A Rebeliao Das Palavras 3v5x4v

Livro: A rebelião das palavras Autor: William Tucci 1ª edição Ano: 2005 Editora: Scipione Transcrito por: Anair Meirelles Uso exclusivo dos alunos do Instituto Santa Luzia

(p. 3) A rebelião das palavras Porca Porca Manga

(p. 4) A brincadeira na rua estava chata. Isadora deu tchau para suas amigas e foi-se embora. Ela lembrou que ainda não tinha tomado o lanche da tarde, abriu a porta de casa e foi logo dizendo à mãe: -- Mãe, estou com fome! -- Pegue uma fruta na geladeira, filha. Daqui a

pouco vou começar a preparar o jantar. No caminho até a geladeira, a menina foi pensando em qual fruta gostaria de comer: "Banana? Não. Laranja? Também não... Ah, já sei: manga. Quero uma manga bem geladinha." Isadora abriu a porta da geladeira e foi diretamente à gaveta, onde sua mãe costumava guardar as mangas. Ela sabia exatamente onde ficava cada coisa na geladeira, afinal, sempre foi uma grande comilona. Porém, quando abriu a gaveta, a menina teve uma surpresa: em vez da fruta, encontrou lá dentro algumas mangas de camisa. -- Mas o que significa isto? Será que a minha mãe pirou? Agora inventou de

guardar roupa dentro da geladeira? (p. 6) Quando Isadora se preparava para dar meia-volta e ir falar com a mãe, ouviu uma voz vinda de dentro da geladeira: -- Pode parar por aí, mocinha. -- Quem foi que falou aí? -- Fui eu, a manga. -- E por acaso manga fala? -- Só em casos extremos. -- Escute aqui, dona manga de camisa, a senhora não percebeu que está no lugar errado? As mangas frutas é que deveriam estar aí. -- As mangas frutas estão na gaveta das camisas. -- O quê? Mas o que elas

estão fazendo lá? -- Estavam cansadas e congelando dentro da geladeira, por isso resolveram tirar umas férias num lugar com um clima mais quente, mais tropical. E nós, que estávamos cansadas de tanto calor, resolvemos

ar uma temporada de inverno aqui. Estamos planejando até esquiar no freezer, mais tarde... Isadora não podia acreditar no que estava vendo e ouvindo. Aquelas mangas de camisa estavam completamente piradinhas. -- Mas vocês não percebem que não podem ficar na geladeira? -- Por que não? Nós também somos mangas, não somos? -- São, mas...

(p. 7) -- Não tem mas nem meio mas. Nós não queremos mais ser mangas de camisa. Nós, as mangas, estamos unidas. Vamos acabar com o preconceito. Mangas são mangas, e já que todas somos mangas, seremos uma coisa só. -- Mas isso é impossível. Como vai ser? Imaginem uma manga fruta pregada numa camisa, ou então servirem vocês de sobremesa. Quem vai gostar de comer manga de camisa? (p. 8) -- Ah, isso não é problema nosso. Não fomos nós que escolhemos esse nome. Quem fez a confusão foram vocês mesmos.

-- Nós, quem? -- Vocês, os humanos. A língua portuguesa está cheia de palavras que se escrevem e se pronunciam exatamente igual, mas têm sentido completamente diferente. E palavras que se escrevem de modo diferente, mas têm exatamente a mesma pronúncia. Entendeu? -- Não. Quando a manga de camisa ia começar a explicar novamente, a mãe da menina entrou na cozinha: -- Isadora, você ainda está com a geladeira aberta? Feche isso, minha filha, porque gasta muita energia. Energia custa muito caro, e nós precisamos economizar. -- Já estou fechando, mãe. Só quero pegar uma manga.

A mãe virou as costas e a menina rapidamente pegou as mangas de camisa na gaveta da geladeira e saiu em disparada para o seu quarto. (p. 10) -- Muito bem, dona manga de camisa, agora vamos botar os pingos nos is. Eu não sei exatamente se existe algo de errado na língua portuguesa, mas de uma coisa eu sei: vocês não podem se transformar em frutas assim, de uma hora pra outra! Por falar nisso, onde estão mesmo as mangas

frutas? -- Na gaveta das camisas, já disse... Isadora foi até a gaveta das camisas e lá estavam elas, quatro lindas mangas,

daquelas grandonas, coração-de-boi, espalhadas na gaveta. A mais rechonchuda delas levantou-se e espreguiçou-se. -- Ei, será que dá para fechar esta gaveta? Não vê que a gente está dormindo? (p. 11) -- Pois podem ir se levantando, aí não é lugar de manga... A manga de camisa interferiu na conversa da menina com sua xará: -- Posso saber de que manga você está falando? -- Da manga fruta. -- Ah, bom... Desta vez foi a manga fruta que discordou do que a menina tinha acabado de falar:

-- Não posso ficar na gaveta por quê, Isadora? -- Porque lugar de fruta é na geladeira. -- Pra você chegar lá e nos devorar? Não, senhorita, muito obrigada. Nós preferimos ser mangas de camisa. E temos dito! As outras mangas na gaveta aplaudiram entusiasticamente as palavras da manga rechonchuda. A menina não sabia o que fazer; colocou a mão na testa e disse, com voz cansada: -- Ah, meu Deus, isto aqui está uma confusão... -- Você ainda não viu nada, minha querida. Confusão maior vai ter agora. -- Quem falou?

A menina procurou pelo quarto. Quando chegou perto de um cavalinho de madeira, que tinha desde pequenininha, viu que era a sela do cavalo que estava falando. -- Pronto, era só o que faltava: uma sela falante! (p. 13)

-- Não só uma sela falante, como uma sela pensante. E, se penso, logo existo. E, se existo, quero saber exatamente quem ou o que sou. -- Ora, você é uma sela. -- Sela de quê? De cavalo ou de cadeia? -- Ora, sela de cavalo. Tá na cara... -- Como você sabe? -- Pelo "s", ué! Sela de cavalo é com "s", e cela de

cadeia é com "'c". Você está em cima do meu cavalinho há anos, na sua etiqueta está escrito sela com "s" e... -- Tá bem, então tire o "s" de mim e coloque o "c". Como eu fico agora? -- Ora, fica cela. -- Então, com "s" ou com "c", eu sou sela do mesmo jeito. Quem ouve a palavra não está vendo como ela foi escrita. Ponto final. Aliás, que tal e selar essa nossa descoberta? Rá, rá, rá, rá... -- Que papo mais furado. -- Vou dar mais um exemplo: se eu disser para você prender o ladrão na sela, o que você entende? -- Que devo prendê-lo na cadeia.

-- Acontece, mocinha, que eu disse sela com "s", portanto você teria de prendê-lo na sela do cavalo. Entendeu? As mangas, tanto as de camisa como as frutas, vibraram com a argumentação: (p. 14) -- Muito bem!!! -- Sensacional!!! -- Foi demais! Foi demais! -- Obrigada, amigas, muito obrigada. Isadora já estava atordoada com aquele papo maluco de sela e cela quando, de repente, ouviu um som de violino vindo do baú de brinquedos. A menina correu até o baú, abriu-o e, lá no fundo, viu o velho violino do seu avô.

Ela o pegou e colocou delicadamente em cima da cama. O violino começou a falar: -- Ai, eu já estou velho, não sirvo para nada, mas queria dar um depoimento sobre o assunto que vocês estão discutindo. A menina olhou com atenção para o violino e sentiu pena. Ele estava todo quebrado, maltratado, tinha apenas uma corda, e a sua voz estava extremamente desafinada. -- Qual o depoimento que o senhor quer fazer? -- Eu já fui vítima dessa confusão de palavras. -- Foi vítima? Como assim? - quis saber Isadora. -- Uma vez, há muitos anos, quando eu ainda era jovem, cheio de vida e sons maravilhosos, o seu avô olhou

pra mim e disse: "Meu querido violino, chegou o dia do seu conserto". Nem pude acreditar! Finalmente, eu participaria de um concerto, me apresentaria em público, tocaria sinfonias de Beethoven, Bach, Chopin... (p. 16) Seria a glória! Eu me tornaria um astro. Mas, quando dei por mim, o seu avô não estava me levando para um concerto musical. Na verdade, ele

estava me levando para ser consertado. Ele achava que eu estava com um problema aqui, outro ali, e não percebia que eu não estava precisando de conserto, com "s", e sim de um concerto, com "c".

Isadora, comovida, com lágrimas nos olhos, abraçou o violino e o consolou: -- Coitadinho, que história mais triste... -- E o pior é que o rapaz que me consertou era um péssimo profissional. Empenou meu braço, e meu som nunca mais foi o mesmo. E assim eu envelheci sem nunca ter participado de um concerto... (p. 18) Quando o violino terminou o seu depoimento, todos choravam, comovidos. -- BUUUUÁÁÁÁÁÁ!!! -- SILÊNCIO!!! A choradeira parou, todos olharam para trás e tiveram uma grande surpresa. Parado na porta, imponente, estava

um cabo de vassoura com farda de policial, que começou a ditar ordens aos berros: -- Atenção! Sentido! Isadora, as mangas frutas e as mangas de camisa, a sela e o violino imediatamente ficaram em posição de sentido. O cabo de vassoura continuou dando ordens aos berros: -- Muito bem, recrutas. Eu sou o chefe aqui. Entenderam? -- SIM, SENHOR!!! -- Ótimo. Agora, quero ver todo mundo fazendo cem flexões... A manga rechonchuda pediu a palavra, e o cabo de vassoura lhe deu permissão para falar. -- Sem com "s" ou cem com "c"?

-- Qual a diferença, recruta? -- Se for com" s", é só a gente ficar SEM fazer nenhuma flexão. Mas, se for com "c", então nós vamos suar um bocado... -- Pois podem começar a suar, pois é CEM com "c". E maiúsculo. CEM flexões. Já! O violino, inconformado por ter certeza de que não conseguiria fazer nem dez flexões, protestou:

(p. 19) -- Escute aqui, desde quando sou obrigado a obedecer às ordens de um cabo de vassoura? -- Cale-se, violino insolente. Eu sou um oficial.

Isadora resolveu entrar na conversa quando viu que o tempo ia fechar. E não era ameaça de chuva, não, era briga mesmo. (p. 20) -- Escute, seu cabo de vassoura, o senhor é um cabo, mas não é um cabo... Entendeu, seu cabo? -- Não, não entendi. -- O que eu quero dizer é que o senhor é cabo, mas não cabo do Exército, da Marinha, do Corpo de Bombeiros, coisas desse tipo... O senhor é um cabo de vassoura. -- Mas não me chamo cabo à toa. Deve ter um propósito, que só pode ser este: nasci para ser um oficial, um comandante, ou então eu não

seria cabo, seria recruta. Isso mesmo, eu seria recruta de vassoura e não cabo de vassoura. -- Mas espere aí, eu... -- Cale-se, menina! Vou convocar meus semelhantes e, juntos, vamos dominar o mundo! -- De que semelhantes o senhor está falando? perguntou Isadora. -- Os cabos de martelo, de enxada, de foice, de a... A menina percebeu que, a cada frase, o cabo de vassoura ia se entusiasmando mais. Parecia um alucinado, um ditador, planejando dominar o mundo. O cabo de vassoura continuou:

-- Cabos de eletricidade, cabos de conchas e escumadeiras, cabos de garfos, colheres e facas... Rá, rá, rá! Todos os cabos unidos... Rá, rá, rá! Vamos dominar o mundo... Dominar... Dominar... Rá, rá, rá! (p. 22) Perante os olhares estarrecidos de todos, o cabo de vassoura saiu

rindo como um alucinado, galopando para fora do quarto, e se colocou em posição estratégica atrás da porta da cozinha, como quem espera o inimigo. Isadora foi a primeira a falar: -- Xi... o cabo de vassoura endoidou de vez!

Vamos deixar o coitadinho pra lá. A manga de camisa não perdeu tempo para soltar mais uma das suas gracinhas: -- Seria bem pior se um cabo da polícia achasse que era cabo de vassoura e saísse de ponta-cabeça por aí, varrendo a casa. Todos riram, mas foram interrompidos outra vez. Quem pedia a palavra agora era uma porquinha, que estava em cima da penteadeira, onde Isadora guardava moedas. -- Pessoal, eu também gostaria de me pronunciar. Também tenho sido vítima de algumas confusões. Ainda esta semana, por exemplo, uma porca de parafuso veio tentar me convencer de que era minha parenta.

-- Sua parenta? Como assim? - perguntou Isadora. -- Ela quis provar que era minha parenta só para ter direito à minha fortuna. -- Que fortuna? (p. 24) -- Ora, Isadora, as moedas que você guarda dentro de mim. -- Mas que porca mais bandida! O violino deu um o à frente e perguntou, com voz desafinada: -- Qual porca é bandida? A porca cofrinho ou a porca de parafuso? -- A porca de parafuso, ora! Nesse momento, a porca de parafuso saltou das

engrenagens de um trem elétrico, bem no meio do quarto, e foi logo tirando satisfações: -- Posso saber o que é que vocês estão falando de mim? Isadora, decidida, colocou as mãos na cintura e respondeu em tom de bronca: -- Escute aqui, dona porca de parafuso, que história é essa de dizer que é parenta da porca cofrinho? Você pode nos explicar? -- Mas é claro que nós não somos parentas. Na verdade, nós somos a mesma coisa, da mesma espécie, somos "a mesma tudo" ... -- Ai, ai, ai, ai, ai, pirou de vez. Que idéia mais maluca achar que você e um cofrinho em forma de porca são da mesma espécie!

-- Ah, você acha que é maluquice mesmo? Pois então me diga: qual de nós duas é uma porca? A menina pensou, hesitou, ameaçou começar a falar umas três vezes, parou e, ainda indecisa, finalmente respondeu: (p. 26) -- Ora, as duas são chamadas de porca, mas... -- Não, não me venha com desculpas. Se eu sou uma porca e se ela é uma porca, então porcas somos. Se porcas somos, pouco nos imporca, ou melhor, pouco nos importa que porca é mais porca que a outra porca, porque porcas são porcas, nada mais que portas... digo, porcas.

Desculpem a confusão, mas acho que tenho um parafuso a menos. Após dizer essas palavras, a porca de parafuso começou a rir da própria piada. Riu muito, mas foi parando aos poucos, ao perceber que ninguém tinha achado a menor graça. -- Credo, como vocês são mal-humorados!... disse ela. A manga rechonchudinha, que sempre gostou das coisas explicadas nos seus mínimos detalhes, perguntou: -- Por favor, dona porca de parafuso, esse mau que a senhora disse é com "u" ou com "l"? -- Sei lá... -- Precisamos saber, pois, se a senhora disse mau com "u", significa que nós somos

malvados. Agora, se o mal é com "l", significa que não estamos ando bem... -- Ah, isso eu não sei dizer. O que eu sei é que vocês são muito sem graça. (p. 27) -- Chega! Vou pegar o meu dinheiro e guardar num banco, pronto! interferiu Isadora.

-- Boa idéia. Lugar de dinheiro é no banco. Pode deixar comigo que estará em boas mãos. -- Quem falou agora? - quis saber a menina. -- O banco do órgão. -- Mas o órgão instrumento musical ou órgão do corpo humano?

(p. 28) -- O instrumento musical, é claro. Estou aqui, sou o banco do seu órgão elétrico, Isadora. Tá me estranhando, é? Você falou em guardar dinheiro no banco, estou à sua disposição. Isadora riu da pretensão do banco do seu órgão. -- Você é só um banco de órgão, não é um banco onde se guarda dinheiro. -- Claro que sou. Não só sou, como estou plenamente preparado para guardar o seu precioso dinheiro. Sou um banco muito eficiente, tenho até caixas. Gostaria de vê-Ias? A menina ia responder que não queria ver nada, só queria acabar com aquela

confusão, mas foi interrompida pelo assobio do órgão. Imediatamente, várias caixas saltaram das prateleiras. Era caixa de sapato, de chapéu, de jóias, todas reivindicando o direito de serem caixas do banco e se prontificando a guardar o dinheiro de Isadora com muita segurança. As caixas de sapato começaram a falar, todas ao mesmo tempo. Houve uma enorme balbúrdia no quarto. Todo mundo falava ao mesmo tempo e ninguém entendia mais ninguém, até que Isadora explodiu: -- GEEEEENNTE! Querem fazer o favor? Esse quarto ainda é meu... A menina quase conseguiu que todos fizessem silêncio, não fosse a teimosia da manga

rechonchuda, que insistia em continuar

fazendo perguntas engraçadinhas: (p. 30) -- Um quarto? Mas um quarto de dormir ou um quarto de quilo? Isadora desatou a chorar. Para retribuir o apoio que a menina lhe deu quando ele próprio caiu em prantos, o velho violino disse: -- Ora, a menina não pode ser responsabilizada sozinha. Que papel mais feio vocês estão fazendo! Está todo mundo aqui precisando de um bom puxão de orelha! -- Falou e disse, amigo violino! Isadora virou-se para saber quem tinha falado aquilo

e viu um livro. -- Oi, seu livro, o que é que o senhor tem para reclamar? Vamos, aproveite, isto aqui está uma bagunça mesmo. -- Não vim para reclamar, mas para esclarecer. -- Como assim? -- Ora, eu sou um livro de língua portuguesa. -- UM LIVRO DE LÍNGUA PORTUGUESA! ESTOU SALVA!!!! Isadora até dançou pelo quarto, de tão feliz que ficou. Ufa! Finalmente apareceu um livro, que poderia dar um fim àquela loucura. -- Ah, seu livro... Por favor, explique pra gente o que é que está acontecendo... (p. 31)

-- O que está acontecendo é que a sua língua, a língua portuguesa, é mesmo um pouco complicada. É preciso muita atenção para não cair nas suas armadilhas. . . Mas ela tem suas regras, que existem justamente para cumprir uma função, que é a mesma de qualquer outra língua: fazer com que a forma de se expressar do seu povo seja entendida por todos. (p. 32) O livro falava todo pomposo e num tom bem didático, como um professor. -- Saibam que as palavras que são escritas da mesma maneira, mas têm significados diferentes são chamadas palavras homógrafas. Existem

também as palavras homófonas, que têm grafia e significado diferentes, mas são pronunciadas de modo idêntico. Todas essas palavras, ou seja, as que têm grafia ou pronúncia idênticas, também são chamadas homônimas. Ao ouvir essa explicação, Isadora pensou um pouco no que as mangas tinham dito no começo daquela confusão toda e teve de concordar com elas. -- Sabe, acho que estou começando a dar razão às minhas amigas rebeladas. Realmente é um pouco difícil lembrar de todas essas regras. Veja, por exemplo, o caso dos "ss". Até agora não entendi a diferença entre escrever com "s" ou "ss". O livro tentou esclarecer a dúvida da menina:

-- É que, em alguns casos, o "s" tem som de "z" , como na palavra mesa. -- Então, seria mais fácil escrever mesa com "z". -- Tem razão. Só que vocês não podem esquecer que nosso país ainda é muito jovem, foi influenciado por várias culturas e é formado por pessoas vindas de várias partes do mundo, falando diversos idiomas. A palavra mesa veio de uma língua muito antiga, que não se fala mais: o latim. (p. 33)

Nessa língua, "mesa" era "mensa", com "s". E como a língua de um povo é uma coisa viva, que vai sendo moldada conforme a sua cultura se

forma, não existe um culpado. Ela é assim porque foi sendo formada aos poucos, ao longo de muitos anos... (p. 35) -- Então... não adianta a gente se rebelar? A gente tem de se conformar? - falou a pobre manga rechonchuda, que era o desânimo em pessoa. -- Não! Quem quer mudar alguma coisa tem de lutar por suas idéias. Lutar para convencer os demais! Podem contar com o meu apoio. Porém tenho certeza de que, neste caso, com um pouco de conhecimento, vocês não vão achar que a língua portuguesa é tão confusa assim. -- Pois eu já sei o que vou fazer: estudar bastante a

língua portuguesa, conhecer todas as regras para um dia compreender melhor a língua que falamos. -- É isso aí, Isadora... - disse o livro, que fechou suas páginas e novamente se colocou na estante, com cara de sono. - Se vocês me permitem, agora eu vou descansar um pouco... Uáááá... Estou morrendo de sono. - E se perdeu no meio dos outros livros na estante. Isadora olhou para todos que estavam na sala e disse sorrindo: -- Olhe, pessoal, acho que por enquanto as coisas devem ficar como estão. Mas de uma coisa eu tenho certeza, esta confusão toda serviu para algo muito importante. -- E o que foi, Isadora?

- perguntou a porca cofrinho. -- Eu aprendi que tenho de estudar muito mais português se quiser entender tudo que aconteceu hoje. Aprendi principalmente a gostar muito, mas muito mais de cada um de vocês. Agora, juntos nós vamos poder resolver os problemas uns dos outros.

(p. 36) A manga rechonchuda, intrometida como sempre, pediu a palavra e disse em tom quase solene: -- Eu queria aproveitar o momento para dizer que nós também vamos colaborar, afinal, não importam nomes ou títulos, importa o que somos, para o que servimos, isso sim é que importa... isso sim nos

abre porcas, digo, portas! Todos, sem exceção, aplaudiram emocionados, alguns até com lágrimas nos olhos, pelas belas palavras da manga rechonchuda. -- BRAVO!!! APOIADA!!! O velho violino saltou no meio da multidão, esquecendo - completamente a sua frágil condição física, e se pôs a tocar, com a única corda que ainda lhe restava. -- Vamos lá, pessoal! Depois de tanta confusão esse desfecho exige uma comemoração! E o quarto de Isadora virou uma verdadeira festa. Era manga de camisa dançando com manga fruta caixa de sapato dançando com banco de órgão porca de parafuso dançando com porca cofrinho

todos numa grande festa. De repente, a porta de quarto se abriu e a mãe da menina entrou. -- Isadora, que bagunça é esta? Está tudo fora do lugar! Que confusão! Arrume tudo e venha jantar. (p. 37) -----

Ih, mãe, você nem sabe! A confusão maior a gente já resolveu... Do que você está falando, minha filha? Nada não, mãe... nada não... Vamos, arrume logo esta bagunça.

(p. 38) A mãe saiu. Isadora imediatamente tratou de colocar ordem no quarto. -- Pessoal, agora chega, eu tenho de ir jantar. Todos para o seu lugar. Amanhã a gente se vê de novo. Boa noite! -- Boa noite... - responderam todos, voltando cada um para o seu lugar. Antes de sair do quarto, a menina deu uma última olhada. Tudo estava arrumado. Então, ela abriu a porta e saiu. A manga rechonchuda fez a sua última observação antes de voltar para a geladeira: -- Gente, por que será que a palavra hoje tem "h" e a palavra amanhã não tem?

Temos de perguntar para Isadora. Eu... -- Ora, chega por hoje, rechonchuda! A gente quer dormir. Boa noite! disseram todos. (p. 39) E o quarto mergulhou no mais profundo silêncio, enquanto na cozinha, durante o jantar, Isadora enchia o pai e a mãe com milhões de perguntas sobre a língua portuguesa. -- O que será que deu nessa menina para se interessar tanto por português? Ela nunca gostou dessa matéria! - disseram os pais intrigados.

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