Educação, sociedade e práxis educativa
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Educação, sociedade e práxis educativa Fábio Luiz da Silva Melissa Probst Carla Craice da Silva Okçana Battini
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© 2014 by Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. Diretor editorial e de conteúdo: Roger Trimer Gerente de produção editorial: Kelly Tavares Supervisora de produção editorial: Silvana Afonso Coordenador de produção editorial: Sérgio Nascimento Editor: Casa de Ideias Editor assistente: Marcos Guimarães Diagramação: Casa de Ideias
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Silva, Fabio Luiz da S586e Educação, sociedade e práxis educativa / Fabio Luiz da Silva, Melissa Probst, Carla Craice da Silva, Okçana Battini. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2014. 176 p.
ISBN 978-85-68075-11-1
1. Filosóficos 2. Escola. I. Probst, Melissa. II. Silva, Carla Craice da. III. Battini, Okçana. IV. Título.
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Sumário
Unidade 1 — A escola na sociedade: fundamentos filosóficos.................................................1 Seção 1 A escola e sua relação com a sociedade ...............................3 1.1 1.2
Por uma história da escola....................................................................3 A escola no Brasil.................................................................................7
Seção 2 Iluminismo, liberalismo e positivismo: visões sobre a escola .....................................................................16 2.1 Iluminismo..........................................................................................16 2.2 Liberalismo.........................................................................................23 2.3 Positivismo..........................................................................................25
Unidade 2 — Contribuições para o pensamento e a práxis educativa......................................35 Seção 1 Karl Marx.............................................................................38 1.1
Contribuições de Marx para compreender a sociedade.......................40
Seção 2 Max Weber..........................................................................46 2.1
Max Weber: uma breve biografia........................................................46
Seção 3 Émile Durkheim...................................................................54 3.1
Breve biografia de Émile Durkheim.....................................................54
Seção 4 Pierre Bourdieu e Zygmunt Bauman....................................61 4.1 4.2
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Breve biografia de Pierre Bourdieu .....................................................61 Breve biografia de Zygmunt Bauman..................................................66
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Unidade 3 — Processo de formação da escola no Brasil.......................................83 Seção 1 Brasil: processo de formação da escola e sua relação com os aspectos políticos, econômicos e sociais.................84 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5
Educação para quem?.........................................................................85 Um marco educacional: a vinda de D. João VI....................................90 A educação imperial...........................................................................93 A modernidade e a escola da República.............................................97 Alguns dados atuais..........................................................................102
Seção 2 Contribuições para o pensamento e a práxis educativa.....104 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5
Fernando de Azevedo.......................................................................104 Anísio Teixeira..................................................................................107 Paulo Freire.......................................................................................110 Florestan Fernandes..........................................................................115 Rubem Alves.....................................................................................118
Unidade 4 — A questão do trabalho, da sociedade e da educação......................................127 Seção 1 Questões sociais, modelos de trabalho e formação da sociedade capitalista..........................................................128 1.1 1.2 1.3
O processo de globalização do capital e as transformações do regime de trabalho............................................................................134 Fordismo x toyotismo: a reestruturação produtiva como reconfiguração do processo de produção e os modelos de trabalho.. 139 A construção do projeto identificatório neoliberal e o ethos empresarial........................................................................145
Seção 2 Trabalho docente e sua identidade....................................148 2.1 2.2
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As especificidades do trabalho do professor......................................148 A construção da identidade do professor..........................................153
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Apresentação
A obra Educação, sociedade e práxis educativa procura trazer ao leitor os conceitos fundamentais que permitam compreender as relações entre o processo educativo e a sociedade que o alimenta. Para essa jornada, é essencial que se conheçam os conceitos que originaram o sistema educacional contemporâneo, seja em sua formulação teórica — composta de múltiplas teorias —, seja em sua prática cotidiana — sempre em mutação. Neste sentido, o leitor terá a oportunidade de entrar em contato com elementos conceituais e históricos que permitem compreender o nascimento da escola moderna. É a partir do conhecimento do contexto cultural e social, no qual o modelo de escola foi concebido, que é possível analisar a práxis educativa contemporânea. Por isso a preferência pelo espaço europeu, estadunidense e, evidentemente, brasileiro para cenário da primeira unidade. Esperando fornecer a motivação necessária para a continuidade dos estudos, apresenta-se uma análise do iluminismo, do liberalismo e do positivismo, que são indispensáveis na compreensão da escola e da educação. Na continuidade desta obra, apresenta-se a relação entre a educação e a sociedade a partir das perspectivas de autores clássicos. O leitor poderá acompanhar como Marx, Weber, Durkheim, Bourdieu e Bauman contribuem para a nossa compreensão da práxis educativa. A educação institucionalizada determina os limites da segunda unidade, que pretende ampliar o referencial teórico iniciado na unidade anterior. A terceira unidade proporcionará ao leitor conhecimentos capazes de iluminar as relações entre o ado e o presente na constituição da escola brasileira contemporânea. Então, a partir de uma reconstituição histórica sucinta e do estudo das ideias de pensadores como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Paulo Freire, Florestan Fernandes e Rubem Alves, é possível perceber como foi sendo constituído o pensamento educacional brasileiro.
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O leitor atento poderá verificar estreitas relações entre essa unidade e as anteriores, enriquecendo sua bagagem conceitual. A última parte desta obra objetiva debater a escola no contexto da sociedade capitalista. Numa perspectiva que valoriza o entendimento do atual processo produtivo como fundamental para a compreensão do perfil político e ideológico da escola, a quarta unidade pretende analisar os elementos que constituem o trabalho docente. Cabe ao leitor, ao final da leitura de toda esta obra, a elaboração de seu próprio entendimento da educação, da sociedade e da práxis educativa. A jornada que começou com o entendimento das condições de nascimento da escola moderna, ou por grandes pensadores da educação e terminou com a análise das condições de trabalho dos educadores deve ter fornecido elementos para a autonomia intelectual do leitor. Portanto, longe da doutrinação, o objetivo dos autores deste livro é proporcionar as condições para uma opinião bem fundamentada.
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Unidade 1
A escola na sociedade: fundamentos filosóficos Fábio Luiz da Silva
Objetivos de aprendizagem: Esta unidade tem por objetivos analisar as relações entre escola e sociedade, considerando o contexto sociopolítico, e analisar os fundamentos ideológicos dessas relações.
Seção 1:
A escola e sua relação com a sociedade Nesta seção será apresentada a emergência da escola no contexto da modernidade e sua relação com a sociedade que a construiu.
Seção 2:
Iluminismo, liberalismo e positivismo: visões sobre a escola Nesta seção você entrará em contato com conceitos fundamentais para a compreensão da escola no mundo moderno e na contemporaneidade.
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Introdução ao estudo Cena 1: uma menina vai para a escola, é uma manhã de inverno no Canadá. O automóvel da família está coberto de neve. Em pouco tempo a menina chega à sua escola, retira o casaco e o guarda em seu armário, pois não precisará mais dele até a hora da saída — o sistema de aquecimento garante o conforto térmico. Tem aula de matemática, inglês, francês e informática. Ela também pratica natação e sabe esquiar. Certo dia, um professor leva sua turma para visitar uma fazenda de avestruzes. Em casa, à noite, ela navega pela Internet em busca de sua banda preferida. Cena 2: uma menina tem sua cabeça raspada pela mãe conforme a tradição de sua aldeia, na Tanzânia. Ela caminha pela savana em direção a sua escola. Ela tem aula de matemática na sala de chão batido. Na saída, os alunos cercam a escola com galhos e espinhos para que os animais não a invadam durante a noite. Em casa, ela precisa convencer o pai de que ela deseja continuar estudando. Essas duas cenas fazem parte de uma coleção de vídeos da TV Escola chamada Mostre-me tua escola. São vídeos muito interessantes, que mostram diversas escolas pelo mundo. Boa sugestão para trabalhar a diversidade. Mas aqui nos interessa justamente a universalidade da escola em nossa sociedade. Hoje, a educação formal prestada pela escola é globalmente aceita como importante na construção de uma sociedade. Claro que há os mais variados tipos de escola, com diferentes configurações e recursos, mas a ideia de escola está lá, seja no Canadá, seja na Tanzânia, seja no Brasil. Nesta unidade, poderemos percorrer alguns aspectos do surgimento da escola como a entendemos hoje, no mundo e especialmente no Brasil. Vamos perceber que o modo como a escola é depende do contexto cultural e social no qual ela foi construída, por isso deu-se preferência aos momentos iniciais do surgimento da escola na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Depois, aremos para a análise de conceitos importantes na compreensão da escola moderna, Iluminismo, Liberalismo e Positivismo, que são os fundamentos da visão de escola que temos. Esperamos fornecer um estímulo para novos estudos que tragam conhecimentos mais amplos da escola e da educação.
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Seção 1
A escola e sua relação com a sociedade
A distância entre o discurso social em favor da escola e a realidade é tão grande quanto revoltante. Que cidadão não fica triste em saber que menos de 1% (isso mesmo, menos de um por cento) das escolas brasileiras têm toda estrutura necessária para uma educação de qualidade? Pois é essa a realidade das escolas no Brasil. Segundo pesquisa publicada em 2013, mais de 44% das escolas brasileiras possuem apenas o mais elementar para o seu funcionamento: água, sanitário, energia, esgoto e cozinha (SOARES NETO et al., 2013). Isso mostra o tamanho do desafio imposto aos profissionais da educação que, como nós, gostamos de nossa atividade. Então, vamos juntos avançar um pouco na compreensão dos mecanismos históricos, sociais e culturais que produziram a realidade na qual vivemos e trabalhamos.
1.1 Por uma história da escola Considerando que o objetivo é analisar as relações entre escola e sociedade, precisamos compreender a emergência dessa instituição tal como a entendemos hoje. Vamos começar diferenciando diferentes objetos de estudo possíveis no campo da Educação: a educação, a pedagogia e a escola. Apesar de estarem, evidentemente, relacionados, esses três objetos possuem características históricas e filosóficas próprias. Segundo Cambi (1999), a história da pedagogia teria nascido nos séculos XVIII e XIX — época do Iluminismo e da Revolução Industrial — e mantinha estreita relação com a filosofia, pois era muito teoreticista, distante dos processos educativos reais, em outras palavras, longe da escola real. Ainda para esse autor, após a Segunda Guerra Mundial, graças à difusão de novas orientações historiográficas (Cambi refere-se à Escola dos Annales), surgem pesquisas mais ricas e complexas, que articulam diversas ciências. Assim, enquanto a história da pedagogia é mais uma história das ideias pedagógicas, uma história da educação abrange, além disso, as práticas e as representações em torno do processo educativo, que ocorre em sociedade. Uma história da escola, portanto, mantém relação com a pedagogia e com a educação, mas não pode ser compreendida apenas a partir desses aspectos. Então, temos de lembrar que nem sempre houve escola e, mesmo depois de seu surgimento, a ideia de escola sofreu alterações.
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O que entendemos por escola? Quando ouvimos ou lemos essa palavra, ela pode gerar duas ideias, dependendo do contexto. A primeira refere-se a um lugar específico, um edifício onde crianças e jovens am parte do seu dia aprendendo coisas que a sociedade acredita serem imporPara saber mais tantes para a manutenção dela mesma. É isso e o link da Revista Brasileira que quer dizer a expressão “estou indo pra de História da Educação e leia escola”, quando dita por uma criança ao sair artigos interessantíssimos. Disponíde casa para mais um dia letivo. A segunda vel em:
. refere-se à escola enquanto instituição social. Nesse sentido, é uma abstração de nosso entendimento. Ocorre, por exemplo, quando afirmamos que todas as crianças devem estar na escola. Qual, então, a origem dessas representações? Vamos partir da ideia de edifício escolar. Podemos buscar exemplos de edifícios escolares ainda na Europa medieval (comumente aceita-se que a Idade Média foi o período histórico que começou no século V e terminou no século XV). Até o século XV, predominavam as escolas de sala única que, muitas vezes, tinham a residência do professor anexa a elas. Esse tipo de escola continuou sendo a mais comum nas áreas rurais, mesmo no século XX. Nessas escolas, a sala de aula — que era a própria escola — era ocupada por alunos de diferentes idades. Na Inglaterra, por exemplo, eram comuns as salas compridas com bancos alinhados às paredes e, não raro, com um fogão na área central. Comenius, no século XVI, defendeu a separação dos alunos em diversas salas de aula de acordo com a idade. Comenius foi o pensador que melhor representou a superação da escola tipo medieval para a escola moderna, na qual tudo deve ser ensinado para todos (ALVES, 2005). Mas foram os jesuítas, no século XVII, que estabeleceram o modelo de edifício escolar que se tornou padrão para a maioria dos casos. Surgiram edifícios escolares com salas de aula dispostos ao longo de um corredor, muito semelhante a qualquer escola contemporânea. Mas tais edifícios ainda não representavam o que entendemos modernamente por escola. Foi preciso o advento da filosofia iluminista (que você verá mais adiante) e da Revolução Industrial, para que a escola asse a ser uma instituição considerada importante para a construção do cidadão. Mesmo que inicialmente os edifícios escolares funcionassem em prédios adaptados, aos poucos foi sendo criada uma cultura escolar que exigia um espaço
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que conferisse à escola um estatuto próprio e que expressasse a intervenção do Estado na educação, agora vista como necessidade social. Nesse sentido, a instituição dos edifícios escolares — a escola naquele primeiro sentido que comentamos no início desta seção — representou também a separação entre a escola e a vida cotidiana, pois saiu da casa do professor e ou para um espaço público. Evidentemente, esse processo foi longo e desigual, mas bastante abrangente, o que ocorreu em razão de diversas mudanças culturais e sociais que acompanharam o surgiPara saber mais mento e a expansão da sociedade industrial. Leia o artigo sobre a relação do A vida social era mais complexa nas cidades Iluminismo com a educação, no link: que cresciam rapidamente, e isso significava
. a praça, a escola. Além disso, o desenvolvimento industrial e dos serviços exigia uma força de trabalho mais qualificada: operários capazes de ler manuais de instrução, funcionários de escritório que dominassem o cálculo e a escrita, por exemplo. Na Inglaterra, em 1833, havia uma lei que obrigava existirem duas horas de instrução às crianças, nas fábricas. Os estudos sobre a instrução pública de países da Europa ampliam-se durante o século XIX. O avanço da industrialização apela para uma mão de obra cada vez mais qualificada, gerando a necessidade de escolas. Assim os debates sobre o ensino público ganham mais visibilidade, necessitando de um sistema educacional que atenda os interesses sociais do período (PEREIRA; FELIPE; FRANÇA, 2012, p. 240).
Ora, edifícios próprios para escolas precisavam de planejamento. Normas e especificações técnicas surgiram, como volume por aluno em sala de aula, tamanho e localização de portas e janelas, além de adequação do mobiliário. Na Inglaterra, em 1847, foi publicado um livro chamado Design for schools and schools houses. Esse livro, de autoria de Henry Kendall, recomendava o estilo gótico para o prédio escolar, que deveria possuir grandes janelas para ventilação e iluminação. Em 1874, outro livro
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Para saber mais
Leia o artigo do grande pensador brasileiro Anísio Teixeira, sobre a educação na Inglaterra do século XIX, no link:
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sobre a construção escolar foi publicado por E. R. Robson, School architeture. Os projetos eram bastante austeros e inspirados no estilo “Queen Anne”, com uso da simetria, pé-direito bastante alto e janelas grandes, mas instaladas a uma altura do chão que impedia os alunos de olhar para fora (KOWALTOWSKI, 2011). Outro que se preocupou com essa questão foi Henry Barnard (1811-1900). Fez amplo estudo das condições das escolas estadunidenses. Em sua obra, podemos perceber a preocupação em separar meninos e meninas e na definição dos lugares apropriados para alunos, professores e objetos. Há também a descrição dos objetos que seriam essenciais em uma escola, o que mostra a preocupação com a tecnologia vinculada à educação. Além disso, ele relaciona algumas regras de comportamento para a escola que pouco difere dos regulamentos atuais. Por exemplo, entre as proibições aos alunos, estava: “jogar canetas, papel ou qualquer coisa, seja o que for, no chão, ou para fora, pela janela ou porta” (BARNARD, 1848, p. 297). No final do século XIX e início do século XX, as concepções higienistas determinaram as normas de construção escolar, dentro da lógica da necessidade de cidadãos saudáveis e instruídos. Não é por acaso que a prática da educação física nas escolas também é instituída nessa mesma época.
Atividades de aprendizagem Leia o trecho, “Sala de aula no século XIX: disciplina, controle, organização, de Arriada”, Nogueira e Vahl (2012, p. 37): As modernas práticas de ensino, surgidas no decorrer do século XIX, impam, entre outras formas de controle e organização, o uso racional, metódico e “eficiente” dos espaços escolares. Os novos modelos pedagógicos e os planos de ensino racionalizavam os menores aspectos desse universo: horário para entrar e sair, horário para determinadas atividades, tipos de material escolar, modos de sentar, normas a serem cumpridas. Com base no texto, estabeleça a relação entre esse tipo de escola e a sociedade industrial nascente no século XIX.
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1.2 A escola no Brasil Já no Brasil, podemos encontrar a origem da escola no período colonial. Sabe-se que, durante o período colonial brasileiro, a educação esteve basicamente a cargo dos jesuítas. A Companhia de Jesus fundou 17 colégios no Brasil, até 1749, quando foram expulsos pela política ilustrada do Marquês de Pombal. A primeira instituição escolar oficial foi o Colégio dos Meninos de Jesus, fundado em 1550. Quatro anos depois, surgiu o Colégio em Piratininga, em São Paulo (NASCIMENTO, 2006). Tais escolas tinham, então, uma arquitetura típica. Eram escolas que seguiam o “Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu” (geralmente citado apenas como Ratio Studiorum), documento que determinava os procedimentos pedagógicos dos jesuítas. Esse documento teve um lento desenvolvimento ao longo do século XVI, sendo que o texto definitivo foi publicado apenas em 1599, em Nápoles. Esse texto ou a Para saber mais organizar o ensino em todos os estabelecimenConheça mais sobre a contribuitos de ensino da Companhia de Jesus até o séção da Companhia de Jesus à culo XVIII (HANSEN, 2001). educação no Brasil lendo o artigo
Em 1577, chegou ao Brasil o irmão Frande Gilberto Alves, “Origens da cisco Dias, arquiteto que foi o responsável por escola moderna no Brasil”, no todas as construções jesuíticas em nosso país. link:
. continuidade entre igreja e escola, onde uma torre com sino fazia a ligação entre as duas partes da construção. Podemos ver claramente, por exemplo, essa característica nos colégios de Santos, São Paulo e Rio de Janeiro. A vinda de Dias, o primeiro arquiteto genuíno, para o Brasil, sublinha a importância e o empenho que os jesuítas tinham, ainda no século XVI, na introdução de melhorias nas técnicas e nos projetos — ou “riscos”, como se dizia na época — para as igrejas espalhadas pela colônia (FRADE, 2007, p. 59).
Tais construções eram determinadas, em parte, pelas limitações técnicas que exigiam que as paredes fossem largas e com janelas pequenas; além disso, utilizavam-se pedras e taipas de pilão, que: [...] constitui-se de paredes feitas de barro amassado e calcado, por vezes misturado com cal para controlar a acidez da mistura que vem a ser comprimida entre taipas de madeira desmontáveis, removidas logo após estar completamente seca, formando assim uma parede
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de um material incombustível e isotérmico natural [...] (ARQUITETURA..., 2004, p. 1).
Do ponto de vista do estilo, esses colégios/igrejas representavam os valores do barroco, no contexto da contrarreforma, que podem ser percebidos pelo exterior simples — com suas paredes nuas — e algum enfeite nas portas e janelas, que simbolizava os votos de pobreza, o que não impedia que o interior das igrejas fosse ricamente decorado. [...] uma arquitetura religiosa baseada nesses modelos significava a tradução da alma jesuítica de abnegação e de austeridade, marcada pelo espírito da Contrarreforma, numa arquitetura severa e balizada pela ideia de penitência que antecedia ao espírito mais festivo do barroco (FRADE, 2007, p. 59).
A distribuição dos espaços arquitetônicos era de tal forma que se criava um pátio quadrado circundado pelo edifício. Tal configuração vinculava-se às funções da construção, ou seja, o culto, a residência, o ensino e o trabalho (CARVALHO, 2001). Em meados do século XVIII, Portugal era governado por D. José I, mas o poder era efetivamente exercido pelo Marquês de Pombal. Homem forte do governo, Pombal procurou conciliar um governo absolutista com alguns ideais iluministas. Pretendendo modernizar Portugal segundo seu projeto de modernidade; entre outras medidas, expulsou os padres jesuítas de todas as terras portuguesas, inclusive o Brasil, como dissemos anteriormente. Como resultado, vários colégios foram fechados. Uma das primeiras iniciativas governamentais no campo da edificação escolar foi a criação do Colégio D. Pedro II, fundado em 1837, durante a regência de Pedro de Lima, no Rio de Janeiro — então a capital do país. O regente governava no lugar do menino D. Pedro II, que na época ainda era uma criança, pois seu pai, D. Pedro I, havia voltado para Portugal. O colégio recebeu o nome que tem até hoje, em homenagem ao futuro imperador do Brasil. O dia oficial da fundação foi inclusive o dia em que D. Pedro II fazia 12 anos. O colégio foi uma espécie de presente Para saber mais de aniversário. Não é à toa que, mais tarde, o Saiba mais sobre o Colégio D. Pedro II, imperador o chamaria de Meu Colégio. leia o artigo de Solange Zotti, no link:
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A criação do Colégio D. Pedro II deve ser entendida no contexto das disputas políticas do período regencial brasileiro. A influência dos conservadores, chamados de saquaremas,
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levava a decisões políticas centralizadoras, coerentes com a defesa de um poder forte, capaz de desenvolver o Império do Brasil. No projeto político dos saquaremas, a educação tinha seu espaço, pois era vista como instrumento pelo qual o Estado poderia ditar os caminhos pelos quais se construiria a nação (CUNHA Jr., 2010). No entanto, o menino D. Pedro II jamais estudou no colégio. Como futuro monarca do Brasil, ele tinha uma rígida rotina diária de estudos. Abandonado pelo pai, que acabou morrendo em Portugal, D. Pedro II ficou órfão de mãe quando tinha apenas 1 ano de idade. O bebê ficou sob a responsabilidade de Mariana de Verna Magalhães Coutinho, futura condessa de Belmonte. Foi ela que transmitiu ao imperador-menino as primeiras noções de moral cristã. Ao longo do seu crescimento, ele teve vários professores particulares e aprendeu coisas como: latim, literatura, ciências, geometria, história, alemão, italiano, inglês, dança, música, esgrima, montaria, francês, além, é claro, de português, sânscrito, árabe e tupi-guarani. D. Pedro II adorava aprender e uma de suas características que se mantiveram foi esse amor ao conhecimento (QUINTANILHA, 2004). Mesmo com as grandiosas expectativas em relação ao Colégio D. Pedro II, podemos perceber que seu início foi marcado pelo improviso. Apesar de ter sido considerado, posteriormente, a “menina dos olhos do Imperador”, o estabelecimento não deixou de ter um início conturbado. A localização do Colégio, na região central do Rio de Janeiro, foi logo criticada. O edifício do Colégio D. Pedro II localizava-se na chamada rua Direita, via de fácil o e bastante movimentada. Perto estava a rua do Valongo, conhecida pelo famoso mercado de escravos. Tudo isso criava, aos olhos da época, um ambiente impróprio para um estabelecimento de ensino. Afinal, os alunos poderiam, sem esforço, entrar em contato com todo tipo de pessoa. O Colégio foi instalado no edifício de um antigo seminário São Joaquim, reformado pelo arquiteto francês Auguste Henri Grandjean de Montigny. Nascido em 1776, venceu o Grande Prêmio de Roma e recebeu, por isso, a desejada bolsa de estudos da Academia da França e foi para Roma, onde ficou de 1801 a 1805. Como todos os artistas que fazem esse estágio na Itália, Grandjean estudou a arquitetura e a arte da Antiguidade Clássica e do Renascimento. De volta a Paris, foi convidado pelos arquitetos do imperador Napoleão Bonaparte, em 1807, a trabalhar para o irmão de Bonaparte, Jerôme Bonaparte, na época rei da Vestfália. Evidentemente, com a derrota de Napoleão em 1815, suas atividades são interrompidas. Como muitos outros artistas, veio para o Brasil acompanhando aquele
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grupo que mais tarde ficou conhecido como a Missão sa. Aqui no Brasil, começou a lecionar na Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, que ou a ser chamada de Academia Imperial de Belas Artes em 1826. As reformas, no entanto, restringiram-se a algumas adaptações e pequenos melhoramentos. Luiz Pedreira do Couto e Ferraz era Ministro de Negócios do Império — Visconde do Bom Retiro —, nasceu em 1818, no Rio de Janeiro, e faleceu em 1886. Foi presidente de província, deputado, senador e ministro de negócios do Império do Brasil, entre outras atribuições (BRASIL, 2012). Ele teve um papel importante na regulamentação do sistema de educação do Brasil durante o século XIX. Um relatório de Luiz Pedreira do Couto e Ferraz, datado de 1855, afirma que: Este edificio não póde continuar a servir para o internato. Já insufficiente no estado em que se acha, porque ali não ha onde acommodar convenientemente os repetidores, nem onde ter salas com o espaço necessario para todas as aulas; visto como os dormitorios occupam as principaes divisões do edificio; pouco salubre já por sua posição no centro da Cidade para conter o avultado numero de alumnos internos que possue, e que tende a augmentar extraordinariamente, já pela humidade que domina grande parte do edificio, e finalmente inconveniente pela falta muito sensivel de logares de recreio, e nos quaes os meninos façam os exercicios gynmnasticos, tão essenciaes em sua idade, e tão recommendados para sua educação physica por todas as autoridades competentes [sic] (FERRAZ, 1855 apud CUNHA Jr., 2010, p. 187).
O improviso ficou mais evidente quando se descobriu que os alunos internos não tomavam banho diariamente pela falta de água. O edifício, construído em estilo eclético, portanto, já trazia boa parte dos problemas que acompanham a educação brasileira até hoje. Pelo D. Pedro II aram grandes nomes da nossa história. Rodrigues Alves, que foi presidente da República; Marechal Hermes da Fonseca, também presidente; Joaquim Manuel de Macedo, escritor, foi professor de Alfredo Taunnay, também escritor; Manuel Bandeira, escritor; João Ribeiro e José Veríssimo eram professores; Júlio Cesar Melo e Sousa, escritor chamado Malba Tahan; Pedro Nava, escritor. Entre as escolas públicas destinadas a meninas, destacava-se a que formava as futuras professoras, as normalistas. No Rio de Janeiro temos uma das mais antigas instituições do gênero. A origem da Escola Normal está na própria ori-
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gem do sistema educacional brasileiro. Essa história começa com a abdicação de D. Pedro I, que deixou seu filho de apenas 5 anos para governar o Brasil. Vários regentes governaram em seu lugar — entre eles aquele que fundou o Colégio D. Pedro II, como dito anteriormente. Três anos antes, em 1834, no entanto, um Ato Adicional à Constituição de 1824 deu às províncias do Império autonomia em relação à organização da educação, seguindo os preceitos liberais que naquele momento dominavam a política. Isso contribuiu para a proliferação de leis sobre a educação e acabou com a possibilidade de uma educação uniforme para todo o país. Cada província podia organizar a educação a seu modo. Numa sociedade como aquela, baseada no trabalho escravo e no latifúndio, a educação, quando muito, é feita em casa. A instrução primária, aquela que ensina a ler, escrever e fazer conta, não se expandiu, atendendo apenas a uma pequena parcela da população. A primeira escola normal do país foi inaugurada em 1835, em Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Aliás, foi a primeira escola desse tipo em toda a América. Em São Paulo, fundou-se um escola normal, frequentada apenas por homens, em 1846 e que formou somente quarenta professores nos vinte anos em que existiu. Em 1874, surgiu uma nova escola normal em São Paulo, mas foi fechada quatro anos depois. Somente em 1880 fundou-se uma novíssima escola normal em São Paulo. No Rio de Janeiro, a escola normal foi fundada em 1874. O curso tinha duração de três anos e itia moças e rapazes. A escola funcionou por dez anos e era particular, mas de graça, pois contava com subsídio do governo. Seis anos depois, em 1880, instalou-se a primeira escola normal pública da cidade do Rio de Janeiro, inaugurada com a presença do próprio imperador D. Pedro II, que, como dissemos, gostava muito de estudar. No começo, funcionou no mesmo prédio do externato do Colégio D. Pedro II. O primeiro diretor foi Benjamin Constant Botelho de Magalhães e sua primeira turma tinha 88 moças e 87 rapazes, que estudavam em salas separadas. Essa situação, no entanto, não persistiu. A educação primária no Brasil será, a partir do início do século XX, sempre vista como uma modalidade ligada ao feminino. Um dado interessante e significativo da educação no período monárquico era a exclusão de grande parte da população. Uma quantidade considerável da gente pobre não frequentava a escola, bem como escravos e libertos, então tínhamos uma situação bastante difícil. Mas uma iniciativa destacou-se nesse contexto. Trata-se da escola aberta por Pretextato dos os e Silva, no Rio de
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Janeiro, em 1853. Foi uma escola destinada aos meninos de “cor preta e parda”. Sabemos de sua existência graças à documentação que o professor Pretextato juntou para garantir a aprovação de sua iniciativa. Uma das justificativas apresentadas para a existência de uma escola específica para esses meninos era que eles não eram bem recebidos nas outras escolas, onde, segundo os pais dessas crianças, eles não conseguiam aprender. Sabe-se que a escola existiu até pelo menos 1871, quando se perdeu de vista a história de Pretextato (SILVA, 2000). Em diversos países, no final do século XIX, houve a manifesta preocupação com a educação pública. A concretização das “boas intenções”, claro, variou de lugar para lugar. Os escritos de Célestin Hippeau (1803-1883), por exemplo, evidenciam tal realidade. Ele editou, a partir de 1870, diversas publicações sobre o ensino em diversos países. Seu objetivo era tornar conhecidos na França os sistemas educacionais de outros países. Paralelamente, expõe o que ele considera essencial para a escola moderna: a valorização do progresso (BASTOS, 2002). As ideias de Hippeau, que representam a modernidade iluminista, tiveram repercussão no Brasil, onde “[...] esse modelo encontra ressonância direta entre os intelectuais envolvidos com o movimento de renovação do ensino e difusão da escolarização elementar nas últimas décadas do século XIX” (SCHELBAUER, 2006, p. 4). Houve algumas iniciativas de construção de escolas durante o Segundo Império. Após o término da Guerra do Paraguai, a vitória brasileira fez com que algumas pessoas ilustres da sociedade desejassem construir monumentos ao imperador D. Pedro II. O monarca, no entanto, declinou da oferta e sugeriu uma alternativa: que o homenageassem através da construção de escolas, o que, de fato, ocorreu. Mas a educação pública era, pelo menos da dimensão do discurso, uma grande preocupação dos republicanos, que não cansavam de acusar o governo monarquista de nada fazer em benefício do progresso da pátria. Um bom exemplo da iniciativa e das ideias republicanas no campo da educação foi a criação do Colégio Culto à Ciência, na cidade de Campinas, em 1874 — e que existe até hoje. Os objetivos do estabelecimento eram claramente preparar a nova elite que deveria assumir as funções públicas em futuro próximos. A ênfase num programa que abarcasse não só o costumeiro ensino letrado das línguas mortas, como o latim e o grego, mas que incluísse o ensino de línguas modernas — inglês, francês, italiano e alemão e, principalmente, a língua e a literatura nacional; os primeiros os ainda vacilantes, mas, em todo caso, dados em direção aos estudos de matérias científicas, como a química, a física e biologia [...]
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traz à tona a preocupação dominante com o tipo de homem a ser formado [...] (MORAES, 1985, p. 119).
Com a implantação do regime republicano, essa preocupação com a educação pública se intensificou. A urbanização do Brasil nas primeiras décadas do século XX exigia uma formação mais aprimorada. O ideal de civilização ava pela ampliação do sistema educacional. Temos, então, o surgimento de escolas normais e ginásios. Muitas dessas iniciativas eram erguidas junto à praça pública e contava com uma arquitetura do tipo monumental, pois tais edifícios deveriam representar a ação do governo em direção ao progresso. Por isso a adoção do estilo neoclássico como ponto de partida estético desses edifícios, como é o caso dos edifícios projetados por Ramos de Azevedo no estado de São Paulo. A simetria e a respeitabilidade dos edifícios clássicos deveria corresponder aos altos objetivos dos chamados “templos do saber”. Apesar disso, ainda persistiram as péssimas condições das casas-escolas durante muito tempo, especialmente nas periferias e no interior do Brasil. A modernidade não chegava de maneira homogênea em todos os cantos do país.
Para saber mais Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928) foi um engenheiro e arquiteto brasileiro formado na Bélgica. Foi responsável por diversas obras públicas no Brasil, inclusive muitas escolas. Para aprofundar-se na biografia desse importante personagem de nossa história, e:
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Nem mesmo nas escolas erguidas para serem símbolos da jovem república eram incomuns problemas estruturais, falta de professores e de materiais para as aulas. De qualquer forma, uma nova alteração ocorreu a partir da década de 1930. O projeto de Getúlio Vargas para o Brasil ava pela educação, o que já se demonstrava pela criação de um Ministério da Educação. Ora, um país que se pretendia moderno — não esqueçamos a Semana de Arte Moderna de 1922 — precisava de escolas igualmente modernas. No campo da arquitetura, o Art Déco foi o estilo preferido na era Vargas. Surgiu na Europa, no período entre guerras e “[...] pode-se considerá-lo como uma tentativa de manifestar o Movimento Moderno entre nós, rescaldo da onda modernizadora europeia dos anos de 1910 a 1930 [...]” (PERALTA, 2005, p. 94). Eram escolas que procuravam dar materialidade ao Manifesto dos Pioneiros, de 1932, que marca a escola nova.
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Então, precisamos esclarecer como o estilo neocolonial se enquadra nesse contexto modernizante e nacionalista, pois encontramos muitas escolas construídas em estilo neocolonial. Segundo Yves Bruand (1981), o estilo neoclássico foi a primeira tentativa de se obter uma arquitetura nacional, “[...] eram modernas, mas concebidas de modo a evocar intensamente uma arquitetura do ado” (BRUAND, 1981, p. 53). Uma das principais obras neocoloniais é justamente uma escola, o novo edifício da Escola Normal do Rio de Janeiro, que foi inaugurado em 1930, antes mesmo da revolução que levou Vargas ao poder. O neocolonial adotou elementos da arquitetura barroca, numa mistura de influências portuguesas e brasileiras da época colonial. Frontões curvos, janelas com requadros, entradas imponentes, treliças, balcões, pináculos, janelas em arco batido, entre outros. Assim, podemos compreender que a adoção do estilo neocolonial nas escolas públicas do período pós-Vargas não significa uma volta ao ado, mas a tentativa de adotar uma arquitetura que ao mesmo tempo absorvesse a modernidade pedagógica e construísse a identidade nacional. Nas décadas seguintes, a opção pela estética modernista na construção das escolas refletiu a hegemonia desse estilo na própria arquitetura nacional. Basta observar a quantidade enorme de edifícios modernistas construídos depois da década de 1950. No que se refere às escolas, essa opção refletiu-se na adoção de pavilhões de salas de aula em substituição às tradicionais configurações em U ou E. O uso de rampas e pilotis caracterizaram essas escolas. Com a crise econômica das décadas de 1970 e 1980, as construções escolares tornaram-se cada vez mais simplistas do ponto de vista arquitetônico, com a adoção de projetos pré-fabricados. A pobreza arquitetônica acompanhou a expansão da rede escolar. A padronização dos projetos arquitetônicos não leva em consideração as particularidades de cada lugar e, ao impor soluções, resultam em ambientes desfavoráveis. Há com certeza alguma economia nessa opção, afinal são escolas produzidas em massa. Mas um dos principais motivos é, na verdade, marcar determinadas gestões públicas. Assim, facilmente a população pode reconhecer as escolas que foram construídas na istração de certo político, pouco importando a qualidade da escola. Em geral, as escolas são planejadas a partir de iniciativas isoladas e que, muitas vezes, não têm continuidade. O desconforto de nossas escolas está ligado a dois fatores que representam a real importância que nós, brasileiros, damos à educação. A primeira causa é de ordem cultural profunda. Ainda acreditamos lá no fundo de nossa consciência que somente aquilo que se consegue com sacrifício tem valor. Assim, imagi-
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namos, mesmo em silêncio, que a escola deva ser um local de sofrimento — ou, pelo menos sem alegria. Não ira que tantos alunos tentem sair de lá. Escolas tristes, cheias de grades, cadeados, câmeras de vigilância. Quando falamos que escola deveria ser confortável, alegre, agradável e prazerosa, quase sempre recebemos olhares de espanto. Mas e as escolas pobres, como ficam? Essa é a mais terrível reação, pois parte de uma realidade que não deveria existir: escolas pobres. É preciso mudar essa mentalidade. A escola pública pode e deve ser excelente em todos os sentidos. Não é possível que se julgue normal que menos de 1% das escolas tenham a infraestrutura necessária a uma boa educação. O segundo fator diz respeito à qualidade da infraestrutura e do planejamento. Projetos arquitetônicos malfeitos e mal-executados levam a um desgaste prematuro, exigindo reformas constantes. Projetos ruins levam os gestores escolares a ter de realizar puxadinhos, dividir salas, improvisar equipamentos, entre outras ações paliativas, que se tornam permanentes.
Questões para reflexão Diante das dificuldades de nossas escolas, qual é o papel do professor?
Atividades de aprendizagem Leia o seguinte trecho do texto do escritor Pedro Nava (1903-1984) sobre sua vida de estudante no Colégio D. Pedro II, no início do século XX: Entre as aulas, tínhamos às vezes o que se chamava hora vaga. Era quando se aproveitava para uma revisão da matéria, um retoque nas colas, leitura de romances ou de livrinhos de safadeza, para banzar [ficar pensativo], sonhar, olhar as caras uns dos outros ou tomar conta do terreno [...], gravando a canivete nas carteiras — estrelas de Davi, de Salomão, grelhas, círculos, cruzes, triângulos; [...] nossas iniciais ou nome inteiro (NAVA, 2001, p. 12).
Qual a relação entre as travessuras dos alunos, como as relatadas por Pedro Nava, e os objetivos da escola no início do século XIX?
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Seção 2
Iluminismo, liberalismo e positivismo: visões sobre a escola
É conhecida a historinha, geralmente contada em forma de anedota, na qual um sujeito vai à oficina mecânica para que seu automóvel seja consertado. O mecânico, então, abre o capô do carro, olha e ouve atentamente o motor. Depois, pega um pequeno martelo e bate em um determinado lugar, e pronto! O automóvel foi consertado. O cliente fica satisfeitíssimo e pergunta o preço do serviço. Então o profissional pede, digamos, quinhentos reais. O sujeito fica espantado: quinhentos reais por uma batidinha com o martelo? O mecânico, paciente, explica: a martelada custou um real, os outros quatrocentos e noventa e nove referem-se ao conhecimento de onde bater o martelo. É o conhecimento de tudo aquilo que se refere à nossa profissão que nos faz competentes e, portanto, nos garante o respeito. A educação não é uma atividade qualquer, ela requer, talvez mais que outras, a completa seriedade e dedicação de quem a escolheu. Por isso, compreender os conceitos que se relacionam à nossa prática é essencial para o bom desempenho de nossas atividades. Assim como qualquer um pode martelar um motor, somente quem conhece sabe onde fazê-lo. Ficar em frente aos alunos, escrever no quadro para os alunos copiarem, aula após aula, qualquer um faz, mas ensinar realmente é para quem estudou para isso. A valorização da profissão de professor a pela nossa profundidade teórica.
2.1 Iluminismo Chamamos de Iluminismo a filosofia que caracterizou o pensamento do período que começa em meados do século XVII e se estabelece no século XVIII, o “[...] nome deriva-lhe de seu intento de iluminar com a razão o obscurantismo da tradição [...]” (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990, p. 337). Foi um período de intensas mudanças culturais, sociais e políticas. Devemos lembrar, por exemplo, das revoluções burguesas na Inglaterra (Revolução Puritana e Revolução Gloriosa) e na França (Revolução sa), que colocaram a classe burguesa no poder, constituindo nossa sociedade. Desprezando o pensamento medieval, os iluministas construíram as bases filosóficas da modernidade, inclusive nossa ideia de escola. A Revolução sa (1789) é, em geral, compreendida como o melhor exemplo do impacto da filosofia das luzes. Nesse evento sociopolítico, as
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antigas hierarquias e modos de vida (Antigo Regime) foram destruídos e novas formas de convivência política foram estabelecidas — não sem idas e vindas. Para Darnton, “poucos eventos na história dos homens afetaram não só os rumos da nação que os iniciou como também as vidas de praticamente todos os povos do mundo” (1996, p. 11). A nova ordem, estabelecida pelos revolucionários ses, fundava-se nos ideais iluministas da liberdade e da igualdade, que, por sua vez, somente podiam existir a partir da crença na capacidade da razão humana em compreen der a natureza. O homem livre, autônomo, somente poderia existir se fosse capaz de utilizar-se de sua razão para emitir seus próprios juízos. Em Kant, por exemplo, podemos perceber “[...] o princípio de uma pedagogia da autonomia, que torna a experiência do educando como ponto de partida e visa conduzi-lo a pensar por si mesmo” (DALBOSCO, 2011, p. 117). A valorização da razão humana começou, para sermos um pouco mais justos, ainda no tempo do Renascimento Cultural (séculos XV e XVI). A emergência da ciência moderna representa bem esse processo. O sistema medieval de pensamento, em especial sua compreensão do mundo, veio a receber o primeiro golpe significativo em 1543, com a publicação do livro de Copérnico, De Revolutionibus Orbium Coelestium, no qual defendia a ideia geocêntrica. O próximo o na construção do moderno sistema do mundo veio de Johannes Kepler (1571-1630). Kepler pretendia descobrir no universo uma inteligência matemática por trás dos fenômenos. Em 1609, publicou a obra A astronomia nova, na qual estão as duas leis que revolucionaram a astronomia: a primeira, que afirma serem as órbitas dos planetas elipses e a segunda, que diz que os planetas percorrem áreas iguais em tempos iguais. Com essas duas “simples” descobertas, Kepler eliminava dogmas que haviam dominado a astronomia durante mais de dois mil anos, o princípio de que as órbitas dos corpos celestes deveriam ser circulares e de que seu movimento deveria ser uniforme. Kepler nos deu uma descrição do universo muito mais exata do que as tentativas anteriores, destruindo a concepção medieval do mundo. O período de Kepler foi de grandes transformações, entre elas a Reforma Protestante. Foi durante esse evento que, muitos estudiosos acreditam, nasceu a moderna educação europeia. Os efeitos da reforma protestante sobre a educação deveu-se ao fato de os reformadores desejarem acabar com a ignorância, que consideravam prejudicial à verdadeira religião (TOLEDO, 2006). Então,
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além de mudanças nas representações do mundo, vivia-se uma transformação no campo da educação. As representações, no entanto, não cedem a uma “simples” explicação racional. A tradição não se renderia facilmente às inovações propostas pelos pensadores que fundaram a ciência moderna. No dia 17 de fevereiro de 1600, em uma praça de Roma, Giordano Bruno (1548-1600) foi queimado vivo nas fogueiras do Santo Ofício. Seu temperamento arrogante e orgulhoso não ajudava na aceitação de suas ideias, que eram, sem dúvida, revolucionárias: o universo é infinito e há uma infinidade de outros mundos habitados por outras humanidades. A ideia de um universo infinito começava a fazer parte das especulações filosóficas. Ficava cada vez mais difícil imaginar a Terra cercada por finitas esferas celestes. Mas a tradição medieval não cedeu facilmente e, poucos anos depois da execução de Giordano Bruno, Galileu Galilei (1564-1642) também foi julgado e ameaçado com as mesmas chamas inclementes das fogueiras do Santo Ofício. Galileu ajudou a demolir a física aristotélica e a visão de mundo medieval. Sua grande contribuição foi o método experimental e de observação, desde a famosa experiência na torre de Pisa até o uso da luneta para conhecer o céu. A descoberta das imperfeições da Lua, de estrelas que não podiam ser vistas a olho nu, das luas de Júpiter e das manchas solares estava entre seus maiores feitos. Essa foi uma ruptura importante entre o pensamento medieval e o moderno. Apesar de existirem defensores das ideias de Galileu dentro da Igreja, ele acabou sendo alvo de inúmeras críticas. Diante da insistência destas, Galileu acabou por abjurar, amaldiçoar e deplorar publicamente as ideias de Copérnico, em 1633. Dessa maneira, no início do século XVII, o sistema de Ptolomeu continuava sendo ensinado, apesar de a semente da moderna astronomia já ter sido lançada. Uma prova disso eram as cópias de obras de Galileu, que podiam ser encontradas com facilidade por toda a Europa (GLEISER, 2003). Mas ainda estava longe uma concepção do universo propriamente materialista e moderna. Copérnico, Bruno, Galileu e Kepler estavam imersos numa época em que a astronomia se conjugava com a astrologia e com a magia. O estudioso Rheticus, defensor do heliocentrismo de Copérnico, não hesitou em procurar harmonizar esse sistema com a magia dos números (WOORTMANN, 1997). As consequências teológicas do sistema heliocêntrico levaram a Igreja Católica a combatê-lo e a tardar sua aceitação, o que é um fato histórico amplamente aceito. Porém, as implicações científicas dos trabalhos de Copérnico, Bruno, Galileu e Kepler vão muito além do Vaticano. Uma melhor compreensão do movimento dos planetas
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abriu o caminho para a formulação da lei da gravitação universal, que significou a unificação da mecânica com a astronomia. A compreensão da mecânica celeste trouxe importantes instrumentos mentais para uma nova visão de mundo. Kepler já havia compreendido que as marés eram causadas pela força da Lua e sugeriu que, se essa força da Lua podia chegar até a Terra, a força da Terra também chegaria até a Lua. Essa ideia era o germe do princípio da gravitação universal, problema que, após a morte de Kepler em 1630, receberia as atenções de Isaac Newton. O caminho entre a força motora de Kepler e a Lei da Gravitação Universal foi bastante longo. No fim desse percurso, Newton formulou sua famosa Lei, que afirma: matéria atrai matéria, na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias; publicada em 1687, na sua obra Principia. A matéria ou a reinar em todo o espaço. A ciência começava a libertar-se do jugo da religião e da filosofia, processo que seria aprofundado com a filosofia iluminista (no século XVIII) e com a Revolução Industrial (no século XIX). Apesar da grande variedade de pontos de vista entre os filósofos que chamamos de iluministas, podemos encontrar algumas tendências gerais capazes de caracterizar o Iluminismo. Uma dessas tendências está justamente na confiança na capacidade intelectual do homem, que foi responsável por todas aquelas descobertas elencadas anteriormente, de Copérnico a Newton. O Iluminismo é, segundo Abbagnano, “[...] o compromisso de servir-se da razão e dos resultados que ela pode conseguir nos vários campos de pesquisa para melhorar a vida particular e associativa de cada homem” (1982, p. 511). Isso ficou bem evidente na concepção kantiana de Iluminismo. O grande filósofo prussiano (na época dele, século XVIII, não havia ainda a Alemanha, que se unificou apenas em 1871) expressou melhor do que ninguém a essência do Iluminismo e, talvez, da própria modernidade. Em seu texto “Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?”, Immanuel Kant afirmava a importância da disposição e coragem que devemos ter para sair da “menoridade” intelectual, que é responsável pela nossa dependência de tutores que nos digam o que pensar e fazer. Ao pedir que homens ousem saber, Kant estava afirmando que se utilizar da razão para o entendimento é próprio da natureza humana. Mais do que isso, ele pretendia o uso público da razão. Daí a necessidade de uma pedagogia: A partir da pedagogia kantiana, podemos dizer que uma educação que vise formar sujeitos autônomos deve unir lições da experiência e os projetos da razão. Isso porque no caso de basear-se apenas no raciocínio puro, estará alheia à realidade e não contribuirá para a superação das condi-
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ções de heteronomia e, no caso de guiar-se apenas pela experiência, não haverá autonomia, pois para Kant a autonomia se dá justamente quando o homem segue a lei universal que sua própria razão proporciona (ZATTI, 2007, p. 1).
Se Immanuel Kant representa o coroamento do pensamento iluminista, podemos Para saber mais considerar que essa tendência começou com Assista aos seguintes vídeos da UniRené Descartes (1596-1650) e Francis Bacon fesp TV sobre autonomia da escola, (1561-1626). René Descartes desejava destema tratado a partir do pensamento cobrir um método capaz de fundamentar o kantiano, disponíveis nos links: conhecimento científico. Para isso, chega a < h t t p : / / w w w. y o u t u b e . c o m / sua famosa dúvida metódica. Para Descartes, watch?v=akjeIHqmghc>. a dúvida — e não a certeza — deveria estar < h t t p : / / w w w. y o u t u b e . c o m / na base do conhecimento. Por isso, seus arwatch?v=xyPq8H-wCxc>. gumentos começam com a dúvida absoluta e progressivamente ele chega à primeira verdade: “penso, logo existo”. É sobre esse princípio que Descartes constrói toda sua filosofia, que embasa a ciência moderna. O pensamento cartesiano coloca em reflexão o problema central da epistemologia moderna, a questão da objetividade do conhecimento. Deriva disso seu método que consistia em quatro fases: a evidência (ou intuição), a análise, a síntese e a enumeração completa (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990). Primeiro é preciso considerar como verdadeiro somente aquilo que se apresenta a mim de forma clara, de maneira que eu não possa duvidar. Uma vez que restem dúvidas, devo então dividir o problema em quantas partes forem necessárias para que, solucionando cada uma delas, eu solucione o problema inteiro. O terceiro ponto diz respeito à ordem do pensamento, devo começar pelos mais simples para depois chegar aos mais complexos. Por último, devo realizar tantas revisões em meus pensamentos quanto forem precisas para ter a certeza de que considerei todos os aspectos da questão. Quando se afirma que a filosofia iluminista defende e valoriza a razão humana, não se deve entender que os filósofos iluministas partilhavam do racionalismo cartesiano pura e simplesmente. A razão iluminista relacionava-se mais às capacidades cognitivas em geral do ser humano para conhecer. Assim, não podemos deixar de comentar sobre a dimensão empirista da filosofia das luzes. Encontramos em Francis Bacon a origem dessa dimensão. Em sua obra Novo Organum, de 1620, esse pensador explicita os princípios fundantes da ciência, que devem
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ser acrescentados à contribuição de Descartes. Para Bacon, a ciência deve ser baseada na observação e na experimentação, a partir da qual se deve construir o conhecimento, através da indução. Descartes e Bacon contribuíram, portanto, para a progressiva independência da ciência. A metafísica e a religião deixam de ser a base do conhecimento. Explica-se, desse modo, a crítica iluminista a qualquer conhecimento baseado pura e simplesmente na autoridade e que é, de alguma forma, obscuro. Assim, podemos concordar com Carvalho, quando ele nos diz: [...] estudiosos sugerem que a expressão “educação tradicional” aplica-se de um modo especial à metodologia pedagógica implementada, nomeadamente, a partir do século XVII. Segundo eles, a definição dessa metodologia foi, especialmente, influenciada pelas tentativas de elaboração, durante o século XVII, tanto do método científico, em que se destacaram F. Bacon, como do método filosófico, em que sobressaiu Descartes. Esse último não tinha o propósito de ensinar o método que cada qual devesse seguir para bem conduzir sua razão, mas somente mostrar de que modo se esforçou para conduzir sua vida (CARVALHO, 2010, p. 10).
Para saber mais Devemos tomar cuidado com a expressão “tradicional”. Segundo Abbagnano (1982), tradição é a herança cultural, aquilo que é transmitido de uma geração para outra. Portanto, ela não tem o sentido negativo que normalmente é atribuído a essa palavra no campo da educação.
O desenvolvimento de divisões dentro do conhecimento, que constituem as diversas ciências que conhecemos, foi consequência “natural” da filosofia iluminista. A divisão do problema, a observação cuidadosa e a descrição pormenorizada dos fenômenos levaram ao surgimento de ciências especializadas em esclarecer setores cada vez mais particulares do conhecimento. Não é coincidência que uma das mais importantes obras do Iluminismo e formidável instrumento de propaganda tenha sido a Enciclopédia, publicada por Diderot e d’Alambert na segunda metade do século XVIII. Em forma de uma coleção de verbetes, o objetivo da obra era fornecer um lugar onde se pudesse reunir todo o conhecimento humano existente. Isso é coerente com a prescrição kantiana para que ousássemos pensar. A orientação iluminista para o uso da razão humana em favor de indivíduos autônomos implicava uma posição política.
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O pensamento iluminista, nesse sentido, defende o Estado laico e é, portanto, contra o absolutismo vigente na época, o que significa a intimidade dos conceitos de Iluminismo e Liberalismo.
Atividades de aprendizagem Leia o que traz o Dicionário de conceito histórico: O Iluminismo é um dos temas mais importantes da História das Ideias, influenciando toda a estrutura mental do Ocidente contemporâneo. [...] Esses filósofos do século XVIII, que chamamos hoje de iluministas, definiam a si mesmos como homens do ‘século das luzes’. Para eles, o século XVIII foi o ápice da maturidade intelectual e racional do homem. Mas tais filósofos não seguiam uma única e coerente corrente de pensamento, pelo contrário, possuíam múltiplos discursos, não tinham nenhum manifesto ou programa de ideias, e muitos, inclusive, se contestavam mutuamente. [...] Todavia, a maioria desses pensadores compartilhava algumas ideias em comum: a defesa do pensamento racional, a crítica à autoridade religiosa e ao autoritarismo de qualquer tipo e a oposição ao fanatismo. Influenciados pela revolução científica do século XVII, principalmente pelo racionalismo e pelo cientificismo de Descartes, a maioria dos iluministas pregava o papel crítico da razão, considerando essa a única ferramenta capaz de esclarecer a humanidade. [...] (SILVA; SILVA, 2006, p. 210).
Sobre o Iluminismo, podemos afirmar: I. o ideal de ciência era o de um saber posto a serviço do homem. II. pregava a submissão do saber à religião. III. defendia a possibilidade de o homem construir racionalmente o seu destino. IV. era favorável ao poder absoluto dos reis. São verdadeiras somente as afirmações:
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a) I e II.
c) I e IV.
b) I e III.
d) II e III.
e) II e IV.
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2.2 Liberalismo A filosofia liberal, ou Liberalismo, está relacionada ao Iluminismo pelo fundamento da liberdade humana. Enquanto o Iluminismo é amplo em suas preocupações, o Liberalismo tem como interesse principal a liberdade política e a liberdade econômica. Ao colocar a liberdade no centro das investigações filosóficas, os pensadores liberais defendem que ela é o estado natural dos seres humanos e que, portanto, todo aquele que procura restringir a liberdade deve justificar essa ação. Por isso, a autoridade política deve ser sempre justificada, ela não é um dado “natural” ou “divino”, como pensava-se no Antigo Regime. É nesse sentido que as teorias do contrato social, como as de John Locke (1632 ‑1704) e de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), são consideradas liberais; no caso de Rousseau, no entanto, há implicações “não liberais” em seus pressupostos. Os fundamentos do Liberalismo, segundo Abbagnano (1982), podem ser encontrados em quatro princípios: o jusnaturalismo, o contratualismo, o liberalismo econômico e a limitação da ação do Estado. Por jusnaturalismo, entendemos a ideia de que todos os indivíduos possuem direitos inalienáveis, pois seriam próprios da natureza humana. Nesse sentido, o jusnaturalismo está na base da limitação do poder do Estado. Também fundamenta a tolerância religiosa. Sendo assim, o grande problema para o Liberalismo foi conciliar esses direitos originários, sendo o mais importante a liberdade, com as exigências da vida em sociedade: se todos têm o mesmo direito à liberdade, como estabelecer regras que permitam alcançar objetivos comuns, essenciais para a vida coletiva? Para resolver essa questão do ponto de vista teórico, os filósofos contratualistas foram buscar a origem do Estado. Diferentemente do pensamento anterior, que via o Estado como fruto da intervenção divina, os contratualistas imaginaram uma liberdade absoluta original que precisou ser desfeita pelo estabelecimento de um contrato social entre os indivíduos. O Estado, portanto, seria fruto da vontade livre de indivíduos que concordam em ceder parte de sua liberdade em proveito da vida em comunidade. Essa ideia está na base do moderno sistema de democracia representativa e fundamenta a defesa dos direitos humanos. No plano econômico, a liberdade política tem como correspondente a mínima interferência do Estado na economia. Nesse sentido é que dizemos que o Liberalismo defende a propriedade privada. Para o Liberalismo, liberdade e propriedade privada estão inseparavelmente relacionadas — pelo menos
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para a tendência liberal mais clássica. No sistema econômico imaginado pelos liberais, a defesa da propriedade privada é necessária, pois seria fruto da liberdade individual. Uma economia de mercado é vista, portanto, como essencial para a liberdade. Num sistema econômico assim, os indivíduos são livres para realizar contratos, inclusive vender sua força de trabalho. São livres para empreender e empregar seus rendimentos da forma como lhes aprouver. A existência da propriedade privada é a garantia da própria liberdade política. Assim, “[...] o sistema de propriedade privada é a mais importante garantia da liberdade, não só para os proprietários, mas também para os que não o são. Ninguém dispõe de poder absoluto sobre nós, e, como indivíduos, podemos escolher o sentido de nossa vida [...]” (HAYEK, 2010, p. 115, grifo do autor). Para o famoso pensador liberal Frederich August von Hayek (1899-1992),: Não pode haver liberdade de imprensa se os instrumentos de impressão estão sob controle do governo; não há liberdade de reunião se os ambientes necessários são controlados; não há liberdade de movimento se os meios de transporte são um monopólio do governo (HAYEK, 1981, p. 149, tradução minha).
Evidentemente, os liberais itiam a existência de algum Estado que pudesse garantir essa mesma liberdade que tanto defendiam e defendem. Seria um Estado mínimo, porém. Critica-se, assim, segundo Abbagnano (1982), qualquer absolutismo estatal e defende-se a divisão dos poderes manifesta nas ideias de Montesquieu. No entanto, este Liberalismo clássico veio a sofrer duras críticas, não somente do seu oposto — o socialismo —, mas da própria realidade criada pela crise econômica de 1929. Aquele Estado que, segundo os liberais clássicos, não deveria interver na economia, ou a representar a única forma de retirar a economia estadunidense da crise, segundo as ideias do economista John Maynard Keynes (1883-1946). Ainda dentro do contexto do capitalismo, o keynesianismo defende a iniciativa do Estado no estímulo ao consumo que garanta uma maior produção e, por consequência, prosperidade econômica. A manifestação concreta dessa ideia foi o New Deal, ações dos governos dos Estados Unidos para superar a crise que vinha se arrastando desde 1929. Por essa época, uma série de medidas governamentais, como a construção de obras públicas, pretendia gerar renda e consumo. Tal política econômica perdurou até a década de 1970, quando nova crise econômica viu renascer as ideias liberais mais clássicas. O fundamento da discussão liberal sobre o papel do Estado na sociedade é a crença na coincidência do interesse privado (dos indivíduos) com o interesse público. Para os liberais, se cada um seguir inteligentemente os seus interesses, então o interesse coletivo será contemplado.
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Questões para reflexão Nossas escolas, tal como se encontram hoje, educam para a autonomia?
2.3 Positivismo No contexto das modificações produzidas pela Revolução Industrial e pela difusão dos ideais iluministas, temos, no século XIX, o surgimento de uma nova tentativa de explicar a sociedade: o Positivismo, que está invariavelmente ligado a Augusto Comte (1798-1857). Sua vida transcorreu durante a tumultuada primeira metade do século XIX. As Guerras Napoleônicas varreram a Europa, as revoluções de 1820, 1830 e 1848 marcaram o período com a agitação popular, as invenções e descobertas científicas se sucediam, mas a sociedade não estava melhor com isso. Em sua obra, Comte procurou estabelecer os alicerces de uma ciência da sociedade, que pudesse não apenas conhecer os mecanismos e as leis sociais, mas também corrigir seus problemas. Sua obra Curso de filosofia positiva é fundamental para a compreensão de seu pensamento. Antes, porém, de acompanharmos suas reflexões sobre a sociedade, devemos esclarecer que sob o rótulo de positivista existem muitas ideias que são estranhas ao pensamento de Comte. Uma série de críticas ao Positivismo são feitas a partir de comentaristas de segunda mão ou refere-se a sistemas de pensamento não originários do pensador francês. Além disso, há críticas que mais procuram atacar o homem Augusto Comte do que suas ideias. É o caso do sociólogo Anthony Giddens, que retrata Comte como um louco, e isto deve ser considerado: [...] um recurso retórico próximo ao sofisma ad hominem, em que a argumentação teórica e empírica é substituída pela crítica ao autor; além disso, esse procedimento é particularmente especioso, porquanto inúmeros pensadores e teóricos das Ciências Sociais foram “loucos”, “desregrados”, mau-caracteres ou simplesmente tiveram sérios problemas emocionais e psicológicos (LACERDA, 2009, p. 323).
Assim, esperamos tratar do Positivismo sem o sentido negativo que geralmente acompanha qualquer menção a ele. O Positivismo de Augusto Comte está baseada na identidade entre uma filosofia da ciência e uma filosofia política. O conhecimento científico é considerado necessário para a organização da sociedade, assim o pensamento de Comte não é simplesmente uma expressão
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da fé dogmática na ciência. A ciência tem um objetivo social. Agora, podemos voltar à sua obra Curso de filosofia positiva. Um dos principais pontos do pensamento comteano é a chamada “Lei dos Três Estados”. Trata-se de uma lei sociológica que esclarece a dinâmica do movimento social. Através dessa lei, Comte afirma que o progresso da humanidade teria ado por três fases: teológica, metafísica e positiva. O ponto de partida da história humana na Terra, a fase teológica, seria caracterizada pelas primeiras tentativas de explicação dos fenômenos da natureza. Nessa fase, recorria-se à intervenção sobrenatural para explicar os fatos para os quais não se sabia a causa. A fase intermediária seria uma evolução da segunda, pois as questões são as mesmas, mas as explicações são mais sofisticadas, substituindo os deuses e outros seres sobrenaturais por entidades abstratas do pensamento. A terceira e última fase corresponderia ao pensamento positivo, na qual a ciência procura a causa material dos fenômenos, por isso, o absolutismo próprio do pensamento religioso e do metafísico é substituído pela relatividade do conhecimento, característica própria da ciência. Além da “Lei dos Três Estados”, outro fundamento da filosofia comteana é a classificação das ciências. A formação acadêmica de Augusto Comte na Escola Politécnica o aproximou da filosofia da ciência. Enquanto as reflexões anteriores tratam “da ciência”, o desenvolvimento do século XIX originará o estudo comteano “das ciências”. Comte coloca da seguinte forma: matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. Nessa ordem, Comte partiu do mais simples para o mais complexo, garantindo uma certa unidade no conhecimento, mas sem desprezar as particularidades de cada uma. Tal classificação baseia-se em uma ordem lógica e cronológica, na qual se ite a gradação do mais simples e abstrato para o mais complexo e concreto. Assim, enquanto, de uma extremidade, a astronomia observa os fenômenos mais gerais, simples, abstratos, afastados do homem, da outra, a sociologia volta-se para os mais particulares, mais complexos, concretos e próximos ao ser humano (BARRETO, 1999, p. 3).
A sociologia, para Augusto Comte, deve ser compreendida como a ciência final, cabendo a ela o dever de coordenar o desenvolvimento de todas as que a precederam. Muitos pensaram que os fenômenos sociais seriam tão complexos que não seria possível aplicar-lhe o método positivo, mas Comte pensava de forma diversa. Para ele, a sociologia (física social) importava-se justamente com a última dimensão da realidade, até então deixada de lado pela ciência. Seguindo o raciocínio de
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Comte em sua classificação das ciências, vemos que cada ciência identificada por ele dependia da anterior, pois, além de lógica, sua classificação é histórica. Sendo a sociologia a última das ciências, então ela é a mais dependente de todas; em outras palavras, para compreender a sociedade é necessário sólido conhecimento de todas as ciências. Tal pensamento tem grande impacto pedagógico, pois: A educação, sendo o principal meio de libertar o homem da ignorância, da desordem e da anarquia moral, deveria, por isso, ser universal, pois se dirigiria a todos os povos, garantindo assim, a unidade humana, sem exclusão de nenhuma classe social. Nessa concepção, educação define-se como a apropriação individual dos valores do conhecimento. O currículo escolar deve estar organizado de forma a, partindo do mais simples, construir a ciência mais elaborada. O conhecimento deve se referir apenas ao humano, evitando a abstração. Vista dessa forma, a educação vem a ser o engajamento na sociedade, ou seja, a participação em uma ordem real, não apenas numa acumulação de conhecimentos (FAUSTINO; GASPARIN, 2001, p. 167).
Não será difícil ver nos currículos, nas normas, nas orientações e, principalmente, nas práticas em sala de aula, a presença desses três conceitos.
Atividades de aprendizagem Em 1890, Benjamin Constant reorganizou as disciplinas do Ginásio D. Pedro II (atual Colégio D. Pedro II) da seguinte forma, conforme Decreto n. 981, de 8 de novembro de 1890 (apud LORENZ, 2008, p. 5): 1o ano: Aritmética e Álgebra elementar 2o ano: Geometria Preliminar, Trigonometria Retilínea e Geometria Espacial 3 o ano: Geometria Geral e seu complemento algébrico, Calculo Diferencial e Integral, Geometria descritiva 4o ano: Mecânica e Astronomia 5 o ano: Física e Química 6 o ano: Biologia 7 o ano: Sociologia e Moral
Em que sentido o programa dos conteúdos propostos por Benjamin Constant reflete a influência positivista?
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Fique ligado! Nesta unidade foi possível analisar as relações entre escola e sociedade considerando o contexto sociopolítico e analisar os fundamentos ideológicos dessas relações. Começamos com uma breve análise do contexto de surgimento da escola tal como a conhecemos, pois ela é fruto de um determinado contexto sociopolítico. Percebemos que a escola da modernidade nasceu da filosofia das luzes e da Revolução Industrial. Por isso, a segunda parte da unidade foi dedicada a conceitos importantes na compreensão disso. O Iluminismo defendia a autonomia intelectual dos cidadãos, e isso somente poderia ser feito através da escola pública. Uma escola onde o conhecimento pudesse ser cultivado nas gerações mais jovens a fim de fazer progredir a sociedade. Tais cidadãos instruídos e cultos seriam, portanto, autônomos, livres. A inegável vinculação entre a filosofia iluminista e o liberalismo nasce dessa coincidência de postulados. A sociedade moderna deve ser o conjunto de indivíduos livres para pensar, dizer e fazer. A valorização da razão teve como consequência o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, tão evidentes no século XIX. A própria Revolução Industrial demonstra isso. Dessa forma, o pensamento científico ou a dedicar-se com cada vez mais questões. O positivismo foi a tentativa de levar essa lógica ao estudo da própria sociedade. Assim nasceu a escola que frequentamos.
Para concluir o estudo da unidade Certamente você foi capaz de perceber que o conhecimento é sempre incompleto. Não é possível dar conta de tudo o que há para aprender. Esperamos, portanto, que esta unidade tenha gerado vontade de saber mais sobre os temas aqui colocados. Por exemplo, como era a educação das meninas na época do professor Pretextato? Ou qual a real influência do positivismo na educação brasileira? São exemplos de questões que gostaríamos que você fosse capaz de elaborar e, então, buscar as respostas através de seus próprios estudos. Aproveite a biblioteca de sua cidade, use da comodidade da Internet e continue a estudar.
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Atividades de aprendizagem 1. Leia o texto de Trindade e Menezes (2009, p. 125): Os séculos XVI e XVII constituem os complexos processos da modernidade, em que velho e novo se confrontam, com todas as suas características: a secularização, o individualismo, o domínio da natureza, o Estado moderno, a nova ciência, a afirmação da burguesia e da economia de mercado e capitalista, a cultura laica. Velho e novo se encontram: a dimensão antropocêntrica do humanismo ao lado do sentido de liberdade e de inovação; o retorno da leitura dos clássicos antigos para a criação de uma nova estética; a atenção à natureza, ao macrocosmo, torna-se mais técnica, mais científica, sob o primado da observação e da dedução (TRINDADE; MENEZES, 2009, p. 125).
Explique o motivo de afirmarmos que, no século XVIII, a educação foi colocada no centro da vida social. 2. Leia os textos: I. Em 1837, na cidade do Rio de Janeiro foi criado o Colégio Pedro II, onde funcionava o Seminário de São Joaquim. O Colégio Pedro II fornecia o diploma de bacharel, título necessário na época para cursar o nível superior. Foram também criados nessa época colégios religiosos e alguns cursos de magistério em nível secundário, exclusivamente masculinos. O colégio de Pedro II era frequentado pela aristocracia, onde era oferecido o melhor ensino, a melhor cultura, com o objetivo de formar as elites dirigentes. Por esse motivo, era considerada uma escola modelo para as demais no país (NASCIMENTO, 2007, p. 1). II. Os regimentos mandavam que as aulas do Colégio Pedro II começassem no primeiro dia útil de abril e que o período letivo durasse até 15 de novembro. O ano escolar seria assim de sete meses e meio, mas, pelo menos, mês e meio eram roubados pela velha madraçaria [ociosidade] nacional. A primeira quinzena era como de espera, para a chegada de todos os alunos e para os professores tomarem pé depois do sossego das férias.
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Vinham, e seguida, as ditas de junho que não eram de junho e sim duas semanas de vadiação em julho. Finalmente, de 1 a 15 de novembro, havia parede para preparação dos exames finais [...]. Os quatro bimestres de aula reduziam-se, na realidade, a três [...] (NAVA, 2001, p. 5).
O que os dois textos revelam sobre a escola no Brasil? 3. Leia o texto jornalístico Resultado do Pisa reflete problemas estruturais do ensino, diz especialista: A avaliação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgada na terça-feira (1o), que traz o Brasil na 38° posição entre os 44 países que testaram habilidades de estudantes de 15 anos em resolver problemas de raciocínio e de lógica, relacionados à situações do cotidiano, é o reflexo de problemas estruturais da educação brasileira, na avaliação do coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), Daniel Cara [...] (AQUINO, 2014, p. 1).
Faça uma análise da informação sobre a educação no Brasil utilizando o ponto de vista iluminista. 4. Para Rui Barbosa (1849-1923), as relações entre Estado e ensino deveriam ser baseadas na crença de que o Estado é “[...] apenas a organização legal das garantias de paz comum e mútuo respeito entre as várias crenças, convicções e tendências [...]” rejeitando ao Estado o “[...] papel de Mentor do espírito humano e dos pais de família” (apud VENANCIO FILHO, 2007, p. 1). Qual princípio liberal está presente na opinião de Rui Barbosa? 5. Leia o texto de Siebert e Chiarelli: [...] no Brasil, o positivismo e as reformas educacionais, com a Proclamação da República, em 1889, foram liderados pelo positivista Benjamin Constant e que este, desde o início, deu ênfase às ciências em detrimento das artes e que esta foi incluída no currículo como desenho geométrico (SIEBERT; CHIARELLI, 2009, p. 3015).
Explique o motivo de a arte ser reduzida ao desenho geométrico, dentro da lógica do pensamento positivista.
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Unidade 2
Contribuições para o pensamento e a práxis educativa Melissa Probst
Objetivos de aprendizagem: Na presente unidade de estudo, você será levado a compreender a relação entre a sociedade e a educação com base nas teorias de autores clássicos como Marx, Weber, Durkheim, Bourdieu e Bauman. Você conseguirá, ainda, relacionar alguns elementos teóricos que possibilitam a reflexão crítica acerca do fenômeno educacional, bem como analisar criticamente a relação entre a escola e a sociedade a partir das diversas interpretações que a sociologia confere ao campo da educação institucionalizada. Pretende-se ainda que você seja capaz de sistematizar o conjunto de conhecimentos, vinculando-o com a realidade para que assim possa interpretar o fazer pedagógico como práxis educativa.
Seção 1:
Karl Marx A presente seção desta unidade de estudos pretende pontuar algumas questões acerca das ideias propostas por Karl Marx para a compreensão da sociedade, bem como seus desdobramentos para o campo da educação. Ao longo destas páginas você contará com algumas de nossas sugestões de leitura e vídeos, de forma que possa ampliar seus conhecimentos a respeito de Karl Marx e do Materialismo Histórico.
Seção 2:
Max Weber Max Weber compartilha, em muitos aspectos, dos mesmos princípios teóricos de Marx, posicionando-se
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criticamente em relação ao capitalismo e às relações de poder que são permeadas pelo capital. Para um melhor entendimento das proposições desse teórico, você encontrará uma pequena biografia, breve discussão conceitual de suas proposições e a relação dessas proposições com a educação. Além disso, em consonância com a seção anterior, ao longo da seção apresentaremos sugestões para que você complemente seus estudos, como textos complementares e vídeos. Seção 3:
Émile Durkheim A seção é destinada à Émile Durkheim, considerado pensador clássico da sociologia, ao lado de Marx e Weber. Para uma melhor organização dos estudos, optamos por dispor esta seção na mesma lógica das seções anteriores: pequena biografia do autor, principais conceitos por ele discutidos e sua contribuição para o campo da educação.
Seção 4:
Pierre Bourdieu e Zygmunt Bauman Acreditando que a atuação profissional na educação nos coloca a necessidade de conhecer os mais variados elementos que envolvem a prática educativa, entendemos também que existe uma necessidade de compreendê-la da forma mais completa possível. Como não nos é possível neste momento abarcar todos os pensadores e intelectuais que, de algum modo, contribuíram nas reflexões sobre o fenômeno “educação”, destinamos esta última seção da Unidade não mais aos pensadores clássicos, mas a dois dos pensadores contemporâneos de destaque no campo da sociologia e da educação: Bourdieu e Bauman. Esperamos contribuir, dessa forma, para uma reflexão acerca do momento complexo hoje vivenciado pela sociedade.
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Introdução ao estudo Iniciamos relembrando que para ser professor, no contexto hodierno, não basta ter domínio dos conteúdos da área de conhecimento a ser ensinada, pois, para além da teoria, a prática educativa está permeada por componentes culturais, sociais, econômicos e políticos que nem sempre estão explícitos nos discursos acerca da educação, porém estão imbricados no fazer pedagógico. Nesse contexto, a presente unidade de estudos transita por algumas concepções de sistematização do conhecimento e suas implicações na práxis educacional, buscando apresentar o pensamento de alguns teóricos, explorando conceitos e intencionando-se saber: “há relação entre tais teorias com a realidade vivenciada nas escolas que temos na atualidade?” e será que “é possível pensar uma possível agem desse conhecimento concreto ao empírico e vice-versa?”. Sendo o conhecimento um produto do esforço humano, então esse mesmo conhecimento é, também, paixão pela busca constante das nuances da realidade e não mera acomodação dos indícios dados pela sua aparência. Lembrando que a educação é um campo no qual cultura, economia e política inevitavelmente se misturam, então, para conhecer tal realidade é preciso estudar e buscar a compressão do que ela representa enquanto totalidade, estabelecendo relações entre o objeto e o contexto no qual ele está inserido, a teoria e a prática ao contexto histórico no qual ela se estabelece e a práxis enquanto lócus do fazer educativo. Talvez a palavra práxis não lhe seja de todo modo estranha. Destaca-se aqui, porém, que o uso dessa palavra não se dará como sinônimo ou equivalente de “prática”, embora se considere que a prática seja, indubitavelmente, parte da práxis. Toma-se então, como ponto de partida, a práxis como instrumento intelectual de relação entre teoria e prática que intenta expandir a compressão, a partir da reflexão sobre os mecanismos (históricos, políticos, econômicos, culturais...) de determinação das ideias que se põem como verdades em todos os campos do saber. Já não se considera que seja segredo o fato de que a educação institucionalizada venha, ao longo dos séculos, se concretizando como um veículo de manutenção de privilégios e status quo. Justamente por isso, considera-se necessária a reflexão acerca dos discursos e práticas educacionais, pensando-os a partir de diferentes perspectivas teóricas. Então, como forma de organização
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dos estudos aqui propostos, optamos pela divisão do conteúdo em quatro seções: a primeira dedica-se à Marx, a segunda, a Weber, a terceira, a Durkheim e, finalizando, a quarta etapa diz respeito a Bourdieu e Bauman.
Seção 1
Karl Marx
Esta seção pretende pontuar algumas questões acerca das ideias propostas por Karl Marx para a compreensão da sociedade, bem como seus desdobramentos para o campo da educação. Ao longo dessas páginas, você contará com algumas de nossas sugestões de leitura e vídeos, de forma que possa ampliar seus conhecimentos a respeito de Karl Marx e do Materialismo Histórico.
Questões para reflexão Karl Marx é, no atual contexto, praticamente uma celebridade e, sendo assim, é difícil encontrar alguém que o desconheça totalmente. Mas você sabe quem foi Karl Marx? Você sabe onde ele viveu? Em qual contexto histórico sua teoria foi elaborada? Quais as contribuições de sua teoria para que pensemos a educação? Figura 2.1 Karl Marx
Fonte: Nicku/Shutterstock (2014).
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Nascido em 5 de maio de 1818, em Trier (região da antiga Prússia, hoje Alemanha), filho de família judia, rica e culta, Marx cresceu no conforto da pequena burguesia. Na Universidade, na Alemanha, iniciou seus estudos no curso de Direito, sendo que se transferiu para a área do jornalismo quando o governo da Prússia lhe vedou o o à carreira universitária. Seus artigos na Gazeta Renana levaram ao fechamento do jornal pelo governo prussiano, o que levou Marx a decidir-se pela emigração para a França. Na França, Marx iniciou sua parceria com Friedrich Engels, com o qual compartilhou ideais e escreveu parte de sua obra. Destaca-se que, em sua obra, Marx e Engels realizam dura crítica ao capitalismo. Marx viveu no século XIX, ou no chamado “Século da Revolução Industrial”, momento histórico em que ocorreu a consolidação do modo de produção capitalista, e, consequentemente, a nova organização divide a sociedade em duas classes: burguesia e proletariado. Mesmo acreditando que é pelo trabalho que o homem transforma a natureza, caminhando assim rumo à sua própria liberdade, o que Marx percebia era uma realidade completamente diferente no que dizia respeito ao mundo do trabalho. Para entender esse mundo do trabalho que se apresentava como realidade concreta no século XIX, Marx estudou a economia e a teoria apresentada por Adam Smith e David Ricardo.
Para saber mais Sugerimos que e os links a seguir, para conhecer um pouco mais sobre Adam Smith e David Ricardo: Adam Smith:
David Ricardo:
Boa parte de sua obra é destinada à análise e superação do capitalismo. Embora em sua época Marx foi, em parte, ignorado pelos estudiosos acadêmicos, sua teoria influenciou a Revolução Russa, bem como o pensamento de outros teóricos, tais como: Lênin, Trotsky e Stálin. Além disso, o conjunto de suas ideias sobre sociedade, economia e política conquistaram a aceitação dos movimentos socialistas após sua morte, que ocorreu em março de 1883. Seu corpo está sepultado no cemitério de Highgate, em Londres; segundo Cotrim (1993), lá está inscrito um de seus maiores lemas: “Proletários de todos os países, uni-vos!”.
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1.1 Contribuições de Marx para compreender a sociedade Você já ouviu falar das contribuições do pensamento de Marx para a compreensão da sociedade? Silva e Urbaneski (2013, p. 18) dizem que para muitos: [...] Marx foi um revolucionário, ou seja, as propostas de Marx tinham como propósito compreender a sociedade, além disso, transformar seu modo de ser, principalmente devido às desigualdades sociais existentes na época, em virtude da exploração burguesa sobre os operários. Já para outros, Marx era um inimigo a ser combatido, devido às suas ideias. Entretanto, há de se mencionar que as suas ideias se fizeram ou fazem presentes em diversos campos do saber, desde a economia até a educação.
Além da economia e da educação, seu pensamento influenciou outros campos do saber, como a filosofia, a sociologia, a política, entre outras, embora o campo econômico parecesse ter maior destaque. Conforme lembra Engels (1985), o parceiro intelectual de Marx, o aspecto econômico foi por eles enfatizado porque seus adversários o negavam, e, então, nem sempre houve tempo e oportunidade para que dessem aos outros elementos a devida importância. Na perspectiva marxista, dentro da sociedade capitalista há tal imbricamento entre as relações que nada se a ao acaso. Nesse contexto, as relações de produção se sobrepõem às demais, determinando as estruturas de classe e, desse modo, impondo os regimes aos quais Marx chama de exploração e dominação.
Para saber mais Para ilustrar o que diz Bosi, sugerimos que você assista ao vídeo que busca apresentar o aspecto sociológico do pensamento de Marx, a partir de uma entrevista com o sociólogo Gabriel Cohn (professor da USP) e visita in loco a uma fábrica, responsável pela economia de uma pequena cidade paulista, Sabaúna. Disponível em:
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Pode-se dizer que, na perspectiva de Marx, enquanto os objetivos da burguesia se traduzem na acumulação do capital, ela necessariamente ocorria pela exploração da mão de obra fornecida pela classe proletária. Outro item, além da exploração, a ser observado, segundo o pensamento marxista, é que
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o capitalismo produz, nas pessoas da classe proletária, a alienação, que faz com que se afastem de si mesmas e dos outros. Você conhece o significado da palavra “alienação”? Pode até não parecer, mas essa palavra pode ter diversos significados, dependendo do contexto em que é empregada. Para Marx, a alienação está relacionada à falta de capacidade do indivíduo de pensar e agir por si mesmo, tendo consciência de que ele é um ser histórico e social, portanto, participante ativo da cultura, da economia e da política na sociedade na qual está inserido. Além da “alienação”, Marx se utiliza de outros conceitos para tentar explicar a sociedade capitalista e sua forma de organização: “mais-valia”, “infraestrutura” e “superestrutura”, toda a parte integrante de sua teoria, também conhecida como Materialismo Histórico.
Para saber mais Para aprofundar seus conhecimentos sobre os conceitos que fundamentam essa teoria, sugerimos que você conheça o Dicionário do pensamento marxista (2012). Disponível em:
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A base da sociedade, segundo o pensamento marxista, está no trabalho. A sociedade capitalista se caracteriza pela relação entre propriedade privada dos meios de produção, pelos proprietários desses meios e pelo proletário, que nada possui além da sua força de trabalho — que era usualmente vendida em troca de um salário. Segundo Serrano: É essa relação que permite, portanto, a existência dessa sociedade. Sendo assim, sociedade para Marx não é um todo harmônico, onde as classes devem cooperar para o perfeito funcionamento do todo. O que existe é o conflito e essa relação de antagonismo entre capital e trabalho, entre capitalistas e proletariado, é o que move a história. Por isso, cabe aos trabalhadores se conscientizarem dessa tensão e transformarem tal estado de coisas (2014, p. 1).
Nesse contexto, pode-se dizer que a relação que se estabelece, na prática, é a de “conflito” entre essas classes sociais — burguesia e proletariado. Marx preconizava a conscientização da classe trabalhadora, de modo que pudesse
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ter clareza das suas possibilidades de posicionar-se como agentes históricos, bem como do engajamento num projeto de transformação da sociedade. Não foi à toa que essas ideias foram consideradas revolucionárias.
Atividades de aprendizagem Segundo Marx, a compreensão das sociedades a pela necessidade de compreender os modos de produção, que foram se constituindo social e historicamente. Leia as assertivas abaixo e assinale alternativa que NÃO está relacionada com o pensamento do autor. a) Muitas vezes as relações que são socialmente determinadas independem da vontade dos homens, pois são relações que se estabelecem com base na divisão de classes. b) As relações de produção, em seu conjunto, constituem a estrutura econômica da sociedade. c) A luta de classes é uma utopia, visto que a história das sociedades ocorre em um processo linear e contínuo, visando sempre à ordem e ao progresso. d) O modelo educacional que se colocava à época era criticado por Marx por reproduzir as relações já estabelecidas, servindo à manutenção da estrutura social.
1.1.1 O pensamento marxista na educação Conforme você já pôde perceber, o Materialismo Histórico está fundado em aspectos das relações de poder que se estabelecem no sistema social capitalista, e, por conseguinte, nas estruturas políticas e culturais e na luta de classe. As “contradições” aparecem como fenômeno marcante nas proposições teóricas de Marx, bem como a necessidade da superação dessas contradições (dialética). Nesse contexto, a educação não é, definitivamente, a temática central do legado que Marx e Engels deixaram à humanidade, porém, sendo a educação uma forma de socialização e integração dos indivíduos ao meio social, então ela pode ser também instrumento para combater a alienação e a desumanização. A escola, conforme nos lembra Lopes (2012, p. 2):
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No modelo marxista infraestrutural — superestrutural (dialético, de relação recíproca), [...] faz parte da superestrutura (tal como o Estado ou a família, por exemplo) e a educação é assumidamente um elemento de manutenção da hierarquia social, de controle das classes dominantes sobre as classes dominadas, isto é, de dominação da burguesia sobre o proletariado.
Lembrando o fato de que Marx viveu e escreveu no contexto social da Revolução Industrial, percebe-se essa escola como um dos instrumentos dos quais se servia a burguesia para a reprodução do modelo social existente. A prática educativa visava à reprodução dos valores vigentes: do trabalho produtivo, do conformismo e da obediência. Sobre isso, Sarup (1986, p. 119) afirma que as escolas podem ser comparadas à fábrica na medida em que “[...] educação é um modo de produção que envolve alunos e professores, e o conhecimento é ao mesmo tempo propriedade privada e ‘capital’ cultural. [...]”. Sarup (1986) lembra ainda que para Marx o homem tem a capacidade de transformar sua natureza, pela possibilidade de realizar atividades planejadas, intencionais, desejadas e conscientes. Mas, para isso, ele precisa aprender a usar as competências que são indispensáveis para a compreensão do mundo físico e social, para então poder intervir nessa realidade para transformá-la. Nesse contexto, os sujeitos da educação podem ser pensados de forma ativa, como agentes sociais capazes de compreender e de transformar a realidade na qual se inserem. Uma prática educativa que reproduz a lógica alienante da sociedade capitalista seria, para Marx, tão alienante e desumanizante quanto ela. Assim sendo, a educação pode ser instrumento de opressão ou emancipação. Segundo a lógica da produção industrial, os cientistas produzem conhecimento tal qual mercadoria, através de seu trabalho especializado. Porém, esse conhecimento é separado da pessoa que o produziu, uma vez que ele serve aos interesses de outrem. Há uma clara distinção entre quem pensa essa educação e quem a pratica, dicotomizando a teoria e a prática.
Para saber mais Apenas lembrando, não há currículo que seja neutro. Todo currículo e, como consequência, todo fazer pedagógico é permeado de intencionalidades, ou seja, comprometido com os posicionamentos econômicos, políticos e culturais da sociedade (ou de uma parcela dela).
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Nessa situação, outro instrumento utilizado como forma de garantir a continuidade das condições sociais estabelecidas é o controle do Estado sobre a educação. Assim sendo, não é difícil perceber distinção entre os tipos de escola oferecidos à população, na qual há, claramente, escolas diferenciadas para os filhos da burguesia, fazendo com que o o ao saber nunca ocorra de forma igualitária. Essa forma de organização escolar garante a continuidade da sociedade estratificada. Nas palavras de Fleuri (1991, p. 54), esse modelo educacional contribui para a manutenção da estrutura social, de modo que está estruturado “[...] para formar alguns [...] para mandar e outros [...] para obedecer, e com isso, se submeter aos processos de exploração impostos pela classe dominante”. Rodrigues (2007, p. 47) corrobora essa ideia afirmando que “Marx conclui que a educação dada às crianças operárias era tão precária que só poderia servir para perpetuar as relações de opressão às quais essas crianças e seus pais estavam sujeitos”. Mesmo que Marx não tenha escolhido a educação como foco central de sua obra, parece-nos clara a oposição de Marx a esse modelo educacional que objetiva a reprodução do modelo social dominante. É nesse sentido que, segundo Ferrari (2011a), a educação ganha ênfase no pensamento marxista. Como vimos, a questão educacional em Marx é considerada a partir de sua produção material, ao expor as consequências [sic] sociais decorrentes do emprego da maquinaria no processo produtivo. A fragilização física e intelectual do trabalhador frente ao capital é um dos seus principais efeitos, sobretudo a partir do processo de divisão do trabalho imposto pela máquina. [...] Nesta perspectiva, a escola, enquanto espaço de vivência, ainda está longe de se tornar um espaço de humanização. No campo educacional, o professor também é um trabalhador comum, e seus alunos na lógica capitalista acabam sendo transformados em mero produto capitalista. Muitas vezes o professor não é apenas um produtor, mas também um empregado daqueles que desejam reproduzir a sociedade, isto é, seu status quo (SILVA, 2005, p. 109).
Para Marx, a educação “sozinha” não seria capaz de transformar o mundo, porém, ela poderia ser um instrumento para tanto. Nesse contexto, caberia ao educador posicionar-se a favor da democratização do ensino e de uma escola que fosse única para todos, bem como atuar pedagogicamente para a desmistificação da alienação e para a conscientização da classe menos favorecida.
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Atividades de aprendizagem Levando em consideração a teoria formulada por Marx, assinale, entre as alternativas abaixo, aquela que NÃO contempla conceitos fundamentais dessa teoria. a) Dialética, superestrutura, alienação. b) Capitalismo, relação de classe, materialismo. c) Revolução, proletariado, burguesia. d) Capital cultural, tipo ideal, ontologia.
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Seção 2
Max Weber
Max Weber compartilha, em muitos aspectos, dos mesmos princípios teó ricos de Marx, posicionando-se criticamente em relação ao capitalismo e às relações de poder que se estabelecem nas relações permeadas pelo capital.
Questões para reflexão Você sabia que Max Weber é considerado um crítico do marxismo e do positivismo? E que foi ele o criador de novos instrumentos que deram para a sociologia outra possibilidade de interpretação do mundo moderno? Para um melhor entendimento das proposições desse teórico, você encontrará uma pequena biografia, breve discussão conceitual de suas proposições e a relação dessas proposições com a educação. Além disso, em consonância com a seção anterior, ao longo da presente seção apresentaremos sugestões para que você complemente seus estudos, tais como textos complementares e vídeos.
2.1 Max Weber: uma breve biografia Maximilian Karl Emil Weber nasceu em 21 de abril de 1864, em Erfur, Turíngia, na Alemanha. Filho de advogado, Weber cresceu em uma família de classe média alta, que o estimulava intelectualmente. Tendo vivido no período histórico em que as discussões sobre a metodologia das ciências começavam a surgir na Europa, Weber é considerado um dos fundadores da Sociologia moderna. Figura 2.2 Max Weber
Fonte: Smithsonian Libraries (2014).
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No ano de 1882, iniciou seus estudos na Faculdade de Direito de Heidelberg, sendo que no ano seguinte Weber prestou o serviço militar em Estrasburgo. Em 1884, Weber reiniciou seus estudos, dessa vez em Göttingen, e os concluiu em Berlim, dedicando-se às áreas de direito, economia, filosofia e história. Weber trabalhou na Universidade de Berlim, na Universidade de Freiburg e na de Heidelberg. No ano de 1898, Weber sofreu de depressão nervosa, motivo pelo qual se afastou das atividades docentes. Voltou às atividades intelectuais no ano de 1903, mas, a partir de então, somente deu aulas particulares e, em algumas ocasiões, proferiu conferências nas Universidades de Viena e Munique. Faleceu no ano de 1920, subitamente, em consequência de uma pneumonia. Entre suas publicações, podemos citar algumas: A ética protestante e o espírito do capitalismo, Estudos sobre a sociologia e a religião, Economia e sociedade, A ciência como vocação e Estudos de metodologia. Conforme lembra Vilela (2002), Weber conheceu a difusão do marxismo, legado deixado por Marx, porém, em seu tempo histórico, conheceu um estágio diferente do capitalismo em relação àquele analisado por Marx.
2.1.1 Weber e o pensamento social Para Weber, a sociologia seria uma ciência a partir da qual se poderia interpretar e entender a ação social para então explicá-la em seu desenvolvimento e efeitos. Em termos gerais, segundo Silva e Urbaneski (2013, p. 27), “[...] a Sociologia deveria compreender os fenômenos ‘no nível do significado’ dos atores; além disso, compreender como os atores veem e sentem as suas ações na sociedade”. [...] A explicação sociológica busca compreender o sentido, o desenvolvimento e os efeitos da conduta em um ou mais indivíduos referida à do outro — ou seja, o seu caráter social — não se propondo a julgar a validez de tais atos, nem a compreender o agente enquanto pessoa. [...] (QUINTANEIRO, BARBOSA; OLIVEIRA, 2000, p. 107).
Conforme lembra Lopes (2012), a teoria proposta por Weber considera que existem quatro tipos de ação: ação racional relativa a um fim, ação racional relativa a um valor, ação afetiva e ação tradicional. A essas ações estão relacionados três tipos de dominação/poder: racional (ou legal), carismática e tradicional.
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Para saber mais Reiterando o que dissemos até o momento, sugerimos que você conheça o vídeo que apresenta Max Weber, que explica, brevemente, as principais ideias desse pensador. Disponível em:
. o em: 19 maio 2014.
Weber busca uma, como lembram Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2000, p. 111), “[...] explicação para um dos problemas que se coloca, por excelência, à Sociologia: o das diferenças sociais. [...]”. Nessa perspectiva, a sociedade não deve ser vista como algo que está acima do indivíduo, uma vez que são os próprios indivíduos que constituem os padrões, as normas e as convenções sociais, e se transformam nas relações que estabelecem. As ações sociais, portanto, adquirem sentido na medida em que o indivíduo interage com os outros, tecendo as relações sociais. No que diz respeito à “ordem social”, segundo Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2000), ela se refere ao local em que se operam as lutas e distribuição de prestígio. Weber os classifica com base no pertencimento a “grupos de status” ou “estamentos”. Essas relações estratificadas constituem um sistema de legitimação do poder que pera toda a sociedade, nas relações cotidianas formais ou informais — perando também outras esferas como a tradição, o carisma ou o conhecimento técnico-racional (legal), conforme mencionado anteriormente. Você conseguiria imaginar quais as formas de manifestação desse poder e como ele poderia ser utilizado como forma de dominação? Para que você tenha uma ideia do que pensa Weber a esse respeito, apresentamos um trecho do livro Max Weber: uma introdução, escrito por Stephen Kalberg (2010, p. 70): 1. Um princípio racional, isto é, a crença na legalidade de regras sancionadas e no direito dos que são alçados à dominação sob tais regras a emitir ordens (dominação legal). 2. Um princípio tradicional, isto é, na crença estabelecida na santidade de tradições imemoriais e na legitimidade dos que exercem a dominação sob tais tradições (dominação tradicional). 3. Um princípio carismático, isto é, a devoção afetiva à santidade, heroísmo ou caráter exemplar de uma pessoa, e às revelações ou ordenações por ela emitidas (dominação carismática).
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Com a máxima bíblica, “está escrito, porém eu vos digo”, a missão do líder carismático contraria todos os valores, costumes, leis, normas e tradições.
Para saber mais Sugerimos que você conheça o livro de Stephen Kalberg (2010) a fim de conhecer um pouco mais sobre Max Weber, ampliando, assim, a discussão aqui iniciada. Disponível em:
.
Considera-se importante destacar que, segundo a perspectiva weberiana, todas as esferas de ação social são diretamente influenciadas pela “dominação”: A luta pelo estabelecimento de uma forma de dominação legítima — isto é, de definições de conteúdos considerados válidos pelos participantes das relações sociais — marca a evolução de cada uma das esferas da vida social em particular e define o conteúdo das relações sociais no seu interior. As atitudes subjetivas de cada indivíduo am a orientar-se pela crença numa ordem legítima, a qual acaba por corresponder ao interesse e vontade do dominante. Deste ponto de vista o que mantém a coesão o que garante a permanência das relações sociais e a existência da própria sociedade é a dominação. Ela se manifesta sob diversas formas que vão desde a interpretação da história, de acordo com a visão do grupo dominante numa certa época, am pela imposição da normas de etiqueta e de convivência social consideradas adequadas e chegam à organização das regras para a vida política. [...] (QUINTANEIRO, BARBOSA; OLIVEIRA, 2000, p. 123).
Outro conceito que se destaca na obra de Weber é o de “tipo ideal”. O “tipo ideal” é necessário, segundo as proposições de Weber, na medida em que, ao analisar as situações sociais — principalmente quando se trata de generalizações —, precisa-se criar elementos que sirvam de parâmetro. Nesse caso, o “tipo ideal” torna-se uma ferramenta de análise da sociedade e dos seus constitutivos: economia, capitalismo, religião etc.
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[...] A construção dos tipos ideais não interessa como fim, mas como meio de conhecimento das ações. O tipo ideal é uma tentativa de apreender os indivíduos históricos, suas ações e seus diversos elementos em conceitos genéticos (que faz referência a certos significados culturais importantes). [...] Os indivíduos históricos, assim como os conceitos e valores, são variáveis. Dessa forma, é preciso estudá-los com cada vez maior precisão, nisto consiste a comparação com o caráter de tipo ideal (VIEIRA; CARRIERI, 2001, p. 14).
Na perspectiva weberiana, a possibilidade de entender as estruturas, os fenômenos e as relações sociais só é possível por meio do estudo do comportamento dos indivíduos. Nesse contexto, é a ação social o objeto de estudo de Weber, e o conceito de dominação é um dos instrumentos que permite a sua interpretação e explicação.
Atividades de aprendizagem Leia as assertivas a seguir, a respeito de Max Weber, classificando-as em verdadeiras (V) ou falsas (F): ( ) A neutralidade do cientista e a objetividade do conhecimento eram características fundamentais para a sociologia de Max Weber, considerado o precursor de uma sociologia da educação. ( ) A abolição das classes sociais é um dos temas frequentemente discutidos na obra de Max Weber, bem como a alusão ao comunismo e a superação do Estado. ( ) Max Weber utiliza-se dos conceitos de ação social e de tipos ideais enquanto objetos de estudo de sua sociologia, uma vez que busca a explicação dos fenômenos sociais. ( ) A metodologia funcionalista de Max Weber tem como categoriais conceituais centrais o fato social e a função social, objetivando entender as condutas humanas nas suas regularidades. Agora assinale a alternativa que apresenta a resposta CORRETA: a) V — V — F — F.
d) F — F — V — F.
b) F — V — F — V.
e) V — V — F — V.
c) V — F — V — V.
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2.1.2 Max Weber e a educação Assim como Marx, Weber também não é precursor de nenhuma teoria pedagógica, porém, suas proposições teóricas nos permitem compreender a educação, bem como os processos pedagógicos, sob uma perspectiva crítica. Segundo as proposições de Weber, os indivíduos produzem juízos de valor a partir de sua concepção de mundo, porém, a ciência não pode estar fundamentada em juízos de valor, não cabendo ao cientista motivar-se por ideologias. No caso específico da educação, o professor deve comportar-se tal qual um cientista: baseando-se na racionalidade e não nas ideologias. Nesse contexto, a educação pode ser pensada como a preparação para o exercício das atividades sociais, tornando-se, assim, instrumento para a estratificação da sociedade.
Atividades de aprendizagem A respeito do que teoriza Max Weber, leia as sentenças a seguir, classificando-as as em verdadeiras (V) ou falsas (F). ( ) A função dos tipos ideais é permitir uma clareza conceitual em relação aos objetos estudados. ( ) Ao tentar compreender a modernidade, Max Weber dedica-se a entender a relação existente entre o capitalismo e a religião (protestantismo). ( ) O habitus é um dos conceitos que Weber utiliza para explicar as relações sociais que se põem na modernidade. Agora, assinale a alternativa que apresenta a resposta CORRETA: a) V — F — V.
c) F — V — F.
b) V — V — F.
d) V — V — F.
Sobre a relação entre a educação e as proposições de Weber, destacamos o que nos diz Carvalho (2003, p. 4-5): Para garantir é a educação. Para que o indivíduo seja dominado, obediente e torne-se um “homem de [ou da] ordem” é necessário se criar um aparato favorável à aquisição dos princípios que sustentam a burocracia, violentando-se a sua personalidade. Observando as instituições educacionais da Europa de sua época, Weber constata
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que elas são dominadas e influenciadas pela necessidade de um tipo de “formação cultural” que deve produzir um sistema de exames especiais, indispensáveis à burocracia moderna. As universidades, as escolas superiores técnicas e comerciais e as escolas de ensino médio encontram-se sob a influência dominante daquela espécie de educação que se torna indispensável para o burocratismo moderno: o ensino especializado. [...] Isto significa que, com a burocratização do capitalismo, com sua exigência de técnicos e funcionários preparados, generalizou-se o sistema de exames por todo o mundo, sobretudo quando se transforma em vantagens econômicas. Se os exames especiais tinham, no ado, a finalidade de garantir e preservar o educando na linhagem e no estamento ao qual pertencia, hoje representa um “atestado de formação”.
Nessa proposição teórica, poderíamos partir do conceito de “dominação”, do qual se utiliza Weber, para tentar compreender a educação. Conforme lembra Vilela (2002, p. 90): “[...] O eixo de uma sociologia da educação de Weber está na demonstração de que através dos sistemas escolares (e das práticas sociais no interior desses sistemas) se desenvolve um processo peculiar de imposição dos caracteres dos grupos sociais e do poder estabelecido [...]”. Nesse ínterim, pode-se dizer que, do mesmo modo que Weber classifica em três as formas de dominação: carismática, racional (legal) e tradicional, a educação com base nas suas formas de dominação também pode ser de três tipos: carismática, formativa e especializada. A educação é considerada, assim: [...] o meio mais propício para garantir que o dominado aceite pacificamente sua condição e se submeta cordialmente [...] ao domínio burocrático exercido pelo outro ou pela instituição. Nesse momento, para seu pleno sucesso, é preciso criar todo um aparato técnico e intelectual para a sustentação do mecanismo burocrático (MELO JÚNIOR, 2010, p. 157).
A educação carismática objetiva despertar a capacidade pessoal de cada indivíduo, ou seja, ela não pode ser “ensinada”, apenas seria o despertar da personalidade autêntica ou os “dons” de cada um. Esse tipo de educação está diretamente relacionado ao tipo carismático de dominação. Na educação formativa objetiva-se cultivar determinado modo de vista. Tal educação a por questões relacionadas a atitudes e comportamentos. Vilela (2002) diz que
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esse tipo de educação serve para reproduzir as categorias estamentais, uma vez que define posicionamentos em termos de “conduta de vida”, de ser e de agir individualmente ou em grupo e está vinculada com o tipo tradicional de dominação. Já a educação especializada é aquela que está relacionada à instrução, aos conhecimentos e saberes necessários para o exercício de papéis sociais específicos, vinculando-se à estrutura de dominação legal. Segundo Vilela (2002, p. 93-4): “A educação especializada existe para instruir o aluno para que adquira uma utilidade prática com fins profissionais e utilitários na vida social [...]”. “Para Weber, a busca pela qualificação profissional e a consequente “disputa” por títulos acadêmicos serviria, entre outras, como aporte para a entrada em círculos sociais mais respeitáveis” (MELO JÚNIOR, 2010, p. 158). Entende-se então que, para Weber, a educação está direcionada para que as pessoas sejam preparadas para exercer determinadas funções na estrutura social de uma economia capitalista que funciona racionalmente. Desse modo, a educação é, consequentemente, instrumento de inculcação de valores, hábitos, conhecimentos e saberes, de forma a reproduzir o que Weber chama de “estamentos” (estratificação das classes sociais). Mais uma vez percebe-se que não há fazer pedagógico que seja neutro, mas, sim, permeado de intencionalidades.
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Seção 3
Émile Durkheim
A presente seção é destinada à Émile Durkheim, considerado pensador clássico da sociologia, ao lado de Marx e Weber. Para uma melhor organização dos estudos, optamos por dispor essa seção na mesma lógica das anteriores: pequena biografia do autor, principais conceitos por ele discutidos e sua contribuição para o campo da educação.
Questões para reflexão Você sabia que, diferentemente de Marx e Weber, Émile Durkheim dedica parte de seus estudos à compreensão da educação, especificamente, tanto que a ele é conferida a responsabilidade pela criação de uma “Sociologia da Educação”?
3.1 Breve biografia de Émile Durkheim Nascido em 15 de abril de 1858, em Épinal, localidade sa (noroeste da França) próxima à fronteira com a Alemanha, Émile Durkheim era filho de judeus (seu pai era rabino). No ano de 1879, Durkheim ingressou na École Normale Supérieure, graduando-se, em 1882, em Filosofia. Ainda no ano de 1882 realizou um concurso para professor. Em 1885, foi estudar Ciências Sociais e, depois de se formar, lecionou Pedagogia e Ciências Sociais na Faculdade de Letras de Bordeaux entre os anos de 1887 e 1902. Figura 2.3 Émile Durkheim
Fonte: Leemage/AFP (2014).
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No ano de 1893, Durkheim defendeu sua tese de doutorado, sendo que a tese principal tratava da divisão social do trabalho. Tendo vivido em um tempo histórico permeado pelos acontecimentos do Iluminismo, da Revolução Industrial e da Revolução sa, no qual o pensamento de diversos intelectuais, tais como Marx, Comte, Weber, Hegel, Montesquieu, estavam em efervescência, Durkheim pensou a educação como “fato social”. Além de lecionar na Faculdade de Letras de Bordeaux, Durkheim também lecionou na Sorbonne e na Faculdade de Letras de Paris. Entre suas obras publicadas, podemos citar: Da divisão do trabalho social, As regras do método sociológico, Fato social e divisão do trabalho, Educação e sociologia, A evolução pedagógica, entre outros. Sua morte data de 15 de novembro de 1917, estando seu túmulo localizado no cemitério de Montparnasse, em Paris. Diz-se que ela ocorreu, supostamente, pela tristeza de ter perdido o filho e a esposa na Primeira Guerra Mundial.
3.1.1 Émile Durkheim: pressupostos teóricos Em consonância com os pressupostos positivistas vigentes na época, Émile Durkheim defendia uma sociedade neutra e imparcial, diferentemente do modo como a sociedade era entendida por Marx e Weber. Desse modo, a sociologia deveria ter um papel sistêmico, de objetivação social, ou seja, o sociólogo deveria apenas analisar e descrever os fenômenos sociais, sem a necessidade de envolvimentos políticos em prol de uma sociedade “melhor”. A sociologia, além de analisar e entender a sociedade, deveria encontrar a solução para seus problemas, tal qual se encontra um remédio para tratar uma patologia. Conforme lembram Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2000), Durkheim tinha grande preocupação em encontrar um método que fosse estritamente sociológico para conhecer a sociedade, de modo que os cientistas, ao investigar um fato social, pudessem compreender as possíveis relações de causa e efeito, bem como suas regularidades. É a partir de tal concepção metodológica que a Sociologia ou a ter formato mais técnico, com métodos próprios, a partir da qual se pode dizer que ela adquire status de ciência. Para tanto, Durkheim estabelece algumas regras, sendo a primeira delas que os fatos sociais devem ser considerados “coisas”. Para que as coisas então possam ser conhecidas é necessário: “[...] afastar sistematicamente as pré-noções; definir previamente as coisas de que trata por meio de caracteres exteriores
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que lhe são comuns; considerá-las independentemente de suas manifestações individuais, da maneira mais objetiva possível” (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2000, p. 25). Compreender o que Durkheim define como “fato social” é um dos elementos mais importantes para entender sua teoria. Nas palavras de Tura (2002, p. 36), o fato social é “[...] toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior [...]”. Nessa perspectiva, a sociedade põe-se como algo superior ao indivíduo.
Para saber mais Convidamos você a assistir ao vídeo Clássicos da sociologia, no qual o conceito de “fato social” é abordado numa entrevista com o professor e sociólogo Gabriel Cohn, a partir de uma visão da cidade de Águas de São Pedro (SP). Disponível em:
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Tura (2002) destaca que o mais importante, ao se tratar do fato social, é perceber o seu poder coercitivo. Esses fatos sociais são, na maior parte do tempo, ignorados por nós, uma vez que fazem parte das nossas vivências diárias. Desse modo, por conviver com eles, “[...] os apreendemos a partir de formas não metódicas, de uma penetração acrítica, de impressões confusas [...]” (p. 37). Além do conceito de fato social, destaca-se também o conceito de solidariedade. De tão enfatizada por Durkheim, pode-se dizer que a solidariedade constitui um dos pontos de partida de sua teoria, na qual a tipologia social evolutiva se estabelece a partir de suas classificações: solidariedade social mecânica e orgânica. A partir do conceito de solidariedade social, Durkheim: [...] procurou mostrar como ela se constituía e se tornava responsável pela coesão entre os homens e de que maneira variava segundo o tipo de organização social, dada a presença maior ou menor da divisão do trabalho e de uma consciência mais ou menos similar entre os membros de uma sociedade (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2000, p. 28).
A solidariedade mecânica se caracteriza por ser uma conexão geral do indivíduo ao seu grupo e por tornar harmônicos os pormenores dessa conexão, ou seja, constitui-se como um sistema de segmentos semelhantes e homogêneos entre si, produzindo sempre os mesmos efeitos. Tal solidariedade era mais co-
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mum nas sociedades primitivas, que se organizavam a partir das semelhanças psíquicas e sociais entre seus membros. Já a solidariedade orgânica é mais característica nas chamadas sociedades “modernas” ou “complexas”, em que ocorre maior diferenciação entre os seres sociais, que, embora tenham cada um a sua individualidade, é também parte de um todo no qual depende dos demais. Nesse modelo, a solidariedade é fruto das Para saber mais diferenças, já que são elas que unem os indiPara ilustrar o que acabamos de víduos entre si pela necessidade de troca, dizer sobre solidariedade mecânica necessidade esta oriunda da divisão social do e organizada, sugerimos que você trabalho. assista ao vídeo Solidariedade segundo Durkheim. Disponível em: < h t t p : / / w w w. y o u t u b e . c o m / watch?v=e4qH2l7gyNc>. o em: 19 maio 2014.
Para Durkheim, a divisão social do trabalho é vista de forma diferente daquela proposta por Marx. Nas chamadas sociedades modernas, pode-se considerar natural que numa linha de produção (indústria) o trabalhador não necessita ter o conhecimento de todo o processo, bastando-lhe saber como realizar a parte que lhe foi conferida. Ocorre desse modo um processo de naturalização da dependência.
Atividades de aprendizagem 1. Para Émile Durkheim, a Sociologia, enquanto ciência, deveria ser sistêmica, de objetivação social. Nesse sentido, o sociólogo não poderia se deixar levar por impressões, mas, seguir um método específico para a análise e a descrição dos fenômenos sociais. Nessa direção, há também um objeto que é próprio da sociologia. Qual é o objeto de estudo da Sociologia? Assinale, entre as alternativas, a correta: a) O conflito de classes. b) A ação social. c) O fato social. d) A divisão social do trabalho. e) A cultura.
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2. Leia as sentenças a seguir acerca dos conceitos de “solidariedade mecânica” e “solidariedade orgânica” propostos por Durkheim. Em seguida, classifique-as, relacionando as colunas:
1) Solidariedade Mecânica
2) Solidariedade Orgânica
( ) É característica das sociedades modernas. ( ) Ela predomina nas sociedades complexas, que funcionam como grandes organismos vivos. ( ) Está assentada em crenças e valores sociais, na tradição e costumes compartilhados. ( ) Está assentada nos códigos e regras de conduta, nos direitos e deveres que se expressam nas normas jurídicas. ( ) É característica das sociedades arcaicas.
Agora, assinale, entre as alternativas abaixo, aquela que apresenta a sequêcia CORRETA: a) 1 — 2 — 1 — 2 — 1. c) 2 — 1 — 1 — 2 — 2. d) 2 — 1 — 2 — 1 — 1. d) 1 — 1 — 2 — 2 — 1. e) 2 — 2 — 1 — 2 — 1.
3.1.2 Relações entre sociedade e educação As reflexões sobre uma sociedade acabada, a mais avançada da história da humanidade, proporcionam a elaboração de fundamentos educacionais voltados à construção de uma moral coletiva, condição essencial para a existência da solidariedade orgânica na sociedade. É assim que em “Educação e Sociologia” Durkheim afirma que a influência das coisas sobre os homens é diversa daquela que provém dos próprios homens; e a ação dos membros de uma geração sobre os outros difere da que
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os adultos exercem sobre as crianças e os adolescentes. É esta relação que Durkheim denomina como Educação (LUCENA, 2010, p. 301).
Reiterando, coube à Durkheim desenvolver uma sociologia da “educação”, lembrando que aqui se entende a educação como um “fato social” que se dá pela ação exercida pelos adultos sobre as gerações que ainda não estariam preparadas para a vida adulta/social. Nesse sentido, educar significa propiciar ao outro a possibilidade de ver, sentir e agir no mundo de modo que não se agiria espontaneamente. Pelas implicações teórico-metodológicas, considera-se importante destacar que essa visão educacional está pautada nos preceitos positivistas, dando assim maior valor ao caráter científico da educação. Defendia-se ainda que a escola deveria ser pública e laica. Destaca-se que, em relação à atividade docente, Durkheim sugeria que a ação educativa funcionasse de forma normativa, ou seja, o educando era considerado um ser predisposto a receber os conteúdos e o professor deveria ter o domínio do conteúdo, estando assim bem preparado para as circunstâncias. O meio educacional institucionalizado seria, na concepção de Durkheim, tanto a escola quanto a sala de aula, tratando-se a escola de uma instituição mais extensa que a família e menos abstrata que a sociedade. Nessa perspectiva, é objetivo da educação escolar a formação do hábito da vida em comum. Ou seja, cabe ao professor orientar os alunos quanto à vida coletiva, reforçando esse sentimento (solidariedade), uma vez que: A sociedade não poderia existir sem que houvesse em seus membros certa homogeneidade: a educação perpetua e reforça essa homogeneidade, fixando de antemão na alma da criança certas similitudes essenciais, reclamadas pela vida coletiva [...] (DURKHEIM, 1955 apud GADOTTI, 1999, p. 115).
Assim sendo, as práticas educativas devem ser entendidas como relacionadas às outras práticas sociais, pois a escola é parte integrante de um todo na consecução de fins em comum. Lembrando: Os fins da educação variam com os estados sociais, com as diversas espécies de sociedade, com diferentes tempos e situações históricas. Eles estão diretamente relacionados com as necessidades sociais de um tempo e lugar. Assim, é a coletividade que impõe os fins da ação educativa. Ela exerce sobre os educadores uma pressão moral no sentido
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de desenvolver nos educandos as qualidades comuns do grupo social e seus ideais coletivos (TURA, 2002, p. 51). [...] “A Educação Moral” aponta que as crianças não fariam senão reproduzir um traço das sociedades primitivas. Como os selvagens, as crianças estão sob o domínio das paixões que as torna impotentes à contenção. É preciso constituir através da educação os estágios originais que não estão formados nas crianças. A criança pertence ao domínio das paixões e habita entre os selvagens. Entre ela e os adultos normais há o fosso da mais radical dicotomia e polarização. Há que sufocar e cortar a sua curiosidade, sua mobilidade, vivacidade e imaginação. Há que instigar a obediência que o dispositivo pedagógico transformará em espírito de disciplina. Suas tendências serão vigiadas, medidas, avaliadas, instigadas e fortalecidas aos moldes do adulto civilizado.
Percebe-se, então, que a educação moral objetiva inculcar ideias nos educandos, de forma que esse educando possa aproximar-se dos tipos ideais esperados pela sociedade. Desse modo, a sociedade seria, sem dúvida, beneficiada pelo sistema educacional.
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Seção 4
Pierre Bourdieu e Zygmunt Bauman
Acreditando que a atuação profissional na educação nos coloca a necessidade de conhecer os mais variados elementos que envolvem a prática educativa, então entendemos também que existe uma necessidade de compreendê-la da forma mais completa possível.
Questões para reflexão Você já ouviu falar de Pierre Bourdieu e Zygmunt Bauman? E sabia que, diferentemente dos teóricos discutidos anteriormente, eles são considerados pensadores contemporâneos? Por serem contemporâneos, no que se diferenciariam dos pensadores clássicos? Como não nos é possível, nesse momento, abarcar todos os pensadores e intelectuais que, de algum modo, contribuíram nas reflexões sobre o fenômeno “educação”, destinamos esta última seção não mais aos pensadores clássicos, mas a dois pensadores contemporâneos de destaque no campo da sociologia e da educação: Bourdieu e Bauman. Esperamos contribuir, dessa forma, para uma reflexão acerca do momento complexo hoje vivenciado pela sociedade.
4.1 Breve biografia de Pierre Bourdieu Nascido em 1 de agosto de 1930, no sudoeste da França, Pierre Bourdieu ou parte significativa de sua infância num internato chamando Liceu de Paul, localizado em um município francês da região da Aquitânia (Pirineus Atlânticos). No ano de 1951, ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, e na Escola Normal Superior da Rue d’Ulm, diplomando-se em Filosofia em 1954. Ainda no ano de 1954, Bourdieu foi aprovado no concurso público de issão ao cargo de professor de Liceu ou Faculdade.
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Figura 2.4 Pierre Bourdieu
Fonte: Pierre Verdy/AFP (2014).
Sua vida acadêmica sofreu interrupção entre os anos de 1955 e 1958, para que então Bourdieu prestasse o serviço militar, na Argélia, localidade que era, na época, colônia sa e que lutava por sua independência. Ainda no ano de 1958 sua carreira acadêmica é retomada, quando Bourdieu a a lecionar na Faculdade de Letras de Argel, na capital da Argélia. No ano de 1960, por questões políticas, Bourdieu voltou para a França e ou a lecionar na Faculdade de Letras de Paris (Sorbonne). Daí em diante acaba, com o ar dos anos, assumindo o cargo de professor em diversas outras universidades. No campo da publicação literária, destaca-se que em 1964, em parceria com Jean-Claude eron, Bourdieu lança o livro Lés Héritiers (Os herdeiros), que foi considerada sua primeira grande obra no campo educacional. Ao longo de sua vida, Bourdieu publicou cerca de 300 livros, vindo a falecer em janeiro de 2002, em consequência de um câncer.
Para saber mais Sugerimos que, na medida do possível, você conheça mais sobre esse expressivo pensador do campo social e da educação. Nossa indicação para leitura é o texto de Maria Alice Nogueira e Claudio M. Martins Nogueira, intitulado Bourdieu & a Educação (2009). Disponível em:
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4.1.1 Proposições teóricas de Bourdieu Nas proposições de Bourdieu, a sociedade é interpretada como um sistema hierarquizado de poder e privilégio. Essa estrutura social é, segundo esse pensador, determinada por relações materiais e/ou econômicas, bem como pelas relações simbólicas e/ou culturais entre os indivíduos. Nesse contexto, a diferença na localização dos grupos dentro da hierarquia social é resultante da forma desigual como são distribuídos os recursos e poderes. Quando Bourdieu menciona os “recursos”, ele não faz menção apenas aos recursos materiais (capital social), mas também ao que ele chama de “capital cultural” e de “capital simbólico”. Para melhor entender o pensamento de Bourdieu destacamos dois de seus conceitos: “capital cultural” e “habitus”, lembrando que as contribuições teóricas do autor não se esgotam nesses conceitos. Enquanto o conceito de capital cultural está diretamente ligado aos saberes e conhecimentos oficiais, reconhecidos por meio de títulos e diplomas, o habitus está relacionado com as formas de agir, individual e coletiva, e está diretamente conectado com a reprodução da ordem social. O conceito de habitus não é originado na teoria de Bourdieu, sendo utilizado anteriormente por outros pensadores, inclusive por Durkheim. Bourdieu, porém, o utiliza como instrumento para compreender as relações de afinidade entre os agentes, as estruturas e os condicionantes sociais, ou seja, o autor busca o entendimento sobre os modos pelos quais a estrutura social acaba por condicionar as subjetividades, as formas de “ser” dos indivíduos. Nessa direção, pode-se dizer que o habitus é, para Bourdieu, um instrumento sociológico que auxilia a pensar a relação entre os seres e os condicionantes sociais, perando pelas características do que se poderia chamar de “identidade social” ou dos elementos que predispõem os componentes de determinada sociedade a determinadas escolhas. Como ferramenta de análise social, “[...] o habitus é um conjunto de desejos, vontades e habilidades, socialmente constituídas, que são ao mesmo tempo cognitivas, emotivas e estéticas, como ele é elaborado e como opera concretamente [...]” (WACQUANT, 2002, p. 102).
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Atividades de aprendizagem O conceito de habitus, mesmo sendo utilizado por outros pensadores, ganhou destaque na discussão promovida por Pierre Bourdieu, que acabou por renová-lo e atualizá-lo. Leia as sentenças a seguir sobre o conceito de habitus em Bourdieu e marque V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas. ( ) É resultante do processo de aprendizagem dos agentes sociais nas suas experiências em diversas modalidades de estruturas sociais (família, escola, igreja, mundo do trabalho). ( ) É um conceito relacionado ao funcionamento das estruturas sociais, funcionando também como agente estruturante das relações de classes. ( ) Está relacionado às estruturas sociais e às formas coletivas de agir, mas não diretamente relacionado à formação das identidades individuais. ( ) Enquanto teoria, o habitus auxilia a pensar criticamente o processo de constituição das identidades sociais no mundo contemporâneo. Agora assinale a alternativa que apresenta a resposta CORRETA: a) V — F — F — F.
d) V — V — F — V.
b) V — V — F — F.
e) V — F — V — V.
c) F — V — F — V. Em relação ao conceito de capital cultural, advertimos que ele pode parecer desprovido de sentido quando não estiver relacionado a determinadas práticas sociais. É por esse motivo que optamos por falar dele na sua relação com a educação.
4.1.2 Capital cultural e educação Para Bourdieu, a escola é considerada um importante reprodutor das relações sociais, ou seja, ela reproduz a estrutura social, com suas classes dominantes e dominadas, conservando, assim, os valores das classes dominantes.
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Ainda segundo a forma de pensar de Bourdieu, por trás de uma falsa naturalidade, ou de uma falsa democratização do ensino, a escola incute na cabeça dos alunos os valores das classes dominantes e seleciona as pessoas conforme sua habilidade em dar continuidade à ordem vigente. É fato que, na sociedade hierarquizada em que vivemos, nem todas as famílias possuem as mesmas condições de o à cultura letrada; dessa forma, nem todas as pessoas estão identificadas com os ensinamentos propostos pelo currículo escolar. Há, certamente, os que terão mais facilidade de o, visto que, em suas famílias, existe uma certa aproximação com a cultura dos grupos sociais dominantes. O caso é que a escola não faz uma distinção prévia entre os indivíduos que nela ingressam, tratando todos com “igualdade”, não levando em consideração algumas de suas diferenças. Nesse contexto, o conceito de capital cultural torna-se instrumento para manter as desigualdades de desempenho escolar, conforme sua proveniência em relação às classes sociais. Cunha e Almeida (2010, p. 210) destacam ainda que: [...] para Bourdieu (1998), o capital cultural favoreceria não só o êxito escolar, como também possibilitaria um melhor desempenho nos processos formais e informais de avaliação, pois a avaliação, segundo o autor, vai muito além da verificação da aprendizagem, mas é também responsável por um verdadeiro julgamento cultural, estético e moral dos alunos. A escola cobra o uso de um estilo elegante de falar, escrever e se portar e exige dos alunos que se mostrem interessados em relação à cultura legítima e essas exigências só podem ser plenamente atendidas por quem foi previamente (na família) socializado nesses mesmos valores.
Para saber mais Antes de finalizar a leitura desta seção, sugerimos que você assista a um vídeo que apresenta uma síntese da relação que se estabelece entre capital cultural e educação. Disponível em:
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Para complementar essa relação entre habitus, capital cultural e educação, decidimos citar também a noção de “violência simbólica”, a qual também merece destaque quando pensamos as contribuições de Bourdieu para a práxis educativa.
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Ela é uma “violência que se exerce com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e também, com frequência, dos que a exercem, na medida em que uns e outros são inconscientes de exercê-la ou de sofrê-la” [...]; e é exercida por agentes dominantes ou instituições, que estabelecem o que é reconhecido como legítimo no campo (GONÇALVES; GONÇALVES, 2010, p. 59).
Nesse caso, e ainda de acordo com Gonçalves e Gonçalves (2010), a escola é uma instituição na qual a violência simbólica é comum. Ela ocorre tanto por meio da seleção dos conteúdos quanto na forma de aplicá-los em sala de aula. Nesse caso, a selção do capital cultural é uma violência que acarreta na reprodução contínua das estratificações das relações sociais. Ressalta-se ainda que a violência simbólica tem, ainda, como um dos seus efeitos, a perda da cultura familiar simbólica e a inculcação de uma cultura exógena, relacionada ao habitus das classes dominantes e de sua cultura também dominante. A violência simbólica parte do princípio que o capital cultural de uma sociedade é uma concessão social e, dessa forma, mantê-lo é fundamental para a perpetuação dessa mesma sociedade.
Para saber mais Para conhecer um pouco mais sobre os preceitos de Pierre Bourdieu, sugerimos que você assista a um vídeo sobre a violência simbólica. Disponível em:
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4.2 Breve biografia de Zygmunt Bauman No dia 19 de novembro de 1925, filho de judeus, nasce em Poznan, na Polônia, Zygmunt Bauman. Aos 14 anos de idade, mudou-se para o norte da URSS, junto com sua família, numa época em que na Alemanha o nazismo, a xenofobia e a pobreza eram crescentes. Aos 18 anos, Bauman alistou-se voluntariamente no exército, lutando contra os alemães na guerra. Após a guerra, a família de Bauman retorna para a Polônia.
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C o n t r i b u i ç õ e s p a r a o p e n s a m e n t o e a p r á x i s e d u c a t i v a 67 Figura 2.5 Zygmunt Bauman
Fonte: Leemage/AFP (2014).
No ano de 1946, Bauman iniciou seus estudos na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais na Universidade de Varsóvia, sendo que, por intermédio de seus professores, se aproximou nessa época do pensamento de Marx, Durkheim e Simmel. Bauman também leu os escritos de Gramsci. Em 1956, defendeu sua tese de Doutorado, ainda pela Universidade de Varsóvia, e realizou seu pós-doutorado em Londres entre os anos de 1956 e 1957. Em termos profissionais, Bauman assumiu uma disciplina chamada “sociologia das relações políticas”, no ano de 1961, na Universidade de Varsóvia, sendo que, nesse mesmo ano, assumiu também o cargo de editor-chefe de um importante jornal na Polônia. Depois disso, Bauman ministra cursos na Universidade de Tel Aviv e recebe inúmeras propostas de trabalho em importantes universidades. No ano de 1971 assumiu o cargo de chefe de departamento de sociologia na Universidade de Leeds, no Reino Unido, permanecendo nesse cargo até sua aposentadoria, que ocorreu em 1990.
4.2.1 Contributos teóricos de Zygmunt Bauman Para falar dos propósitos teóricos de Bauman, parte-se do fato de que, ao contrário dos pensadores clássicos, o momento histórico do qual se fala é o atual. Ou seja, fala-se de um capitalismo que ressurge nos anos 1980, quando a concentração de renda nas mãos de poucos ressurge, o desemprego é crescente e a fome está cada vez mais evidente pelo mundo afora. Pode-se dizer que temas como holocausto, sociedade de consumo, comunidade, individualidade e
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globalização são recorrentes na obra de Bauman, lembrando que o autor salienta em seus escritos a dimensão ética das relações e a condição humana, bem como sua preocupação com os oprimidos. O autor busca também questionar a ação dos governos neoliberais que, de certo modo, abdicam da responsabilidade de promover a justiça social. Diz-se que Zygmunt Bauman é um dos pensadores que mais têm produzido obras que refletem o contexto social contemporâneo, sendo por ele proposto o conceito de “modernidade líquida” para explicar o que outros pensadores definiriam com o termo “pós-modernidade”. Bauman define modernidade líquida como um momento em que a sociabilidade humana experimenta uma transformação que pode ser sintetizada nos seguintes processos: a metamorfose do cidadão, sujeito de direitos, em indivíduo em busca de afirmação no espaço social; a agem de estruturas de solidariedade coletiva para as de disputa e competição; o enfraquecimento dos sistemas de proteção estatal às intempéries da vida, gerando um permanente ambiente de incerteza; a colocação da responsabilidade por eventuais fracassos no plano individual; o fim da perspectiva do planejamento a longo prazo; e o divórcio e a iminente apartação total entre poder e política (OLIVEIRA, 2010, p. 1, grifo nosso).
No entanto, a sociologia de Bauman não se limita a comparar o ado e o presente a fim de compreender a sociedade atual, mas busca questionar os discursos que se põem e que são próprios dessa modernidade, seu objeto de estudo.
Para saber mais
Convidamos você a ar a entrevista concedida por Bauman para Dennis de Oliveira, publicada na revista Cult. Ao longo da entrevista você poderá conhecer um pouco melhor o pensamento de Bauman a respeito do que ele chama de modernidade líquida. Disponível em:
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Além do conceito de modernidade líquida, outros ainda são indispensáveis para a compreensão do pensamento de Bauman, estando entre eles o conceito de “ordem” e de “refugo humano”. Nesse sentido, a ordem social estaria relacionada com a regularidade, a repetição e a previsibilidade. O oposto da ordem seria o caos, e este deve, segundo os discursos que circulam, ser mantido afastado, de forma que as relações sociais se mantenham adequadas
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a esse discurso acerca da sociedade moderna. Essa modernidade da “ordem”, Bauman chama de “modernidade sólida”, a qual não existiria mais. Olhando criticamente para a realidade ao nosso redor, percebe-se claramente o que demonstra a sociologia de Bauman: que a sociedade que se previa ordenada e moderna é, na prática, a reprodução de seu contrário. Cada vez mais temos o caos, a ambivalência, enquanto a “ordem” torna-se cada vez mais utópica, num desejo de instaurar uma ordem e de criar uma suposta globalização (lê-se aí, nas entrelinhas do discurso, a homogeneização étnica, religiosa, cultural, linguística etc.). É aí que a ordem está relacionada ao conceito de refugo humano utilizado por Bauman para desmistificar a sociedade na qual estamos inseridos. De acordo com Fridman (1999, p. 217), “Bauman olha para outro lado da globalização, que é o da transformação da força de trabalho, dos pobres e dos desabilitados em refugo humano. [...]”. Ainda conforme Fridman (1999, p. 218): [...] Com a globalização, a ação à distância, a invisibilidade dos atores econômicos, a ausência de territorialidade na produção da riqueza e a erosão de laços sociais duradouros, o modelo não é mais o da supervisão. Processa-se agora a “limpeza”, a “higiene social”, ou seja, a eliminação da “impureza social” através das prisões-caixões high tech. O destino dos “consumidores falhos” é o lixo, assim como eletrodomésticos cujo reparo dos defeitos é mais caro que um novo exemplar.
Já é fato conhecido que a mola propulsora da sociedade capitalista moderna é o consumo. E nesse meio, em que o consumo é o que nos move, percebe-se uma inversão de valores, na qual o “ser” a a estar em segundo plano e o “ter” torna-se primordial. Além disso, a sociedade do conPara saber mais sumo está também caracterizada pela descarConvidamos você a ampliar seu tabilidade dos objetos, que são produzidos de entendimento sobre os propósitos forma que não durem. Quando ocorre de teóricos de Bauman assistindo a lançarem produtos mais duráveis no mercado, uma entrevista na qual ele fala sobre os laços humanos, redes sociais, na sequência surgem outros similares, porém, liberdade e segurança. Disponível com tecnologia mais avançada e atrativa, o em:
. e o consumo.
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A modernidade líquida, sem a necessidade de homogeneidade nacional, torna o indivíduo a lei universal, isto é, agora todos devem ser indivíduos. Todos devem ser distintos através de seus próprios recursos. O consumo aqui tem um importante papel, ele se torna, na modernidade líquida, a principal forma de construção da individualidade. Como o consumo, que é ageiro — e se esvai com o fim do desejo — o indivíduo se torna algo móvel, ageiro (MOCELLIN, 2007, p. 109).
Se na modernidade tudo tem valor de mercado, pode-se assim dizer que, do mesmo modo, o indivíduo e as relações sociais am a ser tratadas como objeto e, consequentemente, são descartáveis, feitas para não durar ou durar apenas enquanto houver interesses por elas. Daí a necessidade de, cada vez mais, se lançar um olhar crítico sobre a realidade, buscando compreender as conexões entre as liberdades individuais e a ordem social estabelecida.
Atividades de aprendizagem Vivemos atualmente numa sociedade de “consumidores”, ou seja, o indivíduo tem liberdade de escolher e decidir como os produtos que deseja obter irão atender suas necessidades imediatas. Esse pensamento está relacionado à concepção de qual dos teóricos relacionados a seguir? a) Pierre Bourdieu. b) Zygmunt Bauman. c) Émile Durkheim. d) Max Weber. e) Karl Marx.
4.2.2 Contribuições de Bauman para a educação Diante da sociedade atual, na qual já não há certezas, mas, como diz Bauman, instabilidades, incertezas e liquidez, faz-se necessário pensar o modelo educativo disposto. Nesse sentido, surgem-nos algumas dúvidas, e, entre tantas, citamos duas: “A escola que temos dá conta das transformações quase diárias, importadas pela globalização?”, “Estaria a escola preparada para perceber a si mesma como parte integrante de uma sociedade que está voltada para o
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consumo, e, nesse sentido, realizar uma práxis pautada na promoção da ética e da justiça social?”. Mais do que dúvidas, pensamos que essas são manifestações das incertezas, também resultantes da realidade na qual estamos inseridos. Desse modo, concordamos com Bittar (2007) que, embora sejamos fruto da sociedade atual, a acomodação de todas essas transformações ainda não se consolidou em nós. Vivemos ainda numa transição, nos encontramos em suspenso, buscando nossa própria identidade. A questão que se põe é que a escola está mergulhada nesse mesmo contexto e, portanto, não é alheia às incertezas e transformações advindas da sociedade. A escola é uma comunidade. “Como parte da sociedade, ela está normalmente estruturada de forma a reproduzir a estrutura social” (GALLO, 2010, p. 145). Numa escola pertencente à sociedade sólida, diria Bauman, o ensino proporcionado aos alunos seria um ensino para toda sua vida. Os conhecimentos ali construídos seriam válidos por muito tempo, e sua aplicabilidade, garantida. Em contrapartida: Na agem da modernidade sólida para a líquida, de acordo com a visão de sociedade de Bauman (2001), a escola assume outras características, sendo que a ordem social, sólida e imutável não é mais aceita na chamada modernidade líquida. O mundo é diferente daquele em que a escola estava preparada para formar os alunos. “Em tais circunstâncias, preparar para toda a vida, essa invariável e perene tarefa da educação na modernidade sólida, vai adquirir um novo significado diante das atuais circunstâncias sociais (ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2009, p. 65). O conhecimento não será mais considerado como um produto conservado, pronto e acabado para toda a vida, assumindo muito mais um caráter inconcluso, podendo ser substituível. O conhecimento a a ter o objetivo de oferecer eficiência, criatividade, competitividade, habilidades básicas para o mundo do trabalho. Em síntese, o conhecimento se transforma em informação, que logo será substituída, por considerar que rapidamente estará ultraado (PAIM; NODARI, 2012, p. 10).
Partindo dessa perspectiva, percebe-se que os padrões de ensino e de disposição do currículo estão inadequados para o atual contexto histórico, pois estes, em grande parte, ainda se prendem a noções prescritivas da aprendizagem. Conforme lembram Almeida, Gomes e Bracht (2009), o mercado de
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trabalho já não exige mais um conjunto de conhecimentos sistematicamente memorizados a longo prazo e a adaptação a rotinas rígidas já não é mais um pré-requisito. Aliás, ser flexível é uma boa pedida e as pessoas já não devem mais querer apegar-se demais a conhecimentos, pois estes tendem a tornar-se obsoletos em pouco tempo. Para Bauman, o mais preocupante seria a busca por uma educação que pudesse tornar mais hospitaleira a atual sociedade para todos os indivíduos, uma educação que permitisse enfrentar e desafiar as pressões do cotidiano e perceber, criticamente, o mundo que se coloca à nossa frente.
Fique ligado! Caro(a) acadêmico(a), chegamos ao final desta unidade de estudos. Antes de rememorar cada um dos pensadores aqui estudados, gostaríamos de enfatizar que para uma melhor compreensão de cada uma dessas teorias devemos ter em mente que o pensamento dos autores é fruto da sua realidade, portanto, pertencente a momentos históricos diferentes. Nem todas as agens teóricas, portanto, cabem na discussão atual acerca da educação e da práxis pedagógica, embora a escola ainda seja influenciada por elas. Agora, vamos rememorar algumas das agens trabalhadas ao longo desta unidade? Marx, muito mais que um pensador social, foi também um revolucionário. O marxismo tem como foco principal a compreensão da sociedade pelo viés de estruturação das classes sociais, portanto, das relações de produção que se estabelecem em tempos de capitalismo industrial. Na concepção marxista, os objetivos da burguesia são a acumulação do capital pela exploração da mão de obra fornecida pela classe proletária. A alienação está relacionada à falta de capacidade do indivíduo de pensar e agir por si mesmo, tendo consciência de que ele é um ser histórico e social.
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Para Marx, a educação poderia ser um instrumento de emancipação ou de opressão. Max Weber considera a sociologia como uma ciência a partir da qual se pode interpretar e entender a ação social para então explicá-la em seu desenvolvimento e efeitos. Para Weber, as relações sociais estratificadas constituem um sistema de legitimação do poder que pera toda a sociedade. A compreensão acerca das estruturas, fenômenos e relações sociais só é possível por meio do estudo do comportamento dos indivíduos. Para sistematizar o estudo sobre o comportamento dos indivíduos, Weber cria o conceito de tipo ideal. Weber fala de três tipos de dominação: racional, tradicional e carismática, que peram todas as relações sociais, inclusive as que se estabelecem na escola. A escola, segundo Weber, atendia às necessidades da sociedade capitalista, treinando em vez de educar. Durkheim é considerado o fundador de uma Sociologia da Educação. Durkheim tinha grande preocupação em encontrar um método que fosse estritamente sociológico para conhecer a sociedade. Para Durkheim, a Sociologia deveria ser neutra e imparcial, e, além disso, o sociólogo deveria manter suas proposições afastadas das lutas sociais e conflitos políticos. Para Durkheim, a escola deveria transmitir os valores e normas sociais aos alunos para que esses pudessem se inserir harmonicamente na sociedade. A sociedade é, para Bourdieu, um sistema hierarquizado de poder e privilégio. As diferenças na localização dos grupos dentro da hierarquia social é resultante da forma desigual como são socialmente distribuídos os recursos e poderes. O habitus é um importante instrumento para compreender os modos pelos quais a estrutura social acaba por condicionar as formas de “ser” dos indivíduos.
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O capital cultural está diretamente ligado aos saberes e conhecimentos oficiais, reconhecidos por meio de títulos e diplomas. Para Bourdieu, a escola é um importante reprodutor da estrutura social, com suas classes dominantes e dominadas, legitimando as desigualdades sociais. Bauman utiliza-se do termo modernidade líquida para se referir à contemporaneidade. A modernidade líquida é leve, fluida e dinâmica, a qual está em oposição à modernidade sólida. Holocausto, sociedade de consumo, comunidade, individualidade e globalização são temas recorrentes na obra de Bauman. Bauman, em sua obra, utiliza-se dos conceitos de “ordem” e de “refugo humano” para explicar as relações sociais que se estabelecem na atualidade. Para Bauman, a escola que temos está inadequada para o atual contexto histórico, visto que seus padrões ainda estão nos preceitos da modernidade sólida.
Para concluir o estudo da unidade Você chegou ao final do estudo de mais uma unidade. Parabéns! Até aqui, seus estudos foram realizados com êxito. Para que continue assim, recomendamos que você dedique algum tempo livre para rever o conteúdo dessa unidade e que busque sempre ampliar os conhecimentos adquiridos. Para tanto, você pode utilizar-se de alguns sites disponíveis na Internet, como o Google Acadêmico, o Google Books e o Scielo. Nesses sites você encontra rica variedade de textos produzidos com caráter acadêmico e científico, que podem auxiliá-lo na solidificação de seus conhecimentos. Desejamos a você sucesso na continuidade dos seus estudos, lembrando que: Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende (Leonardo da Vinci).
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Atividades de aprendizagem 1. Analise as sentenças a seguir buscando relacioná-las com os respectivos teóricos e suas proposições conceituais. (1) Karl Marx ( ) A escolha dos conteúdos escolares se dá, necessariamente, pela exclusão de alguns conhecimentos e culturas em detrimentos de outros. (2) Max Weber ( ) Se atualmente o consumismo não está mais relacionado ao acúmulo de coisas, mas à sua utilização, então a reflexão que se faz em relação à bagagem de conhecimentos de um aluno deveria seguir essa mesma lógica. (3) Émile Durkheim ( ) Os sistemas escolares desenvolvem processos de dominação e imposição do poder estabelecido sobre os grupos sociais, garantindo assim que os indivíduos aceitem sua condição e se submetam cordialmente. (4) Pierre Bourdieu ( ) As atividades desenvolvidas pelos professores e alunos podem ser comparadas à mercadoria, e, assim, as relações que se estabelecem reproduzem as relações sociais vigentes. (5) Zygmunt Bauman ( ) Se todo indivíduo nasce egoísta, cabe à sociedade, por meio da educação, transformá-lo em um homem bom, adequado aos valores do contexto no qual está inserido. Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência correta: a) 4 — 1 — 3 — 5 — 2.
d) 5 — 3 — 4 — 1 — 2.
b) 2 — 3 — 4 — 1 — 5.
e) 1 — 5 — 2 — 4 — 3.
c) 3 — 1 — 5 — 2 — 4. 2. “[...] O Estado é um instrumento de domínio de uma classe social sobre a outra. Na medida em que uma classe social apropria-se dos
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meios de produção na esfera econômica, ela precisa garantir este domínio através da esfera política [...]” (SELL, 2006, p. 109). Esse pensamento está relacionado à concepção de qual dos teóricos relacionados à seguir? Assinale a alternativa CORRETA: a) Pierre Bourdieu.
d) Max Weber.
b) Zygmunt Bauman.
e) Karl Marx.
c) Émile Durkheim. 3. Em relação ao pensamento de Pierre Bourdieu, analise as sentenças a seguir, classificando-as em verdadeiras (V) ou falsas (F). (
) O habitus é considerado ao mesmo tempo coletivo e individual, contribuindo significativamente para a reprodução da ordem social.
( ) Segundo Bourdieu, o habitus está relacionado aos modos pelos quais a estrutura social condiciona as subjetividades, moldando o modo de ser cada indivíduo. (
) O habitus é uma produção simbólica, ferramenta teórica que auxilia na superação da reprodução das desigualdades, das hierarquias sociais vigentes.
( ) Na perspectiva do habitus, as condições sociais de um indivíduo são interiorizadas sob a forma de princípios inconscientes. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) V — F — V — F.
d) V — F — F — V.
b) V — V — F — V.
e) V — F — V — V.
c) F — V — F — V. 4. A respeito dos “tipos ideais” propostos por Max Weber, leia as assertivas a seguir, assinalando aquela que NÃO diz respeito à sua proposição teórica. a) Os tipos ideais são, para Weber, uma tentativa de apreender os indivíduos históricos, suas ações e seus diversos elementos. b) Os tipos ideais estão baseados em modelos abstratos de condução de vida individual, mas que dificilmente estão baseados na realidade empírica concreta.
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c) Os tipos ideais auxiliam na possibilidade de entender as estruturas, os fenômenos e as relações sociais, por ser um meio do estudo do comportamento dos indivíduos. d) Os tipos ideais são construídos a partir de uma perspectiva unilateral da realidade, exagerando na caracterização de alguns dos seus elementos. e) Os tipos ideais servem como modelos, a partir dos quais torna-se mais fácil a tarefa de compreensão dos indivíduos dentro da sociedade. 5. “A educação tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança estados físicos e morais que são requeridos pela sociedade política no seu conjunto.” Esse pensamento está relacionado à concepção de qual dos teóricos relacionados a seguir? Assinale a alternativa CORRETA: a) Pierre Bourdieu.
d) Max Weber.
b) Zygmunt Bauman.
e) Karl Marx.
c) Émile Durkheim.
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Unidade 3
Processo de formação da escola no Brasil Carla Craice da Silva
Objetivos de aprendizagem: Esta unidade o ajudará a compreender a instituição social chamada escola. Apoiados por uma visão abrangente e clara, vamos relacionar fatos históricos com situações atuais. Você se apropriará de argumentos sólidos que explicarão por que a escola brasileira é da forma que é atualmente. Num segundo momento, conheceremos alguns educadores fundamentais na história da escola no Brasil.
Seção 1:
Brasil: processo de formação da escola e sua relação com os aspectos políticos, econômicos e sociais Nesta seção, trataremos da escola enquanto processo histórico. Vamos abordar essa importante instituição social a partir dos processos sociais, econômicos e políticos que dão sentido à existência da escola, isto é, os fatos que condicionaram a forma como a escola se apresenta atualmente.
Seção 2:
Contribuições para o pensamento e a práxis educativa Nesta seção, nos debruçaremos sobre alguns autores que ousaram pensar a e intervir na educação brasileira. A partir de pequenas contextualizações históricas, levantaremos alguns conceitos principais que marcam o pensamento desses educadores e que certamente poderão lhe servir na prática docente.
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Introdução ao estudo A educação no Brasil ou por grandes transformações durante sua história, desde que os portugueses chegaram nessas terras, por volta de 1500. Atualmente, é possível observarmos que o número de pessoas que têm o ao sistema escolar é muito grande, sistema esse que é um dos maiores do mundo. Entretanto, o aumento da escolarização da população não tem sido suficiente, e podemos mobilizar dois argumentos: primeiro, existe uma diferença gritante entre as escolas, neste imenso território nacional. Seria muita ingenuidade colocar em pé de igualdade uma escola precária, como são as escolas públicas em sua maioria, com as escolas voltadas para os filhos de grandes empresários ou fazendeiros. Em segundo lugar, comparando o Brasil com outros países, nos parece que estamos atrasados, sentimos que a qualidade da escola aqui não é igual à dos países mais desenvolvidos. A pergunta que fica, e que deve ser respondida de forma criteriosa e não leviana, é: Quais foram os reais motivos que determinaram essa existência precária da escola brasileira?
Seção 1
Brasil: processo de formação da escola e sua relação com os aspectos políticos, econômicos e sociais
Nada mais corriqueiro que observar crianças, jovens e adultos dirigindo-se à escola: seja para a educação infantil, ensino médio ou universidade, e mesmo cursos de qualificação ou práticas livres. Podemos dizer mais: há um sentimento generalizado de que ir à escola é uma obrigação. Nesta seção, vamos ampliar nossa compreensão sobre essa importante faceta das sociedades modernas, partindo da problematização da própria existência da escola: como surge no Brasil? Em que contexto histórico? Quais eram os interesses que promoveram sua criação? Enfim, como a escola brasileira emerge, relacionando-a com nossos processos históricos e sociais?.
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P r o c e s s o d e f o r m a ç ã o d a e s c o l a n o B r a s i l 85 Figura 3.1 Igreja de São Francisco (Salvador-BA), um símbolo da riqueza colonial
Fonte: Guiziou Franck/AFP (2014).
1.1 Educação para quem? Podemos dizer, sem muito ânimo, mas com precisão, que o Brasil foi gravemente explorado pelos povos europeus colonizadores, que daqui retiraram quantidades extraordinariamente grandes de riquezas para seu próprio proveito. Esse colonialismo de exploração, ocorrido entre os séculos XV e XIX, inicia-se com as primeiras navegações marítimas, que aqui aportaram para retirada do pau-brasil. Durante todo o período colonial, a mão de obra era escrava, de origem negra e indígena. A riqueza vinha da extração de pau-brasil, das grandes monoculturas de açúcar, da retirada de especiarias, da mineração de pedras preciosas, da venda de pessoas escravas como mercadorias. Essa soma gigantesca de valor não era investida aqui, mas levada para Portugal a preços extremamente baixos. A metrópole, por meio de seus artesãos e manufaturas, transformava os insumos em produtos manufaturados para serem negociados na colônia, que pagava preços altos, ou nos mercadores europeus. Em outras palavras, em relação ao Brasil, a metrópole portuguesa ganhava tanto com a extração de riqueza como com a venda exclusiva de produtos para a colônia, o famigerado pacto colonial. Sabendo-se que a colônia era obrigada a comprar exclusivamente de sua metrópole e que o tamanho do território recém-descoberto era imenso, é fácil entender com que força e ganância se deu a espoliação. Nossa importância econômica era tão grande que o rei D. João IV (1604-1656) teria dito que “o Brasil é a vaca leiteira de Portugal”.
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Se num nível internacional Portugal dominava o Brasil, internamente também existiam relações sociais de exploração. Nossa sociedade colonial dividia-se basicamente entre a elite senhorial, uma minoria branca e dona de tudo, a serviço da metrópole, e a grande massa trabalhadora escrava. Havia um pequeno estrato de profissionais livres, brancos, escravos alforriados e mestiços, aventureiros e degredados, tão poucos quanto suas escassas posses. A família era patriarcal, na qual o homem tinha plenos poderes sobre sua mulher e filhos. A Igreja Católica era senhora inquestionável da moral, balizadora dos pensamentos e dos atos. Por todo lado havia submissão: do negro e do mestiço ao branco; da mulher ao homem; da população ao religioso e ao senhor; da colônia à metrópole. Figura 3.2 Frontispício da Enciclopédia (1772), obra representativa do Iluminismo, explicitando a verdade, a razão e a filosofia
Fonte: Encyclopédie/University of Chicago (2014).
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Para saber mais Sociedade patriarcal: originalmente, define-se como o governo autoritário do homem, chefe de uma família. Nos tempos atuais, designa que o poder nas sociedades está concentrado nas mãos dos homens adultos.
O ciclo do açúcar representou o primeiro surto de crescimento econômico do Brasil, após sua anexação como colônia. A atividade rural desencadeia um processo de formação de grandes plantações, monoculturas movidas por braços escravos e istrada por poucos senhores, com o único objetivo de enviar a demandada especiaria à Europa. Não havia a necessidade de criar centros urbanos para essa empreitada, e consequentemente também não foram necessários os avanços estruturais relacionados às cidades, conforme existiam no Velho Continente. Desse modo, logo após o descobrimento, o ensino existia para manter o maquinário dos engenhos de açúcar funcionando. O aprendizado era feito do trabalhador mais velho para o mais novo, de forma assistemática, sem a necessidade de uma grande racionalização para a agem dos conhecimentos. Era um aprendizado eminentemente profissional. Como a função deste Novo Mundo era fornecer riquezas à Europa, a chegada dos jesuítas e suas escolas em 1549 não tinha a intenção de educar, como entendemos atualmente essa ação. Coerentes com a crença de que Deus havia criado os povos nativos e os negros para serem dominados pelos europeus cristãos, a Companhia de Jesus se esforçou para catequizar os escravos, adequando-os a sua condição de trabalhador-mercadoria. Os filhos dos colonizadores e os novos sacerdotes, estes sim serão os instruídos pelos padres. Uma educação de qualidade, homogênea e abrangente, colocaria em risco o sistema colonial, e as razões são evidentes: para alguns, aprender a mandar; para outros, aprender a obedecer. Assim, a educação em nossas terras ganha com uma melhor sistematização, mas volta-se para a preparação intelectual do senhorio colonial. Contudo, tivemos por aqui as corporações de ofícios, cujas origens remontam ao período medieval português. Nessas corporações, que vigoraram até 1824, a educação foi utilizada como uma maneira de controlar determinadas profissões. Essas associações eram formadas por uma hierarquia vertical, com
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mestres no topo, abaixo os oficiais e, na base, aprendizes. Os oficiais eram responsáveis pela maior parte da produção. Os mestres eram aqueles que educavam os aprendizes, não havendo outra forma de aprender tal ofício. Ao fim do treinamento, o aprendiz era submetido a um exame, que o qualificaria como oficial, ou seja, capaz de exercer um determinado ofício. Observe que o “currículo” desta “escola”, os conhecimentos e as avaliações necessários ao aprendizado da profissão, encontram-se monopolizados pela corporação. O ingresso e os saberes eram rigidamente controlados. A pedagogia exercida nas corporações era, portanto, oral e prática, coordenada por um mestre-artesão. Não havia codificações escritas ou livros, e o aprendizado era lento. Paralela e ironicamente, as instituições jesuítas seguiam outra estrutura pedagógica. Sua clientela eram as elites senhoriais e a formação de seus próprios quadros técnicos, ou seja, os religiosos (XAVIER et al., 1994). Em suas aulas se ensinava as filosofias e as ciências, a teologia e as letras humanas. Esse último curso, de letras humanas, era subdividido em retórica, gramática e humanidades, fazendo largo uso da literatura clássica grega e romana. Os colégios religiosos no Brasil se basearão, maciçamente, no conhecimento do curso das letras humanas. É somente em 1759 que a educação jesuíta, quase absoluta, foi substituída por uma educação de cunho iluminista. Esse ato foi executado pelo Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, uma importante figura histórica que expulsou todos os padres da Companhia de Jesus dos territórios portugueses. Essa ordem religiosa possuía riquezas imensas e logicamente educava para a religião, não para o país (XAVIER et al., 1994), de tal forma que as medidas pombalinas tinham como objetivo retomar o poder político e econômico para o rei português, bem como modernizar a nação, coerente com o que vinha acontecendo ao restante da Europa.
Para saber mais Você conhece as características principais do Iluminismo? Muitos intelectuais europeus, entre os séculos XVII e XVIII, colocaram a razão como eixo do conhecimento humano e propam reformar as sociedades para eliminar o conhecimento herdado da tradição do mundo feudal. Essa é uma das bases de constituição do mundo moderno que pode ajudar a entender a escola de hoje.
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Se a expulsão dos jesuítas, por um lado, colocava o Brasil mais próximo de um tipo de educação que estava se expandindo rapidamente pela Europa, por outro lado ela acaba por desmontar a frágil estrutura escolar que aqui se desenvolvia pelas mãos dos religiosos. Com a expulsão dos jesuítas, são fechados do dia para a noite. [...] dezessete colégios monumentais e mais de duzentas escolas de primeiras letras [...] Onde serão educados os brasileiros a partir de então? Nas Aulas Régias, cujos professores têm que ser indicados pelos Presidentes das Câmaras Municipais e aprovados pelo Rei, depois de verificada a ficha no Santo Ofício. Em outras palavras o mandonismo da sociedade impera e emperra a escola pública do Brasil (MONLEVADE, 2000, p. 13).
As Aulas Régias se configuram, dessa forma, como a primeira tentativa de se colocar em prática um sistema escolar público, gerido pelo Estado brasileiro. Contudo, sua implantação foi lenta, tanto no estabelecimento de cursos quanto na arrecadação de verbas, via impostos, para subsidiar tal intento. Na prática, nada mudou em relação ao momento anterior, pois a população não foi atingida. As intenções das elites não estavam voltadas para mudanças radicais na estrutura ou na abrangência do campo educacional. Essa intenção se estendeu até o primeiro reinado pós-independência. Mais além, vemos que o cenário é grave, já que as escolas técnicas e as universidades não haviam sido criadas na colônia, pois não eram necessárias e até mesmo atrapalhariam o pacto colonial. A imprensa era proibida. Livros eram de difícil o, vindos do estrangeiro. Vale ressaltar que já nessa época havia uma grande rotatividade de professores, em razão dos baixos salários. Veja, caro(a) aluno(a), como a história é formada de rupturas, mas também de continuidades, não é mesmo? Infelizmente, muitas dessas situações encontramos ainda hoje, em outras roupagens, mas daí originadas. Se Portugal tinha intenções de entrar na época moderna como uma nação liberal e capitalista, o Brasil foi levado como seu acompanhante, mas como uma colônia de exploração formada por uma sociedade rigidamente escravocrata e patriarcal. Como vimos, a escola ainda era local para poucos privilegiados, e a dominação dava o tom das relações sociais.
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Questões para reflexão Estamos nos debruçando sobre fatos que aconteceram há muito tempo. Será que essa análise nos ajuda a compreender a atualidade? Você consegue perceber, hoje, traços do machismo? E as formas de educar dos povos nativos do Brasil e África, não foram utilizadas em nossas escolas? Que grupos sociais, hoje, têm o às melhores escolas?
Atividades de aprendizagem Caro(a) aluno(a), até aqui compreendemos que a colônia brasileira foi uma fonte de riquezas espetacular para os países da Europa. Porém, nossas escolas ficaram esquecidas. Elabore um pequeno texto para responder à seguinte questão: se as escolas na Europa são exemplos de boa estrutura e eficácia, e, no Brasil, são de péssima qualidade, por que devemos levar em conta nossos condicionantes históricos em vez de simplesmente compará-las no presente?
1.2 Um marco educacional: a vinda de D. João VI Com a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder em 1799, dentro do processo revolucionário francês, desdobram-se um conjunto de conflitos armados conhecidos como Guerras Napoleônicas. A derrubada da monarquia na França e o estabelecimento de uma República ameaçou toda a Europa. Lembremos que as nações eram governadas por reis e rainhas, que não tinham nenhuma intenção em deixar o poder esvair-se de seus tronos. Os soberanos reais articulam diversas coalizações internacionais para enfrentar o imperador francês e suas ideias de derrubá-los do poder. Napoleão, um engenhoso estrategista militar, obtém vitórias crescentes, aproveitando para conquistar territórios. Busca também expandir o alcance comercial e industrial da burguesia sa. A Inglaterra era hegemônica no campo econômico, pois havia iniciado a Revolução Industrial, ficando bem à frente dos demais países. É nesse contexto que, em novembro de 1807, a família real portuguesa foge às pressas para o Brasil, em meio à invasão das tropas republicanas. Tão
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atrapalhados, numa correria desordenada, que muitos historiadores situam a escapada entre o trágico e o cômico. Contudo, D. João VI somente conseguiria manter a dinastia dos Bragança a salvo, como seus negócios com a Inglaterra, caso governasse longe das perigosas ideias republicanas. Foge então para sua importante colônia. Figura 3.3 A legoria da chegada de D. João VI e sua família ao Brasil: confusão e desordem
Fonte: Nicolas Delariva/Coleção Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (2014).
Sabendo da gravidade da situação, que certamente duraria um bom tempo, o monarca trata de criar uma infraestrutura no Brasil que atendesse suas nobres necessidades imperiais. Libera-se a imprensa, através da criação do jornal A gazeta do Rio e a revista As variações ou ensaios de Literatura. Em 1809 abre o primeiro estabelecimento público voltado à educação dos artistas e aprendizes, o Colégio das Fábricas. Cria também instituições de ensino técnico e superior no Rio de Janeiro e Bahia, a Biblioteca Pública e o Museu Nacional. Em 1816, chega a nossas terras a celebrada Missão Artística sa, composta por renomados pintores, escultores e arquitetos, bem como especialistas em diversos ofícios. Todos servirão na recém-inaugurada Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. É interessante notar como a colônia, relegada durante três séculos a um deserto sem escolas, torna-se do dia para a noite o celeiro de cultuados inte-
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lectuais e profissionais. Os interesses da classe senhorial estão sobre sua própria educação e pouco ou nada oferecem para a população, que até aquele momento era formada por estratos desfavorecidos socialmente. Vimos que o sistema escolar da colônia tinha características extremamente elitistas. Não poderia ser diferente, pois baseava-se numa sociedade marginalizada, de senhores e escravos, e geopoliticamente situada na periferia das dinâmicas internacionais, atuando como fornecedora de matérias-primas para os grandes centros econômicos europeus. Entretanto, com a chegada da família real e a nobreza portuguesa, era preciso oferecer uma educação nos moldes daqueles encontrados no Velho Continente. Por conseguinte, fundam diversas instituições de nível superior para educar as lideranças intelectuais e políticas que aqui se estabeleceram. Novamente, perceba: o ensino brasileiro continua a trazer sua marca aristocrática.
Para saber mais Aproveite e assista ao filme Carlota Joaquina — a princesa do Brasil, dirigido por Carla Camurati em 1995, contando no elenco com Marieta Severo e Marco Nanini. Tanto o contexto histórico como a fuga da família real são expostos de forma satírica.
Para saber mais A obra de Laurentino Gomes, 1808, também trata da transferência da corte portuguesa para o Brasil. Lançada em 2006, é sucesso de crítica e público, ganhadora de prêmio na Academia Brasileira de Letras e do Prêmio Jabuti.
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É nesse sentido que Castanho (2006), apoiando-se nas reflexões de Mário Maestri, nos lembra que o abuso da mão de obra escrava durou séculos, o que determinou o desenvolvimento de uma série de atividades voltadas para a educação do cativo. “Podemos definir como pedagogia da escravidão as práticas empreendidas direta e indiretamente pelos escravizadores para enquadrar, condicionar e preparar o cativo à vida sob a escravidão” (MAESTRI apud CASTANHO, 2006). Seus pedagogos mais representativos seriam os padres Jorge Benci, Antonil, Manuel Ribeiro da Rocha (século XVIII) e o bispo Azeredo Coutinho (século XIX). Eram saberes conscientemente mobilizados, mesmo que de forma pouco sistematizada, com objetivos educativos. Para a cúpula, o ensino intelectual das filosofias gregas e as letras latinas; para os escravos, o aprendizado corporal dos castigos e torturas, e a dominação moral católica.
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1.3 A educação imperial Se a pressão social e econômica de Portugal sobre o Brasil gerava constantes descontentamentos, nosso crescente sentimento de ser uma nação independente aumentou com o retorno de D. João VI à Europa em 1821. Muitos setores poderosos da população não viam com bons olhos esse afastamento, pois certamente significaria que seríamos novamente relegados à margem dos interesses portugueses. As elites locais sairiam prejudicadas e, assim, perderiam todas as conquistas que obtiveram com sua proximidade do governo e da família real. Figura 3.4 D. Pedro I no juramento da Constituição de 1824, salvando o Brasil (índia) das garras do Absolutismo
Fonte: Gianni e litografada por Lasteyrie/Acervo da Fundação Biblioteca Nacional (2014).
Desse modo, era preciso unir forças e impor a independência do Brasil, o que ocorre em 22 de abril de 1822, pela figura representativa de D. Pedro I. Não houve participação popular, como comumente se acredita na romântica
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visão do “grito do Ipiranga”, mas uma manobra política-econômica dos setores dominantes. No âmbito educacional, as mudanças não foram tão drásticas. A manobra da Independência foi dirigida para promover os interesses das elites brasileiras e seus negócios com o crescente capitalismo europeu, principalmente a Inglaterra. Evitava, isso sim, a mediação problemática de Portugal. O que importava para a massa de trabalhadores brancos e pobres, negros escravos e alforriados, todos analfabetos, eram as condições imediatas de vida sob a qual estavam subjugados. Era a opressão cotidiana, as violências e as carências que os preocupavam. A autonomia política e econômica servia aos interesses da camada senhorial do Brasil. A política educacional da Constituição de 1824, nesse sentido, é bem interessante. Foi construída de acordo com as ideias sas, revolucionárias e humanistas, mas que seria aplicada às condições sociais brasileiras, escravocratas e exploratórias. Estranha combinação de nossa Carta Magna que, durando 65 anos, determinava a liberdade e a igualdade de todos perante a lei, sendo que a maioria da população era escrava! No texto, obrigava-se a instrução primária a todos os cidadãos, porém não deixava explícito que, por cidadão, entendia-se o homem branco com posses, e não a mulher, o negro ou o pobre. Na prática, o sistema escolar criado nesse momento era muito incipiente: somente aulas para os meninos, baseadas no método lancasteriano em voga na Inglaterra. Esse método objetivava desenvolver operários subalternos para trabalhar nas fábricas. Suas características principais: ensinar um grande número de alunos em pouco tempo, enfatizar a memoPara saber mais rização e a repetição, evitar a criatividade Todas as Constituições brasileiras ou a originalidade, forçar a disciplinarização podem ser encontradas no Portal mental e física. Monitores ensinavam e vigiada Legislação do Governo Federal, vam os estudantes, e os poucos professores no site:
. capacitados instruíam os monitores, não os alunos. Observamos, portanto, que a escola continuava (de maneiras diferentes do ado colonial, isso é claro) a ser uma forma de controle, de reprodução da hierarquia social dentro das salas de aula. Continuava também a desvalorizar a profissão do professor, já que seu papel poderia ser desempenhado pelos monitores. Veja o que nos diz Foucault (1977), em sua famosa obra Vigiar e
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Punir, sobre o adestramento dos alunos, que foi copiado pelo sistema escolar brasileiro do período que tratamos: À última pancada do relógio, um aluno baterá o sino, e, ao primeiro toque, todos os alunos se porão de joelhos, com os braços cruzados e os olhos baixos. Terminada a oração, o professor dará um sinal para os alunos se levantarem, um segundo para saudarem Cristo, e o terceiro para se sentarem. No começo do século XIX, serão propostos para a escola mútua [o ensino lancasteriano] horários como o seguinte: 8,45 entrada do monitor, 8,52 chamada do monitor, 8,56 entrada das crianças e oração, 9 horas entrada nos bancos, 9,04 primeira lousa, 9,08 fim do ditado, 9,12 segunda lousa etc. (FOUCAULT, 1977, p. 137).
Questões para reflexão Vamos novamente utilizar a perspectiva histórica e verificar se percebemos ou não reflexos dessa situação anterior na escola de hoje: como a escola se organiza? Tem horários rígidos? As salas e carteiras são dispostas de que forma? A disciplina e a autoridade têm mais valor que o aprendizado? As relações afetivas são promovidas no espaço escolar? Para as meninas, restava a educação para cuidar do lar. Aos negros era negado o o à escola, pois, se aprendessem a ler e a escrever, poderiam mais facilmente se rebelar contra o sistema escravista, haja vista que as revoltas e rebeliões já eram constantes. No ensino superior, elaboram-se cursos jurídicos para formar o mais rapidamente possível os quadros técnicos e istrativos do governo, que não eram mais fornecidos pela ex-metrópole. Ao fim do Império surgem as escolas normais, das quais o exemplo mais notório é o Colégio D. Pedro II, inaugurado em 1838 no Rio de Janeiro e existente até hoje. O próprio imperador conferia notas, assistia às provas e selecionava professores. As escolas normais, e esse colégio específico, eram o símbolo da civilidade, a marca de uma nova educação para uma nação também nova. O Colégio D. Pedro II era modelo de ensino para as outras instituições e única porta de entrada para o ensino superior. Mas quem frequentava o renomado colégio?
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Figura 3.5 Uniformes do Colégio D. Pedro II em 1855
Fonte: Divulgação/Colégio Pedro II (2014).
[A] ‘boa sociedade’ formada por aqueles que eram brancos, livres e proprietários de escravos e terras. Torna-se necessário lembrar que, quando a população brasileira girava em torno de 8.800.000 habitantes, apenas 1,2% era de alunos matriculados nas escolas do Império (MULTIRIO, 2014, p. 1).
Vaz (2010, p. 22) é muito feliz ao sintetizar a situação que analisamos até aqui, referindo-se a ela como: “essa colcha de retalhos que foi a educação no Brasil desde sua colonização”. Durante 300 anos não foram necessárias formas sofisticadas de sistemas escolares, pois os grupos a serem educados eram poucos. Negros e indígenas foram totalmente marginalizados, a mulher era posse do homem, e a colônia servia como uma grande fonte extrativista para o desenvolvimento europeu. O conhecimento científico, mesmo se expandindo nas escolas normais, ainda era uma riqueza nas mãos da elite, quando o Império brasileiro cai.
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1.4 A modernidade e a escola da República A partir do século XVII, a Europa considera-se num novo momento histórico, o qual chama de Modernidade. Para grande parte das sociedades modernas, inserir-se na civilização significa promover um certo tipo de incremento material, moral, científico e intelectual da humanidade. É a concepção de progresso, sempre crescente. E uma solução para alcançar esse objetivo é o sistema escolar, pois atinge uma grande quantidade de pessoas de forma sistemática e objetiva, preparando-os para esse novo momento histórico. Sabendo disso, compreendemos que a escola brasileira na República será influenciada por novos acontecimentos, mas carregando a dura feição senhorial de nossa história colonial. Como nos explica o historiador Eric Hobsbawm (1977), na obra Era das revoluções, foram três os principais processos que dão origem à Modernidade: na Inglaterra, a Revolução Industrial, o avanço do progresso econômico pelo desenvolvimento da indústria, que determinou a interdependência internacional dos mercados fornecedores de matérias-primas e dos mercados consumidores de produtos industrializados. A Revolução sa, baseada nas ideias iluministas de racionalidade e igualdade, que derruba o Antigo Regime, isto é, o mundo feudal, os desmandos dos reis e senhores, e a supremacia ideológica da religião, principalmente a católica. E em menor medida, a Revolução Americana, nome dado ao processo de independência dos Estados Unidos, responsável por colocar em prática a democracia e a representação política popular. Politicamente, a queda da Monarquia em 1889 significa a vitória da República. Em outras palavras, se antes o poder ficava concentrado nas mãos dos reis e imperadores, agora os brasileiros deixam de ser súditos e transformam-se em cidadãos. Estes devem exercer seus direitos e deveres coletivamente, em favor do bem-estar de todos. O governo ado de geração em geração, por causa da tradição monarquista pela vontade de Deus, como acreditava-se, agora baseia-se na vontade racional de homens e mulheres, que desejam eles próprios conduzir sua vida social. Como lemos no primeiro artigo da Constituição de 1988, oportunamente chamada de Constituição Cidadã: “Todo o poder emana do povo”, não de Deus ou dos reis. Para que esse mesmo povo possa autogovernar-se, elegendo e fiscalizando seus representantes, era preciso que ele fosse educado, que aprendesse a ser cidadão. Os republicanos tinham claro que a escola obrigatória e de alcance universal era um dos alicerces de um país democrático. Além disso, precisavam
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de quadros técnicos que istrassem as esferas burocráticas, e esses eram formados nas escolas secundárias. De uma visão mais ampla, a escolarização de massa pública possui as seguintes características: universalização do o à educação escolar; obrigação individual de frequentar a escola; responsabilidade do Estado pelo ensino público e gratuito; ensino e moral de caráter leigo, isto é, não pertencendo a nenhuma ordem religiosa. Note, como já foi dito, como a educação é concebida enquanto fundamento de uma nova ordem social. O capitalismo cada vez mais se expande, e o Brasil, ainda que de forma dependente e subalterna aos centros europeus, está atrelado a essa dinâmica mundializada (PEREIRA et al., 2012). Figura 3.6 Sala de aula da Escola Caetano de Campos, colégio para crianças da elite de São Paulo
Fonte: Acervo UH/Folhapress (2014).
Ao que o Brasil inicia seu processo de entrada na Modernidade, em fins do século XIX, é importante destacar dois fatos socioeconômicos fundamentais. Primeiro, estamos na iminência da abolição da escravidão e da formação de trabalhadores livres. O novo trabalhador é aquele que vende sua força de produção em troca de salário, e dessa forma participa também como mercado consumidor dos produtos industrializados. Segundo, a lavoura de café é o grande motor da economia brasileira, cujo epicentro está em São Paulo. As elites paulistas aproveitam o capital acumulado com a lavoura e investem-no na construção de indústrias, em consonância com a Revolução Industrial que já havia se espalhado pela Europa, e que agora demandava a produção em unidades fabris. Os artesãos corporativistas
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ou familiares foram relegados ao ado. A agricultura tornou-se um ator auxiliar da fábrica. A escola brasileira, portanto, será dirigida para a população urbana, para que esta possa rapidamente obter conhecimentos necessários para a expansão fabril. Verificamos, nesse sentido, que ficam de fora dessa escola as pessoas negras, os trabalhadores rurais e as massas urbanas pobres e miseráveis. A democratização do ensino foi relativa, e, apesar da descentralização das escolas pelos territórios, continuou-se a baixa qualidade e o descaso com o ensino primário. Será somente na década de 1930 que os grupos sociais que controlam a sociedade brasileira voltam-se com mais força para a efetivação de um amplo sistema escolar. A vitória de Getúlio Vargas sobre a República Velha, esta que era comandada por São Paulo e Minas Gerais no governo chamado de “café com leite”, lança novas bases para se pensar um aprofundamento da educação nos moldes modernos. Temos então o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) (AZEVEDO et al., 2010), principalmente representado por Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, reforçando a obrigatoriedade da educação para todos, a laicidade, a gratuidade e o papel ativo do Estado. O Manifesto é um marco na história da educação em nosso país, pois determina os valores essenciais de planejamento e continuidade (SAVIANI, 2004). Para saber mais A organização escolar brasileira era apontada A ideia de laicidade ou ensino laico como extremamente desordenada, incapaz significa que o processo escolar não de dar conta do desenvolvimento da nação. deve ser influenciado por nenhuma religião ou fé. Mas isso não implica Nesse sentido, o Estado deveria tomar as réque as pessoas neguem suas crendeas da escolarização, determinando um ças. O que se procura fazer é não plano geral de desenvolvimento. É importante salientarmos que a Igreja Católica era fortemente contra tal movimento. Desde a implantação das escolas jesuítas, já em 1500, grande parte do aparato escolar daquele momento histórico ainda era comandado por esta organização confessional. Nessa mobilização em torno da criação de um amplo sistema escolar, a Igreja Católica colocou-se como forte candidata à sua ad-
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deixar que uma única religião domine a escola, expulsando as outras, e assim tornando o ensino antidemocrático. Cuidado com os falsos argumentos que sugerem que a escola laica quer acabar com as religiões! Todas as confissões devem ter seu espaço assegurado e respeitado no ambiente escolar, mas não podem comandá-lo.
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ministração, já que possuía muitas propriedades e expressiva quantidade das escolas da rede privada. Foram, contudo, derrotados pelos ideais republicanos, após longos e enérgicos debates. O processo de organização nacional da educação chega à nova Constituição Federal de 1946, que definiu como função privativa do governo federal as diretrizes e bases da educação no país. Esse papel finalmente é regulado, em 1961, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Essa lei é fundamental para o ensino brasileiro, um dos maiores avanços históricos conquistados pela população, pois finalmente conceitua e regula o sistema escolar. Decorre dela a centralização institucional do sistema escolar, impulsionando-se a criação de colégios de aplicação e o ensino das ciências. Contudo, com o golpe civil-militar de 1964, a educação perde seu ideário renovador. A LDB permanece, só que ajustada à nova situação, modernizadora e conservadora: por um lado, permitiu a autonomia das universidades e a institucionalização da pós-graduação, estabeleceu o ensino médio como profissionalizante, bem de acordo com seu projeto desenvolvimentista (HILSDORF, 2005). Por outro lado, negou a formação do cidadão, pois o regime autoritário não queria sofrer resistências do povo mais esclarecido. Entretanto, de forma contraditória, a fundação de uma pós-graduação nacional pelos militares gerou a denúncia dos intelectuais contra esse regime ditatorial. Com um espaço privilegiado para as pesquisas, elaboraram-se estudos importantes que subsidiaram críticas contundentes à situação opressora. Uma educação vinculada à forma de governo democrática, que vinha acontecendo até o golpe, só voltará com a instalação do governo civil e da nova Constituição no processo de redemocratização em 1984.
Questões para reflexão Você se lembra do movimento das Diretas Já? Consegue agora compreender, no âmbito educacional, sua importância? Notou como a necessidade básica de formação do cidadão, iniciada com a queda da monarquia, foi interrompida com o regime civil-militar?
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Como já foi dito, a Constituição de 1988 é chamada de Constituição Cidadã. Para que o Brasil encerrasse sua longa história autoritária, era preciso edificar um conjunto de regulações que abrangessem todos os setores sociais. Foram mobilizados diferentes anseios nacionais e, no quesito educacional, uma nova LDB foi proposta. Nesta, objetivava-se essencialmente evitar as descontinuidades que caracterizaram toda a história da política educacional. Porém, foi promulgada em 1996 a proposta alternativa do senador Darcy Ribeiro, considerada por muitos como mais maleável às interferências governamentais. Uma polêmica que dura até hoje. No plano histórico, a nova LDB surge na emergência do neoliberalismo, e isso determina que as políticas educacionais voltem-se para “as demandas do mercado numa economia globalizada” (SAVIANI, 2004, p. 8). Vamos refletir sobre esse ponto, que se coloca na pauta do dia e entrecruza-se com as dimensões políticas e econômicas. Fato é que a LDB se constitui como eixo de fortalecimento para nosso deficiente sistema escolar, após esse longo processo histórico de negação do o à escolarização pelas populações desfavorecidas. Entretanto, no plano socioeconômico surge o neoliberalismo, que possui uma concepção produtivista da educação, voltada aos interesses imediatos do mercado. Isso porque os neoliberais acreditam que o mercado é a forma mais eficiente de gerir as relações sociais, baseando-se nos interesses individuais e na pouca intervenção do Estado. Em outras palavras, os promotores do neoliberalismo acreditam que os governos devem deixar a educação, e todas as outras políticas sociais, livres para serem comercializadas no mercado, com mínimo gasto estatal. O apoio, via políticas públicas, seria uma forma de paternalismo e repressor das liberdades individuais. Salientamos, porém, que os neoliberais não são contra a educação. Concebem, claramente, a necessidade de uma educação básica generalizada como fundamento das sociedades modernas, altamente tecnológicas. São contra qualquer e posterior à população, que possam oferecer vantagens que não foram obtidas individualmente. Do nosso ponto de vista, essa formulação não leva em consideração que o Brasil, bem como muitas outras nações do mundo, tem um histórico nefasto quanto à escola. Vimos que praticamente toda a população, com exceção das elites afortunadas, ficou fora dos bancos escolares durante séculos. Nesse sentido, enfatizar a busca individual, ou culpar o fracasso individual, em relação
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à escola, que é condicionada socialmente, não nos soa razoável. Além disso, lembremos que os homens e mulheres que aqui trabalharam e foram impedidos de estudar foram aqueles que forneceram as riquezas que permitiram às metrópoles estabelecer seus sistemas de ensino.
1.5 Alguns dados atuais Acreditamos ser importante que, ao fim desta seção, observemos alguns dados a respeito da educação nacional. Tendo como base a análise histórica anterior, você poderá perceber os avanços e retrocessos da escola brasileira, em seu estágio mais atual. Tabela 3.1 Distribuição das pessoas de 25 anos ou mais de idade, por grupos de anos de estudo — Brasil — 2007/2011 Grupos de anos de estudo
2007
2011
Sem instrução e menos de 1 ano
13,7
15,1
1 a 3 anos
12,8
9,4
4 a 7 anos
25,9
21,9
8 a 10 anos
13,8
14,2
11 a 14 anos
24,7
28,6
15 anos ou mais
8.9
10,8
Não determinados
0,2
0,1
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007/2011.
Observamos pela Tabela 3.1 que, em 2011, 15,1% da população tinha escolarização praticamente nula (até 1 ano de instrução); 9,4% tinha de 1 a 3 anos de estudo; e 21,9%, de 4 a 7 anos de estudos. Somados, esses três grupos representam 46,4%. O que essa porcentagem significa? Esse dado nos mostra que praticamente metade da população brasileira não tem a escolarização mínima conforme expresso no Constituição, ou seja, o ensino fundamental completo. É um número assustador, se pensarmos que a todo momento somos bombardeados com informações sobre a importância da escola. Considera-se também que pessoas com 4 anos ou menos de estudos são analfabetos funcionais, isto é, não fazem um uso mínimo da leitura, escrita e aritmética em suas vidas cotidianas. Esse grupo soma 24,5%, ou seja, quase um quarto da população brasileira. Por outro lado, vemos que apenas 10,8% da
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população tem o ao ensino superior. Em outras palavras, enquanto metade da população assenta-se em requisitos nulos ou mínimos de escolaridade, 1/10 dos brasileiros pode vangloriar-se de poder fazer uma faculdade. Contudo, esse número deve se apresentar para você, acadêmico ou acadêmica, como uma consequência histórica. Não podemos mais aceitar as explicações simplistas e reducionistas, que tratam o povo brasileiro como preguiçoso ou incompetente. Essas noções, calcadas em séculos de marginalização do povo negro, dos povos indígenas e da massa pobre brasileira, têm suas origens em nosso ado autoritário e repressor, ado este que lhe ajudará a entender essas estatísticas de forma racional e sem pré-noções ou preconceitos.
Atividades de aprendizagem Vimos que a concepção de uma escola laica tem a ver com a participação das mais diversas confissões religiosas no âmbito educacional. Permite, nesse sentido, o efetivo diálogo e não a imposição de uma doutrina sobre outras. É um debate que vemos acontecer atualmente em nosso país. Elabore um pequeno texto explicando o porquê desse diálogo religioso ser tão importante, baseando-se na história elitista e impositiva da escola brasileira.
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Seção 2
Contribuições para o pensamento e a práxis educativa
Alguns expoentes da educação brasileira serão apresentados nessa seção. Veremos quais foram suas principais contribuições para o pensamento educacional, bem como para a prática dos professores. Para cada autor haverá uma contextualização histórica sintética, de forma a explicitar os processos de gestação das ideias e das práticas. Isso é essencial, pois toda obra reflete irremediavelmente o período em que foi criada. Contudo, esses educadores foram desafiados a superar os limites impostos por nossas péssimas condições educacionais. Alguns conceitos foram escolhidos por serem os mais representativos, mas certamente essas seleções não esgotam a grande quantidade de escritos de cada pensador. Figura 3.7 Fernando de Azevedo
Fonte: Acervo UH/Folhapress (2014).
2.1 Fernando de Azevedo Nascido em São Gonçalo do Sapucaí (MG) em 1894 e falecido em São Paulo (SP) em 1974. É o responsável pelas primeiras grandes reformas da educação brasileira e redator do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932. Tem escolarização básica religiosa e entra para a ordem jesuítica posteriormente,
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porém logo a abandona. Sua preocupação com a disciplina Educação Física inaugura seus interesses pelos processos de ensino e aprendizagem. Atua então ativamente na área educativa entre 1920 a 1960, quando é convidado para ser diretor-geral de instrução pública do Rio de Janeiro. Tem agens por diversos organismos educacionais importantes, chegando a se tornar membro da Academia Brasileira de Letras em 1967. Azevedo possuía um vasto conhecimento sobre diferentes áreas do saber. Um intelectual engajado, cujo objeto principal de estudos era a educação, em especial a escola pública, que entendia como laica e obrigatória. A República, que pouco a pouco se consolidava nos anos 1920, necessitava do cidadão esclarecido, que assumisse seus deveres e obrigações de forma plena. Além disso, o arcaísmo dos métodos de ensino não haviam conseguido integrar, em suas práticas, as Ciências Humanas que pouco haviam se estabelecido: a Estatística, a Psicologia, a Sociologia etc. Nesse sentido, estimula a formação contínua, do ensino infantil ao superior, superando o caráter humanista do ensino tradicional, que focava nas grandes filosofias e línguas, em direção ao aprendizado técnico e científico. Sabemos que, socialmente, o Brasil que se apresenta após a Primeira Guerra Mundial é permeado por diversos interesses, principalmente os da indústria nacional, que toma força, e o operariado crescente, dentro de um país agroexportador. Para Para saber mais nosso educador em questão, a escola deveria A TV Escola é a televisão pública do promover a coesão social e a solidariedade, Ministério da Educação e disponibipois era um espaço reservado para esse intento. liza uma grande quantidade de víNela, seria formado o cidadão que, egresso dos deos em seu portal, no link:
. Há uma série coletivistas na vida cotidiana. muito interessante chamada EducaAlém da diversidade social, as propostas dores, que pera a biografia e obra de muitos pensadores. Vale a de reforma de Azevedo levavam em considepena dar uma conferida! ração as disparidades geográficas. Assim, a escola deveria ser diferente também de acordo com o local em que se estabelecia: uma escola para o meio urbano, outra para o meio rural, outra para a praia.
E como Azevedo pensava a estrutura da escola? Inseriu caixas bancárias, rádios e consultórios médicos nos edifícios, que assim enfatizavam uma vivência de “minissociedade”, preparadora do cidadão futuro. Esse é um exemplo significativo de rompimento com o ado, além de sua concepção de arquitetura
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neocolonial, isto é, que se baseasse em elementos tipicamente nacionais, voltando a atenção do estudante para o desenvolvimento da recém-criada República. Devíamos superar as imposições europeias e o tradicionalismo senhorial. Vale lembrar que, para a contratação de professores, colocou a obrigatoriedade de concurso público, causando fortes reações do Poder Executivo de então. Numa réplica contundente, o peso de seus argumentos fez calar aqueles que ainda acreditavam no valor do mandonismo e da indicação política ao bel-prazer. Contudo, com a Revolução de 1930, Azevedo é destituído do cargo, pois essas inovações foram acusadas de imprimir um caráter comunista para a escola brasileira. Os avanços são impedidos, e só continuaram com Anísio Teixeira em 1931. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), tendo como redator e primeiro signatário Fernando de Azevedo, consolida diversas visões progressistas sobre a educação em favor do desenvolvimento nacional. É um marco da renovação educacional. Baseado nas ideias de John Dewey, objetiva democratizar o ensino em todas as suas esferas, do básico ao superior. Tem como base a cidadania, a ciência e a responsabilidade do Estado quanto ao sistema escolar como um todo.
Para saber mais
John Dewey (1859-1952) é considerado a figura mais representativa da escola progressista dos Estados Unidos. Estuda Filosofia e Psicologia, até inserir-se no campo da Pedagogia. Sua popularidade acontece no Brasil principalmente nos anos de 1930 a 1950, com uma retomada na década de 1990. Seu principal interlocutor em nosso país será Anísio Teixeira, o qual estudaremos adiante. Para saber mais sobre esse pensador, pesquise sobre a corrente filosófica do pragmatismo.
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O aluno da Escola Nova participa ativamente do processo de ensino-aprendizagem quando, além das disciplinas tradicionais (letras, a cultura grega, línguas), são incluídas as ciências. O professor a a ser o mediador da aprendizagem, deslocando-se do centro da relação pedagógica para auxiliar o estudante a desenvolver seu conhecimento através da teoria e da prática científicas. Sua concepção avançada de escola, tanto em termos estruturais (departamentos e laboratórios) como em recursos humanos (professores com conhecimento científico), a essa nova pedagogia.
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Note que Azevedo tem uma importância histórica central na concepção de educação que chega até os dias de hoje. Suas reflexões acerca da escola enquanto construção arquitetônica multifacetada é muito superior à ruína em que se encontram atualmente os colégios públicos, relegados ao descaso, abandono e, quase sempre, a uma sala de aula composta por alunos, professor e quadro-negro. Sua preocupação com todo o sistema escolar, principalmente ao ensino primário, serve de parâmetro para compreendermos nossas dificuldades atuais.
Para saber mais Algumas obras de Fernando de Azevedo: Novos caminhos e novos fins -— A nova política da educação no Brasil (1935); Canaviais e engenhos na vida política do Brasil (1948); A educação e seus problemas (1952); As ciências no Brasil (1956); Princípios de sociologia (1958); Sociologia educacional (1959).
2.2 Anísio Teixeira Nascido em Caitité (BA), em 1900, e falecido no Rio de Janeiro (RJ), em 1971. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais, realizou uma grande reforma educacional na Bahia, enquanto diretor-geral de instrução entre 1924 e 1928. Toma contato com a obra de John Dewey durante seus estudos na Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos. De volta ao Brasil em 1931, toma posse da presidência da Associação Brasileira de Educação, sofrendo forte oposição de setores importantes da Igreja Católica, os quais tinham como meta frear o avanço do ensino laico e estabelecer o ensino público religioso. Torna-se conselheiro da Unesco em 1946. Em sua agem pela Secretaria de Educação e Cultura do Distrito Federal, funda a Universidade do Distrito Federal, sendo seu reitor em 1935 e 1963.
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Figura 3.8 Anísio Teixeira
Fonte: AE (2014).
De família influente, financeira e politicamente, Teixeira é educado nos colégios jesuítas. Ao ser indicado ao departamento de educação do governo da Bahia, percebe a grande diferença entre as estruturas escolares religiosas a que teve o, ricas e abundantes, e a realidade das escolas populares, totalmente precárias. Ele parte dessa constatação para iniciar uma proposta de formação de professores muito avançada para a época, ainda no interior de seu estado natal. Ao tomar contato com a educação progressista Para saber mais e democrática de Dewey, fica claro por que se Você sabia que o Instituto Nacional torna um participante do movimento Escola de Estudos e Pesquisas Educacionais Nova. (INEP), responsável, entre outros, pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e pela avaliação dos cursos de graduação de todo o país, leva o nome de Anísio Teixeira? Saiba mais em:
.
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Contudo, com os desenvolvimentos históricos que levarão à ditadura de Getúlio Vargas em 1937, as ações de Teixeira na Universidade do Distrito Federal são interrompidas. Gustavo Capanema, então ministro da Educação, impede que seja construída, naquela universi-
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dade, um projeto de formação de professores de nível superior. Isso implicará que, durante décadas, professores do ensino básico fiquem afastados dos bancos universitários, bem como atraso nas pesquisas sobre educação. A preocupação central de Teixeira é a democratização do ensino, o que pode ser visto no título de uma de suas obras: Educação não é privilégio. O educador era consciente, pela própria experiência de vida, como já afirmarmos, de que a escola oferecida à população brasileira era deficitária. Além disso, o governo getulista se insere nos movimentos históricos de afirmação da República e de desenvolvimento nacional nos moldes capitalistas. Para alcançar tais objetivos, formar o cidadão e qualificá-lo para os novos tempos, era preciso uma escola pública, gratuita, obrigatória e de o a todos. Note como a sociedade baiana, da época em que levou a cabo sua reforma, era antidemocrática e elitista: um de seus primeiros atos foi a construção de escolas. Parece simples, não? Mas não havia vontade social ou política daqueles que controlavam o estado, de modo que sua pedagogia avançada iniciava-se pela construção de escolas. Mais que isso, construiu tais edifícios mais próximos dos bairros populares, chamando-os de Ginásios de Bairro. Dentro dessa concepção, precisamente em 1950, inaugura a primeira Escola Classe e sua complementar Escola Parque. Na primeira, no horário normal de aulas, os alunos tinham o aos conhecimentos estabelecidos pelo currículo escolar. Na segunda, em contraturno, eram oferecidos cursos artísticos, esportivos e profissionais. Com essa complementariedade, era possível apresentar aos alunos de famílias desfavorecidas uma educação que realmente preparasse para entender a vida em sociedade. Em outras palavras, tornar-se um cidadão consciente da realidade social através da dualidade cultura e trabalho. Na presidência de João Goulart, de 1961 a 1964, o governo propõe implantar as Reformas de Base, isto é, grandes modificações estruturais nos setores educacional, econômico, político e agrário. O objetivo geral era diminuir a desigualdade social, continuando o processo de democratização, pois as pressões populares eram imensas, calcadas no sofrimento cotidiano da população. Nesse contexto, Anísio Teixeira desenvolve a Universidade de Brasília como um centro de excelência de estudos e pesquisas, a qual seria um elo entre as diversas universidades brasileiras. Essa ação, como todo o processo democrático brasileiro então em andamento, é barrada pelo golpe civil-militar de 1964.
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Atividades de aprendizagem Após tomar conhecimento dos educadores que participaram do movimento escolanovista, responda: por que podemos dizer que esses educadores tinham uma concepção democrática do sistema escolar?
2.3 Paulo Freire A importância de Paulo Freire é tamanha que pode ser reconhecida nestes dois fatos: é o Patrono da Educação Brasileira (desde 2012) e o cidadão mais homenageado de toda nossa história. São 41 títulos Doutor Honoris Causa, isto é, 41 condecorações internacionais que reconhecem sua sabedoria, suas ações e seus méritos voltados à educação. Mas nós verificaremos que sua contribuição como educador não se deu por títulos e cerimônias, mas por sua reflexão e atuação concreta junto aos mais necessitados. Sua influência é reconhecida internacionalmente, mas infelizmente pouco divulgamos, ou mesmo lemos, suas obras. Veremos o porquê disso. Figura 3.9 Paulo Freire
Fonte: Sergio Tomisaki/Folhapress (2014).
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Nascido em Recife (PE) em 1921 e falecido em 1997 em São Paulo (SP), formou-se em Direito, desistindo de advogar logo em seguida. A partir de 1946, trabalhando no Serviço Social da Indústria (SESI) de Pernambuco, tem contato com camponeses analfabetos e pobres. Inicia a construção de seu método para dar conta dessa situação: consegue alfabetizar 300 cortadores de cana-de-açúcar em 40 horas de curso, no ano de 1961. Em 1964 foi preso e extraditado pelo regime civil-militar. Desloca-se por diferentes países, e por onde a insere-se em projetos educacionais para os estratos mais desfavorecidos. Em 1969 lança sua obra mais famosa, a Pedagogia do oprimido, a qual só seria publicada aqui em 1974 por causa da censura. Volta ao Brasil em 1980, novamente atuando como educador, mas participando também de experiências no governo e na política. E como começa a atuação desse educador? Ele é colocado para ensinar camponeses analfabetos e miseráveis. Ao tomar a lição, escreve no quadro-negro o que mandava a cartilha: “Eva viu a uva”. Todos copiam. Contudo, pensa: esses homens e mulheres nunca viram uma uva, já que am fome e lhes faltam até o arroz e o feijão. Em outras palavras, o que estava sendo ensinado na escola não auxiliava aquelas pessoas a compreender a situação miserável em que se encontravam. Nesse fato trivial, de aprender “as primeiras letras”, Freire descortina a dominação social e política do Brasil que agia dentro da sala de aula.
Para saber mais Paulo Freire foi muito feliz na forma em que escrevia seus livros. Seu texto é de fácil leitura, gostosa, cheia de palavras que ele mesmo inventava. Mas é preciso que tenhamos cuidado: por debaixo desse estilo há uma rigorosa e densa análise filosófica e científica. Muitas das dificuldades em se estudar a obra freiriana está em não levar a sério todo o conhecimento ali “escondido” debaixo da prosa. Sem querer nos alongar, um ponto crítico que sugerimos a você estudar, caro(a) aluno(a), é a dialética, que se diferencia da relação causa-efeito a que estamos acostumados. Freire traz essa forma de pensar principalmente de Hegel e Marx. Procure conhecer o método dialético para facilitar seu aprendizado.
Da percepção da educação como forma de dominação, já na alfabetização, o autor desenvolve o conceito de oprimido, que é expresso na pessoa que, imersa numa estrutura social injusta, não reconhece a própria potencialidade de transformar a realidade. Aqueles camponeses não se questionavam por que os fazendeiros pouco lhe pagavam, ou por que, na escola, estudavam
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sobre coisas que nunca conheceriam. O interessante é que podemos perceber que todos nós somos oprimidos, pois a época em que vivemos rege-se sob as normas do Capitalismo, o qual nos impõe relações sociais hierarquizadas, independentemente de querermos ou não. Para aqueles pequenos agricultores de Angicos (RN), a escola participava eficientemente de sua condição de ser miserável. De forma geral, como age tradicionalmente a Pedagogia nos dias atuais? Semelhante à “educação bancária” em que o professor acredita que é detentor do conhecimento, assim como se possui a riqueza. Em suas aulas ele deve “depositar” o conhecimento na mente dos estudantes, que não possuem conhecimento algum. Observe como a Pedagogia imita as relações comerciais, que são o cerne do capitalismo. Contudo, será mesmo que os alunos nada sabem do mundo? Freire nos lembra que homens e mulheres entendem, sim, o mundo que os cerca. Na “escola da vida” aprenderam, na prática e não em salas de aula, a viverem e conviverem (LIMA; CARLOTO, 2009). Acontece que estão expostos a certas condições, tanto sociais como psicológicas, que os forçam a crer que a realidade é e sempre foi hierarquizada. Como o professor e o aluno. Por isso, o conceito de oprimido é esclarecedor. Nossas relações sociais impedem “a vocação do ser mais” (FREIRE, 1987, p. 30), isto é, a tendência humana de sempre se desenvolver. A escola, por isso, deve ser um fator de libertação, não de alienação. É nesse sentido de libertação pela crítica, pelo exame do mundo concreto, que Freire cria uma pedagogia baseada no diálogo e na descoberta conjunta do mundo. Professores e alunos são sujeitos que, colaborativamente, descobrem e redescobrem Para saber mais a realidade em que vivem. Sua formulação é O Instituto Paulo Freire possui uma bem conhecida: “Ninguém educa ninguém, grande quantidade de recursos ninguém educa a si mesmo, os homens se para . O acervo possui educam entre si, mediatizados pelo mundo” muitos materiais, até mesmo livros (FREIRE, 1987, p. 68). A pedagogia freiriana completos, que podem ser aé um e inestimável para pensarmos e dos gratuitamente no site:
. de exploração.
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Na prática, o processo pedagógico se inicia bem antes da sala de aula. Através da investigação temática, os educadores buscam conhecer o dia a dia de seus alunos, inserindo-se na comunidade. Baseando-se em conversas formais e informais, em observações participantes, vão reconhecendo temas significativos para aquela comunidade. É preciso que o educador aprenda como vivem seus alunos, que conhecimentos eles e elas já possuem do mundo, que assuntos lhes interessam. Daí, o educador verificará como o conhecimento científico poderá auxiliá-los a saber mais do que já sabem. Note: o educador não impõe o conhecimento científico; ele se coloca, e coloca a ciência como auxiliar das camadas populares, em diálogo. Após listar os temas encontrados na comunidade, esses momentos experimentados são expressos como situações existenciais simples, sugestivas, para que possam ser mais facilmente estudadas. Em seguida, de acordo com o método dialético, cada situação existencial simples é dividida em um par de contradições principais, isto é, em seus componentes, que auxiliam e resistem à opressão. As situações existenciais simples e suas contradições serão os problemas a serem estudados durante as aulas. Os professores trazem o conhecimento científico e, junto aos alunos, refletirão acerca da realidade. As aulas são feitas em círculos de cultura, nos quais todos os participantes podem emitir juízos e partilhar ideias sobre as situações existenciais analisadas. O professor não fica em frente à classe. Seu conhecimento científico será mais um saber a ser mobilizado para resolver a questão. Os alunos trazem seu conhecimento do cotidiano. Ambos então trocam saberes e experiências sobre a vida concreta, baseando-se nas disciplinas escolares. Perceba que o diálogo e o trabalho conjunto dão a tônica do método. Tanto que os alunos não só se apresentam no círculo de cultura; eles participam em todo o processo, desde a investigação temática. Isso é necessário para que os conteúdos sejam significativos para a população, que tenham existência real, evitando assim que o professor apresente temas sem nexo, como a “uva” das cartilhas.
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Questões para reflexão As obras de Paulo Freire tiveram um forte impacto em todo o mundo, pois aliavam uma rigorosa análise pedagógica com uma prática interventiva. Não escondiam seu objetivo social, para o qual convocava educadores e educandos: o fim das relações de exploração existentes no capitalismo. Tomemos uma frase para reflexão, que a a ideia de mudança social: “seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitissem às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica”. Não podemos considerar, entretanto, que a pedagogia de Paulo Freire terminava no ato do conhecimento, ao fechar dos cadernos. Da forma como concebeu seu método, a teoria, seja científica ou popular, foi mobilizada para compreender as situações reais pelos quais ava o povo. A realidade circundante, opressora e miserável, era o problema a ser pensado. Mas se agora me coloco no centro da reflexão, se ganho ferramentas conceituais para problematizar minha vida, além de entender o problema também me esclareço na busca de soluções, não é mesmo? As camadas populares, escolarizadas, ganham poder político porque agora podem agir baseadas em descobertas sólidas. E nas aulas partem de situações cotidianas, próximas e familiares, para pouco a pouco estabelecerem relações entre a situação da família e as situações históricas e econômicas do país. Nas palavras do próprio autor: Ao se instalarem na quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problema a eles mesmos. Indagam. Respondem, e suas respostas os levam a novas perguntas (FREIRE, 1987, p. 29).
O oprimido deixa de ser um objeto da educação para ser um participante ativo, para ser aquele e aquela que ativamente descobrem o mundo e que assim podem modificar sua realidade. O professor desce de seu pedestal e, unindo seu conhecimento ao do povo, descobre novas realidades, também aprendendo. Freire denomina o aluno de educando-educador, e o professor, de educador-educando.
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Estão claros agora os motivos que levaram Freire a ser exilado do país pelo regime ditatorial, e seu método, a ser renegado e pouco estudado: aprender a “ler o mundo“ e aprender a agir no mundo, democraticamente e contra as injustiças sociais.
Atividades de aprendizagem Explique, com suas palavras, o que Paulo Freire quis dizer com as expressões “educador-educando” e “educando-educador”.
Para saber mais Algumas obras de Paulo Freire são: Educação como prática da liberdade (1967); Ação cultural para a liberdade (1968); Pedagogia do oprimido (1970); Cartas a Guiné-Bissau. Registros de uma experiência em processo (1977); Ideologia e educação: reflexões sobre a não neutralidade da educação (1981); A importância do ato de ler (em três artigos que se completam) (1982); Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido (1992); Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar (1993); Pedagogia da autonomia (1996).
2.4 Florestan Fernandes Nasceu em 1920, na cidade de São Paulo (SP), e faleceu em 1995, no mesmo município. De família humilde, teve que parar os estudos para trabalhar em diversas funções menores, retornando para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), o antigo “Madureza”. Forma-se na Universidade de São Paulo (USP), em Ciências Sociais, e logo inicia a carreira como professor universitário. Forçado a se aposentar em razão da ditadura civil-militar, movimenta-se por universidades estrangeiras. Tem uma atividade política grande, sendo um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) e duas vezes deputado federal. Florestan pertence à primeira geração de pesquisadores formados pela USP, resultado da “missão sa” que fundou a instituição em 1934. A “missão” constituiu-se de um grupo de notórios professores convocados para estabelecer as bases das ciências sociais em São Paulo, de maneira rigorosa aos moldes europeus. É a partir de Fernandes e sua atuação na academia que as ciências sociais brasileiras tomam importância científica crescente.
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Figura 3.10 Florestan Fernandes
Fonte: Eder Luiz Medeiro/Folhapress (2014).
A missão sa merece destaque, pois inaugura as bases sobre as quais se erguerá a mais importante universidade brasileira da atualidade. Após a derrubada da República Velha e de nova derrota na Revolução Constitucionalista de 1932, as camadas dirigentes do estado de São Paulo buscam novas estratégias para retomar o poder. Uma das opções foi a formação intelectual das elites, através da consolidação de uma universidade, instituição social que ainda não havia se estabelecido no Brasil e no Paraguai. Em 1934 é então fundada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, terceira do gênero em território nacional, sendo a primeira a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em seguida a de Minas Gerais. Seu brasão afirmava: “Scientia Vinces” ou “Pela ciência, vencerás”. Alguns nomes dos professores saltam à vista, como Claude Lévi-Strauss, fundador da antropologia estruturalista e um dos grandes intelectuais do século XX, e Roger Bastide, sociólogo e exímio conhecedor das religiões afro-brasileiras, dentre tantos outros. Atualmente, a Universidade de São Paulo destaca-se entre as melhores universidades do mundo. Reconheceu que sua posição na universidade lhe conferia não só a responsabilidade de pesquisador comprometido, mas também o papel de educador das futuras gerações que ali ariam. Nesse sentido, mesmo não sendo um especialista na área, debruçava-se sobre considerações pedagógicas e avaliava os processos educativos pelos quais avam seus alunos. Refletia a respeito da necessidade de transitar entre a pesquisa e o ensino de forma competente,
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aproveitando as aulas em que lecionava disciplinas introdutórias para estimular suas reflexões. Entre as décadas de 1940 e 1960 lança artigos a respeito da educação. Via que o atraso educacional encontrado no interior do país era explicado pelo conceito de “demora cultural”, isto é, enquanto algumas instituições sociais modernizavam-se, o pensamento e a ação cotidianos da população brasileira ainda se moldava por referências tradicionais. Esse desequilíbrio refletia-se no sistema escolar, e a história da escola, conforme já vimos na seção anterior desta unidade, confirma essa tese. Nesse sentido, compreendia que o sistema escolar deveria ser promovido pelo Estado, de forma a impulsionar a democracia e provocar efeitos benéficos mais uniformes em todo o país, minimizando os efeitos da demora cultural. No simpósio sobre os problemas educacionais brasileiros, que ele mesmo organiza em 1959, caracteriza o que chamou de “dilema educacional brasileiro”: a situação de subdesenvolvimento nacional Para saber mais demandava grandes modificações no cenáUma das últimas entrevistas do rio escolar, mas também criava obstáculos prestigiado sociólogo para o propara essas mudanças. Assim é, por exemplo, grama de debates Roda Viva da que a escola requer gastos vultosos e ações TV Cultura pode ser assistida pela complexas para modificar sua situação, mas Internet. Procure-a em sites de buscas, assista-a e enriqueça o seu ao mesmo tempo muitos atores que parconhecimento. ticipam da rede escolar, como os professores, são contra os avanços ou medidas progressistas. A Campanha em Defesa da Escola Pública (1959), que discutia a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), teve como liderança mais combativa Florestan Fernandes. Foram dezenas de conferências que buscavam esclarecer o público em geral e angariar simpatizantes em defesa da educação brasileira. Além de pesquisador reconhecido, quando criança havia sentido o peso das condições sociais, que lhe retiravam a oportunidade de estudar regularmente. O meu estado de espírito fez com que o professor universitário falasse em nome do filho da antiga criada e lavadeira portuguesa, o qual teve de ganhar a sua vida antes mesmo de completar sete anos, engraxando sapatos ou dedicando-se a outras ocupações igualmente degradadas (FERNANDES apud SAVIANI, 1996).
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Em seu livro O desafio educacional, de 1989, reúne textos relacionados à educação e que foram elaborados nos anos anteriores. Naquele momento histórico ainda via a ação de alas conservadores contra a educação pública e abrangente. Promoveu sua militância em favor da educação até sua morte, através de colunas semanais em jornal e de sua prática como deputado federal.
Atividades de aprendizagem Através de um pequeno texto, explique como a precária escolarização infantil de Florestan Fernandes o motivou a refletir sobre as condições sociais da escola brasileira.
Para saber mais Algumas obras de Florestan Fernandes são: A função social da guerra na sociedade Tupinambá (1952); A integração do negro na sociedade de classes (1964); Sociedade de classes e subdesenvolvimento (1968); A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica (1975); O desafio educacional (1989).
2.5 Rubem Alves Nascido em Boa Esperança (MG) em 1933, é educador, teólogo e psicanalista. Inicia seus estudos pela Teologia, partindo para outras áreas do saber, como Filosofia e Sociologia. Após estudos teológicos nos Estados Unidos, foi considerado subversivo pela Igreja Presbiteriana do Brasil, pois acreditava que a religião deveria se preocupar com as mudanças terrenas. Sua tese de doutorado foi percursora do movimento Teologia da Libertação. Também foi perseguido pelo regime civil-militar e obrigado a exilar-se. Intelectual prestigiado, é professor universitário e reconhecido pela grande quantidade de ensaios, crônicas e livros. Tem a educação como um dos seus principais objetos de análise.
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P r o c e s s o d e f o r m a ç ã o d a e s c o l a n o B r a s i l 119 Figura 3.11 Rubem Alves
Fonte: de Lalo de Almeida/Folhapress (2014).
A Teologia da Libertação foi um movimento que se iniciou dentro da Igreja Católica na América Latina, mas acabou por adotar também outras denominações religiosas. Afirma que os ensinamentos de Jesus devem ser mobilizados para libertar os seres humanos das injustiças sociais, políticas e econômicas, transformando a realidade. Recusou-se a ignorar o que se ava no mundo, cada vez mais desigual socialmente. Seus líderes foram condenados pela cúpula da Igreja Católica, em especial pelo ex-cardeal Joseph Ratzinger, posteriormente papa Bento XVI, e assim sua influência decaiu pouco a pouco. Junto a Paulo Freire, Alves torna-se um crítico do ensino tradicional. E é a partir da década de 1980 que centra suas atenções à educação. Faz uma crítica em relação aos saberes que não são ensinados nas escolas, como as artes, os jogos, as brincadeiras e as descobertas livres, o que fez com que se tornasse alvo de ataques constantes. É interessante notar que seu pensamento se expressa por ricas imagens, utilizando-se frequentemente de fábulas, metáforas e narrativas. Por isso, posteriormente romperá com a Universidade, debruçando-se sobre a literatura e os ensaios. Veja como concebe a “escola gaiola”:
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[...] que prende os alunos com sua “grade curricular”, suas “disciplinas”, suas “provas” com professores que possuem “manejo de classe” visando a “formação” até o dia do ato final, a “formatura” (SCOFANO, 2009).
A tradição escolar, como já vimos, é marcada pelo autoritarismo de professores sobre os alunos. A metáfora supracitada se reflete nas aulas, quando a vivência dos estudantes em seu dia a dia não é problematizada na escola. A teoria se desprende da prática. Nesse sentido, Alves nos afirma que a escola deve desenvolver a inteligência dos alunos, dar-lhes “asas”, o que é diferente de fornecer respostas finais. Os professores devem incitar a reflexão dos alunos, que assim desenvolvem a imaginação e dão sentido a suas vidas.
Para saber mais Na página pessoal de Rubem Alves é possível ler dez de seus mais conceituados textos. É uma ótima oportunidade para iniciar o conhecimento da obra desse autor e usufruir como ele próprio prega, de seu estilo cativante. e:
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Percebe-se que Alves (1987) enfatiza a alegria na escola, uma percepção otimista da educação. Faz uso de uma linguagem considerada romântica, ensaística, coerente com sua concepção otimista. Veja este exemplo, que se situa numa crítica ao cientificismo escolar: “Ciência dá saberes à cabeça e poderes para o corpo. Literatura e poesia dão pão para corpo e alegria para a alma” (SANTOS, 2014, p. 1). É por essa via que examina a educação como história inversa à do Pinóquio. Nesse conto, o boneco de madeira torna-se humano; na escola, desprezamos os sonhos e emoções dos alunos, tornando-os inanimados. Mas tomemos cuidado para não pensarmos que Alves é contra a ciência. Muito pelo contrário, sua experiência de vida constituiu-se, em grande parte, na vivência universitária e no conhecimento das mais diversas disciplinas científicas. Seu posicionamento, portanto, procura problematizar a forma e o conteúdo adotados pelos sistemas educativos na contemporaneidade: Já resumi minha teoria da educação dizendo que o corpo carrega duas caixas. Uma delas é a ‘caixa de ferramentas’ onde se encontram todos os saberes instrumentais, que nos ajudam a fazer coisas. Esses saberes nos dão os meios para viver. Mas há também uma ‘caixa de brinquedos’. Brinquedos não são ferramentas. Não servem para
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nada. Brincamos porque brincar nos dá prazer. É nessa caixa que se encontra a poesia, a literatura, a pintura, os jogos amorosos, a contemplação da natureza. Esses saberes, que para nada servem, nos dão razões para viver (ALVES apud SCOFANO, 2009).
Rubem Alves é o criador, enfim, de uma pedagogia de cunho liberal, que remonta as experiências da Escola Nova dos anos 1930. Propõe a autonomia dos alunos, sua crítica e realização pessoal, através de temas pessoalmente significativos. Acredita que a massificação e a insensibilidade, assim, serão superadas.
Para saber mais Algumas obras de Rubem Alves são: Filosofia da Ciência (1981); Estórias para quem gosta de ensinar (1995); A Escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir (2001); Por uma educação romântica (2002); O desejo de ensinar e a arte de aprender (2004).
Atividades de aprendizagem Discorra sobre a seguinte tensão: melhorar a qualidade do ensino, seu conteúdo curricular e científico, ou enfatizar os saberes que dão sentido à vida, como propõe Rubem Alves?
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Fique ligado! Nesta unidade, você aprendeu que: A escola é um produto das sociedades, e isso significa que para conhecê-la de modo aprofundado é preciso reconhecer os processos sociais e históricos que dão sentido a sua existência. O sistema educacional, tal como hoje se realiza, teve suas características oriundas do advento da Modernidade, podendo-se destacar: a centralidade da razão, as relações sociais capitalistas, a obrigatoriedade e universalidade de o e a laicidade. A história do Brasil é marcada, desde seu início, pela dominação de poucas pessoas sobre muitas. Isso se refletirá na escola de péssima qualidade para grande parte dos grupos sociais, desde o período colonial, sendo apenas para os senhores, depois com sua propagação popular na República, e até hoje. As mulheres, os povos indígenas e a maioria negra escravizada foram, por muito tempo, excluídos da escola. Na transformação da sociedade colonial para a republicana, a educação é vista como e da formação do cidadão, e assim deve ser estendida para toda a população. Na prática, isso acaba não acontecendo de forma completa. A educação brasileira tem uma grande produção de conhecimento e intervenção pedagógica, principalmente a partir do século XX. O movimento escolanovista é um marco, pois reúne uma gama considerável de intelectuais em prol de profundas reformas no campo educacional. Entre nossos educadores, Paulo Freire se situa como um dos expoentes máximos da educação crítica, reconhecido internacionalmente. Contudo, com o regime civil-militar, muitas práticas democráticas foram abortadas, e encontramos dificuldades em aplicar seu pensamento.
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Para concluir o estudo da unidade Caro estudante, após concluirmos nossos estudos sobre a escola brasileira e seus educadores, esperamos que você tenha em mente um quadro abrangente dos condicionantes históricos que determinaram a atual existência desta importante instituição social. Atente para os discursos correntes sobre a precariedade do ensino de hoje em dia: uma hora culpam professores, outra, culpam aos alunos, fala-se muito da má vontade política. A intenção aqui foi de mostrar-lhe que o entendimento da questão vai muito mais além da culpa individual, pois ainda padecemos de séculos de opressão. E as soluções ainda caminham devagar, apesar dos esforços. Nesse sentido, sugerimos fortemente que você, posteriormente, escolha um educador e aproxime-se de seu pensamento, lendo suas obras mais detalhadamente. Faça articulações do que foi teorizado com as práticas em sala, dando sentido ao que é executado. Teoria e prática andam juntas, sempre! Só assim será possível avançarmos na construção de uma escola realmente democrática, igualitária e de qualidade!
Atividades de aprendizagem 1. Qual a relação entre a sociedade patriarcal e escravocrata do período colonial e a escola de hoje? 2. Quais os pontos positivos e negativos da repressão aos jesuítas pelo Marquês de Pombal para a educação brasileira? 3. Estabeleça uma comparação entre o ensino colonial e o ensino republicano, tendo como eixo de análise a ideia de cidadão. 4. Escolha um educador, dentre aqueles que estudamos, e faça um resumo do que foi exposto neste material. Se possível, faça uma pesquisa para trazer mais elementos para seu texto, fortalecendo seus argumentos. 5. Explique o conceito de “educação bancária”, de Paulo Freire, citando exemplos concretos de sua própria vivência.
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P r o c e s s o d e f o r m a ç ã o d a e s c o l a n o B r a s i l 125 SCOFANO, R. G. Rorty, Paulo Freire e Rubem Alves: convergências em educação. Revista Redescrições, Ano I, Número Especial: Memória do I Colóquio Internacional Richard Rorty, 2009. Disponível em:
. o em: 12 mar. 2014. VAZ, F. A. B.. História da educação e da escola brasileira: uma peça “encenada” em um “cenário” político – econômico nacional?. IX Jornada do HISTEDBR. Belém, 2010. Disponível em:
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Unidade 4
A questão do trabalho, da sociedade e da educação Okçana Battini
Objetivos de aprendizagem: Para entendermos como as questões sociais impactam o trabalho e a identidade do professor, além de estabelecer, muitas vezes, o direcionamento do processo escolar, realizamos um recorte em alguns elementos da nossa sociedade, partindo da questão da globalização e dos modelos do trabalho, para tentarmos descobrir as teias que se fazem presentes em nossa sociedade e que muitas vezes não entendemos, em virtude das relações ideológicas que fetichizam nosso olhar.
Seção 1:
Questões sociais, modelos de trabalho e formação da sociedade capitalista Abordaremos as mudanças sociais, políticas e econômicas e seus impactos na formação dos trabalhadores, além de como essas mudanças também influenciam a sociedade e o espaço escolar.
Seção 2:
Trabalho docente e sua identidade Vamos discutir o trabalho docente e sua identidade, tendo como eixo principal o modo como esses dois elementos am a ser, muitas vezes, direcionados pelas questões sociais.
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Introdução ao estudo Este texto tem como objetivo discutir como a reorganização da sociedade capitalista, ou seja, a nossa sociedade, está relacionada aos modelos de trabalhadores e, consequentemente, ao perfil político e ideológico da escola, já que a escola é uma instituição que sofre os impactos das modificações de âmbito social, político e produtivo de nossa sociedade. Nesse contexto, temos como foco a formação de novos modelos de trabalhadores, com base em elementos característicos desse novo momento do capitalismo, e o modo pelo qual esses valores são transmitidos para todos os sujeitos. Cabe levantar que esses elementos estão presentes na escola e no trabalho docente, de forma que é essencial que o modo como essas relações são construídas e consolidadas em nossa sociedade seja compreendido. Na Seção 1 desta unidade, vamos ver como as mudanças sociais, políticas e econômicas impactaram e desenvolveram modelos de trabalho, e como essa questão influencia a constituição da sociedade, chegando ao espaço escolar. Na Seção 2, vamos centrar na discussão sobre o trabalho docente e a identidade do docente, tentando estabelecer como a escola e o trabalho do professor am a ser mediados pelas questões sociais. Vamos discutir a função do professor como agente articulador do processo de desenvolvimento social.
Seção 1
Questões sociais, modelos de trabalho e formação da sociedade capitalista
Nesta seção vamos discutir como as questões sociais impactam diretamente na estruturação das políticas sociais, dentre elas a educação. Nesse sentido, torna-se importante sabermos como a sociedade capitalista se estrutura, além de compreender como o Estado e os modelos de trabalho são essenciais para o desenvolvimento da sociedade capitalista. O interessante é compreender que essas relações não se efetivam de forma direta, mas estão mediadas pelos conflitos existentes entre capital e trabalho. Outro objetivo também é discutir como a reorganização do Estado capitalista está relacionada aos modelos de trabalhadores e, consequentemente, ao perfil político e ideológico da nossa sociedade e como essa questão tem impacto na escola.
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Para atender a essas questões, fizemos um recorte elencando pontos que consideramos importantes, abordando como se deu o processo de globalização do capital que, em Para saber mais nosso entendimento, foi a base para as transformações do regime da sociedade capitalista. Esse dois conceitos, ideologia e feNo contexto da globalização, pontuamos a tiche, são conceitos marxistas e servem para o entendimento do questão da política neoliberal como guia para real, ou seja, para Marx, muitas das um novo paradigma político-ideológico. Basea coisas que existem em nossa sociedos nesse novo paradigma, buscamos demonsdade se apresentam de maneira trar a necessidade da construção de uma nova equivocada, que mascara a realiconcepção de Estado que desse e aos dade, impedindo os sujeitos de pressupostos da globalização do capital. refletirem sobre seu processo real. Assim tratamos das transformações ocorridas nos processos produtivos, primeiramente baseadas no modelo de trabalho fordista/ taylorista de produção e, mais recentemente, assumindo uma nova roupagem, a da chamada produção flexível, ou toyotismo.
Uma leitura essencial para o entendimento dessa questão é A ideologia alemã, de Karl Marx. Leia o texto no link a seguir:
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A abordagem do tema se deu tão somente de forma a situar como a globalização e a política neoliberal, dentre outros determinantes da reorganização do capitalismo, desencadearam novos processos de produção e novas especificidades da prática dos trabalhadores, incidindo na escola e na atuação de profissionais das mais diversas áreas. Vamos começar nosso trabalho? Podemos iniciar nossa discussão com um pequeno diálogo retirado de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll (apud DALTO, 2012, p. 51): —P ode dizer-me que caminho devo tomar? — perguntou Alice. — Isso depende do lugar que você quer ir! — respondeu o gato. — Não tenho destino certo! — [falou] Alice.
Esse diálogo pode ilustrar o desenvolvimento da ciência e da sociedade capitalista. Nesse caso, não se pode tomar qualquer caminho, pois a busca pela interpretação científica da nossa sociedade requer um rigor metodológico para sua realização, ou seja, um conjunto de métodos e instrumentos utilizados para a leitura da nossa sociedade. Claro que existem inúmeras abordagens
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para a explicação do modo de produção capitalista. Você já imaginou como era realizada a leitura das questões sociais sem a leitura da ciência? Um momento muito interessante de ser analisado dentro da história da nossa sociedade é o surgimento do que alguns autores chamam de pré-capitalismo, que vai do século XV — as Grandes Navegações (século XV), o Renascimento (século XVI) e a Reforma Protestante (século XVI) — até o final do século XVIII — com a Revolução Industrial e a Revolução sa. Esses acontecimentos são fundamentais para entendermos as condições históricas que permitiram o surgimento de uma forma de interpretação social, ou seja, a sociologia como ciência. Assim podemos perceber que a história e a sociologia andam em conjunto no que diz respeito à interpretação das transformações sociais. Em um primeiro momento, devemos pensar a sociedade estruturada sobre o modo de produção feudal. A Europa fundamentava-se principalmente em torno da terra e da propriedade privada da terra, sendo que sua organização era ligada ao trabalho rural, sua principal fonte de organização social. Nessa sociedade de base agrária, o modo de viver das pessoas era completamente diferente de hoje, com pouco comércio, cujas cidades não avam de pequenas aldeias e o pensamento religioso moldava a vida das pessoas. Segundo Meksenas (1988, p. 38), a partir do século XIV, esse mundo começará a mudar rapidamente, ando de um mundo agrário para o mundo urbano industrial. Mas essa mudança não ocorreu em pouco tempo, sendo necessários muitos séculos (no mínimo três) para se concretizar efetivamente. No entanto, como foi uma mudança social radical, muitos a chamam de revolução. A necessidade de expansão e a busca por novas mercadorias fizeram com que o povo europeu desbravasse novas terras, com base na expansão das fronteiras, em virtude do processo embrionário do capital, que necessita de novos mercados para atender à chamada acumulação primitiva de capital. Nesse contexto, as Grandes Navegações (século XV) são as resPara saber mais ponsáveis pelo “descobrimento do novo Para saber mais como as Grandes mundo”. Navegações influenciaram no processo de transformação da sociedade, veja o filme A missão (The Mission, 1986), de direção de Roland Joffé, com Robert de Niro, Jeremy Irons, Liam Neeson.
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O Renascimento (século XVI) trouxe uma nova visão de mundo, pautado na ciência e na razão. A visão teocêntrica (Deus como centro do Universo) que predominava na sociedade feudal é suplantada pelo antropocen-
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trismo, que coloca o homem como o responsável pela construção das relações sociais. A partir desse momento o homem encontra seu lugar de produtor da realidade social. A ciência a a ser responsável pela explicação dos acontecimentos em sociedade, despertando nos indivíduos uma nova leitura sobre sua própria existência. Nesse período, a realidade social começa a se tornar mais complexa: o homem, agora racional, torna-se questionador, reflexivo sobre a realidade existente. Nesse momento, Galileu Galilei, Leonardo da Vinci e Copérnico desenvolveram novas formas de compreender a realidade social, utilizando-se da experiência para comprovar os fenômenos da sociedade e da natureza. É o início do conhecimento científico que, mais tarde, com Francis Bacon e René Descartes, ficará conhecido como o único responsável pelas explicações dos fenômenos naturais e sociais. A Reforma Protestante (século XVI) traz uma nova forma de se relacionar com o sagrado, colocando o homem como mediador das questões divinas, redirecionando a questão da hegemonia da Igreja Católica no que diz respeito às explicações religiosas. As transformações ocorridas a partir do século XV estão todas vinculadas entre si e não podem ser entendidas de forma isolada. Desse modo, a expansão marítima, as reformas protestantes, a formação dos Estados nacionais, as grandes navegações e o comércio ultramarino, bem como o desenvolvimento científico e tecnológico, são o pano de fundo para uma melhor visão desse movimento intelectual de grande envergadura que irá alterar profundamente as formas de explicar a natureza e a sociedade daí para a frente (TOMAZI, 2000). Nesse processo de mudança da estrutura social, devemos também compreender a importância da Revolução Industrial e da Revolução sa, pontos culminantes para o surgimento do modo de produção capitalista, pois essas revoluções concretizaram mudanças no âmbito produtivo e político que haviam sido iniciadas no século XVII. A Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra a partir de 1750, consolida novas formas de produção, nas quais o trabalho manufatureiro (trabalho manual, com auxílio de alguns instrumentos rudimentares de produção) a a ser um trabalho baseado na maquinofatura (máquinas dentro do processo
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Para saber mais Esses acontecimentos históricos potencializaram o desenvolvimento do modo de produção capitalista, ou seja, o que predomina em nossa sociedade.
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produtivo), reforçando o papel da classe burguesa como detentora dos meios de produção (máquinas, matéria-prima, fábricas) e a classe trabalhadora com sua força de trabalho, que é vendida nas relações de mercado. Esse contexto possibilitou uma nova visão de produção: a produção industrial, em alta escala, o crescimento do mercado, entre outros. Com o poder econômico e produtivo nas mãos, a burguesia alia-se ao chamado Terceiro Estado (camponeses, trabalhadores e burgueses) para afirmar-se, também, como classe política dominante. Esse processo de mobilização do Terceiro Estado busca acabar com os privilégios da nobreza feudal. Essa nobreza (uma minoria da população) era sustentada pela explicação sociológica da vida coletiva de trabalho e impostos dos camponeses, trabalhadores e burgueses, aumenPara saber mais tando a desigualdade social. A Revolução sa é fruto da luta entre o Terceiro Estado Outro filme interessante que dee a nobreza, sendo que em 1789, com a monstra o processo de mudança queda da Bastilha, inicia-se o processo de social através da revolução industrial é Tempos modernos, de mudança de paradigmas para a sociedade, Charles Chaplin, 1936. com novas formas de compreender a realidade social. Esse contexto, no final do século XVIII, faz com que a sociedade e por grandes mudanças no âmbito econômico, produtivo, cultural e político, desembocando em novos problemas sociais até então inexistentes para a população europeia. É a derrocada do Feudalismo e o surgimento do modo de produção capitalista, ou seja, a sociedade capitalista, a nossa sociedade. Veja que estamos falando de mudanças que aconteceram no final do século XVIII e que ainda hoje, em pleno século XXI, estabelecem as estruturas sociais, econômicas, políticas e ideológicas. Nesse sentido, temos a instituição de novas formas de viver, a troca de ideias a a ser maior, ocasionando novas formas de organizar a vida, sendo necessário o estabelecimento de novas normas, leis que fixem novos costumes, tradições e maneiras de agir, que am a ser convenientes aos grupos sociais. Em síntese, nasce uma nova formação social, juntamente com “novos” problemas sociais, oriundos dessas novas relações de trabalho, do “inchamento” das cidades, do desemprego, da falta de infraes trutura e saneamento básico, das doenças etc.
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São esses novos problemas sociais que levam alguns pensadores a refletir sobre a realidade. Nesse contexto, surge a sociologia como ciência, com o objetivo de buscar compreender essa estrutura social. Assim, a sociologia nasce no século XIX juntamente com a consolidação da sociedade capitalista. Já discutimos sobre esses autores em nossas unidades anteriores.
Para saber mais Leia um texto interessante, de Maria Clara Nery (2005, p. 39-50), para a compreensão do surgimento da Sociologia como ciência. Disponível em:
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Historicamente, a sociologia baseia-se em teorias e autores, cada um com uma leitura específica da sociedade capitalista. Essas teorias são chamadas de clássicas, visto que são a base do pensamento sociológico, sendo elas a sociologia positiva (Positivismo de Émile Durkheim), a sociologia crítica (Materialismo Histórico Dialético de Karl Marx e Friedrich Engels) e a sociologia compreensiva (Max Weber). Mas um ponto importante a ser esclarecido é que essas teorias fizeram uma leitura de um determinado momento da sociedade. Historicamente, podemos compreender como foram constituídas as novas relações sociais, como os homens construíram novas formas de viver em sociedade, novas formas de trabalho e novas formas de poder. Nesse sentido, as teorias sociológicas e a história não nos apresentam receitas prontas para o entendimento da sociedade. Elas nos apontam direções para que nós possamos refletir, criticar ou até transformar a realidade em que vivemos.
Para saber mais Já trabalhamos em nosso livro os autores da Sociologia Clássica mencionados anteriormente. Recorra à Unidade 2 para reforçar os conteúdos.
Sendo assim, torna-se essencial estudarmos a sociologia não como uma disciplina datada na história, com uma visão linear, mas entendê-la como uma ciência que nos ajuda a compreender a realidade, sendo essa realidade
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dialética, ou seja, uma realidade ível de mudanças, sendo essas mudanças efetivadas pelo homem, como vimos no início do nosso texto.
Questões para reflexão Será que a relação capital-trabalho modificou-se a ponto de falarmos em pleno emprego? Será que todos têm o ao mundo do trabalho? A qualificação, tão cobrada pela sociedade do conhecimento, é realmente para todos? Para entendermos essas questões, vamos ter um olhar específico sobre um determinado momento do capitalismo (globalização, estado e modelos de trabalho), pois esses elementos atuam diretamente na nova forma do trabalho e na forma como o professor e a escola devem entender a realidade que os cercam. Vamos conhecer como esse processo se efetivou?
Atividades de aprendizagem Quais os principais elementos que possibilitaram o desenvolvimento da sociedade capitalista? Escreva quais mudanças esses elementos trouxeram para a sociedade.
1.1 O processo de globalização do capital e as transformações do regime de trabalho Como vocês sabem, o termo globalização é uma nova expressão do capital, que desencadeia um complexo processo de produção e circulação de mercadorias que tem início nos anos 1970 e concretiza-se com o final da Guerra Fria, em 1989. Segundo Ianni (1995, p. 48-49), esse processo representa, para além de um novo ciclo de expansão do capitalismo, um modo de produção e modificação da civilização em escala mundial, que engloba nações, regimes políticos, culturas e economias.
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Foi a partir do final dos anos 1970 que o modo de produção capitalista entra em um processo de reestruturação, como resposta à crise de superprodução desencadeada após o longo período de expansão capitalista desenvolvido no pós-guerra (1945-1973). Para entendermos esse processo de crise, torna-se importante demonstrarmos como a sociedade capitalista foi estruturada nesse período expansivo, que vai de 1945 a 1973, através da articulação entre a concepção fordista de produção (falaremos dela mais tarde) e a política keynesiana, que conseguiu reconstruir as economias destruídas pela guerra e estabelecer um novo modo de regulação social e política, constituindo um conjunto de práticas de controle do trabalho, de novas tecnologias e uma nova configuração de poder político-econômico, na figura do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State).
Para saber mais O texto de José Luís Fiori, do IEA (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.) possibilita o entendimento dos pressupostos do Estado do Bem-Estar Social e é leitura obrigatória. Disponível em:
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A política keynesiana preconizava uma abordagem das questões políticas, sociais e econômicas do capitalismo que indicava o Estado como figura central para a promoção do crescimento, do bem-estar material e da regulação da sociedade civil. Esse Estado, chamado de Estado do Bem-Estar (Welfare State), utilizaria o aparato do governo para conceber, implementar e financiar programas e planos de ações destinados a promover os interesses sociais coletivos dos seus membros (HARVEY, 2002, p. 122-134). No entanto, no início da década de 1970, esse sistema começou a dar sinais de esgotamento, que, segundo Antunes (2002, p. 29), tiveram como traços mais evidentes: 1) a queda da taxa de lucro dada pelo aumento do preço da força de trabalho, conquistada durante o período pós-1945 e pela intensificação das lutas sociais dos anos 60. A conjugação desses elementos levou à redução dos níveis de produtividade do capital, acentuando a tendência decrescente da taxa de lucro; 2) o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção, dado pela
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incapacidade de responder à retração do consumo que se acentuava; 3) a hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos capitais produtivos; 4) a crise do Welfare State e dos seus mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado capitalista e a necessidade de retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado; 5) o incremento acentuado das privatizações, das desregulamentações e da flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho.
Nesse cenário era extremamente necessária a retomada do crescimento e a reestruturação do modo de produção. Assim: [...] como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal [...]; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumento necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores (ANTUNES, 2002, p. 31).
Para saber mais Um autor bem interessante e que discute essa questão é Ricardo Antunes. Ele tem vários livros que discutem as mudanças no mundo do trabalho e seus impactos na estrutura do estado e das políticas públicas. São livros de leitura essencial: Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho; Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho; O caracol e sua concha: ensaio sobre a nova morfologia do trabalho; O continente do labor. Valem a pena!
Após a crise de produção da década de 1970, coloca-se a necessidade de transformação da política e do Estado. Um aspecto importante, salientado por Chesnais (1996), é que essa nova fase do capitalismo mundial estrutura-se, fundamentalmente, a partir do capital financeiro, que a a ter o controle da esfera da produção, comandando cada vez mais a repartição e a destinação social das riquezas. Dentro desse sistema, agrava-se um duplo movimento de polarização, ou seja, a polarização interna a cada país e uma
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polarização internacional, aprofundando-se a desigualdade nas relações e interesses entre os países que fazem parte dos oligopólios mundiais e os países da periferia. Esse movimento é guiado por uma concepção político-ideológica chamada neoliberalismo, que tem como um dos seus principais mentores Friederich Hayek, especialmente expressada em seu livro O caminho da servidão (2010), no qual defende a livre regulação do mercado. Segundo Hayek, fazia-se necessária uma transformação na esfera social, em direção a uma sociedade aberta, para que os indivíduos se tornassem agentes da igualdade, com liberdade de escolha. Essa liberdade só seria garantida mediante a efetivação de um mercado livre, ao contrário do que propunha o Welfare State. Essa reforma se daria mediante a implementação de dois tipos de ações: a privatização e a desregulamentação, o que vale dizer: privatizar empresas estatais e serviços públicos e Para saber mais diminuir a interferência do poder público sobre e o texto Estado e Políticas os empreendimentos privados. Deveria haver (Públicas) Sociais, de Eloisa de um distanciamento da figura do Estado dos Mattos Hofling, que discute sobre lugares que ocupava na economia, para liberáa relação entre as mudanças eco-los ao capital privado. nômicas e políticas e seus rebatiÉ a partir desse contexto, de uma base fundada nesse “mercado livre” e na “sociedade livre”, que o neoliberalismo se coloca como princípio ideológico fundamental para a concretização da nova ordem mundial.
mentos na estruturação do Estado. Disponível em: <www.scielo.br/ pdf/ccedes/v21n55/5539.pdf>. É de leitura obrigatória!
Para saber mais Essas denominações “sociedade livre” e “mercado livre” são aqui utilizadas como termos carregados de ideologia neoliberal. Não estamos falando da concepção de sociedade livre, na perspectiva socialista, na qual essa terminologia está vinculada à ideia de sociedade sem classes. Para essa perspectiva veja Bottomore e Outhwaite (1996).
Essa ideia de liberdade de mercado e sociedade livre inclui uma suposta igualdade de condições na relação capital/trabalho. É como se o trabalhador tivesse total liberdade de escolha, não podendo o capitalista impor-lhe qualquer coisa. Assim, cabe ao indivíduo estar livre, livre no mercado, ou melhor,
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livre para o mercado. Nessa conjuntura, que se instaura a partir da crise de 1970, surge uma nova roupagem para as grandes figuras financeiras (bancos internacionais), que agora am a assumir o controle sobre o fluxo do capital, ditando as regras e as condições a serem seguidas pelos países.
Para saber mais O Banco Mundial foi criado em 1944, na Conferência de Bretton Woods, no intuito de reforçar o estabelecimento de uma nova ordem internacional no pós-guerra. O Banco Mundial nesse período estava intimamente relacionado com a ajuda financeira para a reconstrução das economias destruídas pela guerra, além de conceder empréstimos de longo prazo para o setor privado. Nesse sentido, foi um importante aliado para a estabilização e a expansão do sistema capitalista. Mas, a partir da crise do final dos anos 1970, assume outra roupagem, agora pautado nos princípios da política neoliberal.
Como resposta à crise, surge um amplo conjunto de reformas estruturais, alinhadas com políticas que visavam atender às necessidades do capital internacional em rápido processo de globalização. Tais reformas foram mundialmente assumidas, no final dos anos 1980, com a denominação de Consenso de Washington, estruturando-se em torno de cinco eixos principais: equilíPara saber mais brio orçamentário, sobretudo mediante a redução de gastos públicos; abertura comerAqui cabe uma leitura sobre as posicial, pela redução das tarifas de importação tividades e negatividades da influêne eliminação das barreiras não tarifárias; cia do Banco Mundial na Educação. Para isso, leia o texto disponibilizado liberalização financeira, por meio da refore reflita sobre esse processo. A repormulação das normas que restringem o intagem é da revista UOL com a pesgresso do capital estrangeiro; desregulamenquisadora em educação Camilla tação dos mercados domésticos, pela Croso, atual coordenadora-geral da eliminação dos instrumentos de intervenção Campanha Latino-Americana pelo do Estado; privatização das empresas e dos Direito à Educação (Clade) e recémserviços públicos. -eleita presidente da Campanha Global pela Educação (CGE). Vamos lá? Disponível em:
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Aqui, o Banco Mundial começou a difundir programas de orientação neoliberal voltados a estimular a reestruturação e a abertura das economias, influenciando fortemente a formulação de políticas internas nos países
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em desenvolvimento. Nesse momento, o Banco Mundial a a ter um maior poder de mobilização, um poder catalisador em esfera global. A orientação neoliberal propõe uma reforma istrativa no âmbito do Estado com o propósito de reduzi-lo a um Estado Mínimo, moldando-o de acordo com a concepção de mercados abertos e linhas livres de comércio. Para tanto, prega uma vasta redução do setor público e a diminuição do intervencionismo estatal na economia e na regulação do mercado. Segundo Torres (2000, p. 114), esse modelo neoliberal também preconiza uma série de recomendações quanto à redução da participação financeira do Estado em serviços sociais como: educação, saúde, pensões e aposentadorias. Para compreender melhor nossas discussões a partir da concepção de Estado Mínimo, anteriormente referida, salientaremos os processos de transformação ocorridos no âmbito mundial e o modo como estão relacionados com a reestruturação produtiva, ou toyotismo.
Para saber mais O modelo neoliberal centra-se na não intervenção do Estado na economia, o chamado Estado Mínimo. O Neoliberalismo é contrário ao Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), que pregava a necessidade da intervenção do Estado na economia. Vale a pena ler os textos de apoio para melhor compreender essas questões.
Atividades de aprendizagem Na sociedade capitalista tivemos dois grandes modelos de Estado: Estado do Bem-Estar Social (Welfare State) e Neoliberalismo. Esses modelos estão vinculados a determinados momentos da história social. Explique as principais características de cada modelo de estado.
1.2 Fordismo x toyotismo: a reestruturação produtiva como reconfiguração do processo de produção e os modelos de trabalho Como vimos, a crise do modelo de Estado trouxe transformações no regime de acumulação, antes baseado na concepção do Welfare State. Para esse novo regime de acumulação, fazia-se necessária a implementação de um amplo processo de reestruturação do capitalismo, relacionado com a necessidade de recuperar seu ciclo reprodutivo e a garantia de lucro. Antunes (2002, p. 36)
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enfatiza que essa mudança se deu no interior do padrão de acumulação e não no modo de produção. Assim vamos entender a reestruração produtiva, ou toyotismo, e suas particularidades como um dos eixos fundantes do processo de reorganização do capitalismo. Mostraremos como o toyotismo se estabeleceu e quais as incidências desse novo paradigma de produção no processo de trabalho dos mais diversos trabalhadores. A crise do fordismo desencadeou a busca por novas formas de acumulação de capital, a qual levou à transformação do processo de produção capitalista. Esse processo de transformação é o que se conhece como reestruturação produtiva ou toyotismo.
Questões para reflexão Os modelos de trabalho impactam na constituição dos elementos sociais, e com o fordismo não poderia ser diferente: ele coloca, dentre outros aspectos, o parcelamento das ações no processo produtivo como elemento central para o perfil do trabalhador. No Brasil, esse fato impulsionou o processo de expansão da educação pública no país a partir das décadas de 1960 e 1970. Podemos correlacionar o modelo da escola, seu currículo e formação de professores nesse modelo. Fragmentação em disciplinas e hierarquização do saber podem ser elementos vinculados ao modelo fordista de produção. Para apreendermos como se deu essa transição, precisamos elucidar alguns pontos do sistema fordista/taylorista, situando o referido processo. O fordismo caracterizava-se por um processo de produção de bens em massa, com baixa diferenciação, no qual a questão da racionalização do processo de trabalho era o centro da cadeia produtiva. Tornava-se necessário racionalizar ao extremo as operações efetuadas pelos operários e combater, de qualquer maneira, os desperdícios, principalmente de tempo. Essa racionalização fundava-se no parcelamento das tarefas e no seu encadeamento através da produção em linha de montagem. Essa linha tinha como objetivo reduzir o trabalho do operário a gestos mecânicos, otimizando os tempos de produção. Nesse padrão produtivo, a gestão do trabalho era baseada no parcelamento
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das tarefas e na extrema separação do trabalho manual e intelectual (GOUNET, 1999, p. 18-19). O fordismo, entretanto, começou a mostrar-se pouco eficaz para conseguir novos aumentos de produtividade, na virada da década de 1960 para 1970, sendo este um fator decisivo na crise capitalista desencadeada nos anos 1970. Assim, o capital lança mão da introdução de novas tecnologias, como a microeletrônica e as telecomunicações, atreladas às novas técnicas de gestão da força de trabalho baseadas na concepção toyotista de produção, que tem como origem a indústria Toyota, no Japão. A concepção toyotista de produção baseia-se em alguns pontos que, segundo Gounet (1999, p. 26-28), podem ser resumidos em: produção puxada pela demanda, combate ao desperdício, flexibilização da organização do trabalho e busca do melhor aproveitamento possível do tempo de produção, através dos sistemas kan bam e just in time. É a partir dos anos 1980 que esse processo de inovação tecnológica e organizacional se desenvolve, momento em que o capital articula novas estratégias de produção, com o intuito de combater os efeitos da crise e restabelecer a lucratividade. Com o advento da sociedade globalizada, a reestruturação produtiva liderada pelos países industrializados a a ditar novas regras de competitividade, tornando-se imprescindível a adaptação de firmas e setores produtivos aos novos moldes de produção. Sendo assim, são instauradas novas forças produtivas inspiradas, principalmente, nas novas bases tecnológicas e na reorganização dos processos de trabalho. Segundo Invernizzi, (1998, p. 4), as novas tecnologias aplicadas à produção possibilitaram um salto qualitativo na otimização das relações entre tempo de operação das máquinas e tempo de circulação das matérias e produtos nas Para saber mais fábricas. Isso permite que o capital constante Fordismo é a produção em massa seja utilizado, da forma mais intensiva possípara consumo em massa, fragmenvel, para transferir rapidamente seu valor aos tação do trabalho e especialização produtos. A adoção de novas tecnologias e na função. Toyotismo é a produção de novos enfoques de organização da produpela demanda, polivalência e ção configuram novas formas de utilização flexibilidade. da força de trabalho.
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Questões para reflexão Quais são as grandes mudanças nos modelos de trabalho? Como isso impacta no processo de formação do trabalhador e da sociedade? Você consegue estabelecer uma relação entre esses modelos de trabalho, estado e políticas públicas? No que tange ao Brasil, a reestruturação produtiva iniciou-se na década de 1980, particularmente nas empresas de maior porte de setores dinâmicos e em empresas vinculadas ao mercado externo. Mas, foi especialmente a partir de 1990, que a modernização se tornou mais ativa, quando o então presidente Fernando Collor de Mello, iniciador da reforma do Estado, iniciou uma acelerada política de abertura comercial, o que estimulou a difusão da reestruturação na economia como um todo. A abertura comercial, parte do ajuste neoliberal impulsionado pelo governo Collor, foi vista como uma saída para a crise que afetava o país. Esse ajuste foi caracterizado, principalmente, por uma política industrial centrada na abertura comercial, pelo impulso aos processos de privatização, de desregulamentação e flexibilização das relações trabalhistas e na reestruturação das políticas sociais.
Para saber mais Para melhor compreender esse processo, você pode ler o texto “Fordismo, Taylorismo e Toyotismo: apontamento entre suas rupturas e continuidades”, de Erika Batista, no link <www.uel. br/grupo-pesquisa/gepal/terceirosimposio/erika_batista.pdf>.
É importante dizer que esse processo não se deu de forma linear. No caso da abertura comercial, esperava-se que ela estimulasse automaticamente todos os setores industriais a melhorar suas condições competitivas. Entretanto, o processo de adequação das empresas às novas pressões competitivas foi bastante desigual no interior do complexo industrial brasileiro. Para Alves (1998), foi a partir de 1990 que as empresas brasileiras aram a buscar uma racionalização nos custos (através de corte de pessoal) e a investir em treinamentos de operários voltados para a busca da qualidade e da produtividade, através dos programas de qualidade total, que pregam a produção enxuta.
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As empresas procuram investir em treinamento dos seus operários, através da implementação de novos modos de gerenciamento da força de trabalho e da produção, que são estrategicamente formulados para envolver o operário para além do processo produtivo. A reestruturação produtiva utiliza-se de novas técnicas de gestão da força de trabalho, cujo processo a a ser efetuado em “células de produção”, solicitando um trabalhador mais ágil e adaptado às constantes mudanças do processo produtivo. Sendo assim, torna-se imprescindível uma transformação em seu processo de qualificação, que a a ser estruturado sob três pontos: polivalência/flexibilidade, maior escolaridade/treinamento e ênfase nos aspectos comportamentais. Para Invernizzi (1998, p. 407), a transformação da força de trabalho, rumo à polivalência, torna-se aspecto central na transformação da força de trabalho, ocorrida durante a reestruturação produtiva, dada a crescente instabilidade e variabilidade dos processos produtivos. Essa polivalência é base fundante em face da frequente aplicabilidade de procedimentos diversos, em situações variáveis, dentro da cadeia produtiva. Essa variabilidade e a ampliação do leque de funções de procedimentos requer um trabalhador que saiba agir de maneira multifuncional. A complexificação dos meios de produção, que tem como centro as novas tecnologias, a informatização do processo produtivo e a utilização, cada vez mais difundida, de técnicas de controle do processo e de qualidade total, faz com que surja a necessidade de uma maior escolaridade, de um maior treinamento para que o trabalhador possa estar inserido na cadeia produtiva. A busca pela ampliação do conhecimento combina o tradicional aprendizado prático, aliado a treinamentos mais formalizados, revelando a necessidade de uma maior “[...] formação escolar e profissional que envolva o o aos conhecimentos científico-tecnológicos sistematizados, e não apenas um conhecimento tácito” (INVERNIZZI, 1998, p. 421).
Questões para reflexão A tecnologia modificou a questão do trabalho? Quais as positividades e negatividades desse processo para a sociedade? Um outro aspecto a ser ressaltado nesse novo trabalhador é o caráter decisivo adotado pelos aspectos comportamentais para o andamento do processo produtivo.
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São requeridos traços de personalidade e caráter específicos para as relações sociais de trabalho, como envolvimento, responsabilidade, disponibilidade para inovação e mudança, habilidade de comunicação, atitudes corporativas, entre outros. Nesse sentido, o perfil do novo trabalhador sintetiza aqueles três aspectos mencionados. As novas demandas de escolaridade, em particular, adotaram um caráter estratégico, dado que se tornaram requisitos para o aproveitamento das novas formas de treinamento e para o desenvolvimento de novas atividades, como o controle da qualidade, a proposição de sugestões, o trabalho em equipe etc., que exigem o domínio da leitura, da escrita, da comunicação oral e do cálculo (INVERNIZZI, 1998, p. 422-424). Essas novas demandas, surgidas no processo de trabalho, incidiram decisivamente na formulação de um novo trabalhador e, consequentemente, da escola. Para isso, fez-se necessária uma reforma nos paradigmas econômicos, políticos e sociais, que estavam pautados nos pilares da reprodução do modelo fordista/taylorista, para fornecer essa nova mão de obra qualificada para atender aos novos requisitos postos por essa nova etapa de acumulação do capital. O que queremos deixar claro é que essas mudanças extrapolam a concepção de adequação às novas técnicas de produção, sendo uma readequação do próprio sujeito para se inserir nessa nova concepção de sociedade de mercado. Para isso, é incutida nos indivíduos a formação de um novo consumidor. Para tanto, é delegada à escola o cumprimento da função de formar consciências para a nova sociedade do consumo, através da ideologia. Formar um novo indivíduo, uma nova subjetividade para se adaptar à nova economia e não se opor a ela. Essa reforma ideológica visa construir um novo consumidor, ou melhor, uma nova visão de mundo dos sujeitos. Sendo assim, podemos concluir que a reorganização mundial do capitalismo que teve como fruto o processo de reestruturação produtiva impulsionou a transformação do processo produtivo. Essa reorganização centrou-se na necessidade do capital de recuperar a lucratividade do processo produtivo, o que levou a um desenvolvimento de novos paradigmas produtivos, agora pautado na flexibilidade e em novas formas de gerenciamento para a produção. Esse processo não se deu somente no âmbito produtivo, mas, principalmente, na reformulação política ideológica, agora fundada no ideário neoliberal, que estabelece principalmente o pressuposto de um Estado mínimo, no intuito de dar vazão aos processo de privatização e de desregulamentação do mercado.
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Essa nova reestruturação da sociedade capitalista pretende garantir, através da efetivação de um novo sistema ideológico e político, na figura da política neoliberal e do Estado Mínimo, uma nova conotação para as políticas sociais e para o trabalho.
Para saber mais A leitura do texto As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital, de Ricardo Antunes e Giovanni Alves, é essencial para compreendermos como esse processo atinge nosso cotidiano, que, como já dissemos no início de nossa discussão, aparece fetichizado! Disponível em: <www.scielo.br/pdf/es/v25n87/21460.pdf>.
Atividades de aprendizagem Explique as principais diferenças entre o modelo de trabalho fordista/ taylorismo e toyotista e como esses elementos se fazem presentes em nossa sociedade. Para isso, o capitalismo impõe “elaborar” um novo projeto identificatório que, hegemonicamente, tem por base princípios neoliberais, visando “remodelar” os sujeitos sob parâmetros empresariais, estabelecendo o que se denominou de ethos empresarial.
Questões para reflexão Será que existe uma introjeção dos elementos relacionados ao capital em nossa vida, em nosso cotidiano? Existe a possibilidade da construção de um projeto identificatório em cada momento da sociedade?
1.3 A construção do projeto identificatório neoliberal e o ethos empresarial A reestruturação do modo de produção capitalista que discutimos anteriormente modificou novas formas de ação no campo do trabalho. Essa visão de
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mundo pera a internalização de novas referências que têm como objetivo desenvolver uma nova subjetividade, permeada ideologicamente por conceitos que buscam dar credibilidade e sustentação à nova estrutura social, ou seja, princípios pautados no individualismo e na competitividade. Temos como fruto desse processo a criação de um novo projeto identificatório, ou seja, a forma como os sujeitos são “formados” socialmente, que, nesse momento histórico, se respalda pela política neoliberal. Tomaremos como referência fundamental o estudo de Sonia Maria Rummert (2000), intitulado Educação e Identidade dos trabalhadores: as concepções do capital e do trabalho, para analisarmos como é constituído esse novo projeto identificatório, no intuito de consolidar a hegemonia capitalista nesse processo de transformação social. Segundo a autora, faz-se necessária a construção de um novo projeto identificatório no sentido de estabelecer novos elementos Para saber mais para o sujeito, baseando-se na reestruturação Acredito ser importante conhecermos da sociedade. Esses novos aspectos devem ser a questão trabalhada por Antonio internalizados no imaginário dos indivíduos, Gramsci, no que diz respeito à para serem compreendidos e reconhecidos hegemonia. Vá até o site e veja o como essenciais para um futuro melhor. Nesse que acha:
. por meio de ações pedagógicas presentes no espaço escolar, que formem indivíduos com perfil adequado a esse novo projeto da sociedade. Essa questão também é presente nos currículos e na forma como o professor pode realizar o seu trabalho. Esses aspectos traçam o perfil de um projeto identificatório neoliberal que está sendo amplamente difundido. Esses elementos são introjetados nos indivíduos, através dos aparelhos hegemônicos, por meio de uma ação pedagógica (RUMMERT, 2000, p. 40), fazendo com que outros valores, que foram constituídos em um processo histórico “ado” (como a coletividade), sofram mutações no processo pedagógico. Nesse sentido, são elevados, atualmente, aspectos como individualidade, competitividade, produtividade, sendo esses transmitidos como fatores essenciais para o crescimento do país, dentro da sociedade globalizada.
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Analisando o emprego do ethos empresarial como aspecto central desse projeto identificatório, podemos perceber a enorme abrangência do trabalho de difusão da ideologia neoliberal e dos objetivos elaborados pelos organismos internacionais, que “conseguiram” associar a concepção empresarial ao conjunto de representações sociais nos valores e ideais que regem a sociedade, garantindo a hegemonia do capital. Esse novo projeto identificatório, que está intimamente relacionado com a competitividade em que o novo processo de produção se baseia, se apresenta, na forma normativa, como uma agem do eixo das relações do nós para o eu, “[...] incutindo nos sujeitos a ideia de que cada um pode, e deve, considerar-se empresário de si mesmo” (RUMMERT, 2000, p. 78).
Para saber mais Ethos empresarial é o individualismo e a competitividade vinculados aos princípios neoliberais de Estado e produção.
Temos que ter claro que esse processo não se dá de forma espelhada na sociedade, nos indivíduos e nas instituições escolares, mas se manifesta, por vezes, veladamente, pelas mediações que permeiam as relações sociais nela existentes. Aqui pretendemos demonstrar como se constitui esse processo, relacionando-o com as transformações ocorridas no âmbito educacional, ou seja: como essas questões impactam no trabalho do professor? Antes de discutirmos essas questões, vamos estudar as especificidades do trabalho docente.
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Seção 2
Trabalho docente e sua identidade
Em nossa primeira seção, discutimos como as mudanças na esfera do capitalismo impactaram a política e o modelo de trabalho. Essas relações estão presentes em nossa sociedade e são peradas para a escola pelas políticas sociais. Essas questões impactam o trabalho do professor e sua identidade. Antes de entendermos esses impactos, torna-se interessante compreender as especificidades do trabalho do professor e como elas auxiliaram a formação de sua identidade.
Para saber mais Será que podemos relacionar trabalho docente com questões sociais? e o blog e leia o texto nele disponibilizado:
. É uma crônica escrita pelo Jô Soares. Será que ele tem razão?
2.1 As especificidades do trabalho do professor Uma primeira especificidade do trabalho do professor diz respeito ao produto do seu trabalho. Segundo Codo (2000), o produto do trabalho do professor é a formação de outra pessoa, ou seja, o aluno educado. Façamos um paralelo entre o trabalhador de uma fábrica de autopeças e o trabalhador docente. O produto, o resultado final, não pertence ao trabalhador em ambos os casos. No caso do operário, as peças são para o carro, propriedade do empresário, e, no caso do professor, a “peça” é o aluno. Mas podemos distinguir uma especificidade entre ambos.
2.1.1 O produto do trabalho do professor é o aluno! A diferença está na qualidade do vínculo que o trabalhador necessitou estabelecer com seu produto para que a atividade se realize. Num caso, a atividade de trabalho tem que se objetivar em um sujeito, o aluno; no outro, num objeto. No primeiro caso, o trabalhador precisa entrar em um certo acordo, negociar, para poder desenvolver sua atividade; no segundo, ele não tem na sua frente “um outro”, mas um objeto sobre o qual imprime sua atividade (CODO, 2000, p. 45).
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A especificidade do trabalho do professor se efetiva quase sem a mediação de aspectos exteriores, pois sua ação objetiva transformar o outro, através do outro mesmo. Para entendermos melhor essa concepção, demonstramos no Quadro 4.1 a diferença entre o trabalho do professor e o da maioria dos trabalhadores (CODO, 2000, p. 45). Quadro 4.1 Especificidades do trabalho docente
PARA A MAIORIA DOS TRABALHADORES modificar a natureza > modificar a si mesmo > produto > modificar o outro PARA O EDUCADOR A RELAÇÃO É DIRETA modificar a si mesmo > modificar o outro > modificar o mundo Fonte: Battini (2004).
O segundo aspecto particular é que o saber e o saber-fazer estão especificamente relacionados ao professor, e são as condições centrais para o desenvolvimento do seu trabalho, embora determinados pelas condições econômicas, políticas, sociais e culturais. Portanto, há determinações internas e externas ao exercício profissional, e o professor faz a mediação entre essas determinações na sua prática profissional. A diferença da atuação do professor, comparada a de outros trabalhadores assalariados, está em se objetivar, através do seu trabalho, em um outro sujeito, o aluno em seu processo de formação.
Para saber mais Estamos acostumados a ser chamados de “tias” e “tios” no espaço escola. Essa relação vem da questão da formação da nossa identidade, que tem relação direta com o cuidar em casa e o cuidar na escola. Vamos ler o texto de Paulo Freire: Professora, sim; tia, não! para entendermos melhor essa questão. Disponível em:
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Munido desses elementos, o professor tem autoridade no planejamento, na definição dos caminhos a seguir para a aprendizagem do aluno e na própria forma de execução do seu trabalho , elementos esses que são por ele decididos. O saber e o saber-fazer estão nas mãos do professor, condição principal de sua atividade de trabalho. Por
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isso, o planejamento de seu trabalho, as etapas a serem seguidas no processo de ensino-aprendizagem, são por ele decididos, o ritmo imposto ao seu trabalho não escapa completamente do seu controle, embora existam prescrições externas, às quais ele poderá, por diferentes motivos, resistir (CODO, 2000, p. 47).
Nesse sentido, para o professor, o produto de seu trabalho é o outro e o meio para a sua realização são as condições de ensino criadas por ele mesmo, ocorridas numa relação social professor-aluno, que é repleta e permeada das histórias de ambos os sujeitos que fazem parte do contexto, contendo nessas histórias componentes subjetivos, mas que se mesclam com as condições de trabalho desse exercício profissional.
2.1.2 Vínculo afetivo: questão essencial para a realização do trabalho do professor Ressalte-se que essa relação direta e imediata do professor com o outro é permeada pelo vínculo afetivo, considerado um terceiro aspecto essencial do trabalho docente. O vínculo afetivo é aqui entendido como uma relação de compromisso, de respeito às potencialidades e aos limites do outro, de condução ética do trabalho de ensinar. Esses aspectos foram banidos do trabalho de forma geral pela organização fordista-taylorista, que propunha uma divisão rígida das tarefas, na qual nos espaços de trabalho estipulava-se unicamente a racionalidade tecnicista e a burocracia. De acordo com Codo (2000, p. 49), essa tendência não afetou tão drasticamente o trabalho docente, de maneira que a concepção de educação e, consequentePara saber mais mente, do trabalho do professor, são perVamos assistir ao vídeo sobre o ados pela relação afetiva, tornando-se texto de Gabriel Perissé Professoum aspecto indiscutível e essencial para seu res apaixonados? Disponível em: exercício profissional e uma condição para
. ao objetivo do seu trabalho, que é a aprendizagem do aluno, não são apenas mobilizadas suas capacidades intelectuais e a vontade de aprender dos alunos, mas é através desse contato afetivo que é realizada a troca entre os dois sujeitos. Nesse momento é despendido, pelo professor, um enorme investimento de energia afetiva, para que essa relação aluno-professor seja estabelecida de forma positiva.
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Se esta relação afetiva com os alunos não se estabelece, se os movimentos são bruscos e os os fora do ritmo, é ilusório querer que o sucesso do educar seja completo. Se os alunos não se envolvem, poderá até ocorrer algum tipo de fixação de conteúdos, mas certamente não haverá nenhum tipo de aprendizagem significativa; nada que contribua para a formação destes no sentido de preparação para a vida futura, deixando o processo ensino-aprendizagem com sérias lacunas (CODO, 2000, p. 50).
Mais adiante, Codo acrescenta que: O professor desenvolve um trabalho onde a atenção particularizada ao outro atua como um diferencial entre fazer e não fazer a sua obrigação. Em outras palavras, é um trabalho impossível de ser taylorizado, de se enquadrar em uma linha de montagem fordista, um trabalho que, ou leva em conta os vínculos afetivos com o aluno, com o produto, com as tarefas, ou simplesmente não se viabiliza (CODO, 2000, p. 51).
O quarto aspecto tratado por Codo (2000, p. 115) é a concepção de ciclo de trabalho. O ciclo de trabalho do professor leva, a rigor, um ano de tempo. Essa amplitude temporal permite ao professor planejar, se autoavaliar constantemente e avaliar sua turma, sendo possível a reformulação das tarefas, tanto no curso do seu trabalho quanto ao seu término, caso encontre algum problema. Isso tudo lhe possibilita um maior controle sobre o seu trabalho, melhor relação com o produto, menor alienação, mais envolvimento.
2.1.3 A importância da avaliação constante do trabalho Nesse sentido, o ciclo de trabalho do professor é bastante longo, enquanto é curto para outros trabalhadores. O professor tem uma série de atividades realizadas em uma Para saber mais sequência, desde preparar as aulas, trabalhá-las As especificidades do trabalho do em sala e avaliá-las, mas sem rigidez, sendo que professor, segundo Codo (2000), existirá um intervalo de tempo muito longo, são: produto do trabalho, saber e até o mesmo conteúdo se repetir, chegando saber-fazer, vínculo afetivo, ciclo de a mencionar que não se torna repetitivo em trabalho e flexibilidade. função disso.
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Uma outra particularidade do trabalho docente é a flexibilidade, constituindo-se no quinto aspecto. O professor deve realizar, em sua prática docente, uma série de atividades diferentes. Todas estão sob sua direta responsabilidade, o que possibilita a organização da maneira que lhe parecer mais conveniente, permitindo variações. [...] cabe ao professor a definição do que fazer primeiro em sala de aula e, principalmente, de como fazê-lo. Dada essa flexibilidade, que é inerente ao trabalho do professor, este pode inovar sempre no seu modo de trabalhar (CODO, 2000, p. 118).
2.1.4 A flexibilidade como eixo central Segundo Codo (2000), estamos diante de um trabalho que exige um papel ativo do seu executor, o que requer criatividade para que essa obrigação seja efetuada. Esse controle sobre o trabalho não se realiza se ele não assumir papel ativo no processo. As dificuldades são muitas, mas compensadas pela gratificação de um “trabalho completo” que permite inovação e envolvimento afetivo do trabalhador, com uma autonomia relativa que não o subordina totalmente às determinações externas do seu exercício profissional.
Para saber mais Um autor interessante e que discute a questão do trabalho do professor é Maurice Tardif. Vamos compreender o pensamento do autor no link a seguir:
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Tais aspectos específicos do trabalho docente configuram o perfil do trabalhador da educação. Essas características determinam a complexidade da sua função, as dificuldades na sua execução e as responsabilidades com as quais o professor tem que lidar no dia a dia. Explicitadas as especificidades do trabalho do professor, consideradas como a base da nossa reflexão, possibilitando desvelar a realidade estudada e proceder à crítica sobre ela, amos a analisar como se constituiu, historicamente, a identidade desse profissional.
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Atividades de aprendizagem Segundo Codo (2000), podemos levantar cinco elementos como essenciais para a realização do trabalho do professor. Explique cada um desses elementos e estabeleça, dando exemplos, como eles se fazem presentes no espaço escolar.
2.2 A construção da identidade do professor Entendemos que os aspectos mais importantes da construção da identidade do professor estão vinculados às questões de gênero, classe e formação acadêmica. Segundo Codo (2000, p. 62), torna-se essencial vincularmos a questão de gênero à do trabalho dos professores, pois foi a partir do processo de feminização do magistério que se legitimou a profissão docente. Esse quadro ainda prevalece na atualidade. O início do processo educacional está intimamente relacionado com a questão de cuidados, quando a mulher se transformava, dentro da escola, em “mãe educadora”. É importante ressaltar que, anteriormente a essa condição, o trabalho de ensinar era tarefa dos homens, pois o magistério era tido como atividade meramente casual, que podia tomar períodos curtos de tempo e atrair os homens que conciliavam o magistério com uma variedade de circunstâncias. O magistério tornou-se feminino, em parte, porque os homens o abandonaram para dedicar-se a atividades mais lucrativas (APPLE, 1995). No Brasil, foi no período entre 1870 e 1930, quando se iniciava a organização do Estado Nacional Brasileiro, que se desenvolveram os sistemas educacionais populares em âmbito nacional, sendo um dos seus propósitos a construção de uma identidade nacional. Em um primeiro momento, o projeto de expansão da educação de primeiro grau aconteceu por intermédio de segmentos das classes dominantes, que a concebiam como um dos importantes instrumentos para a produção dessa identidade nacional. Seu objetivo era a integração social, realizada através do aumento da escolarização.
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Questões para reflexão Será que podemos falar que a profissão docente é representada, em maior parte, por mulheres?
2.2.1 A mulher como cuidadora na profissão do magistério: como entender esse processo Esse aumento da escolarização veio acompanhado da inserção de um número maior de trabalhadores para as funções do ensino. Nesse sentido e tendo em conta a identidade feminina vinculada ao “cuidar”, acreditava-se e pregava-se que as mulheres teriam melhores condições para efetuar essa tarefa. Assim, as brasileiras foram incorporadas à docência, à luz das concepções de feminilidade e atividade docente que, articuladas, colocaram em evidência a marcante diferença de gênero existente na sociedade. Essa realidade é confirmada por Yannoulas, citada por Codo (2000, p. 65) afirmando que a atividade docente: [...] se legitimou a partir da identidade feminina construída na época, em torno do conceito de “mãe educadora”. Foi a produção dessa identidade que fomentou o ingresso de mulheres na profissão docente no primeiro grau. Aspectos da tarefa docente, como o cuidado e educação das crianças, foram considerados em parte como extensão das atividades já realizadas no lar pelas mulheres. A maternidade espiritual foi associada ao exercício da docência na escola elementar.
Um outro aspecto a se ressaltar foi a importância que esse processo de reconhecimento da identidade profissional da mulher teve na influência de novos comportamentos em busca de sua emancipação, mesmo que de forma relativa. Essa dinâmica do trabalho docente cotidiano possibilitou o surgimento de valores e comportamentos emancipatórios nas mulheres. Essa identidade, construída através dos anos, tem, segundo Codo (2000, p. 66), uma relação específica com a questão do reconhecimento material do trabalho de educar. Pera pela condição social e de gênero, segundo a qual o homem era visto como provedor principal da família, e a mulher, como sua dependente, deveria ganhar uma remuneração que serviria, no
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máximo, como um complemento da vida familiar. Podemos perceber que a formação da identidade docente, no que diz respeito ao reconhecimento e à valorização do seu trabalho, foi construída respaldada na desigualdade entre os gêneros. Dessa condição de trabalho da “mãe educadora” decorria um outro aspecto para a formação da identidade docente, qual seja, a não separação do espaço público do privado. Como as atividades das escolas foram consideradas, em parte, como um prolongamento do espaço doméstico, desenvolveu-se uma visão de que seu exercício profissional aconPara saber mais tecia na ausência de delimitação clara entre O trabalho docente tem fortes traesses dois espaços. Essa situação contribuiu ços de feminização, pois a questão para uma visão de não profissão do ato de do cuidar no espaço privado a educar. a ser relacionado com o cuidar no espaço público, ou seja, na escola. No desenvolvimento desse processo, observou-se um outro indicativo para a formação da identidade docente: a condição de classe. Verificava-se, segundo Apple (1995, p. 64), adentrando a questão de gênero, que se baseia no aspecto da divisão sexual do trabalho, a dinâmica da classe, que “determinava quem se tornaria professora e quais seriam suas experiências”.
No final do século XIX, as distinções entre classe eram muito visíveis. Conforme o mesmo autor, o perfil idealizado para as mulheres da classe média era o estereótipo da “esposa e mãe perfeita”. O trabalho assalariado, que se destinava às mulheres da classe trabalhadora, implicava o afastamento dos ideais burgueses de domesticidade e dependência econômica, trabalho esse que as “manchava”. No início do século XX, com o avanço do processo de escolarização, associado ao desenvolvimento da industrialização, aconteceram significativas mudanças naqueles ideais e as mulheres da classe média buscaram a ampliação da esfera de ação, participando das várias mudanças sociais e econômicas que acompanharam aquele processo. Nesse período de expansão e de rápidas mudanças sociais e econômicas, dentro dessa esfera, Enguita (1991, p. 109-110) observa a existência da diferença entre classes: “Era destinado à mulher dos estratos sociais intermediários, mais elevados, o exercício da docência, pois o perfil da mulher se adequava
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com a questão do cuidar. Assim, o magistério ou a constituir uma das mais importantes alternativas de trabalho para as mulheres, e de um certo prestígio”.
Para saber mais Um texto interessante sobre a questão da feminização do magistério é de Marli Lúcia Tonatto Zibetti e Sidnéia Ribeiro Pereira, que mostram mulheres professoras que atuam na docência em educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental em três redes municipais do interior do estado de Rondônia. Disponível em:
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Seguindo, ainda, o raciocínio do autor, foi através da incorporação das mulheres ao trabalho assalariado e a sua inserção em outras áreas profissionais que se estabeleceu a suposição de que a docência asse a ocupar, entre elas, um lugar de segunda categoria, abaixo das carreiras profissionais de maior prestígio, mais bem remuneradas, ocorrendo, assim, a incorporação das mulheres da classe trabalhadora ao ofício de educar. Segundo Enguita (1991, p. 109): As mulheres da classe média vão deixando de escolher a docência, enquanto agora as das classes trabalhadoras incorporam-se a ela, mudando a composição de classe, mas sem interromper o avanço da feminização do setor da educação. Em suma, o magistério ou de mulheres de classe média para mulheres da classe trabalhadora, esta ainda se iniciando no processo.
Pera, ainda, por esse processo a questão da formação para a realização do trabalho desses professores. Como esse trabalho a a ser reconhecido, o Estado assume a formação estabelecendo regulamentação pertinente. Assim, criam-se no Brasil, no final do século XIX, as Escolas Normais, que ocupam um lugar central na produção e reprodução dos saberes e técnicas docentes, contribuindo para a construção de um conhecimento pedagógico e, fundamentalmente, consolidando o papel do educador enquanto profissional, com identidade própria. Essa nova configuração da educação e a necessidade da formação de professores fizeram com que o magistério deixasse de ser uma desventura e se tornasse uma profissão reconhecida e edificante. Os aspectos, genericamente abordados, embora localizados na sua gênese, mantêm tendencialmente alguns dos seus traços nos dias atuais, principalmente a feminização da profissão, a baixa remuneração e, por consequência, a pouca
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valorização da atividade de ensinar. Nessa configuração, assim como em toda categoria ocupacional nos dias atuais, as mulheres são mais vulneráveis em sua condição de assalariadas, dadas as condições históricas marcadas pelo patriarcalismo.
Para saber mais Um texto interessante para compreender melhor a questão da identidade do trabalho docente é do autor Carlos Marcelo, disponível em:
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Na atualidade, a identidade docente vem experimentando novas modificações, especificamente tendo como determinação a reestruturação produtiva que estabelece novos parâmetros para a formulação da política educacional e, por consequência, novas formas do exercício da docência. O contexto da reestruturação produtiva traz novas exigências para o trabalho do professor no processo de reprodução das relações sociais, o que reconfigura a sua identidade e o seu Para saber mais saber/fazer profissional. O que estamos tentando demonstrar é que Questões como feminização, gênero e classe são os três elementos o processo de trabalho do professor vem de que sustentam a identidade do uma especificidade que é construída historitrabalho do professor. É importante camente. O seu produto vai se constituindo reconhecer esse processo. o tempo todo durante a relação entre o trabalhador e o aluno. A satisfação do aluno, nesse caso, ocorre durante o processo e não somente no final, depois que o trabalhador terminou sua parte. Entretanto, essa especificidade está sendo distorcida pelas mudanças ocorridas na educação nos últimos anos.
2.2.2 A importância da mudança no processo histórico Nesse sentido, chegamos a duas conclusões: a primeira é que o nível de exigência e de tensão para o professor é muito maior do ponto de vista afetivo, e a segunda é que o professor, em função dessa demanda, precisa estar bem do ponto de vista emocional para conseguir boas condições de desempenhar adequadamente sua função e sempre estar atualizado para conseguir respon-
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der às necessidades dos seus alunos, considerando o compromisso ético que conduz seu trabalho.
Atividades de aprendizagem A identidade do professor tem como base a feminização do magistério. Explique o porquê de o magistério ser considerado uma profissão feminina. Respeitando as necessidades e os perfis dos seus alunos, tendo clareza da teoria que subsidia sua atuação, tendo consciência tanto da prática específica na qual realiza seu trabalho quanto da situação global em que sua prática está inserida, melhores condições de desempenho o professor terá, pois seu trabalho: [...] é composto por processos variados, em sua grande maioria envolvendo ciclos longos e flexíveis; possibilita aos trabalhadores a expressão de sua criatividade, estimulando também o seu crescimento pessoal e profissional; a possibilidade de exercício e de controle sobre os processos que compõem esta atividade permite que o seu executor sinta-se dono do processo, responsável pelos resultados e importantes para aqueles que atende no seu exercício profissional. Esse controle dá ao trabalhador a dimensão da responsabilidade que está sob suas mãos, mas também o prazer de sentir importante para o outro; a expressão da subjetividade faz parte do trabalho diário desse profissional que resulta numa atividade enriquecida do ponto de vista afetivo (CODO, 2000, p. 121).
Até agora vimos que as mudanças na sociedade capitalista, os modelos de Estado Welfare e Neoliberal e os modelos de trabalho impactam na escola e na realização do trabalho do professor. Esse trabalho e sua identidade são realizados durante um processo de interação entre professor e aluno no espaço escolar. Vimos na primeira seção deste capítulo que a escola muitas vezes é “invadida” pela concepção do ethos empresarial, que valoriza a individualidade e competitividade como elementos de sucesso. Sabemos que a escola é um espaço contraditório e de conflitos e que todos os agentes envolvidos devem lutar para mantê-la como um espaço de construção de saberes plurais e de valorização da coletividade.
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O conflito que surge da sociedade globalizada (não queremos dizer que a globalização só trouxe questões negativas; ela também estabeleceu princípios positivos, dentre eles a tecnologia e a possibilidade de conhecimento de outras culturas e linguagens) vai ruindo as especificidades dos sujeitos e da escola, sendo que a escola tem por base a construção da coletividade. Esses elementos dificultam a realização do trabalho do professor e a consolidação de sua identidade. Nesse sentido, temos duas formas de compreender como essas questões impactam o trabalho docente: a questão da subordinação ou da resistência.
Para saber mais Um texto interessante é sobre a pesquisa realizada pela professora Emília Peixoto Vieira, que demonstra como muitas das questões discutidas nesta unidade impactam a realização do trabalho do professor. Disponível em:
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2.2.3 Subordinação e resistência no exercício profissional do professor Não estamos sugerindo aqui que o trabalho docente e a escola sofram impactos diretos da sociedade capitalista e que todos os professores absorvem da mesma maneira esses elementos. O que nosso texto sugere é que se trata de um processo muito contraditório e ível de ser assimilado com diversidade por parte do corpo docente. Queremos ressaltar que existem processos de resistência por parte dos professores, no estabelecimento do seu cotidiano de trabalho, que, em nosso entender, podem tomar três caminhos distintos: o da neutralidade, o da subsunção das imposições da nova política educacional e o da crítica transformadora.
Questões para reflexão Qual caminho você quer seguir? O da neutralidade, o da subsunção das imposições ou da crítica transformadora?
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O primeiro caminho é aquele em que os professores se colocam como neutros a todas as possíveis transformações do sistema educativo, independentemente das forças que se fazem presentes em um determinado momento. Os professores que assim atuam mantêm a prática tradicional de ensino efetuando ações rotineiras e burocratizadas. Esses professores internalizam a prerrogativa de que tudo continua como está, independentemente da conjuntura social vivida e modificada pela sociedade. Continuam a reproduzir seu trabalho, pautados no que acham viável e necessário para o aluno, respaldados pelo senso comum. O segundo caminho estabelece uma total incorporação dos elementos do Estado Neoliberal, da globalização do capital, incorporando as determinações das formas sociais, embasando sua prática nos princípios da competitividade do mercado. Esse caminho faz com que esses professores assimilem totalmente as determinações gerenciais e do ethos empresarial, que traduzem uma educação instrumental e não criticam o sistema instituído. Assim, am a incorporar e difundir, em sua prática profissional, princípios como a individualidade e a competitividade, enfatizando uma educação voltada exclusivamente para os interesses do mercado. O terceiro caminho diz respeito à resistência em aceitar e assumir o contexto da maneira como é planejado pelos determinantes do capital, embora itindo que essa realidade existe. Esses professores resistem, através da sua prática, buscando propostas inovadoras para seus alunos, buscando dar prioridade à natureza transformadora da educação, e não simplesmente na tradução do significado do ethos empresarial para a escola. Existe, sim, uma apreensão da positividade do avanço tecnológico da reestruturação do capitalismo, mas não de maneira unilateral. Essa resistência está fundada na possibilidade de junção do desenvolvimento científico-tecnológico com a educação voltada à possibilidade de estabelecer sua universalização, capaz de propiciar o desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos e conduzi-los ao desabrochar de uma nova visão de mundo. É justamente essa condução que poderá criar condições favoPara saber mais ráveis à crítica transformadora. Neutralidade, incorporação ou resistência: quais desses elementos você acha que estão mais presentes em nossos professores?
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Sendo assim, para que o trabalho do professor se torne significativo para o aluno e para a sociedade como um todo, ele não pode se efetivar, simplesmente aceitando
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ivamente as determinações e as influências da reestruturação produtiva e o que a política educacional ditada pelos organismos internacionais preconiza. Para que isso ocorra, é necessário que os professores consigam manter o espaço da escola aberto à crítica e à resistência, tal como historicamente tem sido construído pelos professores brasileiros. Os dois primeiros caminhos confirmam a sujeição dos professores ao poder de manipulação e manutenção da desigualdade do capital. O caminho da crítica transformadora promove condições mais efetivas para garantir a autonomia do professor, para trazer uma possibilidade de revalorização de seu trabalho e de efetivar sua especificidade em um conjunto complexo de relações sociais. Nessa linha, o produto do seu trabalho — o aluno educado — contribuirá para a valorização das potencialidades tanto do aluno quanto da sociedade, na direção da reconstrução permanente da sua cidadania. Esse processo de construção/desconstrução/reconstrução faz com que o trabalho dos professores corra o risco de perder a sua especificidade. O que nós defendemos como essencial para o exercício profissional do professor é que, naquele processo, ele busque manter viva a sua especificidade, mesmo que com sentidos diferentes, que sofrem influências internas e externas ao seu trabalho. Daí a importância de incorporar na sua prática a formação continuada, de natureza crítica, realizando pesquisas, fortalecendo a participação do professor em associações próprias da categoria profissional, que sustenta a luta pela manutenção de sua especificidade enquanto trabalhador da educação. As transformações ocorridas no Estado e nos modelos de trabalho têm tendido a modificar a autonomia relativa que o professor possui em direções contraditórias. Encontramos respostas dos docentes a essas Para saber mais transformações que conduzem à própria neVeja uma entrevista do Prof. Sergio gação do espaço de autonomia, quando estes Cortella sobre o que é ser professor. acabam sujeitando-se ao ethos empresarial Disponível em:
. capitalismo. Encontramos, também, ações que reafirmam uma perspectiva voltada para a formação humanista, que zelam pela manutenção da autonomia docente enquanto caráter específico da profissão, ações que se orientam pelo compromisso docente com a formação de seus alunos, compromisso fundado numa ética transformadora. Essa perspectiva fortalece a criatividade e as forças sociais
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que lutam contra a hegemonia do capitalismo, ao mesmo tempo que possibilita uma apreensão crítica do real por parte do professor, um modo melhor de ele assumir-se como sujeito da história.
Fique ligado! Estudamos, em nosso texto, que vivemos em uma sociedade capitalista que estabelece princípios como: Estado, globalização e modelos de trabalho, sendo que esses elementos impactam de forma significativa no espaço escolar. Essas questões impactam diretamente o trabalho do professor e sua identidade, visto que a escola deve ser vista como um local cheio de significados, dentre eles econômicos, políticos, sociais e culturais. Sabemos que essas relações são permeadas de sentidos e os professores devem conhecer todas essas questões para realizarem seu trabalho de forma a contribuir para a construção de sujeitos críticos e reflexivos, que não valorizem a individualidade e competitividade, pregada pelo ethos empresarial, mas auxiliem na construção de sujeitos que busquem pensar e agir em prol do coletivo e pela melhora a realidade de nosso país.
Para concluir o estudo da unidade Para buscar a prática transformadora discutida em nosso texto, podemos seguir o pensamento de Giroux (1997, p. 163), que ressalta que essa prática transformadora só se efetiva mediante o seguinte aspecto: tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico: Tornar o pedagógico mais político significa inserir a escolarização diretamente na esfera política, onde a reflexão e ações críticas tornem-se parte do projeto social fundamental de ajudar os estudantes a desenvolverem uma fé profunda e duradoura na luta para superar injustiças econômicas, políticas e sociais, e humanizem-se mais como parte desta luta.
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Apesar de parecer uma tarefa difícil para os educadores, esta é uma luta que vale a pena travar. Proceder de outra maneira é negar aos educadores a chance de assumirem o papel de intelectuais transformadores.
Atividades de aprendizagem 1. O modo de produção capitalista tem como eixo central a questão da economia e da política. As transformações sociais oriundas da Revolução Industrial e da Revolução sa trouxeram uma nova forma de produção e de política, visto que reestruturaram as relações de trabalho e de poder. Sabemos que outros acontecimentos históricos, dentre eles as Grandes Navegações, o Renascimento, a Reforma Protestante, possibilitaram o desenvolvimento de novos padrões sociais. Nesse contexto, a burguesia aparece como um importante grupo para que as transformações se efetivassem. Assim, assinale a alternativa que corresponde ao papel da burguesia nesse contexto. a) O processo de universalização é uma tendência do capitalismo desde sua origem, já que a burguesia precisa de novos mercados, de novas mercadorias e de condições mais vantajosas de produção. b) A dificuldade de comunicação entre os países devido ao baixo índice de progresso tecnológico adiou para o século XX a universalização do modo capitalista de produção. c) Desde o início, a expansão do modo burguês de produção fica restrita às fronteiras de cada país, pois o capitalista é conservador quanto às inovações tecnológicas. d) A expansão do modo capitalista de produção em escala mundial encontrou empecilhos na mentalidade burguesa apegada aos métodos tradicionais de organização do trabalho. e) Na maioria dos países não europeus, a universalização do capital encontrou barreiras alfandegárias que impediram sua expansão.
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2. As transformações em curso na sociedade brasileira, decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos, bem como a internacionalização da economia, trouxeram novos desafios para a educação. Nesse contexto, as novas formas de organização e gestão do trabalho exigem uma pedagogia: a) Que substitua a rigidez dos conteúdos pela flexibilidade, através da ampliação da democratização da educação básica. b) Determinada pelas transformações ocorridas no mundo do trabalho, voltadas para a aprendizagem simbólica. c) Conteudística que produza a formação do indivíduo na resolução de problemas práticos. d) Que priorize somente a racionalidade técnica fundamentada na divisão entre o pensar e o agir. e) Que valorize somente o lado das competências necessárias ao modelo de trabalho. 3. Diante da globalização, cada vez mais, novas exigências são apresentadas à sociedade e, por conseguinte, à educação. Entre as novas exigências apresentadas à escola, surge a necessidade de uma formação que consiga dar conta de um sujeito que se aproprie das transformações significativas, como o uso de objetos eletrônicos de primeira geração, eletrodomésticos multifuncionais, entre outros. Para o trabalho, sugere-se um profissional que consiga desenvolver atividades de forma integrada e cooperativa. Assim, cabe à escola observar e reforçar nesse novo contexto: a) A busca da simples transmissão e memorização de conteúdos. b) O abandono da pesquisa como princípio educativo, valorizando-se os conteúdos decorebas para a solução de questões propostas. c) O aluno que a a ser considerado mero receptor de conteúdos. d) A tentativa de superação da ividade do aluno diante do conhecimento, estimulando sua autonomia e reflexão, e desenvolvendo, assim, o senso crítico. e) O professor se torna o centro do processo de ensino e aprendizagem e o aluno, um mero objeto.
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4. Vimos que a questão do trabalho docente é perada por especificidades: produto do trabalho, flexibilidade, ciclo de trabalho e vínculo afetivo. Esses elementos são essenciais para que o trabalho do professor se efetive de forma significativa, tendo como foco principal o processo de formação de sujeitos críticos e reflexivos. Vimos que a escola é o local que esse trabalho, na maioria das vezes, se efetiva. Vimos também que a escola é um local de contradição, pois ela sofre os impactos das transformações econômicas, políticas, sociais e culturais. Em nosso texto, tratamos a questão da contradição existente na realização do trabalho do professor no espaço escolar. Explique essa contradição e os elementos que fazem parte desse processo. 5. A globalização estabeleceu as novas tecnologias como elemento essencial para o desenvolvimento da sociedade capitalista. As novas tecnologias, entre outros elementos, desencadearam uma mudança nos modelos de trabalho de nossa sociedade. Estabeleça uma relação entre os modelos de trabalho fordista/taylorista e o toyotismo com as transformações ocorridas no processo educativo e do trabalho do professor.
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