UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAPÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO– PROPESP CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO DA AMAZÔNIA – LATU SENSU
ANÁLISE TIPOLÓGICA E ESPACIAL DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO AP-OI-06, EXTREMO NORTE DO AMAPÁ
MICHEL BUENO FLORES DA SILVA
ORIENTADOR JOÃO DARCY DE MOURA SALDANHA
MACAPÁ-AP Setembro/2011
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAPÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO– PROPESP CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO DA AMAZÔNIA – LATU SENSU
Michel Bueno Flores Da Silva
MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO
ANÁLISE TIPOLÓGICA E ESPACIAL DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO AP-OI-06, EXTREMO NORTE DO AMAPÁ Monografia apresentada a Universidade Estadual do Amapá – UEAP como requisito para obtenção de Certificado de Conclusão de Curso de Pós-graduação Latu Sensu, na área de Patrimônio Arqueológico da Amazônia.
ORIENTADOR João Darcy De Moura Saldanha
MACAPÁ-AP Setembro/2011
SILVA, M. B. F.
Análise tipológica e espacial do sítio arqueológico AP-OI-06, extremo norte do Amapá / Michel Bueno Flores da Silva; Orientador: João Darcy de Moura Saldanha – 2011.
Monografia (Especialização) – Universidade Estadual do Amapá – UEAP, Curso de Especialização em Patrimônio Arqueológico da Amazônia, Macapá, 2011.
1. Foz do Amazonas – 2. Fase Aristé – 3. Habitação – 4. Superfície Ampla.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAPÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO– PROPESP CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO DA AMAZÔNIA – LATU SENSU
ANÁLISE TIPOLÓGICA E ESPACIAL DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO AP-OI-06, EXTREMO NORTE DO AMAPÁ
Michel Bueno Flores da Silva
Monografia de especialização submetida a Universidade Estadual do Amapá – UEAP como requisito para obtenção de Certificado de Conclusão de Curso de Pós-graduação Latu Sensu, na área de Patrimônio Arqueológico da Amazônia.
Aprovado por:
João Darcy de Moura Saldanha, Mestre, (Núcleo de Pesquisa Arqueológica / Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá – IEPA) (Orientador)
Gerald Migeon, Doutor, (Service Regional D' Archéologie - SRA, Guiana sa) (Examinador 1)
Eduardo Góes Neves, Doutor, (Museu de Arqueologia e Etnologogia – MAE / USP) (Examinador 2)
Arkley Marques Bandeira, Mestre, (Programa de Pós-graduação - Museu de Arqueologia e Etnologogia – MAE / USP) (Suplente)
Macapá – AP, ____ de ___________ de 2011
A minha mãe Marcia Bueno, por estar sempre ao meu lado dando todo o e necessário... A meu pai Paulo Eduardo Flores da Silva, por sempre estar presente me apoiando, não importando a distância...
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por permitir que eu realizasse esse trabalho e por estar sempre guiando as minhas escolhas. À minha noiva Larissa Gazel, por todo apoio, paciência, atenção, amor e carinho, tanto durante o decorrer do curso de especialização,
quanto
durante
a
elaboração da monografia. Aos meus irmãos por acreditarem em mim e me apoiarem durante as escolhas que tenho feito para a minha vida. Ao ilson e à Fernanda, por auxiliarem durante toda a construção deste e outros trabalhos e também pela confiança que depositam em mim, como pessoa e como profissional, e que apesar de não serem da família assim os considero, Ao João Saldanha, meu orientador, o qual se
demonstra
sempre
paciente
e
confiante a respeito do meu trabalho. À Mariana Cabral e toda equipe do Núcleo de Pesquisa Arqueológica do IEPA, que é a minha segunda casa e tenho
muito
estimo
por
todos
lá
presentes. Ao IEPA, sem o qual todo esse trabalho não seria possível.
“As coisas nascem já prenhes de simbolismo, de representatividade, de uma intencionalidade destinados a impor a idéia de um conteúdo e de um valor que, em realidade, eles não têm. Seu
significado
é
deformado
aparência.” (Milton Santos, 2009)
pela
sua
RESUMO
O sítio arqueológico AP-OI-06 é um dos primeiros sítios arqueológicos pertencentes à fase Aristé, do tipo habitação, escavado em superfície ampla no estado do Amapá. Este sítio foi escavado por decapagem mecânica, totalizando 1700 m² de área. Através deste trabalho, 119 estruturas arqueológicas foram encontradas. O presente trabalho visa apresentar os resultados da análise da cerâmica focando na tipologia e características tecno-estilísticas, com espacialização dos dados no sítio, tanto em superfície quanto no interior das estruturas encontradas, para que através destes resultados seja possível realizar inferências acerca de áreas de atividades neste sítio, contribuindo para o entendimento desta cultura, denominada arqueologicamente como Fase Aristé, da foz do Amazonas.
Palavras-chave: Foz do Amazonas; Aristé; Habitação; Superfície Ampla
ABSTRACT
The archaeological site AP-OI-06 is one of the earliest archaeological sites belonging to the Phase Aristé, like housing, excavated in large surface area in the state of Amapá. This site was excavated by mechanical stripping, totaling 1700 square meters in size. Through this work, 119 archaeological structures were found. This paper presents the results of the analysis of ceramic types and features focusing on techno-stylistic, with spatial data on the site, both in surface and within the structures found, that through these results is possible to make inferences about areas activities on this site, contributing to the understanding of this culture, known archaeologically as Phase Aristé, of the mouth of the Amazon.
Key-Words: Mouth of Amazon; Aristé; Housing; Large Surface
LISTA DE FIGURAS
Fig. 1 - Quadro apresentando uma adaptação resumida da seqüência cronológica da fase Aristé (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 132-150) – Imagens de Meggers & Evans (1957) adaptadas por: Michel Bueno Flores da Silva........................................................ Fig. 2 - Exemplos de formas e decorações do tipo Ouanary Encoché (Adaptado de ROSTAIN, 1994, Apêndice Fig. 83, 84 e 85 por: Michel Bueno Flores da Silva).............. Fig. 3 - Exemplos de urnas e cerâmicas funerárias do tipo Ouanary Encoché (Adaptado de ROSTAIN, 1994, Apêndice Fig. 86 e 87 por: Michel Bueno Flores da Silva)................................................................................................................................. Fig. 4 - Exemplos de formas e decorações cerâmicas do tipo Caripo Kwep, à direita urnas funerárias deste tipo (Adaptado de ROSTAIN, 1994, Apêndice Fig. 89, 90 e 91 por: Michel Bueno Flores da Silva).................................................................................... Fig. 5 - Exemplos de formas e decorações cerâmicas domésticas do tipo Enfer Polychrome (Adaptado de ROSTAIN, 1994, Apêndice Fig. 93 e 94 por: Michel Bueno Flores da Silva).................................................................................................................. Fig. 6 - Exemplos de urnas e cerâmicas funerárias do tipo Enfer Polychrome (ROSTAIN, 1994, Apêndice fig. 95-101 e 150-152 adaptado por: Michel Bueno Flores da Silva)............................................................................................................................. Fig. 7 - Mapa mostrando a densidade de sítios arqueológicos Aristé no Amapá. Os sítios cemitérios são representados pelas caveiras, os sítios habitação por estrelas preenchidas e os sítios megalíticos por estrelas vazias. (ROSTAIN, 2011, p. 15 adaptado por: Michel Bueno Flores da Silva).................................................................... Fig. 8 - Mapa com a localização do sítio arqueológico AP-OI-06. Mapa elaborado por Kleber de Oliveira Souza e adaptado por: Michel Bueno Flores da Silva......................... Fig. 9 - À esquerda, topografia da área com a localização dos dois platôs em relação a estrada (em amarelo) e a área de vegetação preservada em verde (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 3); à direita foto area do sítio AP-OI-06, com a delimitação do Platô Alto, foto do banco de dados do Núcleo de Pesquisa Arqueológica - IEPA...................... Fig. 10 - À esquerda, foto ilustrando a técnica de decapagem mecânica; à direita, foto ilustrando a técnica de escavação manual. Fotos do banco de dados do Núcleo de Pesquisa Arqueológica – IEPA.......................................................................................... Fig. 11 – Imagem exemplificando a estratigrafia do sítio AP-OI-06, também estão representadas nestas imagens exemplos das estruturas negativas encontradas durante a escavação. 1 Buraco de poste, 2 Buraco de poste com calage, 3 Fossa, 4 cerâmica quebrada in situ e 5 Poço, elaborado por: Michel Bueno Flores da Silva.......... Fig. 12 - Gráfico apresentando a freqüência das estruturas antrópicas encontradas no sítio arqueológico AP-OI-06, Autor: Michel Bueno Flores da Silva................................... Fig. 13 - Exemplo de uma anomalia natural formada pela ação de raízes. Foto do banco de dados do Núcleo de Pesquisa Arqueológica – IEPA......................................... Fig. 14 - À esquerda, dois buracos de poste, um com calage e outro sem; à direita uma buraco de poste com calage. Fotos do banco de dados do Núcleo de Pesquisa Arqueológica – IEPA..........................................................................................................
19 25 26 27 28 29
31 33
34 35
36 36 37 38
Fig. 15 - Prancha com a variação das formas de fossas encontradas no sítio arqueológico AP-OI-06 elaborada por: Michel Bueno Flores da Silva..............................
39
Fig. 16 Prancha com a variação das formas dos poços encontrados no sítio arqueológico AP-OI-06 elaborada por: Michel Bueno Flores da Silva..............................
40
Fig. 17 - À direita, foto de uma vasilha zoomorfa quebrada in situ; à direita, foto da Estrutura 166, na qual podemos visualizar parte do crânio aparecendo no interior da estrutura. Fotos do banco de dados do Núcleo de Pesquisa Arqueológica – IEPA.......... Fig. 18 – Gráficos, à esquerda, apresentando a variação dos tipos de modificação de borda; à direita, gráfico com a variação dos tipos de decorações, Autor: Michel Bueno Flores da Silva................................................................................................................... Fig. 19 – À esquerda, gráfico apresentando a variação de espessura de borda; à direita gráfico apresentando a variação de diâmetro, Autor: Michel Bueno Flores da Silva...................................................................................................................................
41 44 45
Fig. 20 – Prancha apresentando as variações de borda da Forma B, elaborado por: Michel Bueno Flores da Silva............................................................................................ Fig. 21 – À direita gráfico representando a textura; à direita, gráfico apresentando a frequência dos tipos de tempero, Autor: Michel Bueno Flores da Silva............................ Fig. 22 – À direita, gráfico apresentando as variações de decoração; à direita, gráfico com a frequência dos tipos de queima, Autor: Michel Bueno Flores da Silva................... Fig. 23 – Gráfico com a frequência dos tipos de tratamento de superfície, Autor: Michel Bueno Flores da Silva........................................................................................................ Fig. 24 – Gráfico com os tipos de modificação de borda, Autor: Michel Bueno Flores da Silva................................................................................................................................... Fig. 25 – Gráficos, à esquerda, gráfico com as variações de espessura da borda; à direita, variações de diâmetro, Autor: Michel Bueno Flores da Silva................................ Fig. 26 – Prancha com a variação de formas da Forma C – Tigela Aberta, elaborado por: Michel Bueno Flores da Silva..................................................................................... Fig. 27 – À esquerda, gráfico com variações de textura; à direita, variação de tipos de tempero, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.................................................................. Fig. 28 – Gráficos, à esquerda, apresentando a variação de coloração; à direita, apresentando a variação de tipos de queima, Autor: Michel Bueno Flores da Silva......... Fig. 29 – À esquerda, gráfico apresentando as variações de tratamento de superfície; à direita, gráfico apresentando as variações de acabamento, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.............................................................................................................................. Fig. 30 – Gráfico com a representação das variações de tipos de modificação de borda, Autor: Michel Bueno Flores da Silva...................................................................... Fig. 31 – Gráfico dos tipos de decoração presentes na forma C, Autor: Michel Bueno Flores da Silva................................................................................................................... Fig. 32 – Gráficos de espessura, à esquerda, e de diâmetro, à direita, Autor: Michel Bueno Flores da Silva........................................................................................................ Fig. 33 – Prancha com as variações de formas encontradas na Forma B, elaborada por: Michel Bueno Flores da Silva..................................................................................... Fig. 34 – Gráficos, à esquerda, gráfico com a variação do tempero na Forma E; à direita, gráfico com a variação dos tipos de textura encontrados na Forma E, Autor: Michel Bueno Flores da Silva............................................................................................ Fig. 35 – À esquerda, gráfico com a frequência de tipos de coloração, à direita, gráfico com a frequência dos tipos de queima, Autor: Michel Bueno Flores da Silva................... Fig. 36 – À esquerda, gráfico com a variação dos tipos de tratamento de superfície; à direita, gráfico apresentando a ocorrência dos tipos de acabamento, Autor: Michel Bueno Flores da Silva........................................................................................................ Fig. 37 – Gráficos, à esquerda, representando a variação dos tipos de modificação de borda; à direita, representando à variação dos tipos de decoração, Autor: Michel Bueno Flores da Silva........................................................................................................ Fig. 38 – Prancha com a variação das formas de bordas encontradas na Forma G, elaborado por: Michel Bueno Flores da Silva.................................................................... Fig. 39 – À esquerda, gráfico apresentando a variação de diâmetro da Forma G; à direita, gráfico apresentando a variação de espessura das bordas da Forma G, Autor: Michel Bueno Flores da Silva............................................................................................ Fig. 40 – Gráficos, à esquerda, gráfico apresentando a variação de tempero da Forma G; à direita, gráfico apresentando a variação de textura na Forma G, Autor: Michel Bueno Flores da Silva........................................................................................................ Fig. 41 – À esquerda, gráfico com a variação dos tipos de coloração encontrados na Forma G; à direita, variação com os tipos de queima encontrados na Forma G, Autor: Michel Bueno Flores da Silva............................................................................................ Fig. 42 – À esquerda, gráfico representando a variação das formas de tratamento de superfície da Forma G; à direita, gráfico apresentando os tipos de acabamento da Forma G, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.................................................................
48 49 49
50 50 51 52 53 54 54 55 55 56 57 57 58 58 59 60 60 61 62 62
Fig. 43 – Gráfico apresentando a variação dos tipos de modificação de bordas encontrados na Forma G, Autor: Michel Bueno Flores da Silva........................................ Fig. 44 – Prancha com a variação das formas encontradas na Forma J, elaborada por: Michel Bueno Flores da Silva............................................................................................ Fig. 45 – Prancha com a variação das formas de bordas encontradas na Forma K, elaborado por: Michel Bueno Flores da Silva....................................................................
63 63 65
Fig. 46 – Gráfico apresentando a frequência dos tipos cerâmicos encontrados na nossa amostra, Autor: Michel Bueno Flores da Silva........................................................ Fig. 47 - Organograma representando a forma como construímos esta análise espacial intra-sítio, Autor: Michel Bueno Flores da Silva................................................................. Fig. 48 - Mapa com a dispersão dos tipos de estruturas encontrados no sítio arqueológico AP-OI-06, os círculos em azul representam as concentrações de buracos de poste que foram interpretadas como habitações, imagem elaborada por: Michel Bueno Flores da Silva........................................................................................................ Fig. 49 – Imagem apresentando os mapas de densidade gerados para as Formas C, E e G, elaborados por: Michel Bueno Flores da Silva.......................................................... Fig. 50 - Imagem apresentando os mapas de densidade gerados para as Formas B, J e K, elaborados por: Michel Bueno Flores da Silva...........................................................
67
69
70 71 72
SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 13 1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA FASE ARISTÉ NO AMAPÁ E NAS GUIANAS................................ 14 1.1 A CULTURA ARISTÉ DO PONTO DE VISTA DE MEGGERS & EVANS (1957).........
18
1.2 A CULTURA ARISTÉ DO PONTO DE VISTA DE ROSTAIN (1994).............................
21
1.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A FASE ARISTÉ.............................................................. 30 2 O SÍTIO ARQUEOLÓGICO AP-OI-06........................................................................................... 33 2.1 O SÍTIO..........................................................................................................................
33
2.2 A ESCAVAÇÃO.............................................................................................................. 34 2.3 AS ESTRUTURAS NEGATIVAS................................................................................... 36 3 A CULTURA MATERIAL............................................................................................................... 42 3.1 A METODOLOGIA DE ANÁLISE CERÂMICA...............................................................
42
3.2 A AMOSTRA..................................................................................................................
43
4 APLICAÇÃO DA TIPOLOGIA....................................................................................................... 46 4.1 DESCRIÇÃO DA TIPOLOGIA........................................................................................ 46 4.2 OS TIPOS CERÂMICOS................................................................................................ 47 4.2.1 Forma B - Jarro com Pescoço........................................................................ 47 4.2.2 Forma C - Tigela Aberta.................................................................................
51
4.2.3 Forma E - Tigela com Abertura Restringida...................................................
56
4.2.4 Forma G - Pequeno Jarro Arredondado com Borda Infletida......................... 59 4.2.5 Forma J – Prato.............................................................................................. 63 4.2.6 Forma K - Vasilha com Pedestal....................................................................
64
4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A ANÁLISE E A TIPOLOGIA CERÂMICA..........
67
5 ANÁLISE ESPACIAL INTRA-SÍTIO.............................................................................................. 69 6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS................................................................................................ 75 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................. 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................. 79
INTRODUÇÃO
O principal objetivo deste trabalho é a aplicação da tipologia cerâmica baseada na forma dos vasilhames, que vem sendo desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisa Arqueológica do IEPA, utilizando como fundamento as formas cerâmicas criadas por Meggers & Evans (1957). O foco principal é a interpretação e identificação de áreas de atividades no interior do sítio arqueológico AP-OI-06 através da distribuição dos tipos cerâmicos e das estruturas arqueológicas encontradas. Este sítio, através das primeiras informações obtidas em campo, foi filiado à fase Aristé.
Através da dispersão dos tipos cerâmicos e tipos de estruturas, com suas formas e padrões tecno-estilísticos, pelo espaço, poderemos levantar hipóteses para a compreensão das atividades realizadas em áreas específicas deste sítio arqueológico.
O objeto de estudo deste trabalho é o sítio arqueológico AP-OI-06, localizado no município de Oiapoque, extremo norte do estado do Amapá. Este sítio se encontra na área denominada como zona costeira atlântica do estado do Amapá, no baixo curso do rio Oiapoque. A vegetação característica da região é formada por campos de cerrado, áreas de floresta de terra firme e mata de galeria.
13
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA FASE ARISTÉ NO AMAPÁ E NAS GUIANAS
Para realizar esta contextualização será apresentado um panorama inicial da ocupação do estado do Amapá, começando com os povos pré-ceramistas, seguindo para o início da ocupação ceramista, finalizando em uma descrição sobre a criação da fase Aristé, teorias de surgimento e influências que levaram a permanência e desenvolvimento neste estado, e na região das Guianas, até o início do século 18 (ROSTAIN, 1994, p. 422). O atual quadro arqueológico do Amapá é caracterizado, assim como a Amazônia, de forma geral, pela presença de pesquisas voltadas, principalmente, para sítios cerâmicos, não possuindo grande gama de informações básicas sobre os sítios líticos (CABRAL & SALDANHA, 2010, p. 55).
Meggers & Evans (1957, p. 158), apesar de não terem encontrados sítios précerâmicos no estado do Amapá, ressaltam a existência de grupos pescadores-coletores sambaquieiros, entretanto, apresentam a baixíssima visibilidade de sítios pré-cerâmicos não sambaquieiros, possivelmente “devido ao uso limitado de artefatos de pedra e da perecibilidade de outros materiais utilizados em seu lugar” (op. cit., p. 158). Seguindo a hipótese da presença de grupos pescadores-coletores no estado do Amapá, os Maye conhecidos desde os primeiros tempos da Conquista, poderiam ser os herdeiros seminômades indiretos destas comunidades (ROSTAIN, 1994, p. 423). Estes, segundo relatos (J. CHÉTIEN, 1719 apud ROSTAIN, 1994, p. 423; J. DE FOREST, 1625 apud ROSTAIN, 1994, p. 423) habitavam casas coletivas nos manguezais entre o Cabo Orange e o rio Cunani, construídas entre as raízes dos mangues acima do limite da água durante as inundações, semelhantes às atuais palafitas encontradas neste estado. Os Maye viviam da pesca e da coleta, incluindo frutas de palmeiras, Mauritia flexuosa, Palmae (B. DE PRÉFONTAINE, 1763 apud ROSTAIN, 1994, p. 424). Entretanto, os arquivos históricos não determinavam se eles eram ceramistas. P. & F. Grenand (1987 apud ROSTAIN, 1994, p. 424) relacionam semelhanças entre estes povos com os Palikur. Apesar de considerar a existência de povos pré-ceramistas no estado do Amapá e na Guiana Oriental como um todo, Rostain (1994, p. 423; 2011, p. 14) relata a inexistência de dados que comprovem a agem destes pelo estado. No entanto, Hilbert e Barreto (1988 apud SALDANHA & CABRAL, 2010, p. 99) ao percorrerem o Igarapé do Lago, na Costa 14
Estuarina do Amapá, encontraram, através de um corte estratigráfico, no sítio Buracão do Laranjal, uma camada de ocupação com fogueira e vestígios líticos que datam de 3750 ± 110 B. P (BETA -30746).
Nos últimos anos, através de trabalhos realizados na área de implantação de uma mina de ferro, entre os rios Araguari e Amapari, foi encontrado um sítio pré-cerâmico datado em 6140 ± 40 B.P. (BETA 255794) (SALDANHA & CABRAL, 2010, p. 104-105). Estes autores concluem que além dessas duas datações há possibilidade de outros sítios já pesquisados no estado do Amapá apresentarem datações que possam estar relacionadas a estas ocupações (SALDANHA & CABRAL, 2010, p. 108). Ao contrário dos povos pré-ceramistas, atualmente, existe uma maior quantidade de informações sobre os grupos ceramistas, mesmo que estas se concentrem em sua grande maioria apenas nas costas Atlântica e Estuarina. Estas informações, na realidade, estão representadas pela facilidade de o a esses locais e não por escolhas metodológicas dos projetos realizados no estado até o momento (CABRAL & SALDANHA, 2010, p. 52).
Meggers & Evans (1957) através do método Ford, que consiste na análise quantitativa e seriação dos tipos cerâmicos, definiram 3 fases cerâmicas para o estado do Amapá: Aruã, Mazagão e Aristé (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 158; CABRAL & SALDANHA, 2008, p. 11).
De acordo com esses autores os grupos representantes da fase Aruã, os únicos a ocuparem ambos os lados do rio Araguari-Amapari (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 37), teriam sido os primeiros ceramistas a entrarem no estado do Amapá, que conforme sua cerâmica, artefatos de pedra e sítios megalíticos, tiveram sua origem a partir de uma nova rota vinda do norte (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 158). Esta fase possuía como tipo cerâmico inicial o, freqüentemente rude, Piratuba Liso, que representaria um grupo que estava aprendendo a arte da cerâmica e teria ocupado o território do Amapá por um curto período de tempo (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 158). Os povos Aruã teriam sido empurrados do continente para as Antilhas da Foz do Amazonas por um grupo ancestral Mazagão-Aristé, que após entrarem no território teriam se divido e aram a se desenvolver de forma independente em regiões diferentes: os Aristé no norte do estado, limitados pelos rios Araguari-Amapari ao sul e o rio Oiapoque ao norte e os Mazagão no sul do estado, limitados ao norte pelos rios Araguari-Amapari e Jari 15
ao sul (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 37 e 160; ROSTAIN, 1994, p. 429; CABRAL & SALDANHA, 2008, p. 11).
Esse grupo ancestral, Mazagão-Aristé, foi criado por Meggers & Evans (1957) devido às semelhanças técnicas e estilísticas dos tipos cerâmicos antigos Jari Raspado (Mazagão) e Flexal Raspado (Aristé), tendo origem no baixo Amazonas, o que é sustentado por escavações realizadas nas Guianas cujos resultados não mostram conexões significativas entre essas regiões (ROSTAIN, 1994, p. 428).
Meggers & Evans (1957, p. 160) afirmam que os povos produtores das cerâmicas pertencentes às fases Aristé e Mazagão eram hostis uns aos outros e não há qualquer evidência de troca e intercomunicação, não sendo encontrada nem uma simples ocorrência de cerâmica da fase Aristé em sítios Mazagão ou vice-versa. No entanto, Rostain (1994, p. 429) afirma que existem semelhanças decorativas (apliques modelados de sapos e roletes aplicados) entre as cerâmicas de ambas as fases o que, por sua vez, sugere a existência de contato ou relações de troca.
As cerâmicas da fase Aristé são conhecidas desde 1625, quando Jesse de Forest encontrou um cemitério composto por vasilhas contendo ossos (FOREST, 1625, p. 21 apud ROSTAIN, 2011, p. 13). Em seguida François Geay (1901 apud ROSTAIN, 2011, p. 13) encontrou grutas funerárias nas colinas de Ouanary, Guiana sa.
No fim do século 19, Henri A. Coudreau (1887 apud ROSTAIN, 2011, p. 13) encontrou alguns sítios funerários no Amapá e em 1895, Emilio A. Goeldi (1905) escavou dois poços funerários artificiais com forma de bota (com câmara lateral) e fechados por um bloco de granito, na região do Cunaní. No início do século 20 Curt Nimuendajú realizou trabalhos em sítios de habitação e funerários desta fase (LINNÉ, 1928 e NIMUENDAJÚ, 2004 apud ROSTAIN, 2011, p. 13) e também identificou sítios megalíticos em topos de morros (SALDANHA & CABRAL, 2010, p. 97). No fim da década de 40 Meggers & Evans (1957) realizaram trabalhos de prospecções e escavações sistemáticas “que, arqueologicamente, abrangeram todo o território do Amapá” (HILBERT, 1957, p. 9). Estes tomavam como base um quadro teórico elaborado por Julian Steward (1948 apud ROSTAIN, 2011, p. 13), baseado em um determinismo ecológico 16
e difusionista, considerando que os ameríndios amazonenses se encontravam estagnados em um estágio “marginal”, ou seja, de “floresta tropical”, e que não poderiam avançar para os próximos estágios devido às condições “impróprias” do ambiente (PROUS, 1992, p. 427; SALDANHA & CABRAL, 2010, p. 99; ROSTAIN, 2011, p. 13). Também neste período Peter Hilbert (1957), realizou escavações arqueológicas em três sítios próximos ao rio Cassiporé, dois destes se encontravam na localidade de Vila Velha e o outro na Ilha das Igaçabas no Igarapé Grande (HILBERT, 1957, p. 10-17). Meggers & Evans (1957) e Hilbert (1957) são os primeiros a descrever sepultamentos em urnas com restos de cremação em sítios filiados a fase Aristé. Após 30 anos sem trabalhos arqueológicos, os trabalhos em sítios Aristé foram retomados pela Associação Guianense de Arqueologia e Etnografia (PETITJEAN ROGET, 1978, 1981, 1983 apud ROSTAIN, 2011, p. 13) seguido, em 1988 a 1991, de um programa arqueológico no litoral da Guiana sa coordenado por Rostain (ROSTAIN, 2011, p. 13). No estado do Amapá os trabalhos arqueológicos em sítios Aristé são retomados com a chegada de Cabral & Saldanha no ano de 2005, iniciando o “Projeto de Investigação Arqueológica na Bacia do Rio Calçoene e seu Entorno” (CABRAL & SALDANHA, 2006), sendo que este se mantém até os dias atuais. Recentemente Lesley e David Green em conjunto com o arqueólogo Eduardo Góes Neves realizaram um trabalho de Arqueologia Pública na T.I. Uaçá (GREEN; GREEN; NEVES, 2003), sendo identificados 11 sítios arqueológicos. Um desses sítios foi escavado, neste foram encontradas cerâmicas pertencentes à fase Aristé. “De acordo com a história oral Palikur, este sítio foi ocupado por seus anteados durante a guerra contra os índios Galibi” (CABRAL & SALDANHA, 2008, p. 13). Hilbert (1957, p. 33) foi o primeiro a fazer um paralelo entre os motivos decorativos dos grupos Palikur e as Urnas pré-colombianas da Fase Aristé, encontradas na área cultural Palikur. Sua idéia foi baseada nos trabalhos etnográficos de Nimuendajú (1926) e Fernandez (1948), apresentando uma forte ligação entre presente e ado de sociedades ameríndias na área.
Rostain (1994, p. 25) considera que a chegada dos povos das Antilhas, delta do Orinoco e baixo Amazonas ao Amapá, desestabilizaram a sociedade Aristé e que os “Agrupamentos de etnias e mesclas estilísticas se efetuaram e deram lugar ao nascimento 17
de comunidades híbridas reconstruídas, entre as quais podemos citar os Palikur atuais, no norte do Amapá (VIDAL, 1999; COLLOMB, 2003)” (ROSTAIN, 1994, p. 25), apresentando desta forma um laço hereditário entre os pré-históricos Aristé e os atuais Palikur.
1.1 A CULTURA ARISTÉ DO PONTO DE VISTA DE MEGGERS & EVANS (1957) Os sítios funerários são caracterizados por vasilhas depositadas em abrigos-sobrocha, cavernas, enterradas diretamente sobre o solo ou então em poços artificiais com câmara lateral construídos em áreas onde não existem essas formações naturais. As vasilhas desses sítios são, muitas vezes, antropomórficas com técnicas de decoração modeladas ou pintadas. Possuindo em seu interior uma mistura de terra com restos de sepultamentos secundários ou cremação, sendo que em raros casos são encontrados materiais como forma de oferendas (machados, contas de vidro, estatuetas ou pingentes de nefrita) e não são encontradas vasilhas miniaturas como oferendas (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 157).
Oito sítios habitação foram encontrados (Conceição, Cruzeiro, Ilha do Campo, Maica, Pracuuba, Relogio e Vila do Cunani), sendo que estes são, geralmente, caracterizados por diâmetro aproximado de 100 m, distantes dos sítios funerários, não possuírem mais que 5 cm de profundidade, estando localizados sobre elevações naturais livres de inundações e com boa drenagem, sempre próximos de fontes constantes de água (MEGGERS & EVANS, 1957, p.
157). Meggers & Evans (1957, p. 157) acreditam que devido às grandes
concentrações de cerâmica com pouca mistura de sedimento ou um chão de terra, esta estratigrafia seria resultado de habitações em casas sobre estacas com piso elevado, semelhantes à palafitas, teoria também apresentada por Rostain (1994, p. 413) ao descrever os sítios habitação do Amapá. De acordo com Meggers & Evans (1957) os fragmentos de cerâmica, filiados a fase Aristé, encontrados em sítios megalíticos seriam indicativos de uso ocasional, dos grupos desta fase dos sítios pertencentes à Fase Aruã (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 157). As análises realizadas por Meggers & Evans (1957) permitiram a estes autores a possibilidade de elaborar uma tipologia cerâmica baseada nas características da pasta e nas decorações das amostras cerâmicas coletadas.
18
Com base nesses critérios, foram criados 7 tipos cerâmicos: Flexal Raspado, Davi Inciso, Uaça Inciso, Aristé Liso, Aristé Pintado, Serra Liso e Serra Pintado (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 132-150).
De forma resumida, os tipos se encontram divididos, cronologicamente, da seguinte maneira: SEQUÊNCIA CRONOLÓGICA DA FASE ARISTÉ TIPOS
INÍCIO
MEIO
FIM
Flexal Raspado
X
Uaçá Inciso
X
Davi Inciso
X
X
Aristé Liso
X
X
Aristé Pintado
X
X
Serra Liso
X
X
X
Serra Pintado
X
X
X
EXEMPLOS
Fig. 1 - Quadro apresentando uma adaptação resumida da seqüência cronológica da fase Aristé (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 132-150) – Imagens de Meggers & Evans (1957) adaptadas por: Michel Bueno Flores da Silva.
O tipo Aristé liso é mais popular no início da seqüência da fase Aristé tanto nos cemitérios quanto nas habitações, decaindo no meio desta fase para os sítios cemitérios, 19
permanecendo com apenas alguns traços em sítios habitação do período final da fase. O Aristé Pintado aparece principalmente nos sítios cemitérios, sendo encontrado apenas no começo para o meio da fase Aristé, parece ter sido substituído pelo tipo Serra Pintado. Os tipos Serra Liso e Serra Pintado (especialmente comum em cemitérios), crescem gradualmente ao longo da seqüência cronológica da Fase Aristé (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 132-150). Betty Meggers & Clifford Evans (1957, p. 151-152), a partir de materiais de escambo europeus encontrados juntos ao material arqueológico da fase Aristé, observam a ausência de três tipos cerâmicos (Flexal Raspado, Uaçá Inciso e Davi Inciso) nos sítios onde há a ocorrência deste tipo de evento, o que coloca esses tipos no início da seqüência cronológica da fase.
Portanto, estes tipos filiados as tradições incisa ou raspada são diagnósticos dos sítios do início da seqüência, sendo associados aos sítios de habitação, enquanto que os estilos pintados (Aristé Pintado e Serra Pintado) estão diretamente associados aos cemitérios (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 152). Sendo o tipo Serra Pintado representante de toda amostra do material coletado por Goeldi nos poços do Cunani (Goeldi, 1905). Segundo Meggers e Evans (1957, p. 156) a seriação da cerâmica indica uma mudança a partir da popularidade das decorações de incisão (Uaçá Inciso) e raspado (Flexal Raspado) e de antiplástico de areia (Aristé Liso) para uma preferência por pintado (Serra pintado) e temperadas com caco moído (Serra Liso). As variações de pintado ocorrem em todos os períodos de cemitérios, que mostram consistentemente uma freqüência muito maior de artefatos decorados do que em sítios de habitação.
Peter Hilbert (1957) apresenta uma classificação sumária baseada na seriação de Evans e Meggers (1957), apresentada anteriormente, onde as mudanças na cerâmica iniciam em um estilo de decoração de incisões (Uaçá inciso) e raspado (Flechal raspado), para pintura em faixas e secções grandes (Aristé pintado), sobre cerâmica temperada com areia e em seguida para desenhos curvilíneos de motivos complexos, sobre uma cerâmica lisa e temperada com cacos moídos (Serra pintado) (Hilbert, 1957, p. 9).
Em uma tentativa de observar variações de formas de bordas e vasilhas, Meggers & Evans (1957, p. 155) combinam os tipos cerâmicos criados por eles estabelecendo 9 formas de vasilhas cerâmicas e também dividiram estes tipos por classes de sítios (habitação e 20
funerário): Forma A – Jarro com colar, Forma B - Jarro com pescoço, Forma combinada A e B – Jarro com pescoço e colar, Forma C – Tigela aberta, Forma D – Tigela levemente carenada com borda infletida, Forma E – Tigela com abertura restringida, Forma F – Tigela carenada com flange labial, Forma G – Pequeno jarro arredondado com borda infletida e Forma H – Jarro largo com pescoço e borda direta (MEGGERS & EVANS, 1957, apêndice tabelas 19 e 20). Em relação à origem da fase Aristé no Amapá, Meggers & Evans (1957, p. 164) consideram alguns aspectos provenientes de evolução local, sendo estes os complicados motivos do tipo Serra Pintado, para os quais não foram encontrados outros estilos pintados semelhantes no norte da América do sul, entretanto o fato desta fase ter começado com presença de pintura (pinturas em bandas largas ou sobre toda a superfície do vaso) em seus níveis mais antigos a reutilização desta técnica poderia estar ligada a algum tipo de influência externa. Através de comparações entre formas e decorações dos tipos pintados da Fase Aristé com materiais da Guiana Holandesa foram encontradas semelhanças, mas Meggers & Evans (1957, p. 165) não apresentam hipóteses para as ligações da fase Aristé do Amapá com as Guianas, sa e Holandesa. Em relação à técnica de cremação encontrada em um sítio funerário Aristé, também não são apresentadas sugestões sobre o grupo que teria influenciado os grupos desta fase (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 165). Os sepultamentos em poços apresentam outro problema para os autores, pois esta prática, ou teria sido inventada localmente como sugere Goeldi (1900 apud MEGGERS & EVANS, 1957, p. 166), ou teria alguma relação com os povos do alto Cauca na Colômbia, no entanto esses autores consideram a possibilidade de uma invenção independente (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 166).
1.2 A CULTURA ARISTÉ DO PONTO DE VISTA DE ROSTAIN (1994)
Através dos dados obtidos no Amapá por Meggers & Evans (1957) somados aos obtidos na Guiana sa, Rostain (1994, p. 412 e 415-417) classifica os sítios habitação
21
da fase Aristé em dois tipos: sítios habitação a céu aberto e sítios habitação em abrigos-sobrocha.
Os sítios habitação a céu aberto são caracterizados por se encontrarem em áreas elevadas como colinas (sítios de Montagne Bruyère ou Monts de l’Observatoire) ou sobre platôs (Barbosa, Clevelândia, Fort Saint Louis, Point Blondin, Prainha e Saut Maripa no baixo Oiapoque) (ROSTAIN, 1994, p. 415-416). Sendo que os primeiros se estendem por 15.000 m² a 40.000 m², possuindo uma camada arqueológica de 20 a 70 cm de profundidade. Através dos trabalhos realizados no sítio Barbosa, pode ser observada uma dimensão de 2.000 m² e camada arqueológica de até 8 cm de profundidade (ROSTAIN, 1994, p. 416). Os sítios em abrigos-sob-rocha (Montagne Bruyère ou Monts de l’Observatoire) são mais frequentes que os sítios em caverna, sendo caracterizados por uma média de 28 m² de dimensão, com materiais arqueológicos sendo encontrados de 30 até 80 cm de profundidade e apresentando um platô na entrada que aumenta a área de ocupação (ROSTAIN, 1994, p. 416).
Cavernas contendo vestígios cerâmicos também são relatadas na Montagne dês Trois Pitons, proximidades de Ouanary, e na Montagne de Kaw, a noroeste do Oiapoque, no entanto, devido à ausência de trabalhos arqueológicos não foi possível filiar estes sítios à fase Aristé (ROSTAIN, 1994, p. 416). Rostain (1994, p. 416) apresenta um modelo de ocupação, para os sítios das Colinas do Ouanary, baseado em duas unidades de habitação, sendo uma, maior, a céu aberto e outra, menor, em abrigos rochosos. Segundo este autor essas unidades em abrigos-sobrocha estariam relacionadas às atividades com períodos de reclusão, individual ou familiar, sendo estas impostas pela puberdade, iniciação de xamãs e chefes, partos, duelo ou fabricação de instrumentos de cerâmica ou pedra (ROSTAIN, 1994, p. 417; ROSTAIN, 2011, p. 15). De acordo com Rostain (1994, p. 417): (...) essa dualidade de habitações comunitárias e individuais, reflete uma estruturação da sociedade que ainda é observável nos dias atuais através de outros traços mais efêmeros em alguns grupos ameríndios.
22
Entretanto, essa dualidade de habitações é desconsiderada por Coutet (2009, p. 442) quando afirma maior complexidade destes abrigos, através da variabilidade dos conjuntos analisados nos sítios Carbet Mitan e Abri Marcel.
Os dados obtidos através de escavações e informações históricas no Amapá são insuficientes para determinar a densidade populacional dessas habitações, impedindo que fossem elaboradas hipóteses sobre pequenos grupos atuando por longo período de tempo ou grandes grupos habitando durante curtos períodos (MEGGERS & EVANS, 1957, p. 157; ROSTAIN, 1994, p. 417).
A análise dos conjuntos cerâmicos permitiu relacionar os pequenos aldeamentos ao abrigo de 40 a 200 indivíduos e as grandes habitações a populações de 500 a 4.000 indivíduos, sendo que os dados obtidos nos sítios a céu aberto e as descrições nos artigos históricos sugerem habitações compostas por várias casas familiares (ROSTAIN, 1994, p. 417). Os sítios funerários do Amapá e da Guiana sa são caracterizados por se encontrarem sobre elevações naturais nas proximidades de algum rio. Nestes é predominante o sepultamento secundário em urnas, o qual foi substituído por cremação durante os períodos mais recentes da fase Aristé (ROSTAIN, 1994, p. 413).
Através dos dados obtidos por Meggers & Evans (1957) para o Amapá e de suas pesquisas realizadas na Guiana sa, Rostain (1994, p. 413) pôde dividir os sítio funerários em quatro categorias específicas: necrópoles a céu aberto, necrópoles enterradas, necrópoles em abrigos rochosos e necrópoles em poços artificiais.
As necrópoles a céu aberto são caracterizadas por alinhamentos de urnas funerárias sobre o solo, enquanto as necrópoles enterradas apresentam a mesma configuração, mas se encontram enterradas em profundidade rasa (ROSTAIN, 1994, p. 413).
As necrópoles em abrigos rochosos são caracterizadas por urnas depositadas no interior dos abrigos, contra as paredes rochosas, sendo encontradas até 85 vasilhas em um único abrigo (ROSTAIN, 1994, p. 413). E as necrópoles em poços artificiais, que medem de 2,5 m de profundidade por 1,2 m de diâmetro, são caracterizadas pela deposição das urnas no interior dos poços em câmaras laterais e tampados por lajes de granito (ROSTAIN, op. cit.). 23
Os sítios megalíticos, também localizados sobre elevações naturais, encontrados na costa central do Amapá, apesar de terem sido inicialmente filiados à fase Aruã tiveram esta filiação questionada por Boomert (1986 apud ROSTAIN, 1994, p. 413) que através de sua localização e artefatos cerâmicos indicou uma possível filiação desses sítios à Fase Aristé (ROSTAIN, 1994, p. 414), o que foi confirmado por Cabral & Saldanha (2008, p. 24) através de escavações em área ampla e coletas sistemáticas neste tipo de sítio arqueológico na região de Calçoene, Amapá.
Os sítios megalíticos além de apresentarem caráter cerimonial também possuem caráter funerário, sendo que poços artificiais foram encontrados no interior de estruturas megalíticas circulares na base de monólitos erigidos, como foi observado por Cabral & Saldanha (2008).
Cabral & Saldanha (2008, p. 19) apresentam em seu artigo os dados obtidos através das escavações realizadas em dois poços funerários no sítio megalítico denominado como AP-CA-18: Rego Grande, Calçoene - AP. Através dessas escavações puderam concluir, pelo deslocamento da tampa (bloco de granito) de um desses poços e grandes quantidades de fragmentos arqueológicos dispersos em superfície e no interior, junto com o sedimento de preenchimento, do poço, que teriam ocorrido visitações e reutilização destes poços funerários, sendo que eles teriam todo o material do seu interior removido, para que fossem colocadas novas urnas em seu interior e posteriormente preenchidos pelo sedimento com material removido (CABRAL & SALDANHA, op. cit.). Além dos poços funerários outros tipos de estruturas, como vasilhas depositadas em pequenas fossas, dispersões de fragmentos na superfície e vasilhas fragmentadas in situ, são indicativos de outras atividades ligadas aos rituais realizados no interior desse sítio megalítico (CABRAL & SALDANHA, 2008, p. 20-21).
Além das práticas cerimoniais encontradas através da cerâmica, também foi observada a possibilidade de utilização deste sítio como um observatório astronômico ou marcador temporal, o que pode ser afirmado através do alinhamento perfeito de dois blocos, de granitos dispostos verticalmente sobre o solo, com o solstício de Dezembro (CABRAL & SALDANHA, 2008, p. 21-22). Sendo que atualmente pode ser constatado que este seria o período inicial das chuvas nesta região da Amazônia, o que, por sua vez, poderia estar
24
intrinsecamente ligado aos ciclos produtivos destes povos e alterações significativas da paisagem.
Rostain (1994, p. 418) com base nas três divisões apresentadas, através de datação relativa, por Meggers & Evans para a Fase Aristé define então três sub-complexos que se sucedem de maneira sobreposta, baseados em datação absolutas de radiocarbono, sendo o primeiro o sub-complexo Aristé Antigo (600-1100 dC), o segundo o sub-complexo Aristé Médio (1100-1600 dC) e o terceiro o sub-complexo Aristé Final (1600-1750 dC) (ROSTAIN, 2011, p. 14).
Assim como essas divisões são definidas através das datações, Rostain (2011, p. 1720; ROSTAIN 1994, p. 418-419; COUTET, 2009, p. 372) define três tipos cerâmicos (Ouanary Encoché, Caripo Kwep e Enfer Polychrome) através da junção de critérios morfológicos, técnicos e decorativos. Esses tipos estariam representando períodos da cronologia cerâmica desta fase. Através da análise da cerâmica Aristé, pode-se notar uma transferência progressiva desta Fase desde a Tradição Inciso-Ponteada (Aristé Antiga) para a Tradição Policroma (Aristé Médio) (ROSTAIN, 1994, p. 428). O tipo Ouanary Encoché, maior representante do sub-complexo Aristé Antigo, inicia na Tradição Inciso-Ponteada terminando na Tradição Policroma da Amazônia (ROSTAIN, 1994, p. 418). Ele é encontrado na base da estratigrafia dos sítios, sendo caracterizado por antiplástico de quartzo, pasta avermelhada e decoração de incisões simples retilíneas ou curvas, linhas de ponteado, entalhes no lábio e na extremidade das vasilhas, penteados, ungulados, digitados e pintura monocromática vermelha ou branca, havendo pintura tricromica somente nas peças funerárias (ROSTAIN, 1994, p. 418; COUTET, 2009, p. 372).
25
Fig. 2 - Exemplos de formas e decorações do tipo Ouanary Encoché (Adaptado de ROSTAIN, 1994, Apêndice Fig. 83, 84 e 85 por: Michel Bueno Flores da Silva).
As formas domésticas características do tipo Ouanary Encoché, como podemos observar na figura anterior (Fig. 2) são: pratos, tigelas abertas, tigelas globulares ou infletidas e jarros; sendo que as formas funerárias são: jarros com pescoço afinado e corpo globular ou troncônico, tigelas, tigelas e pratos entalhados e pequenos pratos (Fig. 3) (ROSTAIN, 1994, p. 419).
Fig. 3 - Exemplos de urnas e cerâmicas funerárias do tipo Ouanary Encoché (Adaptado de ROSTAIN, 1994, Apêndice Fig. 86 e 87 por: Michel Bueno Flores da Silva).
Segundo Coutet (2009, p. 372) o intervalo cronológico deste tipo é difícil de ser definido, tendo em vista que são encontrados fragmentos cerâmicos até o período póscolonial em contato com cerâmicas do tipo Enfer Polychrome (Coutet, 2009, p. 372).
O tipo Caripo Kwep, do sub-complexo Aristé Médio e filiado a Tradição IncisoPonteada, é caracterizado por tempero de cariapé, pasta de coloração amareloavermelhada e na superfície há presença de decoração de incisões retilíneas ou curvas, 26
linhas de pontos ou entalhes, penteado, pintura vermelha sobre fundo branco, podendo existir presença de motivos muito elaborados, e apliques zoomorfos (ROSTAIN, 1994, p. 419; COUTET, 2009, p. 372).
Fig. 4 - Exemplos de formas e decorações cerâmicas do tipo Caripo Kwep, à direita urnas funerárias deste tipo (Adaptado de ROSTAIN, 1994, Apêndice Fig. 89, 90 e 91 por: Michel Bueno Flores da Silva).
As formas domésticas características desse tipo cerâmico são: pratos, travessas, pratos infletidos com secção quadrangular ou corpo vertical; e as formas funerárias são: jarros com perfil composto, tigelas com borda infletida e pratos com bordas amplas, como podemos observar na figura anterior (Fig. 4) (ROSTAIN, 1994, p. 419). Assim como no tipo Ouanary Encoché, os fragmentos cerâmicos que representam este tipo são encontrados em todas as camadas da estratigrafia arqueológica (COUTET, 2009, p. 372).
O tipo Enfer Polychrome, atribuído ao sub-complexo Aristé Médio é filiado à Tradição Policroma da Amazônia, possui tempero de caco moído, apresentando núcleo da cerâmica com tons de cinza-clara a cinza-escura, composta por decoração principalmente pintada, vermelha, branca, preta e raramente amarela, possui motivos muito elaborados com presença de espirais complexas. São encontradas também decorações incisas, curvilíneas simples e complexas ou retilíneas, linhas de entalhes e apliques zoomórficos e antropomórficos muito elaborados (Fig. 5 e 6) (ROSTAIN, 1994, p. 419; COUTET, 2009, p. 372). A cerâmica deste tipo, datada por volta do século 14 e 17, é encontrada nas camadas arqueológicas mais recentes, na superfície da estratigrafia, e está substituindo o tipo Ouanary Encoché (COUTET, 2009, p. 372).
27
Fig. 5 - Exemplos de formas e decorações cerâmicas domésticas do tipo Enfer Polychrome (Adaptado de ROSTAIN, 1994, Apêndice Fig. 93 e 94 por: Michel Bueno Flores da Silva).
Como podem ser observadas na figura anterior (Fig. 5), as formas domésticas características desse tipo são: pratos, tigelas, bacias, bacias infletidas ou ligeiramente restringidas, vasilhas carenadas, tigelas e pratos com borda infletida, jarros com pescoço vertical e corpo globular, jarros com pescoço infletido e corpo globular e peças com ranhuras que foram interpretadas como raladores (ROSTAIN, 1994, p. 419). As formas funerárias características, as mais comuns nos cemitérios da Fase Aristé, são: Jarros com perfil composto, jarros grandes com corpo globular e pescoço vertical, tigelas, bacias com secção quadrangular e tigelas e pratos com borda infletida, apresentados na imagem a seguir (Fig. 6) (ROSTAIN, 1994, p. 419).
28
Fig. 6 - Exemplos de urnas e cerâmicas funerárias do tipo Enfer Polychrome (ROSTAIN, 1994, Apêndice fig. 95-101 e 150-152 adaptado por: Michel Bueno Flores da Silva).
Segundo Rostain (1994, p. 420) e como podem ser observadas na imagem anterior (Fig. 6), as urnas funerárias desse tipo possuem grande complexidade em suas formas e decorações muito elaboradas, sendo estas muitas vezes únicas, apesar da repetição de certos motivos decorativos.
Com base nas datações realizadas nos sítios da fase Aristé na Guiana sa, Rostain (1994, p. 421) pode concluir, através das urnas do tipo Enfer Polychrome encontradas em sítios datados do período pós-colonial, que estes permaneceram sendo utilizados mesmo após o contato. E também ressalta a atribuição de novos elementos aos sepultamentos, como por exemplo: contas de vidro européias, louças holandesas, pregos, facas, anéis, espelhos e facões (ROSTAIN, 1994, p. 420-421).
Além desses três tipos cerâmicos, Rostain (1994, p. 419) encontrou uma categoria cerâmica, a qual denominou de Hocco Fer, no abrigo-sob-rocha Carbet Mitan. Esta cerâmica é caracterizada por antiplástico de cascalho preto ferruginoso e banhos de coloração vermelha ou branca, entretanto a amostra era muito pequena para permitir a identificação de formas. O sub-complexo Aristé Final, marcado pela evolução, de acordo com Rostain (2011, p. 19-20), estaria relacionado a uma grande mudança na Fase Aristé, já no período da colonização, na qual esse sub-complexo teria sido muito influenciado por diversos grupos do baixo Amazonas, que estariam seguindo para o norte do Amapá e Guiana para fugir das perseguições européias, entre os quais estariam os povos filiados à cultura Policroma que 29
teriam influenciado fortemente os povos portadores da cerâmica Aristé na produção da tão elaborada cerâmica Enfer Polychrome.
Coutet (2009, p. 372) ao analisar o material dos sítios Carbet Mitan e Abri Marcel se depara com o aparecimento sucessivo e coexistente dos três tipos, criados por Rostain (1994), até o período do contato e considera difícil avaliar a colocação cronológica dos sítios estudados. Através da mistura dos materiais desses tipos cerâmicos na camada arqueológica eles poderiam representar um único período de ocupação, ocupações de períodos próximos ou então ocupações sucessivas abrangendo vários séculos (COUTET, op. cit.).
1.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A FASE ARISTÉ
De acordo com o quadro de pesquisas apresentado por Cabral & Saldanha (2010, p. 52), no qual somente a região costeira do Amapá possui grande quantidade de pesquisas arqueológicas, não é possível estabelecer, com certeza, o momento inicial da Fase Aristé, mesmo tendo ocorrido através da migração de grupos ceramistas, como propõem Meggers & Evans (1957), ou através de um desenvolvimento regional, onde grupos pré-ceramistas teriam sido influenciados por grupos ceramistas de forma que iniciassem a produção cerâmica.
O que sabemos é que a Fase Aristé é caracterizada por dois tipos cerâmicos, sendo um antigo, datado no início do século 5, onde os povos produziam cerâmica IncisoPonteada, e um tardio, que segue até o início do século 18, a partir de onde podemos ver a produção de uma cerâmica Policrômica, podendo estar relacionada ao contato desse grupo com os grupos do baixo Amazonas ou por relações de intercâmbio, que de acordo com Rostain (1994, p. 148), são características marcantes das sociedades ameríndias.
De acordo com Meggers & Evans (1957) a cerâmica pertencente à fase Aristé teria surgido no estado do Amapá através da migração de grupos mais evoluídos, oriundos do baixo Amazonas, por volta do século 12. Estes grupos teriam perdido o seu nível cultural avançado devido às limitações impostas pelo meio ambiente amazônico.
Oposta a esta hipótese, ligada ao determinismo ecológico de Steward (1948), proposta por Meggers & Evans (1957), Rostain (1994, p. 417) apresenta uma “hipótese de uma longa 30
ocupação, de populações relativamente grandes, que têm se desenvolvido através de um rico ecossistema”.
De acordo com Rostain (1994, p. 417), as populações produtoras da cerâmica Aristé teriam se estendido por um território que iria da “costa do rio Araguarí até os Monts de l’Observatoire, pelo menos, cerca de 370km de comprimento por 10 a 100km de largura”.
Fig. 7 - Mapa mostrando a densidade de sítios arqueológicos Aristé no Amapá. Os sítios cemitérios são representados pelas caveiras, os sítios habitação por estrelas preenchidas e os sítios megalíticos por estrelas vazias. (ROSTAIN, 2011, p. 15 adaptado por: Michel Bueno Flores da Silva).
Através de dados como extensão dos sítios, alta densidade de necrópoles e abrigossob-rocha, a diversidade de inovações cerâmicas locais (Fig. 7), Rostain (1994, p. 431) considera que a região do baixo Oiapoque foi um foco de desenvolvimento Aristé particularmente denso. E que nessa região se encontrariam os chefes das confederações pan-tribais do Amapá setentrional e que esta seria um centro político importante (ROSTAIN, 1994, p. 17). Os tipos elaborados por Meggers & Evans (1957) e Rostain (1994), apesar de classificarem as variações encontradas na cerâmica da Fase Aristé, podem não representar 31
indicadores reais de mudanças cronológicas nesta Fase, pois como afirma Coutet (2009, p. 442-443) a diversidade de formas, padrões decorativos, mudanças de tempero ou tipos de pasta, não são critérios confiáveis para a construção desses tipos de indicadores, pois o tempero e a pasta podem alterar facilmente de acordo com os recursos ambientais ou pela forma de produção individual de produção do artesão, sendo que a diversidade de formas e padrões decorativos pode ser alterada através de trocas ou outros tipos de influências externas. Para finalizar esta contextualização devemos ter em mente que, por mais que tenham sido realizadas diversas datações para esta fase, a origem dos povos portadores da cerâmica filiada à fase Aristé permanece, ainda, desconhecida. Não sabemos se esta se deu pela entrada de grupos ceramistas de outras regiões que se instalaram no norte do Amapá e sul da Guiana sa, ou se grupos pré-cerâmicos locais iniciaram a produção de cerâmica por meio de relações com grupos ceramistas da Tradição Inciso-Ponteada.
32
2
O SÍTIO ARQUEOLÓGICO AP-OI-06
2.1 O SÍTIO
O sítio arqueológico AP-OI-06 (Coordenadas UTM WGS84 0408 484/0426 192), se encontra na margem direita do rio Oiapoque, e está localizado na altura do rio onde há um estreitamento de sua largura e as margens ficam a uma distância de aproximadamente 200 m uma da outra.
Este sítio foi encontrado e registrado pela arqueóloga Lúcia Juliani, A Lasca Consultoria e Assessoria em Arqueologia S/S, durante as atividades de levantamento e vistoria arqueológica do EIA/RIMA da área onde seria implantada a Ponte Binacional sobre o rio Oiapoque (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 1).
Fig. 8 - Mapa com a localização do sítio arqueológico AP-OI-06. Mapa elaborado por Kleber de Oliveira Souza e adaptado por: Michel Bueno Flores da Silva.
Este sítio é caracterizado pela existência de duas áreas de ocorrências arqueológicas, sendo uma junto à margem do rio, denominada de Platô Baixo, caracterizada por uma ocupação histórica do fim do século 18 e início do século 19, onde foram encontrados fragmentos de cerâmica de torno, faiança, vidro e artefatos de ferro, como colheres, cartuchos de munição, cravos e outros. A outra ocorrência se encontra sobre um morrote acima do Platô Baixo, nomeado como Platô Alto. 33
O Platô Alto, foco deste estudo, é caracterizado por ser uma ocupação ameríndia précolonial, composta por artefatos cerâmicos e líticos, atribuída a Fase Aristé, criada por Meggers & Evans (1957). Estes artefatos foram encontrados desde a margem do rio até a área plana do Platô Alto, no entanto o material da encosta é atribuído ao carreamento, por fatores naturais, do material arqueológico da área principal do sítio, localizada no topo do morro, onde se encontra a habitação pré-colonial, como pode ser observado nas duas imagens que seguem (Fig. 9) (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 17).
Fig. 9 - À esquerda, topografia da área com a localização dos dois platôs em relação a estrada (em amarelo) e a área de vegetação preservada em verde (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 3); à direita foto aérea do sítio AP-OI-06, com a delimitação do Platô Alto, foto do banco de dados do Núcleo de Pesquisa Arqueológica - IEPA.
Em frente a este sítio, na margem oposta do rio Oiapoque, se encontra o sítio denominado como Pointe-Morne, este sítio possui caráter habitacional e funerário. Sendo que a habitação foi filiada à fase Koriabo e o cemitério filiado à fase Aristé (INRAP, 2010). Para que fosse realizada a escavação do sítio AP-OI-06 foi firmado, no segundo semestre do ano de 2009, um convênio entre a empresa A Lasca Consultoria e Assessoria em Arqueologia S/S e o Núcleo de Pesquisa Arqueológica do IEPA.
2.2 A ESCAVAÇÃO
A escavação deste sítio foi realizada através do método de decapagem mecânica, que consiste na abertura de quadras de 5x5m, através do uso de uma escavadeira equipada com pá lisa e controlada por um arqueólogo. Esta escavadeira vai raspando o solo, removendo finas camadas que variam de 2 a 10 cm de espessura, como podemos observar na foto da esquerda da Fig. 10. Os vestígios arqueológicos que vão aparecendo são coletados e quando são encontradas estruturas negativas a escavação com a máquina é 34
parada para que seja iniciada a escavação manual dessas estruturas (10) (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 4).
Fig. 10 - À esquerda, foto ilustrando a técnica de decapagem mecânica; à direita, foto ilustrando a técnica de escavação manual. Fotos do banco de dados do Núcleo de Pesquisa Arqueológica – IEPA
Esta escavação manual consiste no esvaziamento dessas estruturas, mantendo os artefatos que formam conjuntos em sua posição original, para que sejam registrados e coletados os vestígios destes conjuntos e em seguida continua-se com a escavação manual buscando delimitar a forma e a funcionalidade da estrutura.
Como podemos ver na figura a seguir (Fig. 11) a estratigrafia deste Platô é caracterizada pela existência de 3 horizontes estratigráficos. Sendo que em superfície havia uma camada de 5 cm de profundidade caracterizada como horizonte humífero. De 5 a 30 cm havia uma camada areno-argilosa de coloração escura (5YR\3.1) composta por muita laterita e artefatos, como cerâmica e líticos (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 13).
“A partir de 30 cm um horizonte argilo-arenoso, de coloração marrom-alaranjada (10YR\6.8) que representa a carapaça laterítica, o substrato geológico que compõem esta parte do sítio” (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 13). A maior parte das estruturas arqueológicas estava inserida neste horizonte. Estas estruturas poderiam ter começado no horizonte que se encontrava acima deste, mas não possuíam boa visibilidade devido à coloração do sedimento, pois o sedimento que se encontra no interior das estruturas possui a mesma coloração do sedimento da camada de ocupação.
35
Fig. 11 – Imagem exemplificando a estratigrafia do sítio AP-OI-06, também estão representadas nestas imagens exemplos das estruturas negativas encontradas durante a escavação. 1 Buraco de poste, 2 Buraco de poste com calage, 3 Fossa, 4 cerâmica quebrada in situ e 5 Poço, elaborado por: Michel Bueno Flores da Silva.
2.3 AS ESTRUTURAS NEGATIVAS
Através da escavação por decapagem mecânica, foram evidenciados 5 tipos de estruturas, as anomalias naturais, os buracos de poste, as fossas, os poços e as estruturas formadas por vasilhas cerâmicas quebradas in situ. Estas estruturas, como dito anteriormente, só são visíveis a partir do terceiro horizonte, apresentando internamente características sedimentares semelhantes à da segunda camada: preenchimento arenoargiloso, coloração escura e natureza pouco compacta, se diferenciando claramente do sedimento exterior que é marrom-alaranjado e compacto, caracterizado por carapaça laterítica (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 13).
Abaixo é apresentado o gráfico (Fig.12) com a freqüência das estruturas antrópicas encontradas durante a escavação, esta freqüência utiliza como divisão os tipos de estruturas classificados em campo.
Frequência de Estruturas 5
6 12 Poço Cerâmica quebrada in situ Fossa Buraco de Poste
96
Fig. 12 - Gráfico apresentando a freqüência das estruturas antrópicas encontradas no sítio arqueológico AP-OI-06, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
36
Estas estruturas são formadas através de perturbações, antrópicas ou biológicas do substrato geológico e acabam sendo preenchidas pelo sedimento da camada superior (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 7), fazendo com que essas alterações sejam percebidas ao realizar a remoção minuciosa de camadas com o uso da escavadeira.
Abaixo segue a descrição das estruturas negativas considerando tanto as estruturas de origem natural como as estruturas antrópicas. Anomalia natural: São estruturas formadas por bioperturbações, como a abertura de buracos através do crescimento de raízes, que após morrerem se decompõe e formam ocos no substrato que são preenchidos pelo sedimento da camada superior ou então, são formados pela ação de insetos e animais que escavam o sedimento formando buracos preenchidos da mesma forma (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 7). A forma dessas estruturas geralmente é disforme, sem indicação de alterações antrópicas, como pode ser observado na imagem a seguir (Fig. 13).
Fig. 13 - Exemplo de uma anomalia natural formada pela ação de raízes. Foto do banco de dados do Núcleo de Pesquisa Arqueológica – IEPA
Buraco de poste: São estruturas assim denominadas, pois acredita-se que estas sejam o negativo de postes (ou esteios) de casas ou cabanas de madeira que se encontravam no sítio, mas que devido ao clima tropical e solo extremamente ácido, acabaram se decompondo rapidamente (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 14). De acordo com Saldanha & Cabral (2009), este tipo de estrutura tem sido encontrada em grande quantidade no Amapá e na Guiana sa, que são locais onde as escavações com decapagem mecânica em grandes áreas são realizadas com mais 37
freqüência. Os sítios arqueológicos são compostos por grandes nuvens de buracos de poste, que são interpretadas como uma relocação de buracos próximos ou distantes, devido a reconstrução de casas que se deterioram rapidamente (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 14).
Como pode ser observado no gráfico (Fig. 12) apresentado anteriormente, essas estruturas compreendem 81% (96 estruturas) de todas as estruturas de origem antrópica, encontradas no sítio AP-OI-06.
Foram encontrados buracos de poste com calage, que seriam blocos de rocha utilizados para fixar o poste no buraco, deixando-o imobilizado. Estes blocos de rocha podem ser visualizados nas duas fotos apresentadas abaixo (Fig. 14).
Fig. 14 - À esquerda, dois buracos de poste, um com calage e outro sem; à direita uma buraco de poste com calage. Fotos do banco de dados do Núcleo de Pesquisa Arqueológica – IEPA
Fossas: São estruturas de dimensões variadas, podendo ser pequenas medindo não mais que 30 cm ou grandes chegando a medir mais de 1,5 m de abertura superior, e profundidades que vão de 20 cm a 50 cm, como está representado na Fig. 15. Elas são caracterizadas principalmente por forma circular ou retangular com fundo oval, e a relação diâmetro profundidade é na ordem de 2-1. Possuem em seu interior sedimento de coloração escura e natureza solta, são encontrados muitos fragmentos de cerâmica e lítico em seu interior (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 14).
No interior destas estruturas não foram encontradas vasilhas cerâmicas completas nem fragmentos de cerâmica que se remontassem, portanto não podemos associar as mesmas com sepultamentos secundários, entretanto, Van Den Bel (2010, p. 66) e Saldanha & Cabral (2009, p. 15), interpretam que essas estruturas podem estar relacionadas com sepultamento primário, essa idéia será exposta na descrição dos poços.
38
Fig. 15 - Prancha com a variação das formas de fossas encontradas no sítio arqueológico AP-OI-06 elaborada por: Michel Bueno Flores da Silva.
Poços: São estruturas semelhantes às fossas, contendo preenchimento de sedimento escuro. Como representado na prancha com as formas dos poços (Fig. 16), estes se diferenciam das fossas devido a sua forma de abertura, na maior parte das vezes circular ou retangular, com fundo plano e paredes retas, tendo a relação diâmetro-profundidade de 1-2 (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 15). Mesmos que alguns possuam formatos mais semelhantes aos poços encontrados por Cabral & Saldanha (2007, p. 52-60) no município de Calçoene ou por Goeldi (1905, p. 5-8 e 22-23) no Cunani, eles não possuem vasilhas inteiras depositadas em seu interior.
Segundo Saldanha & Cabral (2009, p. 15), estruturas semelhantes a estas foram encontradas no lado Francês, no sítio arqueológico Pointe-Morne e estão sendo interpretadas como estruturas funerárias nas quais o corpo foi enterrado diretamente no solo, os ossos teriam se desintegrado pela acidez deste, e a estrutura acabou sendo preenchida com o sedimento da camada superior ou que o seu conteúdo tenha sido removido como seqüência do tratamento dado aos mortos da região (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 15).
39
Fig. 16 Prancha com a variação das formas dos poços encontrados no sítio arqueológico AP-OI-06 elaborada por: Michel Bueno Flores da Silva.
Entretanto, como podemos ver nas pranchas de poços e fossas (Fig. 15 e 16) essas estruturas precisam que ter a sua classificação revista para que elas sejam classificadas de forma condizente às suas formas, pois os seus conteúdos possuem a mesma formação e o único atributo que as diferem é o seu formato. Cerâmica quebrada in situ: São caracterizadas por vasilhames cerâmicos que foram depositados em pequenas fossas ou não. Em quase sua totalidade, essas vasilhas foram intencionalmente quebradas em seu momento de deposição na fossa. Somente uma estrutura apresenta uma vasilha que parece ter sido depositada inteira contendo um crânio em seu interior (Fig. 17, foto da direita), no entanto essa vasilha foi severamente impactada pela instalação do canteiro de obras, tendo metade da sua estrutura removida (SALDANHA & CABRAL, 2009, p. 17). Não foi encontrado um padrão cerâmico para essa estrutura, pois as vasilhas cerâmicas encontradas são completamente diferentes umas das outras e a única vasilha que continha ossos em seu interior não pôde ter sua forma reconstituída.
40
Fig. 17 - À direita, foto de uma vasilha zoomorfa quebrada in situ; à direita, foto da Estrutura 166, na qual podemos visualizar parte do crânio aparecendo no interior da estrutura. Fotos do banco de dados do Núcleo de Pesquisa Arqueológica – IEPA.
41
3
CULTURA MATERIAL
3.1 A METODOLOGIA DE ANÁLISE CERÂMICA
A metodologia de análise cerâmica a ser utilizada neste projeto segue a metodologia de análise que vêm sendo utilizada em outros projetos realizados no Núcleo de Pesquisa Arqueológica do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá – IEPA, a qual se baseia na metodologia proposta por Wüst (2000).
A metodologia proposta por Wüst (2000) consiste na utilização do vasilhame cerâmico como principal objeto de pesquisa, considerando as relações que os atributos mantêm entre si (SALDANHA, 2005, p. 39). É dada prioridade à forma dos vasilhames, considerada a unidade mais útil neste tipo de análise (ARNOLD, 1989, p. 234 apud SALDANHA, 2005, p. 39). A forma dos vasilhames é reconstituída através da análise do perfil da borda dos fragmentos cerâmicos. Para a identificação das partes constituintes das vasilhas serão utilizados os trabalhos de Shepard (1985), Saldanha (2005) e Wüst (2000). Após a identificação das partes constituintes dos vasilhames, é iniciado o processo de remontagem dos fragmentos, o que, por sua vez, facilitará a identificação de atributos técnicos, morfológicos e marcas de uso. Para a identificação destes atributos serão utilizados os trabalhos de Rice (1987), Rye (1981) e Sinopoli (1991), e os mesmos atributos serão utilizados para o preenchimento das fichas de análise cerâmica. Tais fichas foram elaboradas pelo Núcleo de Pesquisa Arqueológica/IEPA e são utilizadas em todos os projetos de análise deste tipo de vestígio, possibilitando a aquisição de dados comparáveis.
“Este tipo de metodologia tem como principal vantagem o controle do número mínimo de vasilhas (NMV), baseado na quantidade de bordas e bases diagnosticadas em cada sítio” (SALDANHA, 2005, p. 39). A partir desses fragmentos que representarão as amostras da cerâmica é feito o controle, comparando-os segundo diâmetro de abertura, espessura da parede, cor da pasta, queima, tratamento de superfície e outros critérios (BRAY, 1995, p. 213-214 apud SALDANHA, 2008). Para a identificação e interpretação desses elementos serão utilizados os estudos de Rye (1981), Rice (1999), Skibo (1992) e Sinopoli (1991). 42
Na classificação morfológica serão utilizados como base os trabalhos de Meggers & Evans (1957), Shepard (1965), Wüst (2000), Vacher et al (1998), Gomes (2002; 2008) e Saldanha (2005). E para a construção da tipologia cerâmica será utilizada a tipologia de formas proposta por Meggers & Evans (1957, p. 155) para a Fase Aristé, sendo acrescentados os tipos que não existem na mesma. Terminada a análise da cerâmica, seguindo os atributos das fichas, serão preenchidas planilhas no formato .xlsx, divididas pelos tipos cerâmicos encontrados, para que seja possível realizar as correlações entre os atributos e os tipos. Os desenhos de perfil serão vetorizados através do uso do software CorelDraw X4 para facilitar a reconstituição e visualização das formas das vasilhas e organizar estas formas por tipo, possibilitando a inserção destes na tipologia elaborada pelo Núcleo de Pesquisa Arqueológica do IEPA.
3.2 A AMOSTRA Foram quantificadas 158 unidades de coleta de material, nas quais havia 8.161 fragmentos de cerâmica. Desses, 179 fragmentos eram bordas, mas apenas 131 poderiam ser analisadas por se encaixarem na metodologia do projeto (ter mais de 3 cm de comprimento com possibilidade de orientação). Através dessa quantificação pode ser observado que apenas 41 dos fragmentos quantificados possuíam marcas de uso (fuligem externa) e que 508 fragmentos possuem decoração (banho, incisões ou aplique), as variações dos tipos de modificação de borda e de decoração podem ser observadas na imagem a seguir (Fig. 18).
43
Fig. 18 – Gráficos, à esquerda, apresentando a variação dos tipos de modificação de borda; à direita, gráfico com a variação dos tipos de decorações, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Esse material é referente a 5 poços, 11 fossas, 7 vasilhas cerâmicas quebradas in situ, 34 buracos de poste e 30 anomalias naturais. Os fragmentos apresentavam bom estado de preservação, sendo que apenas 2% das vasilhas apresentavam erosão total. Se tratando da pasta dos vasilhames 53% dos vasilhames apresentam textura fina e 43% textura média. O tempero predominante é composto por quartzo moído (38%) ou a combinação de quartzo + caco moído (34%), seguidos pelo tempero de granito moído (16%) e granito + caco moído (9%). A coloração predominante é a bege clara e laranja a vermelha clara, ocorrendo variações de queima completa (21%) e queima incompleta com presença de núcleo (67%). Em relação à tecnologia, temos a ocorrência do roletado como manufatura predominante. O tratamento de superfície predominante é o bem alisado (55%) seguido de superfície polida (22%) e alisado (21%) e apenas 2% das vasilhas apresentam brunidura, havendo a presença de estrias internas (4%) externas (14%) e externas e internas (8%). Se tratando da morfologia da borda encontramos como forma predominante borda inclinada ao exterior com perfil exterior convexo (46%) seguido de borda inclinada ao exterior com perfil exterior côncavo (27%) e borda inclinada ao interior com perfil exterior convexo (14%), tendo predominância do arredondado (79%) como forma de lábio seguido por plano (14%) e afinado (4%).
Como pode ser observado nos gráficos apresentados abaixo (Fig. 19) há predominância de formas que possuem de 5 a 8mm de espessura e formas com 12 a 28 cm de diâmetro, caracterizando, portanto, a nossa coleção em vasilhas de dimensão pequena a média, existindo poucos exemplares de vasilhas grandes.
44
Fig. 19 – À esquerda, gráfico apresentando a variação de espessura de borda; à direita gráfico apresentando a variação de diâmetro, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
45
4 APLICAÇÃO DA TIPOLOGIA 4.1 DESCRIÇÃO DA TIPOLOGIA
Para a construção desta tipologia usamos como base o trabalho realizado por Meggers & Evans (1957), no qual foi definida a Fase Aristé através da utilização do método Ford que consiste na análise quantitativa (tipologia) e seriação (organização dos tipos por moda) (MEGGERS & EVANS, 1970).
Com a criação desta Fase eles dividiram inicialmente grupos de formas baseadas nos tipos que eles elaboraram para a cerâmica Aristé. Através das divisões criadas por eles, o Núcleo de Pesquisa Arqueológica do IEPA elaborou uma tipologia cerâmica baseada na forma dos vasilhames que possuía como tipos iniciais os 9 tipos cerâmicos encontrados por Meggers & Evans (1957), listados abaixo.
- Forma A – Jarro com colar. - Forma B – Jarro com pescoço. - Forma combinada A e B – Jarro com pescoço e colar. - Forma C – Tigela aberta. - Forma D – Tigela levemente carenada com borda infletida. - Forma E – Tigela com abertura restringida. - Forma F – Tigela carenada com borda flangeada. - Forma G – Pequeno jarro arredondado com borda infletida. - Forma H – Jarro longo, borda direta e pescoço longo. A partir de análises realizadas no sítio arqueológico AP-CA-18: Rego Grande, de caráter cerimonial com sepultamentos secundários, foi identificada uma nova forma que não era abrangida pela tipologia criada até o momento, nomeada como Forma I – Tigela carenada com borda restringida.
Através das análises realizadas até o momento, que representam aproximadamente mais de 2/3 dos fragmentos cerâmicos coletados durante as atividades de escavação, no sítio arqueológico AP-OI-06, tivemos a possibilidade de classificar as bordas analisadas nas formas B, C, E, G, J e K.
Os tipos J e K foram criados para que a tipologia possa se adequar ao material encontrado nesta habitação Aristé. A Forma J – Prato é assim caracterizada por vasilhas 46
que, praticamente, não possuem paredes, apenas base e borda, sendo que a base é plana e a borda saliente. A Forma K – Vasilha com pedestal consiste em vasilhas semelhantes às da Forma C, entretanto, na sua base há a presença de pedestal cônico.
Para finalizar, serão atribuídas funções às vasilhas de acordo com as suas dimensões e formas. Para isso realizamos a comparação das formas que encontramos com as formas apresentadas nas pranchas de Gomes (2008, tabelas 4.24, 4.46 e 4.68). Mesmo sabendo da subjetividade deste tipo de análise, fizemos esta inferência de uso para que possamos testar as nossas hipóteses sobre os possíveis métodos de se analisar o espaço interno de um sítio habitação escavado em área ampla através da metodologia de decapagem mecânica.
4.2 OS TIPOS CERÂMICOS 4.2.1
Forma B – Jarro com Pescoço
A Forma B é caracterizada por fragmentos com borda inclinada ao exterior e perfil côncavo com lábio arredondado. Entre essas vasilhas apenas uma possui reforço externo na borda. As vasilhas que constituem esse Tipo são jarros com pescoço, entretanto, nesse sítio os jarros encontrados possuem pequenas dimensões, o que pode ser observado pelo diâmetro, média de 9 cm, e pela reconstituição do perfil como pode ser visualizado na figura a seguir (Fig. 20).
47
Fig. 20 – Prancha apresentando as variações de borda da Forma B, elaborado por: Michel Bueno Flores da Silva.
Como podemos ver na imagem (Fig. 20) a Forma B é composta, até o momento, por apenas seis vasilhas que são provenientes de dois poços e três buracos de poste.
Através dos perfis reconstituídos pela análise destas seis bordas, que possuem espessura média de 6mm, pode ser observado que estes fragmentos possuem a superfície parcialmente erodida.
A tecnologia aplicada para a manufatura dessas vasilhas foi o roletado. Como apresentado nos gráficos abaixo (Fig. 21) a pasta das vasilhas é constituída por tempero de Quartzo moído, de forma isolada ou combinado com Caco moído, ou de Granito moído, também isolado ou combinado com Cariapé branco, possuindo textura fina ou média.
48
Fig. 21 – À direita gráfico representando a textura; à direita, gráfico apresentando a frequência dos tipos de tempero, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
A coloração predominante neste tipo é a bege clara, havendo também a coloração laranja a vermelha clara, ambas com núcleo escuro, o que, por sua vez, é proveniente da queima oxidante com presença de núcleo pouco oxidado (MEGGERS & EVANS, 1970, p. 29). Somente uma vasilha dessa amostra apresenta oxidação total, possuindo toda a sua secção de coloração bege clara, as variações de queima e coloração podem ser observadas nos gráficos que seguem (Fig. 22).
Fig. 22 – À direita, gráfico apresentando as variações de decoração; à direita, gráfico com a frequência dos tipos de queima, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Como tipo de acidente de fabricação foi encontrado o fire clouds em dois fragmentos, este é caracterizado pelo surgimento de manchas negras na superfície dos vasilhames, sendo que essas manchas são formadas através de agrupamento de vasilhas durante a queima e quando suas superfícies se tocam é criada uma atmosfera pouco oxidante, que faz com que esses pontos adquiram essa coloração escura (SILVA, 2008, p. 229-230).
De acordo com o gráfico apresentado a seguir (Fig. 23) em relação ao tratamento de superfície, são predominantes vasilhas apresentando superfície bem alisada, seguidas de superfície alisada, apenas uma vasilha. O único acabamento encontrado é o bem alisado externo e interno sem presença de estrias de alisamento. 49
Fig. 23 – Gráfico com a frequência dos tipos de tratamento de superfície, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Na Forma B, foram encontradas como modificações de borda um aplique antropomorfo e incisões retilíneas curtas (Fig. 24), apenas duas vasilhas apresentam decoração em sua superfície, esta decoração é caracterizada por banho monocrômico vermelho aplicado sobre pasta natural.
Fig. 24 – Gráfico com os tipos de modificação de borda, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Não foram encontradas marcas de uso em nenhum dos vasilhames, portanto as inferências sobre os possíveis usos delas não estão baseados nesse atributo. Através de sua forma restringida com pescoço longo e da comparação desta com as formas encontradas em Gomes (2008) o uso inferido para estas vasilhas é transporte ou transferência de líquidos, sendo que a forma restringida e a presença de pescoço são fatores importantes para diminuir o derramamento de líquidos durante o transporte.
50
4.2.2
Forma C – Tigela Aberta
A Forma C, é caracterizada por vasilhas com borda inclina ao exterior, tendo perfil exterior côncavo, convexo e retilíneo, sendo predominantes as vasilhas com borda inclinada ao exterior com perfil exterior convexo, apenas 19% das bordas apresentam reforço, sendo 9% externo, 7% interno e 3% externo e interno (Fig. 26). Esta forma é composta por 69 vasilhas, sendo que apenas duas possuíam o perfil completo. Como pode ser observado na prancha com as variações apresentadas nesta Forma (FIg. 26). Estas vasilhas possuem um diâmetro que varia de 10 cm a 40 cm com intervalos de 2 cm em 2 cm e espessura que varia de 5 mm a 10 mm com intervalos de 0,5 mm, essas dimensões podem ser observadas nos gráficos (Fig. 25) apresentados a seguir. Como forma de lábio predominante temos o Arredondado (77%), seguido pelas formas Plana (20%) e Afinada (3%), respectivamente.
Fig. 25 – Gráficos, à esquerda, gráfico com as variações de espessura da borda; à direita, variações de diâmetro, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
O material cerâmico que compõe esta Forma é proveniente de 28 unidades diferentes, sendo: 7 buracos de poste, 6 quadras da decapagem mecânica, 3 poços, 2 cerâmicas quebrada in situ, 3 anomalias naturais, 6 fossas, 1 sondagem, 1 coleta assistemática e 1 trincheira. Portanto, podemos perceber que não havia uma única forma distinta de deposição para esses vasilhames, o que pode ser explicado pela sua forma comum em sítios habitação que também explica ser a forma com a maior quantidade de bordas até o momento.
51
Fig. 26 – Prancha com a variação de formas da Forma C – Tigela Aberta, elaborado por: Michel Bueno Flores da Silva.
As vasilhas desta forma, assim como do resto da amostra analisada, foram manufaturadas através da sobreposição de roletes (acordelamento). Se tratando de preservação, 52% dos fragmentos apresentam a superfície parcialmente erodida, 46% dos fragmentos apresentam superfície preservada. E apenas 2% apresentam a superfície totalmente erodida, impedindo que possam ser observados dados como decoração, tratamento de superfície, acabamento e marcas de uso. Como podemos observar nos gráfico a seguir (Fig. 27) o tempero com maior freqüência nesta forma é o de Quartzo moído, seguido pelos temperos de Quartzo + Caco Moído, Granito Moído, Granito + Caco Moído e Granito Moído + Cariapé Branco. Sendo que a textura (porcentagem destes misturados à argila) é, na maioria, fina ou média, mantendo uma média de menos de 30% de tempero na mistura da pasta, como pode ser visualizado no gráfico a seguir (Fig. 27).
52
Fig. 27 – À esquerda, gráfico com variações de textura; à direita, variação de tipos de tempero, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Como os resultados de coloração estão diretamente ligados com os tipos de queima, estes serão aqui apresentados de forma conjunta. Uma queima controlada é uma das maiores virtudes do ceramista, pois é através da queima que é realizada a transformação da argila em cerâmica e através da queima que o ceramista define qual a cor que o vasilhame terá na sua superfície externa.
As cores predominantes nos vasilhames desta forma são: a bege clara e a laranja a vermelha clara, existindo em alguns casos presença de núcleo escuro (ver gráfico Fig. 28). A presença de núcleo escuro é resultante de queima em atmosfera oxidante, durante determinado período de tempo que não chega a cozinhar totalmente as paredes da vasilha, não permitindo a eliminação total de materiais orgânicos presentes na argila (matéria carbonácea). Quando não há presença de núcleo significa que a queima foi oxidante durante um período longo o suficiente para cozer toda a argila, eliminando por total a matéria carbonácea, transformando-a em uma cerâmica bem queimada, externamente e internamente (SINOPOLLI, 1991, p. 30-31; MEGGERS & EVANS, 1970, p. 29).
Além das colorações obtidas através de queima oxidante, a Forma C apresenta, também, vasilhas de colorações escura ou marrom por toda espessura, que seriam obtidas através de uma queima completamente redutora (sem presença de oxigênio na atmosfera de queima) (SINOPOLLI, 1991, p. 30-31; MEGGERS & EVANS, 1970, p. 29). Em 19% dos fragmentos analisado foram encontrados fire clouds como acidentes de fabricação.
53
Fig. 28 – Gráficos, à esquerda, apresentando a variação de coloração; à direita, apresentando a variação de tipos de queima, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Em relação ao tratamento de superfície, nesta forma a maior parte da vasilhas são de superfície Bem alisada (superfície suave), seguidas por superfície polida, finalizando com menos de 20% da amostra com superfície alisada e 3% com Brunidura (Fig. 29), que seria um polimento no qual, “enquanto a vasilha ainda estava incandescente, foi submetida a uma atmosfera redutora através do uso de materiais vegetais que são rapidamente carbonizados e absorvidos pela parede externa do vasilhame, gerando assim uma superfície negra e brilhante” (RYE, 1987 apud SALDANHA, 2005, p. 43).
Fig. 29 – À esquerda, gráfico apresentando as variações de tratamento de superfície; à direita, gráfico apresentando as variações de acabamento, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
O acabamento, como pode ser visto no gráfico acima, predominante é o Bem Alisado Extreno/Interno (74%), onde não são visualizadas estrias provenientes do alisamento. Os 26% restantes são vasilhas com presença de estrias, internas (10%), externas (13%) ou internas e externa (3%). Apenas 41% dos vasilhames desta Forma apresentam Modificações de Borda, existindo variações de apliques (mamiliforme, zoomorfo), flange, digitado, ponteado, ungulado, incisões curvilíneas em linhas longas, incisões retilíneas em linhas longas, incisões retilíneas curtas e incisão transversal, como pode ser observado no gráfico a seguir (Fig. 30). 54
Fig. 30 – Gráfico com a representação das variações de tipos de modificação de borda, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
De acordo com o gráfico apresentado a seguir (Fig. 31), as decorações no corpo das vasilhas só foram encontradas em 29% da nossa amostra. Como tipos de decoração, predomina o banho monocrômico vermelho, sendo 57% dos vasilhames com banho monocrômico na parte interna da vasilha, 33% dos vasilhames com banho monocrômico vermelho na parte externa da vasilha e 5% possuindo banho monocrômico interno e externo. Foram encontradas linhas monocrômicas vermelhas pintadas no interior de uma vasilha.
Fig. 31 – Gráfico dos tipos de decoração presentes na forma C, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Foram encontradas marcas de uso, como fuligem externa, em apenas 4% dos vasilhames e erosão interna em 2% das vasilhas.
Em relação ao uso destas vasilhas foi inferida a função de servir/consumir de uso individual ou coletivo (GOMES, 2008, p. 131). De acordo com Gomes (2008, p. 130) as vasilhas para servir são caracterizadas por formas abertas que garantem o o facilitado ao seu conteúdo e o tratamento de superfície ou decoração são na grande maioria representações simbólicas. 55
4.2.3
Forma E – Tigela com Abertura Restringida
A Forma E, é caracterizada por vasilhas com borda inclina ao interior, tendo perfil exterior côncavo, convexo e retilíneo, sendo predominantes as vasilhas com borda inclinada ao interior e perfil exterior convexo. Esta forma é composta por 25 vasilhas, das quais foram analisadas 24 borda e 1 perfil completo. Como pode ser observado na prancha com as formas encontradas neste tipo cerâmico (Fig. 33).
O diâmetro dessas vasilhas varia de 10 cm a 56 cm com intervalos de 2 cm em 2 cm, assim como na Forma anterior. A espessura varia de 5 mm a 10 mm com intervalos de 0,5 mm, como pode ser observado na imagem a seguir (Fig. 32). Como forma de lábio há a predominância do lábio arredondado (84%) seguido pelo lábio plano (16%).
Fig. 32 – Gráficos de espessura, à esquerda, e de diâmetro, à direita, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Seis vasilhas dessa forma apresentam reforço, sendo 20% com reforço externo e 4% com reforço interno. Como acidente de fabricação foi encontrado fire clouds em 24% dos fragmentos analisados.
O material cerâmico que compõe esta Forma é proveniente de 20 unidades diferentes, sendo: 2 anomalias naturais, 5 buracos de poste, 2 poços, 5 fossas, 3 quadras de decapagem mecânica, 1 sondagem e 1 trincheira. Devido essa ocorrência tanto em poços e fossas quanto em buracos de poste e na superfície (quadras da decapagem mecânica), não podemos concluir que exista um padrão de ocorrência em um único tipo de estrutura.
56
Fig. 33 – Prancha com as variações de formas encontradas na Forma B, elaborada por: Michel Bueno Flores da Silva.
As vasilhas que compõem esta forma foram manufaturas através da técnica de sobreposição de roletes. Em relação à preservação da cerâmica, 48% dos fragmentos analisados apresentam erosão parcial de sua superfície, na qual parte da superfície externa se encontra preservada e 52% dos fragmentos apresentam a superfície preservada.
O tempero com maior freqüência nesta forma é o de Quartzo moído, seguido pelos temperos de Quartzo + Caco moído, Granito moído, Granito + caco e Quartzo + caco moído + Cariapé branco. A textura na maior parte do material analisado é fina (56%) seguida pela textura média (44%), como podemos observar nos dois gráficos que seguem (Fig. 34).
Fig. 34 – Gráficos, à esquerda, gráfico com a variação do tempero na Forma E; à direita, gráfico com a variação dos tipos de textura encontrados na Forma E, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
A cor que predomina na amostra analisada é a bege clara com presença de núcleo escuro. Segue a coloração laranja a vermelha clara, núcleo escuro, que assim como na 57
Forma anterior são obtidas através de queima incompleta e realizada sob atmosfera oxidante. Além dessas variações foram encontradas também vasilhas de coloração laranja a vermelho claro por toda espessura, que consiste na oxidação e elminação total de toda a matéria carbonácea da vasilha e também vasilhas de coloração escura por toda a superfície, obtidas através de uma queima completamente redutora. As variações de coloração e queima da Forma E são apresentadas na imagem a seguir (Fig. 35).
Fig. 35 – À esquerda, gráfico com a frequência de tipos de coloração, à direita, gráfico com a frequência dos tipos de queima, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
A maior parte das vasilhas desta forma apresentam superfície bem alisada (64%) como tratamento de superfície seguida por vasilhas de superfície polida (24%) e alisada (12%) (Fig. 36, gráfico da esquerda). O acabamento predominante é o bem alisado externo/interno seguido pelo bem alisado com estrias internas/externas e bem alisado interno com estrias externas (Fig. 36, gráfico da direita).
Fig. 36 – À esquerda, gráfico com a variação dos tipos de tratamento de superfície; à direita, gráfico apresentando a ocorrência dos tipos de acabamento, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Em 42% dos vasilhames desta forma encontramos modificações de borda, que são: ponteado, aplique não identificado, incisões retilíneas longas, incisões retilíneas curtas e lábio digitado (Fig. 37, gráfico da esquerda). A decoração ocorre em 40% dos vasilhames, sendo encontrado o banho monocrômico vermelho externo com ocorrência de 90%, seguido por incisões curvilíneas longas em 10%, como pode ser observado no gráfico de tipos de decoração abaixo (Fig. 37). 58
Fig. 37 – Gráficos, à esquerda, representando a variação dos tipos de modificação de borda; à direita, representando à variação dos tipos de decoração, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Como variações de marcas de uso foram encontradas erosão interna e fuligem interna ambas com representatividade de 4%. As vasilhas dessa foram tiveram a cocção de alimentos e o armazenamento como usos inferidos, pois as suas formas restringidas garantem resistência ao choque térmico (GOMES, 2008, p. 130). Para melhor definição do uso destes vasilhames podem ser realizados estudos futuros focados no antiplástico, na porosidade e na espessura da pasta.
4.2.4
Forma G – Pequeno Jarro Arredondado com Borda Infletida Como é apresentado na Prancha com as variações das formas deste tipo (Fig. 38), a
Forma G, é caracterizada por vasilhas com borda inclina ao exterior tendo perfil exterior côncavo, convexo e retilíneo, sendo predominantes as vasilhas com borda inclinada ao interior e perfil exterior côncavo.
59
Fig. 38 – Prancha com a variação das formas de bordas encontradas na Forma G, elaborado por: Michel Bueno Flores da Silva.
Esta forma é composta por 27 vasilhas. O diâmetro dessas vasilhas varia de 8 cm a 32 cm com intervalos de 2 cm em 2 cm (Fig. 39, gráfico da esquerda), assim como nas formas anteriores. A espessura que varia de 4,5 mm a 14,5 mm com intervalos de 0,5 mm (Fig. 39, gráfico da direita). Como forma de lábio há a predominância do lábio arredondado (74%) seguido pelos lábios plano e afinado (15% e 11% respectivamente).
Fig. 39 – À esquerda, gráfico apresentando a variação de diâmetro da Forma G; à direita, gráfico apresentando a variação de espessura das bordas da Forma G, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
60
Em 37% dos fragmentos analisados encontramos flange labial externa e em apenas 7% encontramos reforço, o que nos mostra a preferência pela flange. Foram encontradas marcas de uso, fuligem externa, em 15% da nossa amostra.
O material cerâmico que compõe esta Forma é proveniente de 16 unidades diferentes, sendo: 2 anomalias naturais, 6 buracos de poste, 3 poços, 1 fossa e 3 quadras de decapagem mecânica. Apesar de terem sido encontrados fragmentos de cerâmica nos poços, não podemos afirmar que isso seja um padrão, pois foram encontrados fragmentos em superfície.
As vasilhas que compõem esta forma foram manufaturas através da técnica de sobreposição de roletes. Se tratando da preservação da cerâmica, 55% dos fragmentos apresentam a superfície preservada, 41% dos fragmentos analisados apresentam erosão parcial de sua superfície, na qual parte da superfície externa se encontra preservada, e apenas 4% dos fragmentos apresentam erosão total. O tempero com maior freqüência nesta forma é o de Quartzo moído, seguido pelos temperos de Granito moído, Quartzo + Caco moído, Granito + Caco moído. A textura na maior parte do material analisado é fina (59%) seguida pelas texturas média (33%) e Grossa (8%), como podemos observar nos dois gráficos que seguem (Fig. 40).
Fig. 40 – Gráficos, à esquerda, gráfico apresentando a variação de tempero da Forma G; à direita, gráfico apresentando a variação de textura na Forma G, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
A cor que predomina na amostra analisada é a bege clara com presença de núcleo escuro, seguida de bege clara por toda espessura. Depois temos as colorações laranja a vermelha clara, com núcleo escuro e laranja a vermelha clara por toda espessura, mantendo a predominancia de queimas oxidantes e com maior frequencia de queimas imcompletas que de queimas totais com eliminação total de toda a matéria carbonácea, como pode ser observado nos gráficos abaixo. Foram encontrados também três fragmentos que foram queimados em atmosferas reduzidas sendo um de coloração vermelha a marrom escura por 61
toda espessura e dois de coloração escura por toda espessura, as variações de coloração e queima são apresentadas na imagem a seguir (Fig. 41).
Fig. 41 – À esquerda, gráfico com a variação dos tipos de coloração encontrados na Forma G; à direita, variação com os tipos de queima encontrados na Forma G, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
A maior parte das vasilhas desta forma apresentam superfície bem alisada (52%) como tratamento de superfície seguida por vasilhas de superfície alisada (26%), polida (18%) e polida com brunidura (4%) (Fig. 42, gráfico da esquerda). O acabamento predominante é o bem alisado externo/interno seguido pelo bem alisado com estrias internas/externas e bem alisado externo com estrias internas (Fig. 42, gráfico da direita).
Fig. 42 – À esquerda, gráfico representando a variação das formas de tratamento de superfície da Forma G; à direita, gráfico apresentando os tipos de acabam ento da Forma G, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Como forma de decoração dessas vasilhas foi encontrado apenas o banho monocrômico vermelho sobre pasta natural havendo concentração de decoração direta sobre o lábio ou sobre a flange labial. Em 37% dos vasilhames desta Forma encontramos modificações de borda, nas quais há variações de flanges, incisões retilíneas em linhas longas e curtas, incisões curvilíneas em linhas longas e curtas, incisões tracejadas, lábio lobulado (Fig. 43).
62
Fig. 43 – Gráfico apresentando a variação dos tipos de modificação de bordas encontrados na Forma G, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
O uso destas vasilhas, assim como das anteriores, foi atribuído através da comparação das formas encontradas no sítio AP-OI-06 com as formas encontradas por Gomes (2008). A Forma G, possui como uso inferido o armazenamento, preparo de alimentos sem cocção e as vasilhas de menor dimensão foram relacionadas ao transporte devido às suas bordas infletidas que facilitariam a movimentação. As vasilhas para preparo de alimentos sem cocção, geralmente possuem abertura não-restringida e simples, tendo ênfase na força mecânica, ou seja, são caracterizadas por espessura grossa (GOMES, 2008, p. 130).
4.2.5
Forma J – Prato
Fig. 44 – Prancha com a variação das formas encontradas na Forma J, elaborada por: Michel Bueno Flores da Silva.
A Forma J é caracterizada por vasilhas rasas, praticamente sem paredes, apenas com borda e base, como podemos observar na imagem (Fig. 44). As vasilhas que constituem
63
esse tipo são pratos rasos de pequenas dimensões, média de 16,5 cm de diâmetro e 8,25 mm de espessura, o que, por sua vez, excluí a interpretação desses como assadores.
Como podemos ver na imagem esta forma é composta, até o momento, por quatro vasilhas que são provenientes 2 fossas, 1 anomalia natural e 1 poço.
Os quatro fragmentos analisados apresentam superfície parcialmente erodida, possuindo parte da superfície preservada, que nos permitiu analisar esta superfície.
A tecnologia aplicada para a manufatura das quatro vasilhas foi o roletado. A pasta é constituída principalmente por tempero de Granito, sendo que em uma há a combinação do Granito + Caco moído. Apenas um dos fragmentos apresenta tempero de Quartzo + Caco moído.
A textura vai de fina a grossa e coloração bege clara, sendo que, por sua vez, é proveniente da queima oxidada e incompleta. Como acidentes de fabricação foi encontrado fire clouds 25% e também encontramos ausência de marcas de uso.
Nos dois fragmentos evidenciados nesta forma não foram encontradas modificações de borda ou decorações na parte interna ou externa dos pratos.
Por possuírem pequenas dimensões foram atribuídas ao servir/consumo individual. E fazendo uma relação dessas com os assadores imaginamos também que possam ser vasilhas utilizadas para o processamento de alimentos em pequenas quantidades. Gomes (2008) através de suas pranchas relaciona os pratos apenas à função de servir indivual.
4.2.6
Forma K – Vasilha com Pedestal
A Forma K é caracterizada por um perfil completo remontado de uma cerâmica quebrada in situ e um fragmento do pedestal de outra vasilha, como pode ser visualizado na prancha abaixo (Fig. 45). As vasilhas que constituem esse Tipo são semelhantes as vasilhas da forma C, mas com um pedestal na sua base.
64
Fig. 45 – Prancha com a variação das formas de bordas encontradas na Forma K, elaborado por: Michel Bueno Flores da Silva.
A espessura média desta forma é de 6mm e o diâmetro da única vasilha completa é de 36 cm. As duas amostras foram obtidas, respectivamente, de uma estrutura de cerâmica quebrada in situ e uma quadra de decapagem mecânica, o que também não nos permite criar um padrão para ocorrência desta forma no momento. A preservação de ambas as vasilhas é parcialmente preservada, sendo que na vasilha que está completa a superfície se encontra em melhor estado de conservação.
Como formas de decoração predominam as incisões curvilíneas longas, presentes no lábio e na base do pedestal, sendo que foi encontrada flange labial lobulada com incisões retilíneas curtas na superfície da flange. Foi encontrado banho monocrômico vermelho no interior da vasilha. A tecnologia aplicada para a manufatura destas vasilhas foi o roletado. A pasta das duas amostras é constituída por tempero de Quartzo e Quartzo + Caco moído, possuindo textura média e coloração bege clara, núcleo escuro na vasilha com perfil completamente reconstituído ou vermelha escura a marrom por toda espessura.
Como tipos de queima foram encontrados oxidação total, nos fragmentos de pedestal, e oxidação externa/interna, com presença de núcleo, na vasilha que teve o perfil reconstituído.
Estas vasilhas, pela sua forma e presença de pedestal, teriam como uso inferido o ato de servir, podendo ser individual ou coletivo, o que iria variar de acordo com as suas dimensões (GOMES, 2008, p. 130).
65
Devido a sua baixa freqüência de ocorrência no sítio, apenas dois exemplares, contexto onde foi encontrada o exemplar completo e ao elaborado nível de decoração destas vasilhas pensamos que poderiam ter sido utilizadas para fins cerimoniais.
66
4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A ANÁLISE E A TIPOLOGIA CERÂMICA Através dos resultados obtidos com a análise cerâmica, foi observada a presença de 6 tipos de vasilhas cerâmicas no sítio arqueológico AP-OI-06, sendo que, pelo menos, 3 desses (Formas C, E e G) estão ligado à atividades cotidianas como o armazenamento, preparo e consumo de alimentos.
Mesmo não sendo encontradas marcas de uso significativas para representar esses usos, eles foram inferidos através das formas dos vasilhames analisados por Gomes (2008).
Frequência dos tipos cerâmicos 3% 1%
5%
20%
Forma B Forma C Forma E 52%
19%
Forma G Forma J Forma K
Fig. 46 – Gráfico apresentando a frequência dos tipos cerâmicos encontrados na nossa amostra, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Como podemos observar no gráfico acima (Fig. 46), a Forma C – Tigela Aberta representa mais da metade da nossa coleção. Essa forma está intrinsecamente ligada às atividades do cotidiano, pois é representada por vasilhas que possuem como função o ato de servir, podendo ser individuais ou coletivas. A nossa amostra cerâmica é caracterizada por vasilhas que possuem como tempero predominante o quartzo e como coloração predominante a bege clara, seguida pela cor laranja a vermelha clara. Em ambos os casos encontramos grande porcentagem de vasilhas que apresentam núcleo escuro. Esse fato pode ter sido gerado através da queima da cerâmica em fogueiras à céu aberto, na qual o ceramista não consegue manter uma atmosfera de queima estável durante muito tempo, gerando uma queima incompleta dos vasilhames sem eliminação total da matéria carbonácea presente na argila (SINOPOLLI, 1991, p. 31; MEGGERS & EVANS, 1970, p. 29-30).
67
Outra questão observada na nossa amostra é a presença de fire clouds como acidente de fabricação, o que pode ser explicado pela queima de muitas vasilhas cerâmicas de uma só vez, que acarreta no empilhamento dessas vasilhas, gerando como já foi dito antes, manchas negras na superfície dos vasilhames.
Neste momento a nossa atenção não está focada para uma descrição minuciosa das decorações encontradas nesses tipos cerâmicos, mas através da amostra analisada, foi concluído, com raras exceções, que as vasilhas deste sítio apresentam pouca decoração, sendo que esta é feita de forma mais simplificada que as decorações encontradas nos sítios funerários da Fase Aristé. A decoração é composta apenas por banho monocrômico vermelho, externo ou interno. Em 26% das vasilhas analisadas encontramos flanges como modificações plásticas da superfície das vasilhas. São encontradas também variações de incisões retilíneas e curvilíneas como formas de modificação de borda, existindo em maior quantidade superfícies decoradas com incisões retilíneas criando horizontes decorados com incisões retilíneas curtas.
Nas vasilhas onde são encontradas flanges, há maior ocorrência de incisões curvilíneas entre a flange e o lábio desses vasilhames, havendo banho monocrômico interno na grande maioria dos casos.
Após realizar a análise e a classificação tipológica dos vasilhames, nos concentramos em realizar a análise espacial desses tipos baseada na distribuição das formas como se encontravam em relação às estruturas negativas.
68
5
ANÁLISE ESPACIAL INTRA-SÍTIO
Depois de realizadas as análises e a aplicação das tipologias, tanto da cerâmica, quanto das estruturas encontradas no sítio AP-OI-06, pretende-se com este trabalho realizar a espacialização desses dados, ou seja, elaborar mapas com as distribuições desses tipos, tanto cerâmicos, quanto de estruturas, para que possamos levantar hipóteses sobre a forma como esses se encontram dispersos no sítio, finalizando na identificação de áreas de atividades.
Para a construção desta análise espacial intra-sítio, seguiremos o esquema do organograma abaixo (Fig. 47).
Fig. 47 - Organograma representando a forma como construímos esta análise espacial intra-sítio, Autor: Michel Bueno Flores da Silva.
Primeiramente, elaboramos um mapa com a distribuição das estruturas negativas encontradas durante a escavação, buscando encontrar algum padrão de distribuição das mesmas (Fig. 48). Para a elaboração desse mapa fizemos uma tabela em formato .xlsx com as coordenadas geográficas de cada estrutura encontrada no sítio, em seguida criamos uma coluna atribuindo a classificação dessas estruturas.
69
Fig. 48 - Mapa com a dispersão dos tipos de estruturas encontrados no sítio arqueológico AP-OI-06, os círculos em azul representam as concentrações de buracos de poste que foram interpretadas como habitações, imagem elaborada por: Michel Bueno Flores da Silva.
Através deste mapa foi possível visualizar duas áreas que apresentam grande concentração de buracos de poste, as quais foram interpretadas por nós como habitações. Seguindo a hipótese apresentada por Saldanha & Cabral (2009, p. 14), na qual é considerada a possibilidade de reconstrução das casas com relocação dos esteios, temos e para a construção desta afirmação.
Tanto as Fossas, quanto as estruturas de cerâmicas quebradas in situ, foram encontradas também localizadas nessas áreas, mas a função precisa destas estruturas ainda é desconhecida por nós, não podemos realizar inferências sobre esses padrões no 70
momento, entretanto, se for confirmado, no futuro, o uso destas estruturas para fins de sepultamentos primários, poderemos então ter um padrão de ocorrência desse tipo de sepultamento realizado no interior ou muito próximo das unidades habitacionais. Não foram encontrados outros padrões claros para a distribuição destas estruturas. Vale ressaltar que a única estrutura de vasilha cerâmica quebrada in situ que apresenta caráter funerário se encontra no norte da área escavada, fora das concentrações de buracos de poste. Portanto, encontrando um primeiro modelo, no qual existem duas habitações no interior da área escavada, distribuímos os tipos cerâmicos nas suas estruturas de origem buscando encontrar mais informações sobre o espaço interno deste sítio. Optamos então, por utilizar a dispersão das formas cerâmicas através da sua densidade para identificarmos as áreas com maior ocorrência de formas e como estas estão distribuídas pelo sítio, como pode ser observado nas imagens a seguir (Fig. 49 e 50). Para tanto foram elaborados seis mapas, um para cada tipo cerâmico, sendo que esses mapas são apresentados em conjuntos de três, separados de acordo com os tipos cerâmicos mais representativos da nossa amostra.
Fig. 49 – Imagem apresentando os mapas de densidade gerados para as Formas C, E e G, elaborados por: Michel Bueno Flores da Silva.
71
Através desses primeiros mapas de densidade, elaborados com os tipos C – Tigela Aberta, E – Tigela Restringida e G – Jarro arredondado com borda infletida, pode ser observado que as atividades relacionadas ao armazenamento, preparo e consumo de alimentos se encontram delimitadas no interior dessas estruturas que nomeamos como habitações. No entanto, devemos lembrar que a forma como os vestígios cerâmicos se encontram dispersos neste sítio arqueológico não representa uma deposição intencional, mas sim uma deposição ocasional, provavelmente relacionada à quebra dos vasilhames durante o uso.
Foi observada também uma grande concentração desses tipos de artefatos no limite norte da área escavada. Até o presente momento este evento permanece como uma incógnita, pois nesta área já inicia o declive do platô em direção ao rio Oiapoque. Este evento estaria então relacionado ao carreamento dos fragmentos cerâmicos através de fatores naturais, ou esta seria uma área relacionada a algum tipo de atividade específica? Em seguida elaboramos os mapas para as formas que apresentam menor representatividade na nossa amostra, Forma B – Jarro com pescoço, Forma J – Prato e Forma K – Vasilha com pedestal.
Fig. 50 - Imagem apresentando os mapas de densidade gerados para as Formas B, J e K, elaborados por: Michel Bueno Flores da Silva.
72
Como pode ser observado nos mapas de densidade gerados (Fig. 50), com exceção da Forma B, as cerâmicas também se encontram inseridas no interior das estruturas de habitação. Lembrando que a Forma K é representada por uma vasilha inteira encontrada quebrada in situ e um fragmento de pedestal encontrado na decapagem mecânica, sendo que baseado no contexto e alto nível decorativo encontrado nesta vasilha, podemos interpretá-la como uma vasilha para fins rituais ou cerimoniais, mas que estava enterrada emborcada no interior da habitação, podendo estar relacionada à atividades funerárias, o que não pode ser comprovado até que sejam obtidos mais dados sobre o uso deste tipo de vasilhas no interior de habitações filiadas a fase Aristé.
A ocorrência da Forma B – Jarro com pescoço, somente na concentração de formas no limite norte do sítio, pode nos levar a começar a pensar esta concentração como um local de atividades ao invés de associar as cerâmicas desta concentração ao carreamento por fatores naturais. Outra observação que vale ser ressaltada é que apesar de ser encontrada no interior das habitações a Forma J é encontrada também no limite sul da área escavada em um Poço. Mesmo que os fragmentos tenham sido encontrados no interior da habitação, todos estavam no interior de estruturas antrópicas, duas fossas e um poço, com exceção de um fragmento que se encontra em uma anomalia natural, que não foi espacializada.
Como podemos ver através da dispersão espacial dos tipos encontrados na superfície deste sítio, tivemos possibilidade de realizar inferências sobre áreas de atividades, entretanto, esses mapas apresentam apenas a dispersão das formas cerâmicas encontradas no interior das estruturas negativas e não na superfície do sítio. Além do mais, os resultados aqui obtidos são representantes da análise parcial e não integral do material coletado. Portanto, podemos perceber que a realização da integração dos dados obtidos através das análises cerâmicas, em conjunto com as análises espaciais, são de suma importância para compreendermos o contexto de um sítio arqueológico (habitação) com suas relações intra-sítio. E como afirma Santos (2009, p. 56) ao citar J. Y. Calvez “o todo domina as partes e [...] essas, só adquirem significado através dele, do qual são especificações funcionais”.
Assim, por mais que a análise e a interpretação dos artefatos cerâmicos produzam muitas informações sobre um sítio arqueológico, nós só poderemos encontrar mais 73
informações sobre este sítio a partir do momento em que espacializarmos esses dados e começarmos a pensá-los em conjunto com o seu contexto de origem, para que possamos interpretar as áreas internas do sítio, ou como afirma Santos (2009, p. 58): “O espaço não pode ser estudado como se os objetos materiais que formam a paisagem trouxessem neles mesmos sua própria explicação. Isto seria adotar uma metodologia puramente formal, espacista, ignorando os processos que ocasionaram as formas”
Ou como afirmam Cabral & Saldanha (2010, comunicação pessoal) a análise cerâmica e a elaboração de tipologias são apenas parte do processo de interpretação de um sítio arqueológico e não o resultado final. Entretanto, como expõe Gomes (2008, p. 65): As densidades (...) são obtidas por meio de áreas de coletas, definidas a partir de uma dada forma do sítio. Contudo, os mapas resultantes dependem de diferentes técnicas de manipulação dos dados, o que implica dizer que existem infinitas possibilidades de representação da realidade (Jerman & Dunnel, 1979, PP. 32-33, apud Araújo, 2001, p. 248).
Então sabemos, por fim, que são infinitas as técnicas que podem ser utilizadas para obter infinitos modelos espaciais para um conjunto de artefatos, um sítio e o seu ambiente ou até mesmo um conjunto de sítios arqueológicos.
74
6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Como apresentado na contextualização, primeiro capítulo deste trabalho, ainda existe uma grande lacuna na Arqueologia do Amapá a ser preenchida. Esta lacuna envolve questões que estão relacionadas à origem dos povos deste estado e sobre a forma como se deu a dispersão das diferentes técnicas de se produzir cerâmica. No presente momento já temos informações que possibilitam pensar a Fase Aristé, como uma fase milenar, que se desenvolveu sofrendo diversas alterações tecno-estilíticas, na região norte do estado, ando de um desenvolvimento adaptativo até a construção de grandes centros políticos, hipótese sustentada por Rostain (1994). Se esses centros realmente existiram, o sítio arqueológico AP-OI-06 se encontra inserido nesse contexto.
Como visto anteriormente, através da análise cerâmica e espacial, este sítio é caracterizado por ser uma habitação, onde existem pelo menos duas casas familiares. As vasilhas que são utilizadas para servir e para cocção estão mais sujeitas às quebras, portanto, apresentam maior taxa de reposição, o que pode estar relacionado com a maior
representatividade
destas
na
nossa
amostra.
Os
artefatos
de
menor
representatividade podem estar relacionados à maior permanência destes e, por vez, uma menor taxa de reposição (GOMES, 2009, p. 147).
Portanto, relacionando o uso dos artefatos cerâmicos com a quebra ocasional, as quais estão sujeitas devido ao uso constante, podemos concluir neste momento que as atividades relacionadas ao armazenamento, preparo e consumo de alimentos eram realizadas no interior das casas. Entretanto, devemos levar em consideração que a análise espacial aqui apresentada é o resultado da densidade dos tipos cerâmicos encontrados no interior das estruturas antrópicas e não na superfície original dessa habitação e que representa, por sua vez, pouco mais que 2/3 do material cerâmico coletado no sítio. Sendo assim, para obtermos o resultado que mais se aproxima da realidade espacial do interior desse sítio, teríamos que realizar a análise de todo o material coletado durante a escavação, tanto na superfície, quadras de decapagem mecânica, quanto no interior das estruturas antrópicas, buraco de poste, fossas, poços e cerâmica quebrada in situ. 75
A Fase Aristé foi dividida inicialmente por Meggers & Evans (1957) em três sub-fases (ou sub-complexos), que foram renomeadas por Rostain (1994) da seguinte maneira, Aristé Antiga (600-1100 dC), Aristé Média (1100-1600) e Aristé Final (1600-1750), sendo que estas divisões estão baseadas na história desta fase, que inicia na sub-fase Aristé Antiga onde as cerâmicas estão filiadas a Tradição Inciso-Ponteada com o tipo cerâmico Ouanary Encoché, seguindo para a sub-fase Aristé Média no momento em que as cerâmicas desta fase am da Tradição Inciso-Ponteada para a Tradição Policroma da Amazônia, com o tipo Enfer Polychrome, e para finalizar a sub-fase Aristé Final, onde esta já se encontra em contato com os europeus e são encontrados matérias de escambo destes colonizadores junto com a cerâmica Aristé, tanto no conteúdo dos vasilhames quanto sendo somados a pasta das cerâmicas. Através dos resultados obtidos pela análise cerâmica, podemos situar o sítio arqueológico AP-OI-06 no sub-complexo Aristé Médio (1100-1600 dC), pois a decoração presente no material coletado e analisado é representada por incisões com presença de banhos monocrômicos vermelhos sobre pasta natural, decorações características do tipo Ouanary Encoché, mas algumas das formas encontradas, como as vasilhas com flange aplicada abaixo da borda, são formas que só foram apresentadas por Rostain (1994) no tipo Enfer Polychrome, assim como, o tempero e a queima predominante dos vasilhames também correspondem ao tipo Enfer Polychrome. Apesar de estarmos situando este sítio no sub-complexo Aristé Médio, a cerâmica do mesmo não apresenta nenhuma característica do tipo Caripo Kwep, representante deste sub-complexo, mas sim características técnicas, morfológicas e decorativas encontradas no tipo Ouanary Encoché e no tipo Enfer Polychrome. Portanto, nós podemos estar falando de um sítio onde há presença de influências externas de grupos que produzem cerâmica de diferentes tipos da Fase Aristé, ou de um grupo que produzia a cerâmica do tipo Ouanary Encoché e através de influências começa a tendenciar a sua produção cerâmica ao tipo Enfer Polychrome. Essas influências poderiam ter ocorrido através de trocas e/ou relações com grupos (aldeamentos) vizinhos, o que é bem plausível se levarmos em consideração a hipótese apresentada por Rostain (1994), onde o baixo Oiapoque se caracterizaria por ser um denso aglomerado de sítios, foco de desenvolvimento dos grupos produtores de cerâmica Aristé, importante centro político, onde haveria a presença dos chefes das confederações pantribais do Amapá setentrional.
Entretanto, os dados oriundos apenas de análises e comparações dos materiais cerâmicos desses sítios não são o suficiente para realizarmos afirmações desse cunho, 76
então, temos que nos focar nos próximos trabalhos em pensar essa região além das diversidades tecno-estilísticas desses sítios, pensá-los através de sua distribuição espacial, tanto no interior de um único sítio, quanto em relação à distribuição de diversos sítios, geograficamente e em relação aos outros sítios, assim como, ter datações absolutas que possam servir como uma base sólida para a elaboração de inferências sobre grupos coexistentes e grandes aglomerados. Outro foco que não podemos perder nos próximos trabalhos é a elaboração de um quadro decorativo para os tipos cerâmicos que já foram atribuídos a essa fase, buscando sempre, encontrar a existência ou ausência, de padrões de decorações tanto nos tipos cerâmicos quanto em áreas específicas dos sítios, o que poderia, por sua vez, representar a realização de atividades específicas efetivadas no interior do sítio e em seguida auxiliar na compreensão das divisões internas (possivelmente de natureza sócio-política) desse sítio.
Nos próximos projetos temos que levar, também, em consideração a distribuição das estruturas de buracos de poste, que através destas e seus alinhamentos poderíamos começar a pensar em um modelo de construção dessas casas, mesmo que seja apenas da fundação destas, pois é através destes dados que podemos começar a pensar na capacidade de habitantes e também através do cruzamento dos dados sobre a distribuição dos buracos de poste com as construções atuais dos povos ameríndios podemos inferir o formato dessas casas.
Uma questão muito importante para a interpretação de um sítio – habitacional, funerário ou cerimonial – a partir da metodologia proposta nessa monografia, é a análise de todos os materiais coletados em campo. O sítio AP-OI-06, por exemplo, foi analisado somente do ponto de vista da distribuição espacial das estruturas e do cerâmico, mas temos também os dados que estão relacionados aos artefatos líticos que não foram inseridos neste trabalho, que, provavelmente, possuem muitas informações a serem integradas na interpretação interna das atividades realizadas neste sítio, as quais podem ser obtidas através da análise deste tipo de artefato.
77
CONSIDERAÇÕES FINAIS Sempre que pensamos em Arqueologia temos que lembrar que esta é a ciência que estuda as sociedades pretéritas através dos vestígios materiais deixados por essa mesma sociedade. Nunca devemos atribuir à Arqueologia o conceito de que esta é a ciência que estuda os artefatos pelos artefatos para que possamos criar quadros com tipos, análises extremamente complexas e teorias somente baseadas nestas análises. Também temos que lembrar que as Tradições, Fases e Tipos arqueológicos não são representantes diretos de grupos ameríndios, mas que estes são conceitos criados pelos próprios arqueólogos para definirem conjuntos de materiais que apresentam as mesmas características técnicas, morfológicas e decorativas.
Este trabalho teve como principal objetivo apresentar um modelo de distribuição de áreas de atividades no interior de um sítio habitação pertencente à Fase Aristé. Como sabemos, existem pelo menos duas interpretações, tanto cronológicas, quanto de origem e movimentação pela paisagem, mas que nenhuma das duas pode, no momento, ser interpretada como a escolha certa, pois ainda são poucos os dados e as informações com as quais podemos trabalhar no momento.
As questões como origem, dispersão, redes de relação, formas de habitação, divisão interna e externa de sítios, subsistência, só poderão ser alcançadas quando utilizarmos de fato a multidisciplinaridade tão discutida na Arqueologia, na qual serão empregados estudos da transformação das paisagens internas e externas dos sítios, estudos sobre a formação dos solos, estudos paleobotânicos, estudos da cultura material e das interações encontradas em diversos sítios com ocorrências de fases diferentes ou inéditas, estudos sociais e psicológicos nos quais encontraremos bases para entendermos melhor as formas do pensamento humano.
O presente trabalho é apenas o início de um longo trabalho que tem que ser realizado tanto no Amapá, quanto na Guiana sa, para que possamos entender de fato como se deu a distribuição dos povos produtores da cerâmica Aristé e a ocupação da Foz do Amazonas e do litoral das Guianas.
78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CABRAL, M. P. & SALDANHA, J. D. M. 2007. Projeto de Investigação Arqueológica na Bacia do Rio Calçoene e Seu Entorno, AP: Segundo Relatório Semestral. Macapá. IEPA. 81p. __________________. 2008: Paisagens Megalíticas na Costa Norte do Amapá. Revista de Arqueologia (Sociedade de Arqueologia Brasileira. Impresso), v. 21, p. 03-20, 2008. __________________. 2010. Ocupações pré-coloniais no Setor Costeiro Atlântico do Amapá. in. Arqueologia Amazônica / organizado por Edithe Pereira e Vera Guapindaia. Belém: MPEG; IPHAN; SECULT. 512 p. 2 v.: il. pp. 49-60 COUTET, C.. 2009. Archéologie du Littoral de Guyane Française. Thèse (Doutorado em Archéologie) - Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). GOELDI, E. A. 1905. Excavações Archeologicas em 1895. 1ª parte: As Cavernas Funerarias Atificiaes dos Indios Hoje Extinctos no Rio Cunany (Goanany) e sua Ceramica. Belém, Série Memórias do Museu Goeldi. GOMES, D. M. C. 2002. Cerâmica Arqueológica da Amazônia: Vasilhas da Coleção Tapajônica MAE/USP. São Paulo: EDUSP, FAPESP. P.353 __________________. 2008. Cotidiano e Poder na Amazônia Pré-colonial. São Paulo: EDUSP, FAPESP.p. 237 GREEN, L. F.; GREEN, D.; NEVES, E. G.. 2003. Indigenous Knowledge and Archaeological Science: The Challenges of Public Archaeology in the Reserva Uaça. Journal of Social Archaeology. 3 (3): 365-397. HILBERT, P. P. 1957. Contribuição à Arqueologia do Amapá: Fase Aristé. Boletim do MPEG (Antopologia I). INRAP. 2010. Pointe-Morne: la rencontre de deux mondes amérindiens à Saint-Georges-del’Oyapock. Folder: Maquette C. Fouilloud, M. Hildebrand M. Mestre. MEGGERS, B. J. & EVANS, C. 1957. Archeological investigations at the mouth of the Amazon. Bull. American Ethnology Bull. 167. Washington, D.C. __________________. 1970. Como Interpretar a Linguagem da Cerâmica: Manual para Arqueólogos. Washington D. C. Smithsonian Institution. RICE, P. M. 1987. Pottery Analysis. A Sourcebook. Chicago, The University of Chicago Press.. 559p.
79
__________________. 1999. On The Origns of Pottery In Journal of Archaeological Method an Theory. Vol. ¨Nº. 1 RYE, P. 1981. Pottery Analysis. Taraxacun Press. ROSTAIN, S. 1994. L’occupation Amérindienne Ancienne Du Littoral De Guyane. Tese de Doutoramento. Paris, Centre de Recherche en Archaeologie Precolombienne (CRAP), Université de Paris I.Pág. 412 ________________. 2011. Que Hay de Nuevo Al Norte. Apuntes sobre el Aristé. In: Revista de Arqueologia/ Sociedade de Arqueologia Brasileira, 2011. São Paulo: SAB, 2011, V. 24 nº 1. pg: 10-31. SALDANHA, J. D. M. & CABRAL, M. P. 2009. Relatório de Campo do Resgate do Sítio Arqueológico Ponte do Oiapoque. Macapá. IEPA. 21p. ________________. 2010. A Arqueologia do Amapá: reavaliação e novas perspectivas. in. Arqueologia Amazônica / organizado por Edithe Pereira e Vera Guapindaia. Belém: MPEG; IPHAN; SECULT. 512 p. 2 v.: il. pp. 95-112 SALDANHA, J. D. M.. 2005. Paisagem, Lugares e Cultura Material: uma Arqueologia Espacial nas Terras Altas do Sul do Brasil. Porto Alegre: PPGH, PUC-RS. SANTOS, M. 2009. Pensando o Espaço do Homem, 5. Ed., 2ª reimpr. São Paulo: EDUSP SHEPARD, A. 1956. Ceramics for the Archaeologist. Vol. Publ. 609. Washington D. C.: Carnegie Instituion of Washington. SILVA, F. A. 2008. Ceramic technology of the Asurini do Xingu, Brazil: an Ethnoarchaeological study of artifact variability. Journal of Archaeological Method and Theory 15(3):217-265. SINOPOLI, C. 1991. Approaches to Archaeological Ceramics. Washington D.C.: Plenum Press. SKIBO, J. 1992. Pottery Function: A Use-Alteration Perspective. New York, Plenum Publ.Co. VACHER, S.; JEREMIE, S. & BRIAND, J. 1998. Amerindiens du Sinnamary (Guyane): Archeologie en Foret Equatoriale. 60. Paris: Maison des Sciences de l’Homme. 227. VAN DEN BEL, M. 2010. A Koriabo Site on the Lower Maroni River: results of the preventive archaeological excavation at Crique Sparouine, French Guiana. in. Arqueologia Amazônica / organizado por Edithe Pereira e Vera Guapindaia. Belém: MPEG; IPHAN; SECULT. 512 p. 2 v.: il. pp. 63-93 WÜST, I. 2000. Relatório Final de Resgate Arqueológico na UHE Guaporé. Edição em Hipertexto.
80