Novos caminhos para a Ética: apontamentos de ética aplicada Jornadas Pedagógicas do Curso de Ética, Cidadania e Desenvolvimento Universidade Católica de Moçambique Pemba, 21-22 de Novembro de 2014
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Introdução: situando a Ética Aplicada* • São competências da Filosofia Moral ou Ética: – Esclarecer o que é a moralidade e qual é a sua fundamentação – Orientar a aplicação dos seus descobrimentos aos diferentes âmbitos da vida social: política, economia, empresa, medicina, engenharia genética, ecologia, jornalismo… * cfr: A.Cortina, E.Martinez, Ética, Madrid 2
• Na hora de fundamentar a moralidade, a ética considera três princípios: – Utilitarista: alcançar o maior prazer para o maior número – Kantiano: considerar cada pessoa como fim em si mesmo e nunca como simples meio – Dialógico: assumir como correcta a norma decidida por todos os afectados por ela, após um diálogo realizado em condições de simetria
• Aplicar significa averiguar de que modo poderão esses princípios orientar as diferentes actividades da vida social
• Mas a ética aplicada deverá: – Ter em conta as próprias exigências morais e valores específicos de cada âmbito social – Averiguar quais são os bens internos com que cada uma das actividades sociais contribui para a mesma sociedade – Discernir quais os valores e os hábitos que será preciso incorporar para alcançar esses bens – Investigar cooperativamente com os especialistas de cada âmbito (interdisciplinar) – Contar com a moral cívica alcançada pela sociedade (valores e direitos reconhecidos como património de todos) 3
A Ética Aplicada como método aplicado aos diferentes âmbitos da vida social • Definir a relação entre o plano dos princípios éticos e o plano das decisões concretas • Definir o marco de valores cívicos a ter em conta • Definir os valores próprios de cada actividade
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Três modelos insuficientes
• O ideal dedutivo • A proposta indutiva • A ética discursiva: aplicação do principio procedimental
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Modelos casuísticos: dedução e indução • Dedução – Ética como aplicação de princípios dos quais se deduzem conclusões para as situações concretas e se aplicam prudencialmente (modelo tradicional) – Sua figura é o silogismo prático: momento universal (Princípios) e momento particular (razões concretas e prudência) – Críticas: quando um princípio ético pretende validez universal é apenas procedimental (formal), nunca material; a ética aplicada surge das exigências das diferentes esferas da vida social como lugares de descoberta de princípios e valores próprios
• Indução – A ética funda-se em máximas para o agir (não em princípios): critérios sábios e prudentes nos quais coincide todo o mundo, a maioria ou os especialistas, resultado da sabedoria pratica dos grupos humanos e das culturas – São juízos de probabilidade, não de certeza, e resolvem os conflitos pelo critério convergente de todos, da maioria ou dos mais sábios e prudentes (por ex. Princípios da Bioética) – Críticas: existe um princípio ético universal, não material, mas procedimental (da razão histórica) 6
Modelo da Ética discursiva: aplicação do princípio ético procedimental (I)
• Existe um principio ético universal que constitui a base da cultura social e política democrática pluralista, que se modula de diferentes formas nos diferentes âmbitos da vida social: – Todos os seres capazes de comunicação linguística devem ser reconhecidos como pessoas, pois em suas acções e expressões são interlocutores válidos, e nenhum pode ser excluído da argumentação quando se trata de normas que lhe afectam. (Apel e Habermas) 7
Modelo da Ética discursiva: aplicação do princípio ético procedimental (II)
• Em positivo:
– Descobrir o principio ético ideal fica orientado para a sua aplicação responsável nos contextos concretos, condicionada pelas consequências e as situações – Delineia-se assim uma ética da responsabilidade convencida ou da convicção responsável: ser responsável pelas consequências que nos aproximam ou afastam da meta que estamos convencidos para alcançar – A aplicação exigirá a mediação de estratégias, o que permite aplicar nos âmbitos da política, da economia ou do mundo da violência
• Em negativo: – Estratégias são mais necessárias em uns âmbitos do que em outros, e não são o único factor importante 8
Proposta de um modelo de Ética Aplicada como Hermenêutica Crítica 1. Marco deontológico (momento Kantiano) 2. Ética das actividades sociais (momento aristotélico) 3. Procedimento de toma de decisões em casos concretos
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1. Marco deontológico (momento Kantiano) a. Podemos detectar em todos os âmbitos da vida social um principio ético (o reconhecimento de cada pessoa como interlocutor válido) que se modula de modo diferente dependendo do âmbito em que nos encontremos – Não aplicamos princípios gerais nem induzimos máximas, descobrimos nos diferentes âmbitos a modulação do principio comum: procuramos com os especialistas (interdisciplinaridade) quais os princípios e valores se encontram nesse âmbito e como aplica-los (sentido dos comités de ética)
b. O principio procedimental da ética discursiva é uma orientação de fundo, precisamos de outras tradições éticas para o modelo de aplicação: apenas um modelo ético é insuficiente para orientar as decisões nos âmbitos da política e da economia, da medicina, a ecologia ou o simples convívio cidadão. – A ideia da pessoa como interlocutor válido configura o fundo de todos os âmbitos, pois em todos ela é a afectada e a que legitimamente pode expor seus interesses (por isso apenas as normas que satisfazem os interesses universalizáveis devem ser consideradas legítimas) 10
2. Ética das actividades sociais (momento aristotélico) • Todos os âmbitos da ética aplicada dependem de uma comum raiz: são actividades sociais (as instituições que nelas actuam são realizações dos sujeitos humanos) • O desenvolvimento de uma actividade social desde a moral implica 5 aspectos: 1. As metas sociais pelas que essa actividade tem sentido 2. Os mecanismos adequados para as alcançar 3. O marco jurídico-político que corresponde à sociedade em questão (constituição e legislação vigente) 4. Exigências da moral cívica alcançada por essa sociedade 11 5. Exigências de uma moral crítica provocadas
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• A destacar: – Em cada uma das actividades sociais o bem interno é dado (não é sujeito quem o propõe): na saúde é o bem do doente, na politica é o bem comum, na empresa é a satisfação das necessidades humanas com qualidade, na docência é a transmissão da cultura e a formação de pessoas críticas, nas biotecnologias é a investigação em prol de uma humanidade mais livre e feliz. – Em cada âmbito deverá a ética elucidar os meios para alcançar esses bens: as virtudes concretas e os valores que em cada âmbito se descobrem.
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Em jeito de exemplo: Actividade empresarial
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• Ainda a actividade social legitima-se atendendo ao marco jurídico-político (constituição e legislação vigorante). Mas a legalidade não esgota a moralidade, pois toda constituição é dinâmica e reinterpreta-se historicamente, e além disso o âmbito do que se deve fazer nunca é totalmente juridificado • Assim toda actividade social deverá também atender a duas instâncias morais: – A consciência moral cívica (a ética civil que uma sociedade atingiu): conjunto de valores que os cidadãos compartilham (valores como a liberdade, a igualdade e a solidariedade, juntamente com atitudes de tolerância activa e predisposição ao diálogo) – A consciência moral crítica: averiguar quais os valores e direitos deverão ser racionalmente 15 respeitados exige que seja o dialogo em simetria
Ater-se à legislação vigorante sobre actividades empresariais
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3 Procedimento de toma de decisões em casos concretos (momento consequencialista)
• As decisões serão tomadas pelos afectados: com o aconselhamento de especialistas no âmbito ético correspondente (comités éticos hospitalares, consulting ético de empresas…) e com códigos éticos elaborados ad hoc. 17
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Âmbitos da Ética Aplicada
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Bioética • Toda da ética desde a perspectiva da vida ameaçada • Três princípios: – autonomia (a pessoa deve ser tratada como ser autónomo e aquela que tiver autonomia diminuída deve ser protegida), – beneficência - não maleficência (esforço por assegurar o bemestar: não provocar dano e extremar os possíveis benefícios minimizando os riscos; sem cair no paternalismo e implementando cada vez mais o consentimento informado), – justiça (quem deve receber os benefícios? decent minimum)
• Fundamento filosófico no conceito de pessoa, interlocutor válido • Éticas deontológicas de mínimos e éticas teleológicas de máximos para encarar conflitos de envergadura social (aborto, eutanásia, suicídio) 21
Genética • No âmbito da engenharia genética é possível hoje não apenas manipular o material genético mas também modifica-lo. • Três questões levantam-se: – Para onde dirigir os processos de mudança? – Quais são os fins últimos da investigação genética? – Quem está legitimado para tomar decisões neste âmbito?
• Posição cientifista: postulado da neutralidade, as questões éticas são subjectivas, irracionais e não argumentáveis. Errada identificação da racionalidade cientifica com a racionalidade total. Questões propostas escapam ao âmbito da ciência, mas não ficam confinadas na irracionalidade. • Ética e racionalidade caminham juntas, no terreno do dialogo, da interdisciplinaridade e da cooperação. • No âmbito da genética exige-se o dialogo publico e aberto e a toma de decisões não pode ser prerrogativa de um grupo • Três tarefas urgentes: a comunicação dos especialistas à sociedade das investigações neste campo, para que esta possa co-decidir; consciencializar os individuos de que são eles quem devem decidir; educar na moral responsavel. 22
Economia • Aparente oposição irreconciliável entre os valores da eficiência (economia) e a equidade ou justiça (moral). Peso de preconceitos. • A Economia não é neutral moralmente: fim e bem interno da mesma incluem valores como equidade, eficiência, qualidade, competitividade e solidariedade • Como actividade social a economia contribui ao mantimento e à melhora da própria sociedade, não desligada do resto das dimensões sociais, das concepções morais e das instituições jurídicas influenciadas por elas. Devera tomar ao serio os ideais sociais de liberdade, igualdade, paz e protecção da natureza. Para tal: melhorar as condições materiais da vida (progresso técnico) e cooperação produtora e distribuição (progresso social) • Teoria compartilhada da justiça distributiva (Rawls, Bell, Lyotard, Apel, Habermas, Barber…) 23
Empresa • A mentalidade do liberalismo económico que implementam as empresas destrói a credibilidade das empresas: ética dos negócios, etica empresarial. Necessidade de restaurar o valor da confiança; a questão da responsabilidade social empresarial (RSE) • Empresas que adoptam critérios éticos sobrevivem mais nestes tempos de competitividade selvagem. Valores como: sentido de pertença, confiança entre as pessoas em relação com a empresa, responsabilidade para com as pessoas e o meio ambiente. • Nasce nova cultura empresarial (determinada moral na empresa contribui à sobrevivência da mesma): 24
Empresa Desenvolvimento Personalização Moral Responsabilidade Confiança impulsionadora e identificação da pelo capacidade da futuro criatividade decomunicativa indivíduos comunicativa e s
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Ética da Empresa: requisitos Ética da Responsabilidade
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Ecologia • Necessidade de adoptar um modelo de desenvolvimento sustentável • Dispor de medidas para enfrentar problemas graves de meio ambiente (reflorestação, camada do ozono, tratamento de tóxicos, contaminação, protecção da biodiversidade…) • Diversas razões últimas das concepções éticas: – Antropocêntricas: razão ultima é a necessidade, interesse e direito das pessoas – Biocêntricas: centralizadas na vida, consideram relevantes moralmente os interesses de todos os seres vivos
• Coincidência ao afirmar as Causas do desastre ecológico: insolidariedade, miséria económica e cultural de grande parte da humanidade • Motivos de esperança em acordos internacionais recentes. • As pessoas como interlocutores válidos: milhões de seres humanos que não são tratados como tais. 27
Ética e educação moral democrática • Habilidades técnicas não são suficientes para uma sociedade que se inspira em valores democráticos: liberdade, igualdade, solidariedade ou imparcialidade. • Não se pode construir uma sociedade democrática apenas com indivíduos técnica e socialmente preparados. Para certos valores a razão instrumental é cega: por exemplo a autonomia e a solidariedade. Estes valores compõem a democracia. • Para o bem-estar é suficiente a razão instrumental, para a auto-realização é necessária a moral. 28
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