aos 17, 35 e 58 anos, ou pode acontecer todo final de semana, se for o caso de um coração insaciável. Mas também pode acontecer nunquinha, e aí a outra verdade impera. Sim, a necessidade também cria o amor. A pessoa nasce idealizando um parceiro para dividir a janta e as agruras, a cama e as contas, os pensamentos e os filhos. am-se os anos e esse amor não sinaliza, não apresenta-se, e o relógio segue marcando as horas, lembrando que o tempo voa. Esse ser solitário começa a amar menos a si mesmo, pelo pouco alvoroço que provoca a sua volta, e a baixa estima impede a agem de quem quer se aproximar. É um círculo vicioso que não chega a ser raro. Qual a solução: solidão ou imaginação? O nosso amor a gente inventa, cantou Cazuza, no auge da sabedoria. A necessidade faz quem é feio parecer um deus, quem é tímido parecer um sábio, quem é louco parecer um gênio. A necessidade nos torna menos críticos, mais tolerantes, menos exigentes, mais criativos. A necessidade encontra sinônimos para o amor: amizade, atração, afinidade, destino, ocasião. A necessidade nos torna condescendentes, bem-humorados, otimistas. Se a sorte não acenou com um amor caído dos céus, ao menos temos afeto de sobra e bom poder de adaptação: elegemos como grande amor um amor de tamanho médio. O coração também sobrevive com paixões inventadas, e não raro essas paixões surpreendem o inventor. O amor pode ser casual ou intencional. Se nos faz feliz, é amor igual. c TEMPERAMENTOS E AFINIDADES. O que é melhor para o relacionamento de um casal: que eles sejam iguais ou diferentes? Alguns apostam nos casais siameses: os dois corintianos, os dois petistas, os dois fumantes. Já outros preferem o
antagonismo: ele Corinthians, ela Palmeiras; ele PT, ela PMDB; ele fumante, ela presidente da Associação de Combate ao Câncer de Pulmão. Cada casal tem sua fórmula para dar certo, mas um pouco de equilíbrio ajuda a manter a estabilidade. O melhor parceiro é aquele que é bem diferente de nós e ao mesmo tempo muito parecido. Como? Diferente no temperamento, mas com mil afinidades. Dois calmos vão pegar no sono muito rápido. Dois gulosos vão ar muito tempo no supermercado. Dois sedentários vão emburrecer na frente da tevê. Dois avarentos nunca terão um champanhe dentro da geladeira. Dois falantes jamais vão escutar um ao outro. Temperamentos iguais se neutralizam. Temperamentos opostos é que provocam faísca. Ele é super responsável, paga as contas em dia e jamais ficou sem combustível. Ela, ao contrário, é zen. Sua música preferida é um mantra. Não sabe que dia é hoje, mas tem certeza que é abril. Brigas à vista? Que nada. Ela o acalma, ele a acelera, e os dois inventam o próprio ritmo. O que importa é que avançam na mesma direção. Quando o projeto de vida é antagônico, aí é que a coisa complica. Ele adora o campo, odeia produtos industrializados e não perde o Globo Rural. Ela almoça e janta hamburger, tem horror a qualquer ser vivo com mais de duas patas e raspou suas economias para ver o show dos Rolling Stones em São Paulo, sua cidade modelo. Ele odeia a instituição chamada família. Ela, ao contrário, não abre mão das macarronadas dominicais na casa da mãe. Ele não sobe num avião nem sob decreto, ela sonha em dar a volta ao mundo. Ele quer ter quatro filhos, ela ligou as trompas quando fez 18 anos. Ele é ativista político, faz doações para o partido e participa de sindicatos. Ela vota em quem estiver liderando nas pesquisas. Ele não ite televisão em casa, ela não ite menos de três: uma na sala, outra no quarto e uma de dez polegadas na cozinha. Pode dar certo? Pode, mas alguém vai ter que abrir mão dos seus sonhos. Temperamentos diferentes provocam discussões contornáveis. Já a falta de afinidades pode reduzir um dos dois a mero coadjuvante da vida do outro. Alguém vai ter que ceder muito, e se não tiver talento para a submissão, vai sofrer. Logo, não importa se ele chega sempre atrasado e você é a rainha da pontualidade, desde que ambos tenham a mesma visão de mundo e os mesmos valores. Esse é o prato principal de todo relacionamento. O resto é tempero. c BELAS E BURRAS. Uma das generalizações mais enraizadas no inconsciente coletivo é a de que toda mulher bonita é burra. A gente sabe que isso é uma inverdade: está assim de mulher linda e inteligente conquistando o seu espaço por aí. Então por que o estigma perdura? Porque tem fundamento. É uma verdade politicamente incorreta, mas ainda assim uma verdade: garotas muito bonitas, mas muuuuuuito bonitas, não precisam dar duro para terem o mundo a seus pés. Nossa sociedade valoriza demasiadamente a estética, o par de olhos verdes, o cabelo liso, o corpo de cinema. Sendo assim, uma garota que se encaixe nesse padrão de beleza acostuma-se desde cedo com os elogios, não precisa batalhar para ser notada. Sabe que vai ser tirada para dançar. Os caras fazem fila para namorá-la. Basta que jogue o cabelo para um lado, depois para o outro, e os príncipes caem na rede. Já as que não se relacionam às mil maravilhas com o espelho namoram menos. É um namorado hoje, outro daqui a 2 anos. Com o tempo livre, fazem o quê? Estudam. Lêem. Vão ao cinema. Viajam pra esquecer. Quando dão por si, estão mais sabidas. Aprendem que beleza não precisa ser congênita, pode ser adquirida com o tempo. Descobrem que os melhores homens não são aqueles que ficam encostados em carros nos postos de gasolina sábado à noite, mas os que trabalham ao seu lado, no escritório. Sim, você tem um emprego, não é um assombro? E você tem um bom papo, deu um jeito no cabelo, fez uma boa terapia e não se queixa mais da vida. Já, já vão tirá-la para dançar. Inteligência, assim com os músculos, precisa ser exercitada para aparecer. As bonitas nascem com o mesmo número de neurônios das feias, mas são menos exigidas pela sociedade, que se satisfaz com seu papel de bibelô. Cabe a elas mostrar que seu cérebro tem tanto prestígio quanto seu rosto de boneca. Generalizações costumam ser injustas: Rita Camata, Vera Fischer, Bruna Lombardi, Cristiana Reali e Constanza Pascolato são mulheres tão belas quanto inteligentes. Em contrapartida, há feiosas que não cultivam nada acima do pescoço. O assunto aqui é esforço pessoal. Os cegos têm melhor olfato não por acaso, mas porque necessitam desenvolver um
sentido que substitua a visão. Se Regina Casé fosse a cara da Sthephane de Mônaco, talvez a bajulação em torno de sua beleza desestimulasse sua batalha por crescimento profissional e teríamos menos uma mulher brilhante no planeta. Não devemos abandonar o batom e a academia de ginástica, mas é fundamental ler, estudar e trabalhar muito, mesmo que papai do céu tenha nos presenteado com o rostinho da Michelle Pfeifer. Que, aliás, estaria até hoje fazendo comercial de sabonete se não tivesse tutano. c LET ME TRY AGAIN. Você viveu um grande amor que terminou meses atrás. Está só. Nada nesta mão, nada na outra. A sexta-feira vai terminando e, enquanto seus colegas de trabalho aquecem as turbinas para o fim-de-semana, você procura no jornal algum filme que ainda não tenha visto na tevê. Ao descobrir que vai ar Kramer vs. Kramer de novo, não resiste e cai em tentação: liga para o ex. Tentar outra vez o mesmo amor. Quem já não caiu nesta armadilha? Se ele também estiver sozinho, é sopa no mel. Os dois já se conhecem de trás para frente. Não precisam perguntar o signo: podem pular esta parte e ir direto ao que interessa. Sabem o prato preferido de cada um, se gostam de mar ou de montanha, enfim, está tudo como era antes, é só prorrogar a vigência do contrato. Tanto um como o outro sabem de cor o seu papel. Porém, apesar de toda boa intenção, nenhum dos dois consegue disfarçar o cheirinho de comida requentada que fica no ar. O motivo que levou à separação continua por ali, escondido atrás do sofá, e qualquer hora aparece para um drinque. O fim de um romance quase nunca tem a ver com os rompimentos de novela, onde a mocinha abre mão do amado porque alguém a está chantageando ou porque descobriu que ele é, na verdade, seu irmão gêmeo. No último capítulo tudo se esclarece e a paixão segue sem cicatrizes. Já rompimentos causados por incompatibilidades reais não são assim tão fáceis de serem contornados. Toda reconciliação é precedida por uma etapa onde o casal, cada um no seu canto, faz idealizações. As frases que não foram ditas começam a ser decoradas. As mancadas não serão repetidas. As discussões serão evitadas. Na nossa cabeça, tudo vai dar certo: o roteiro do romance foi reescrito e os defeitos foram retirados do script, ficando só as partes boas. Mas na hora de encenar, cadê o diretor? À sós no palco, constatamos que somos os mesmos de antigamente, em plena recaída. Se alguém termina um namoro ou casamento, a um tempo sozinho e depois resolve voltar só por falta de opção, está procurando sarna para se coçar. Até existe a possibilidade de dar certo, mas a sensação é parecida com a de rever um filme. Numa segunda apreciação, pode-se descobrir coisas que não haviam sido notadas na primeira vez, já que não há tanta ansiedade. Mas também não há impactos, surpresas, revelações. Ficamos preparados tanto para as alegrias como para os sustos e, cá entre entre nós, isso não mantém o brilho do olho. Se já não há mais esperança para o relacionamento e tendo doído tanto a primeira separação, não há por que batalhar por uma sobrevida deste amor, correndo o risco de ganhar de brinde uma sobrevida para a dor também. É melhor aproveitar esta solidão indesejada para namorar um pouco a si mesmo e ir se preparando para o amor que vem. Evite a marcha a ré. Engate uma primeira nesse coração. c Uma amiga namorou por seis meses um norte-americano, nascido em Santa Barbara, California. Lá conheceram-se e por lá ela ficou. Apaixonou-se pelos olhos dele, pelos ombros dele, pelo gosto musical do gringo, que batia 100% com o seu. avam tardes inteiras ouvindo Joe Jackson, Elvis Costello e Neneh Cherry, apesar de ela não ter a mínima idéia do que diziam as letras. Seu inglês empacou no the book is on the table e não saiu disso. Ele, por sua vez, achava que no Brasil se falava espanhol, idioma que tampouco dominava. Zero problema. Nenhum dos dois estava mesmo a fim de papo. Beijavam-se adoidado, caminhavam juntos na beira do mar, andavam de bicicleta, tomavam cerveja nos bares e compartilhavam canções. Foram almas gêmeas por meio ano e tudo o que precisavam era dizer hello quando se encontravam e bye bye quando se despediam. O resto funcionava na base da mímica, do tato e do encanto. Mas não há amor que resista à mudez eterna. Ela resolveu voltar para o Brasil e não se correspondem por razões óbvias. Falar no telefone, nem pensar. The End. Eis que minha amiga conhece outro cara, ao voltar. Paulista. Português fluente, como o dela. De certo modo,
sentiu-se aliviada: ela poderia perguntar a ele o que achou de um filme, poderia conversar sobre as diferenças entre Lula e FHC, poderia deixar recados na secretária eletrônica e dizer coisas safadas no seu ouvido. Depois da greve de silêncio nos States, uau, ela soltaria o verbo. Foi então que aconteceu. Parecia que um era do Zimbábue e o outro da Croácia. Ela não conseguia falar duas frases sem que ele retrucasse. Se ela dizia uma coisa carinhosa, ele achava que era ironia. Se ela falava sério sobre qualquer assunto, ele achava que era deboche. Se ela perguntava algo do ado dele, ele a chamava de paranóica. Se ela brincava com o cabelo dele, ele se ofendia. Completamente desintonizados. Quando ele tentava melhorar o clima, também não funcionava. Se ele concordava com ela, ela achava que ele tinha aprontado alguma. Se ele prestava atenção ao que ela dizia, ela achava que era teatro. Se ele ria de alguma piada, ela achava que ele não tinha entendido. Se ele pedia o mesmo prato que ela no restaurante, ela dizia que ele não tinha personalidade. Se ele pedia um prato diferente, era porque estava criticando a escolha dela. Amor nenhum resiste ao desentendimento eterno. Acabou. Não se correspondem por motivos óbvios e falar no telefone, também, nem pensar. Minha amiga procura novo namorado e espera ter mais sorte na próxima vez. ³Brasileiro ou estrangeiro?´, pergunto eu. ³Pouco importa´, me responde ela, ³desde que ele venha com legendas´. c AMOR DE FÃ. Você aria a madrugada em frente ao prédio do seu namorado, esperando ele abanar da janela? Você escreveria para seu marido um bilhete com dois quilômetros de comprimento, escrito de ponta a ponta "te amo, te amo, te amo"? Você arrancaria um pedaço da camiseta dele com os dentes, choraria convulsivamente ao vê-lo sorrir, aria fome e frio em troca de um rabisco feito por ele? Se ele fosse o Ricky Martin, que dúvida. Mulher nenhuma faz pelo Zé que tem em casa o que faz pelo Fabio Assunção, pelo Rodrigo Santoro ou pelo Mauricio Mattar. Amor de fã é ional, ardente, insaciável. Elas fazem qualquer coisa por um homem que nunca viram antes, que não sabem se é bom ou mau caráter, se têm calos nos pés ou se limpa o nariz na manga da camisa. Apaixonam-se por uma figura idealizada, por um príncipe de faz-de-conta, e assim compensam suas carências. Quando vi milhares de pessoas, mulheres a maioria, fazendo vigília em frente ao hospital onde esteve internado o falecido cantor Leandro, pensei: será que elas fariam a mesma coisa por um pai, por um irmão, por um marido? ariam em claro tantas noites, ajoelhariam-se na calçada, desesperariam-se dessa maneira? Desconfio. O sentimento que temos por nossos familiares é muito mais complexo: são relações de amor e ódio. A convivência humana é implacável. Por mais que amemos quem está próximo de nós, acreditamos que ouvir suas críticas e reclamações, vivenciar sua ironia e descaso, agüentar seus hábitos e manias, tudo isso vale como cota de sacrifício. Em caso de doença, não carece cair de joelhos na calçada, basta rezar uma Ave-Maria em casa. Com nosso ídolo é diferente. Ele é lindo, rico, afetuoso, só tem qualidades. Facilmente o confundimos com os papéis que representa, com a música que canta. Ele nunca chegou atrasado a um compromisso com você, nunca chutou o seu cão, nunca roncou, nunca a decepcionou, simplesmente porque nunca se relacionou com você: é um amor unilateral e fantasioso. Você projeta no seu ídolo as qualidades que não vê em quem está a seu lado, e entra em surto quando tem a chance de receber dele algo real, nem que seja um autógrafo ou um fio de cabelo. Pecado não é, mas quem dorme sob nosso teto todos os dias merece, no mínimo, a mesma devoção. c Outro por dentro. AQUELE ALI TEM OUTRO POR dentro.´ Ela disse isto com tanta amargura na voz que o ambiente tornou-se gélido. Não era um comentário, era uma sentença. O cara tinha outro por dentro. Quem estaria escondido em seu corpo? Um alien? O demo? Sem dúvida, algum cafajeste. Certas expressões nascem carregadas de preconceito e só levamos em conta seu lado pejorativo. Se alguém diz que você tem outro por dentro, está dizendo que você é mascarado, desonesto, que representa um papel que não é totalmente verdadeiro. Porém, pra variar, acho que a questão merece ser encarada com mais flexibilidade. Você, eu e a população mundial ² trilhões no planeta ² também temos outros por dentro, e não somos mascarados nem desonestos: somos humanos. Onde foi parar a nossa autenticidade? Segue
exatamente onde está. Somos autênticos batalhadores, autênticos cidadãos do bem, porém esta é a versão oficial, é a propaganda que divulgamos para o mercado externo, o nosso melhor. Somos verdadeiramente pessoas maravilhosas ² ou, ao menos, pessoas muito bem intencionadas. Pagamos os impostos em dia, somos cordiais, lembramos dos aniversários dos amigos, não compactuamos com a brutalidade dos dias e telefonamos para nossas avós para lhes aliviar a solidão. Mas há outros em nós. Há vários. Há todos aqueles que foram abafados, que não servem aos nossos objetivos, todos aqueles com quem, muitas vezes, nem simpatizamos, mas que existem. Seguem sendo nós, ainda que não batizados e sem firma reconhecida em cartório. Na cama de um hospital, há em nós alguém saudável. Ao vencermos um campeonato, há em nós um fracassado. Apaixonados, há em nós um cético. Ao saltar de pára-quedas, há em nós alguém que teme. No êxtase, há em nós um melancólico. Ao nos desresponsabilizarmos sobre nosso destino, outro lá dentro de nós assume a direção. Não estamos sós. Há numa Maria uma Sheila, há num Celso um João, há numa Beatriz uma Sônia, e numa Verônica uma Verinha. Há em todas nós uma Leila Diniz, como já cantou Rita Lee. E sou capaz de apostar que há uma Rita Lee em várias beatas. Por que isso seria falsificação? Há em mim um Woody Allen, uma Marilia Gabriela, uma Lya Luft, um Nelson Motta, uma Madre Tereza e uma Rita Cadilac, e sou eu mesma, íntegra e inteira. Quantos rapazes cordiais não se transformam em homens das cavernas quando calçam uma chuteira e entram em campo? Quantas mulheres singelas não viram competitivas e agressivas numa mesa de canastra? Hitler tinha um músico sensível dentro dele. Pinochet traz um pai de família guardado no peito. Nenhum prejuízo para nossa avaliação: seguimos sabendo quem eles são. E quem somos. c A interferência do tempo. HÁ QUEM DIGA QUE O TEMPO NÃO existe, que somos nós que o inventamos e tentamos controlá-lo com nossos relógios e calendários. Nem ousarei discutir esta questão filosófica, existencial e cabeluda. Se o tempo não existe, eu existo. Se o tempo não a, eu o. E não é só o espelho que me dá certeza disso. O tempo interfere no meu olhar. Lembro do colégio em que estudei durante mais de uma década, meu primeiro contato com o mundo fora da minha casa. O pátio não era grande ² era colossal. Uma espécie de superfície lunar sem horizontes à vista, assim eu o percebia aos sete anos de idade. As escadas levavam ao céu, eu poderia jurar que elas atravessavam os telhados. Os corredores eram arelas infinitas, as janelas pareciam enormes portões de vidro, eu me sentia na terra dos gigantes. Volto, depois de muitos anos, para visitá-lo e descubro que ele continua sendo um colégio grande, mas nem o pátio, nem os corredores, nem as escadas, nada tem o tamanho que parecia antes. O tempo ajustou minhas retinas e deu proporção às minhas ilusões. A interferência do tempo atinge minhas emoções também. Houve uma época em que eu temia certo tipo de gente, aqueles que estavam sempre a postos para apontar minhas fraquezas. Hoje revejo essas pessoas e a sensação que me causam é nem um pouco desafiadora ou impactante. E mesmo os que amei já não me provocam perturbação alguma, apenas um carinho sereno. E me pergunto como é que se explica que sentimentos tão fortes como o medo, o amor ou a raiva se desintegrem? Alguém era grande no meu ado, fica pequeno no meu presente. O tempo, de novo, dando a devida proporção aos meus afetos e desafetos. Talvez seja esta a prova da sua existência: o tempo altera o tamanho das coisas. Uma rua da infância, que exigia muitas pedaladas para ser percorrida, hoje é atravessada em poucos os. Uma árvore que para ser explorada exigia uma certa logística ² ou ao menos um ³calço´ de quem estivesse por perto e com as mãos livres ² hoje teria seus galhos alcançados num pulo. A gente vai crescendo e vê tudo do tamanho que é, sem a condescendência da fantasia. E ainda nem mencionei as coisas que realmente foram reduzidas: apartamentos que parecem caixotes, carros compactos, conversas telegráficas, livros de bolso, pequenas salas de cinema, casamentos curtos. Todo aquele espaço da infância, em que cabia com folga nossa imaginação e inocência, precisa hoje se adaptar ao micro, ao mínimo, a uma vida funcional. Eu cresci. Por dentro e por fora (e, reconheço, pros lados). Sou gente grande, como se diz por aí. E o mundo à minha volta, à nossa volta, virou
aldeia, somos todos vizinhos, todos vivendo apertados, financeira e emocionalmente falando. Saudade de uma alegria descomunal, de uma esperança gigantesca, de uma confiança do tamanho do futuro ² quando o futuro também era infinito à minha frente. cc ALGUNS FILMES AMERICANOS SÃO muito bons, pena que incutem no mulherio metas irrealistas. Ficam todas tentando parecer a Nicole Kidman, a Cameron Diaz ou a Uma Thurman, o que deve dar um trabalho danado. Por isso, nada como um bom filme inglês para nos trazer de volta à realidade e lembrar que a única fórmula da juventude que funciona é ter saúde e bom humor. Anos atrás, surpreendi-me positivamente com o filme ³O barato de Grace´, que conta a história de uma mulher na meia-idade, moradora de um vilarejo no interior da Inglaterra, cujo marido morre e lhe deixa um punhado de dívidas como herança. Como último recurso para salvar a casa onde mora, ela, uma convencional senhora inglesa, acaba envolvendose em negócios ilícitos sem ter a menor noção de onde está se metendo. Pois o mesmo diretor de ³O barato de Grace´, Nigel Cole, voltou a escolher a mulher de meia-idade, sem atrativos espetaculares, para protagonizar sua mais recente obra. Só que agora não é uma, são várias mulheres. ³Garotas do calendário´ é programa obrigatório para quem gosta de filmes divertidos, humanos e inteligentes, sem parafernália tecnológica nem lição de moral no fim. Baseado num fato verídico, conta a história de algumas senhoras entre 50 e 70 anos, moradoras da zona rural de Yorkshire, que resolvem levantar fundos a fim de investir no hospital da região, e para isso decidem posar nuas para um calendário. As fotos, diga-se, não mostram nus frontais, é tudo sugerido, porém ultra-sexy, desmistificando esta história de que só há um tipo de padrão de beleza e ele só está disponível para jovens. Mas isso nem é o mais importante do filme. O que realmente excita é ver mulheres libertando-se de sua inibição, rejuvenescendo-se através do riso e da amizade, escapando de estereótipos e possibilitando que seus maridos e filhos as enxerguem de uma forma diferente ² e tudo isso, repare bem, não atrás de fama e sucesso, mas por beneficência. No entanto, a fama e o sucesso acabam chegando de surpresa, e a partir daí o filme ganha nova perspectiva. As mulheres am a ser assediadas pela imprensa, gravam entrevista para o ³Tonight show´ em Los Angeles e são convidadas a estrelar comerciais de TV, tudo o que uma modelo de pôster central sonha na vida. Ainda bem que o conceito de sucesso não é o mesmo para todos, e nisso o filme também nos traz de volta à realidade. Sucesso é estar de bem consigo mesmo, é valorizar seus afetos, é se divertir com o inusitado da vida, e não ficar à mercê de sanguessugas. ³Garotas do calendário´: anote. Um filme irreverente, que mostra como as noções de decoro e pudor podem ser reavaliadas, e que nos deixa face a face com as contribuições do tempo: que ele e, ora bolas, e tire dos nossos ombros todas as culpas e angústias que a gente bobamente acumula. Segundo um personagem masculino do filme, as mulheres de Yorkshire são como as flores, é na etapa final que ficam mais gloriosas. Simpático, esse cara. Não sei se a pós-meia-idade é a fase mais gloriosa, mas deveria ser a mais leve. E isso não se injeta, conquista-se. c TEM CIRCULADO PELA INTERNET UM texto assinado ora por um ³pai anônimo´, ora por uma ³mãe anônima´, mas pouco importa. É o relato de uma pessoa escandalizada com o filme sobre o Cazuza. Entre outras coisas, diz: ³é estarrecedor: as pessoas estão cultivando ídolos errados´. E justifica: ³reverenciar um marginal como ele é inissível (... ) a morte de Cazuza foi conseqüência de sua educação errônea´. Esses trechos bastam para dar uma idéia do conteúdo. Já recebi várias cópias deste texto e aqueles que me enviam sempre perguntam: ³você não acha que é um ponto de vista interessante?´ É uma visão limitada, atrasada e preconceituosa. Se fôssemos irar apenas o trabalho dos bons moços, teríamos que ignorar Oscar Wilde, Chet Baker, William Burroughs, Janis Joplin, Eric Clapton, Billie Holiday, Kurt Cobain, Pablo Picasso, Jack Kerouac, Ernest Hemingway, pra citar apenas alguns nomes de uma longa lista de alcoolistas, viciados em drogas, pervertidos, egocêntricos, petulantes, loucos e geniais. Não é preciso ser doidão pra realizar uma grande obra, há inúmersas pessoas talentosas que vivem de forma regrada, mas há que se respeitar aqueles que necessitam ser livres e que
não estão prejudicando ninguém. Liberdade não combina com convenções. A liberdade é politicamente incorreta, a liberdade é personalista, a liberdade não se veste bem, não tem bons modos, não liga para o que os outros vão dizer. Ser livre tem um ônus que poucos se atrevem a pagar. Cazuza pagou com músicas belas e viscerais, que comovem até hoje, e que possivelmente não teriam sido criadas caso ele fosse um menino temente a Deus com um emprego burocrático de segunda a sexta. Nada contra os tementes a Deus com empregos burocráticos, eles dão bons pais de família, bons médicos, bons carteiros e bons maridos, mas que não se queira exigir de um artista este tipo de enquadramento. Não há razão para temer os desiguais. O autor anônimo do texto diz, a certa altura, que ficou horrorizado porque sua filha adolescente assistiu ao filme e foi preciso conversar muito com ela para explicar que usar drogas, beber até cair e participar de bacanais não são coisas certas. Concordo que não é um estilo de vida dos mais saudáveis, porém entre o certo e o errado há muitas outras coisas, como dizia o próprio Cazuza, e não podemos fingir que o mundo é composto apenas de super-heróis imunes a fraquezas, a curiosidades e a ímpetos que nem sempre estão dentro dos padrões. O que importa na vida do artista é a sua arte, é o que ele deixa de legado. Biografias, filmadas ou escritas, servem apenas para entender a época em que ele viveu, quais eram seus conflitos, qual a fonte da sua inquietação. Ao se contar uma história de vida, seja ela qual for, humaniza-se o personagem. Será que foi essa a explicação que a menina adolescente recebeu depois de assistir ao filme, ou será que ela recebeu uma bela lição sobre maniqueísmo? Meu caro anônimo, há muitas formas de se ministrar uma educação errônea. Citar Cazuza como um ídolo inadequado é de uma miopia desoladora. O que dizer de vários ídolos pré-fabricados que nada acrescentam artisticamente, que não emocionam nem instigam, apenas vendem sandalinhas? Deixemos que os artistas ² os verdadeiros, os realmente inspirados ² experimentem a desobediência, testem seus próprios limites, busquem a vida nos buracos sujos onde ela se esconde. Todos aqueles que pintam, dançam, cantam, escrevem e atuam com as veias saltadas, com o sangue quente, com a alma aos gritos, estão na verdade ajudando a revelar a nós mesmos, cidadãos acima de qualquer suspeita. c Alguém num dia de mau humor decretou: amor tem que ser heterossexual e amizade tem que ser homo: mulher com amiga mulher e homem com amigo homem. As mulheres preferem outras mulheres para dividirem suas receitas, fofocas e eios no shopping e homens preferem outros homens para tratar de questões filosóficas como futebol, loiras e carros. Confesse: essa introdução deixou você se sentindo com 200 anos de idade. A revolução sexual já atingiu as amizades também, e homem e mulher podem muito bem ser apenas bons amigos. Quem vai negar? Muitos negam. Dizer que não existe amizade entre homem e mulher já virou um chavão, e o mundo das artes não contribui para mudar essa idéia fixa. Quase não se vê homens amigos de mulheres nas telas do cinema, nos poemas, nas letras de música. Ou somos amantes ou nada. No filme O Casamento de Meu Melhor Amigo, o personagem de Julia Roberts tinha dois leais escudeiros: um era uma paixão que ela pretendia reaver, o que já não dá para chamar de amizade, e o outro era gay. Aí pode. Se um homem convida uma mulher para um bate-papo num bar, e apenas isso, bingo: é veado. É a única amizade que convence entre sexos opostos. As mulheres realmente se relacionam às maravilhas com homossexuais, até porque vivemos numa sociedade machista, onde muitos homens pensam que ter um amigo gay depõe contra sua virilidade. Sendo assim, os homossexuais identificam-se mais com a sensibilidade das amigas do que com a insegurança dos bofes. Mas existe, sim, amizade entre homem e mulher, sem segundas nem terceiras intenções. O sexo ronda nossas cabeças, mas nem sempre se impõe. Um homem pode conhecer uma mulher no local de trabalho, na sala de aula ou numa excursão e virar companheiro de boas risadas, sem meter a cama no assunto. Não precisam ficar grudados dia e noite para estabelecerem um relacionamento de confiança e afinidades, e o sentimento pode sobreviver com a troca de idéias em vez de troca de beijos. Basta de tabus nesse mundo já tão careta. Homens e mulheres podem e devem experimentar relacionamentos sem malícia, ir juntos ao cinema sem agarrar-se no meio do filme e
dançar a noite inteira sem pintar um clima. Podem ir juntos numa livraria, num estádio de futebol, num show de rock. Será igual a uma amizade com alguém do mesmo sexo? Não, e é justamente aí que está o seu fascínio. Eu tenho excelentes amigos homens e não abro mão deles. Só não me peçam para ser amiga do George Clooney. c VOCÊ FOI ALERTADA PELA SUA BISAVÓ, pela sua avó e pela sua mãe: o silêncio é de ouro. Mas não adiantou nada, como não vai adiantar quando você tentar ar esta máxima para sua filha. Mulher tem um certo descontrole verbal, está no nosso DNA. Você sai com as amigas e antes do segundo chope já está quebrando aquele juramento de nunca contar nenhuma novidade antes que ela se confirme. Desobedecendo a si própria, lá está você comentando sobre uma promoção que talvez pinte em novembro, sobre a azaração que rolou e que talvez vire namoro, sobre a viagem à Patagônia que talvez você faça em fevereiro. Não dá para amarrar esta língua dentro da boca? Menos mal que você está falando do que lhe diz respeito. O estrago começa quando a gente se põe a falar de uma amiga, quando a gente comete uma indiscrição relativa à nossa irmã, quando a gente entrega um segredo que era propriedade privada de outra pessoa. Tudo coisinha à toa, um comentariozinho de nada, fofoquinhas sem importância. Mas que ressaca que bate na manhã seguinte! Você disse que detestou um filme cujo diretor é um dos seus melhores amigos. Você espalhou que o marido da Fulana é o campeão da grosseria, e amanhã compartilharão a mesma mesa numa festa. Você itiu que não a saraus, e já freqüentou vários com o sorriso nas orelhas, sua falsa. Você entregou as três plásticas que sua cunhada fez no rosto, e ela pediu tanto que você não contasse. Escapou, ué. Quanta frescura, o que é que tem fazer plástica? Pra você pode não haver razão nenhuma para segredo, mas se alguém lhe contou algo em confidência, custa fechar a matraca? Não custa, mas nossa voz é rápida no gatilho, não lê as placas de advertência. Quando vê, já avançou o sinal, já foi, está lá adiante. Rebobinar a fita, impossível. Fica então aquele gostinho azedo na boca, de quem não cometeu nenhum pecado grave, mas perdeu uma bela oportunidade de ser elegante. Reza a lenda que chiques são as mulheres que falam pouco. As econômicas. Aquelas que apenas sorriem enquanto as outras, histéricas, falam todas ao mesmo tempo. Mulheres caladas, controladas, que nunca dizem algo inconveniente. Elas mantêm um ar enigmático. Dão a entender que já aram pela fase de palpitar sobre tudo. Disseram tudo o que tinham para dizer no divã do analista e, agora, mais maduras, descobriram a arte de escutar. Só dando na cara. Eu sei, eu sei, puro recalque. E olha que eu nem tenho motivo para isto, no planeta de onde venho sou considerada até bem reservada. Mas, vez que outra, empolgo-me e pronto: descambo para a tagarelice. Com a melhor das intenções, diga-se. Tudo em nome da honestidade. Por que eu falei que não gostava da nova cor do cabelo dela? Porque ela perguntou. Por que eu disse para ele não me ligar nunca mais? Porque naquela hora eu estava tomada pelo ódio. Mas agora eu quero! Em nome da honestidade, cometemos algumas indelicadezas e precipitações. Como sofre uma mulher: ela precisa ser autêntica e, ao mesmo tempo, discreta. Ter opinião, mas nunca dizer uma leviandade. Ser sábia, porém nunca imprudente. Na próxima encarnação, não quero vir honesta, nem desonesta. Quero vir muda. c Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade. Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa. Dóem essas saudades todas. Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o escritório e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra
uma saudade que ninguém sabe como deter. Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua pintando o cabelo de vermelho. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango assado, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua surfando, se ela continua lhe amando. Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche. Saudade é não querer saber se ele está com outra, e ao mesmo tempo querer. É não querer saber se ela está feliz, e ao mesmo tempo querer. É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim, doer. Você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes do Woody Allen, do Hal Hartley e do Tarantino, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem o seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettuccine ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desses, criatura, por que diabo está sem namorado? Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados. Não funciona assim. Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não-fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. Costuma ser despertado mais pelas flechas do Cupido do que por uma ficha limpa. Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai ligar e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário, ele adora o Planet Hemp, que você não a. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado, mas você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita de boca, ele adora animais, ele escreve poemas. Por que você ama esse cara? Não pergunte pra mim. Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou murchar, você levou-a para conhecer sua mãe e ela foi de blusa transparente. Você gosta de rock e ela de MPB, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina o Natal e ela detesta o Ano-Novo, nem no ódio vocês combinam. Então? Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome. Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são referências, só. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo o que o amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos tem às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó. Mas só o seu amor consegue ser do jeito que ele é. Poucos filmes conseguem abordar três assuntos tão amplos em apenas duas horas. Cidade dos Anjos consegue. O filme está em cartaz no Brasil inteiro, com Nicolas Cage e Meg Ryan nos papéis principais. Trata-se de uma adaptação do filme Asas do Desejo do alemão Wim Wenders, porém a versão americana é mais pop e comercial. Fui com dois pés atrás e saí com dois olhos encharcados. Cidade dos Anjos não é uma obra-prima, a atuação de Meg Ryan é razoável e os diálogos não têm parentesco algum com os de Tarantino: são corretos e só. A seu favor, o filme tem uma bela fotografia, uma trilha sonora bacana, um
Nicolas Cage afiado e um roteiro que valoriza, adivinhe quem, o amor. Há quem prefira a artilharia pesada dos filmes de Bruce Willis, Stallone, VanDamme e Schwarzeanegger, mas um pouco de romantismo não faz mal a ninguém. O filme conta a história de um anjo que se apaixona por uma médica. Eu sou cética de carteirinha, mas me rendi ao sobrenatural. O conflito do filme é o seguinte: vale a pena um anjo abrir mão da sua eternidade para virar um simples mortal, e assim poder viver um grande amor? Como vocês sabem, anjos não têm sexo, e mesmo que tivessem, não teriam dinheiro para o motel. Anjos não têm fome, sede, sono. Transportam-se de um lugar para o outro sem precisar de um táxi, atravessam paredes, entendem todos os idiomas, lêem nossos pensamentos. Missão: proteger-nos enquanto não for nossa hora e buscar-nos quando a hora chegar. Não é pouca coisa, se levarmos em conta que trabalham sem carteira assinada e sem décimo terceiro. Conclusão: ter um anjo da guarda é ótimo, mas ser anjo é roubada. Nada substitui as coisas simples da vida, como pegar jacaré no mar ou dar uma mordida numa pêra, tomar uma chuveirada ou receber um beijo na boca. É claro que a mortalidade inclui também ser pego desprevenido por um temporal, perder o emprego, ter nosso cartão do banco extraviado ou arrancar um siso. Viver é correr riscos, é conhecer a dor e o prazer, a solidão e a paixão. Anjos são imunes a isso tudo. Seu único consolo é que não morrem. Eu prefiro colidir com um poste a não viver. Cidade dos Anjos, anote aí. A morte, a vida e o amor ao preço de um único ingresso. Está longe de ser um Woody Allen, mas faz você pensar e valorizar muito mais a sua coca-cola, o seu edredom, a sua aula de natação, o seu CD do Ed Motta e o cafuné do seu namorado, todas essas coisas que os anjos não podem sentir nem tocar. O amor pode surgir de repente, em qualquer etapa da vida, é o que todos os livros, filmes, novelas, crônicas e poemas nos fazem crer. É a pura verdade. O amor não marca hora, surge quando menos se espera. No entanto, a sociedade cobra que todos, homens e mulheres, definam seus pares por volta dos 25 e 30 anos. É a chamada idade de casar. Faça uma enquete: a maioria das pessoas casa dentro dessa faixa etária, o que de certo modo é uma vitória, se lembrarmos que antigamente casava-se antes dos 18. Porém, não deixa de ser suspeito que tanta gente tenha encontrado o verdadeiro amor na mesma época. O grande amor pode surgir aos 15 anos. Um sentimento forte, irracional, com chances de durar para sempre. Mas aos 15 ainda estamos estudando. Não somos independentes, não podemos alugar um imóvel, dirigir um carro, viajar sem o consentimento dos pais. Aos 15 somos inexperientes, imaturos, temos muito o que aprender. Resultado: esse grande amor poderá ser vivido com pressa e sem dedicação, e terminar pela urgência de se querer viver os outros amores que o futuro nos reserva. O grande amor pode, por outro lado, surgir só aos 50 anos. Você aguardará por ele? Aos 50 você espera já ter feito todas as escolhas, ter viajado pelo mundo e conhecido toda espécie de gente, ter uma carreira sedimentada e histórias pra contar. Aos 50 você terá mais ado do que futuro, terá mais bagagem de vida do que sonhos de adolescente. Resultado: o grande amor poderá encontrá-lo casado e cheio de filhos, e você, acomodado, terá pouca disposição para assumi-lo e começar tudo de novo. Entre os 25 e 30 anos, o namorado ou namorada que estiver no posto pode virar nosso grande amor por uma questão de conveniência. É a idade em que cansamos de pular de galho em galho e começamos a considerar a hipótese de formar uma família. É quando temos cada vez menos amigos solteiros. É quando começamos a ganhar um salário mais decente e nosso organismo está a ponto de bala para gerar filhos. É quando nossos pais costumam cobrar genros, noras e netos. Uma marcação cerrada que nos torna mais tolerantes com os candidatos à cônjuge e que nos faz usar a razão tanto quanto a emoção. Alguns têm a sorte de encontrar seu grande amor no momento adequado. Outros resistem às pressões sociais e não trocam seu grande amor por outros planos, vivem o que há pra ser vivido, não importa se cedo ou tarde demais. Mas grande parte da população dança conforme a música. Um pequeno amor, surgido entre os 25 e 30 anos, tem tudo para virar um grande amor. Um grande amor, surgido em outras faixas etárias, tem tudo para virar uma fantasia.