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SEMINÁRIO PRESBITERIANO BRASIL CENTRAL
APOLOGÉTICA DE FRANCIS SCHAEFFER
por Paulo Sérgio Alves
Monografia Apresentada ao: Jadiel Martins Sousa que é Prof.de Apologética Como Requisito Parcial para Obtenção do Grau de
BACHAREL EM TEOLOGIA Goiânia-GO 2001
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Sumário
Sumário..............................................................................................................................2 Introdução..........................................................................................................................3 1 – Vida e Obras de Francis Schaeffer..............................................................................4 2 – Metodologia Apologética............................................................................................6 A – Alvo da Apologética Cristã...................................................................................6 A.1 – O Homem Moderno e seu problema...............................................................6 A.2 – Origem Histórica do Homem Moderno..........................................................7 A.3 – A Influência do Pensamento Moderno na Vida do Homem Moderno............8 A.4 – O Alvo a Ser Atingido na Problemática do Homem Moderno.....................11 B – O Fundamento da Apologética Cristã...................................................................11 C – A Estratégia da Apologética Cristã......................................................................13 C.1 - Identificação do Ponto de Contato..................................................................13 C.2 – Confronto Negativo: Mostrar o “Ponto de Tensão”......................................14 C.3 – Confronto Positivo: Mostrar a Saída..............................................................15 3 – Avaliação da Apologética de Schaeffer...................................................................17 Conclusão........................................................................................................................19 Bibliografia......................................................................................................................20
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Introdução Apologética é a parte da teologia que elabora métodos de transmissão eficaz do evangelho, bem como trabalha na defesa desta fé cristã contra os ataques vindos de fora. E relacionado a este assunto, muitos apologistas cristãos existiram, e.g. Justino Martir, C.S.Lewis, e o próprio apóstolo Paulo. O tema deste trabalho é a avaliação da metodologia apologética de Francis Schaefer. E para esta tarefa foi utilizado três obras que foram analisadas, para se extrair a estrutura de sua metodologia. Estas obras principais foram: A Morte da Razão, O Deus que Intervém e Verdadeira Espiritualidade. Este trabalho está dividido em três partes. A primeira faz uma apresentação de Francis Schaeffer bem como um comentário breve de suas obras. A segunda foi o detalhamento de sua metodologia apologética, destacando três pontos: o alvo, a base e a estratégia da apologética cristã na ótica de Schaeffer. E a terceira parte, foi uma breve avaliação com uma crítica propriamente dita, e a consideração da relevância do sistema do autor.
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1 – Vida e Obras de Francis Schaeffer Um dos maiores expoentes da apologética cristã, que a história conheceu foi Francis August Schaeffer (1912-1984). Antes da Guerra ele tinha estudado nos Estados Unidos, onde obteve seu doutorado. Neste país trabalhou como pastor no período de 1938-1948. Depois foi para a Europa onde fundou e dirigiu a famosa Comunidade L’Abri, “O Abrigo” em Huénoz, nos Alpes Suíços. Muitas pessoas de diversas partes do mundo, com diversas culturas – e.g. universitários, escritores, pastores, músicos, pintores – foram a esta Comunidade L’Abri em busca de respostas honestas para suas perguntas honestas, que para Schaeffer era a razão de ser da comunidade. Acerca desta ele disse que ensinar “as respostas cristãs históricas e responder com honestidade às perguntas sinceras são tarefas penosas, mas foi dessas lutas que veio a realidade, sem a qual um trabalho incisivo como L’Abri jamais teria sido possível.”1 Além de ter fundado a comunidade L’Abri, para ajudar pessoas com problemas existenciais e intelectuais, Francis Schaeffer desenvolveu uma metodologia apologética, com o fim de defender e transmitir a fé cristã diante do mundo moderno. E nesta tarefa escreveu várias obras importantes, que contém informações de sua apologética. O Dr. Schaeffer foi “um dos poucos pensadores evangélicos contemporâneos que procuraram compreender firmemente a cultura secular.”2 As suas principais obras foram: A Morte da Razão (1968), O Deus que Intervém (1968) e Verdadeira Espiritualidade (1971). Em Verdadeira Espiritualidade, Francis Schaeffer publica um material usado nas suas palestras, que primeiramente foram reproduzidas em fitas de aúdio. Nesta obra o assunto é a natureza da verdadeira espiritualidade, com o enfoque para a prática cristã.
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Francis A. Schaeffer, Verdadeira Espiritualidade (São Paulo-SP: Cultura Cristã,1999), 8. Colin Brown, Filosofia e Fé Cristã (São Paulo-SP: Vida Nova, 1983), 165.
5 É uma reflexão da teologia bíblica, porém com uma ênfase sobre alguns aspectos que são relevantes para a problemática do homem moderno. A Morte da Razão é um ensaio, onde Schaeffer “procurou analisar as tendências gerais não somente da filosofia e da teologia mas, sim, também da arte e da literatura desde a Idade Média até o presente.” 3 Esta obra é bem sintética e tem uma preocupação histórica. Nesta ele chega ao seu objetivo de esclarecer o conceito de “homem moderno e seu desespero”. Em O Deus que Intervém, a intenção do autor é mostrar como o cristianismo é relevante como uma alternativa razoável para o homem moderno preso em seu desespero. “Sua intenção é expor o vazio do pensamento secular e da moderna teologia, mas, muito mais que isso, oferecer uma esperança bem fundamentada de que o homem encontre de novo sua verdadeira personalidade e propósito, se apenas voltar-se à Palavra vivificadora que Deus nos comunicou nos documentos das Escrituras.”4 Muitas outras obras foram produzidas, bem como material de palestras e fitas de aúdio. No próximo capítulo, estar-se-á vendo alguns aspectos da metodologia de Francis Schaeffer.
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Ibid, 165. Ver apresentação da obra na capa de fundo, Schaeffer, O Deus que Intervém (Brasília-DF: Refúgio, 1981). 4
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2 – Metodologia Apologética A – Alvo da Apologética Cristã Para se elaborar uma apologética, primeiramente é necessário saber qual o alvo específico que será objeto do empreendimento desta. Pois para cada época existem novas questões a serem trabalhadas, novas ênfases no pensamento não cristão ortodoxo. Na Morte da Razão, Schaeffer identifica o alvo de sua empresa apologética, bem como procura compreender o problema deste em suas origens históricas. Já no O Deus que Intervém, entre várias outras temáticas, ele analisa mais detalhadamente as expressões do pensamento moderno na vida prática do homem moderno. A.1 – O Homem Moderno e seu problema
O alvo da apologética de Schaeffer é o homem moderno, ou seja, é o indivíduo que vive sob a influência e implicações do sistema de pensamento moderno. O homem moderno se caracteriza principalmente pela nova forma de abordar à verdade, não vendo esta sob a categoria do absoluto e sim do relativo. Portanto critica veementemente a metodologia dialética de Hegel. Esta concepção relativa da verdade, é para ele o problema crucial da apologética cristã, neste contexto. A tragédia da nossa situação hoje é que homens e mulheres estão sendo fundamentalmente afetados por esta nova maneira de encarar a verdade e, contudo, nunca sequer analisaram o desvio ocorrido. Os jovens nos lares cristãos são educados dentro da velha estrutura da verdade e depois são submetidos à estrutura moderna. Com o tempo ficam confusos porque não conseguem compreender as alternativas que lhes estão sendo apresentadas. A confusão se transforma em perplexidade e em pouco tempo estão completamente subjugados. 5
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Schaeffer, O Deus que Intervém, 15.
7 O outro problema do homem moderno é o dualismo entre a vida “espiritual” de fé e a vida racional. Que os levam a perder todo a identidade existencial da vida. Na concepção do homem moderno, os valores cristãos foram substituídos, e em consequência disto na perspectiva modernista: o “homem já morreu. Deus já morreu. A vida se tornou uma existência sem significado, e o homem não a de uma roda na engrenagem. A única via de escape a por um mundo fantástico de experiências, drogas, absurdos, pornografia, uma ‘experiência final’ elusiva, e de loucura.”6.
A.2 – Origem Histórica do Homem Moderno Ao defender e transmitir o evangelho para o homem moderno em seu desespero, Francis Schaeffer chegou à conclusão que para entender as tendências do mundo moderno, é importante primeiramente buscar na história, os principiais pressupostos que foram se desenvolvendo até chegar na atual configuração dos termos.
E
nesta
compreensão delimita a sua pesquisa, a partir de Tomás de Aquino. Surpreeender-se-ão alguns que, analisando as tendências do pensamento moderno, eu comece com Tomás de Aquino e prossiga, tendo-o como ponto de partida. Estou, porém, persuadido de que o nosso estudo deve interessar-se, não só isoladamente como também conjuntamente, pela história e pela filosofia. Só nos será possível compreender as tendências atuais do mundo do pensamento, se visualizarmos a situação segundo sua origem histórica, e, ao mesmo tempo, atentarmos minuciosamente para o desenvolvimento das formas de pensamento filosófico. Somente após havermos efetuado este ponto preliminar teremos condições para enfrentar os aspectos práticos da questão de como comunicar a verdade imutável a um mundo em mudança.7
Nesta pesquisa histórica, focaliza a origem e o desenvolvimento da tendência moderna em fazer uma separação da realidade humana em duas partes. Ele chama este esquema de dicotomia entre “graça” e “natureza”. A graça é a parte da realidade que diz respeito aos valores espirituais do homem, que são objeto da fé. E natureza são os aspectos da realidade humana disponível à razão. Para Schaeffer, Tomás de Aquino foi que abriu caminho para a discussão e desenvolvimento da dicotomia da graça e natureza. Fez isto ao conceber na vida humana um papel autônomo para a razão, dando-lhe poderes de poder tratar de assuntos relativos à fé. Pressupondo esta autonomia da razão em relação à fé, o pensamento foi se desenvolvendo ao longo do tempo, e o resultado foi que a natureza, guiada pela razão, devorou a fé. Aquele que estava no andar de baixo destrui o andar de cima. Isto fez com 6 7
Schaeffer, A Morte da Razão (São José dos Campos-SP: Fiel, 1993), 1. Ibid, 6.
8 que o esquema se tornasse unilateral. Antes natureza e graça, depois somente natureza sem graça. Isto foi evidenciado na filosofia e nas ramificações culturais da vida humana. Kant estabeleceu um abismo entre a graça e a natureza, e Hegel introduziu um novo esquema para tratar da realidade. Esta mudança de mentalidade (natureza sem graça) atingiu por exemplo a ciência e a moral. A ciência moderna dos primórdios ou para uma nova fase: “a moderna ciência moderna”. E na moral pôde-se perceber a “moderna moralidade moderna”. Viver numa perspectiva de um esquema de natureza sem graça, é contra a própria natureza do mundo e da existência humana. E por isto o homem reagiu a esta unilateralidade da natureza sem graça, porém à luz do pensamento de uma verdade relativa, na dialética hegeliana, onde não há absolutos. Isto se expressou na frustação e abandono da tentativa de se edificar um sistema de pensamento que englobasse todo a realidade. Esta atitude é “desespero”, é deixar de considerar a vida como uma unidade. O primeiro homem a se submeter a esta “linha de desespero” traçado por Hegel, que ele mesmo superou no seu idealismo, foi Kierkegaard (1813-1855), nasceu neste sentido, esta mentalidade do homem moderno. Em vez de um esquema de natureza e graça mutuamente dependentes e independentes, e em vez da unilateralidade da natureza sem graça, o homem moderno no seu desespero, montou um esquema de uma natureza e graça totalmente separadas e autônomas entre si. A natureza no âmbito da vida “real” e a graça na “religiosidade sem significado”. A.3 – A Influência do Pensamento Moderno na Vida do Homem Moderno O desespero da mentalidade moderna surgiu depois do homem moderno ter se submetido a viver abaixo da linha do desespero, deixando de encarar a realidade como uma só, ando a ver-se a si mesmo como algo dicotômico. Segundo Schaeffer este modo de pensar “se disseminou de três diferentes maneiras. Em primeiro lugar, difundiu-se geograficamente, da Alemanha para o exterior.” Em “segundo lugar, espalhou-se através de classes. A intelectual foi a primeira a ser afetada” e a “grande massa recebeu o novo modo de pensar através dos meios de comunicação sem análisá-lo.” E em “terceiro lugar, disseminou-se este modo de pensar mediante sucessivas disciplinas”8. Estas disciplinas são: a filosofia, a arte, a música, a cultura geral e a teologia. 8
Ibid, 42-43.
9 Quanto à influência do pensamento moderno nestas disciplinas, além de A Morte da Razão, Francis trabalha mais extensamente este assunto no O Deus que Intervém. Onde trata deste assunto nos chamados “os na linha do Desespero”. o 1: Filosofia Para Schaeffer, Hegel é a porta de entrada, mais quem entra na porta é Kierkgaard. Deste modo, o primeiro o se deu na Filosofia. E isto se expressou mais especificamente no existencialismo, que foi a rejeição de qualquer esquema de sistema unificado, ou seja, foi uma rejeição ao essencialismo. O homem, no existencialismo, não tem essência. E a principal característica destes filósofos é a concepção de que a vida do homem não tem um sentido objetivo e real. Porém o homem por meio da vontade e liberdade, se auto-autentifica dando a si mesmo o sentido da vida, no entanto, ao fazer isto qualquer direção é válida. Além do existencialismo, outras correntes também expressaram este desespero moderno. O Positivismo Lógico e Filosofia Analítica, que negaram da filosofia qualquer tentativa de se formular um sistema integrador do conhecimento. Para Schaeffer o Existencialismo é distinto do Positivismo e Filosofia Analítica, entretanto acerca destas últimas pode-se afirmar que “apesar de concordarmos que não estão relacionadas, na sua origem, com o existencialismo, têm contudo comum o seguinte: à usa própria maneira, são todas anti-filosofias.”9 A filosofia, portanto, se descaracterizou, em muitos de seus compartimentos, a experiência sem significado é a saída do mundo da natureza.
o 2: Arte O segundo o se deu na Arte, e Schaeffer analisa vários nomes, demonstrando em suas obras, traços e expressões da tendência modernista de pensar, vendo a realidade separada em dois âmbitos. Entre os nomes dos artistas, pode ser encontrado Van Gogh e Gaughin e Cézanne. “Cada um deles tentou encontrar uma verdade universal na sua arte”. Porém, quando “viram que haviam atravessado o limiar da linha do desespero, esses homens começaram uma busca desesperada para achar a verdade universal que os devolvesse à
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Schaeffer, O Deus que Intervém, 27.
10 realidade, algo mais que apenas particularidades. Estavam procurando expressar uma forma e uma liberdade que fossem válidas no âmbito da sua disciplina, a arte.”10 Além destes três citados acima, outras expressões modernas na Arte, foram analisadas em Picasso, Modrian, no Dadaísmo, em Marcel Duchamp, nos “Happenings” e nos ambientes. o 3: Música Dentro da tradição da música clássica, pode-se perceber, também, como foi que o pensamento moderno dicotômico se infiltrou na composição da música moderna. Ele identifica e estuda Jonh Cage, e de forma geral a música concreta. Esta expressa nas suas composições o retrato da realidade concebida por seus compositores em que tudo “é relativo, nada é seguro, nada é fixo, tudo está fluindo.”11 o 4: Cultura Geral Dentro da cultural mais geral, também, o pensamento moderno encontrou expressão. Dentro desta cultura geral há uma amplitude de ramificações, que em suma tem em comum, serem expressões culturais da vida humana. Ele cita exemplo do desespero moderno em Henry Miller, que foi um escritor, que por traz da pornografia traz afirmações filosóficas profundas, com uma atitude antilei, combatendo a moral. A noção de uma verdade que prescinde de tese em oposição à antítese, em prol de uma tríade de tese-antítese-sintese, afetou a concepção de gênero humano. Isto abriu alternativas a mais, da tradicional divisão homem-mulher, surgiu o homossexualismo filosófico. Dentro do Teatro, pode ser visto em John Osborne, traços do desespero moderno. Na poesia, tem-se o nome de Dylan Thomas. Também, foram afetados o cinema, os meios de comunicação em massa e os Beatles. o 5: Teologia A Teologia, também, foi influenciada pelo pensamento moderno dicotomista. Esta se afastou do Cristianismo Bíblico. O existencialismo que atingiu a Filosofia, também atingiu a Teologia. 10 11
Ibid, 33. Ibid, 40.
11 Depois da tentativa frustada de encontrar um Jesus histórico e uma religião natural, surgiu uma nova Teologia. “A nova teologia perdeu a esperança de achar um campo de conhecimento unificado. De maneira que, em contraste com a teologia bíblica e da Reforma, ela é uma anti-teologia.” Shaeffer acusa Barth de ter inserido a Teologia dentro do pensamento moderno dicotômico, quando este postula um Cristianismo que prescinde totalmente da verdade histórica. É uma religião, portanto, com dois aspectos, o aspecto natural e o aspecto sobrenatural. Porém este último é uma impossibilidade no sentido de se tornar inteligível. O que sobra é uma religião que consiste em um jogo de termos do cristianismo ortodoxo, porém esvaziadas de sentido, e aliás, sem sentido nenhum, somente pragmático. O Cristianismo na Nova Teologia é simplesmente um sistema de símbolos religiosos que ajudam a compreensão do homem. A.4 – O Alvo a Ser Atingido na Problemática do Homem Moderno Pelo que se pode perceber, o pensamento do homem moderno, assume vários aspectos, que internamente são distantes entre si. São várias manifestações com conteúdo bem diferenciados e muitas vezes antagônicos entre si. Se a apologética visasse combater estas expressões, com todas as suas particularidades, o esforço se tornaria muito mais complexo e difícil, mais do que já é. Porém, Shaeffer, não visa atingir as várias expressões, e sim a forma. Pois embora o conteúdo seja diferente, as várias linhas do pensamento moderno tem algo em comum, algo que as unifica, que é metodologia dialética. Francis diz: “Se queremos realmente entender o século em que vivemos precisamos compreender que o inimigo real não é a forma exterior que a dialética toma. Esta pode ser expressada de forma teísta ou ateísta. O inimigo não é a forma ocasional que ela toma, mas é a própria metodologia dialética.”12
B – O Fundamento da Apologética Cristã Visto que a apologética consiste não somente de uma defesa mas também de uma transmissão do Evangelho. E visto que, existe não somente um lado negativo, de demolição, mas também, um positivo de substituição. É necessário um fundamento teológico do Cristianismo que sirva de base para toda investida apologética. Depois de 12
Ibid, 46.
12 identificar o alvo, é necessário uma estratégia e uma base. Esta base será mencionada neste capítulo. O fundamento teológico de Francis Schaffer é o Cristianismo Bíblico puro. Para ele a mensagem cristã é em si uma alternativa para o desespero do homem moderno. O cristianismo é uma alternativa para se considerar o que foi perdido na dicotomia da vida do homem moderno. E o aspecto mais importante do Cristianismo é o seu aspecto histórico. Francis Schaffer, portanto, irá enfatizar bastante este aspecto do cristianismo. Porém, anterior a este, também partirá do pressuposto básico de verdade. É a afirmação de que a verdade é absoluta que é a implicação direta do cristianismo. Ele trabalhou isto bastante na parte III, “Como o Cristianismo Histórico Difere da Nova Teologia”, da sua obra O Deus que Intervém. Porém, é na obra
Verdadeira Espiritualidade,
que Schaeffer vai detalhar
melhor o fundamento teológico do cristianismo bíblico e histórico. Nesta obra, o autor mostra como é que no kerygma evangélico, nos fatos por ele anunciados, afetam decisivamente a noção de realidade e de espiritualidade. Para ele o Cristianismo não tem uma espiritualidade sem significado, mas que a morte e ressurreição de Cristo afetou de forma concreta o tempo e espaço da realidade humana. Portanto é a espiritualidade do tempo e espaço, que foi afetado por um evento Cristo também no tempo e espaço, é que faz o Cristianismo ser uma religião dicotômica, mas sistêmica e unificadora. O homem vive no tempo e no espaço e portanto a sua espiritualidade também se dá neste ambiente, e não em teorias ou misticismo semântico. A espiritualidade verdadeira do cristão, se dá na santificação que é a vida numa realidade concreta do aqui e agora. Deve ser uma espiritualidade não às expensas da visão de realidade da Bíblia, de um mundo sobrenatural. “Ora, a espiritualidade do cristão, sobre a qual escrevemos nos capítulos anteriores, não subsiste sozinha. Ela está relacionada com a unidade da ótica com que a Bíblia vê o universo. Isso quer dizer que precisamos entender – intelectualmente, com as janelas abertas – que o universo não é o que nossa geração diz que é, ao ver somente o universo naturalista.”13 A base da apologética de Francis Schaefer, pode ser dita, que é a sua afirmação do cristianismo bíblico sem retirar deste a visão de um mundo sobrenatural. O homem moderno entrou em desespero, porque, ou a ver o mundo somente do ponto de vista de sua metade, o lado natural. Sendo assim, aquilo que nele existe e que é relacionado com aspectos do lado sobrenatural, tem sido substituído por outros elementos naturais e 13
Schaeffer, Verdadeira Espiritualidade, 81-82.
13 existenciais. Por isto é que o cristianismo bíblico se constituí como uma alternativa distinta para sair do desespero da dicotomia, portanto, “em oposição à parca experiência existencial, ou às experiências religiosas orientais, a glória da realidade experiencial do cristão é que podemos vivenciá-la com as portas e janelas intelectuais escancaradas.”14 Em suma a base da apologética de Francis Schaeffer, é a unidade entre fé e razão na espiritualidade e vida humana, à luz da morte e ressurreição de Jesus, bem como no poder do Espírito operando no tempo e espaço aqui neste mundo. Não há separação nem dicotomia, e sim uma continuidade do mundo sobrenatural no mundo natural. C – A Estratégia da Apologética Cristã Depois de estabelecer o alvo, que a noção dialética expressa no desespero dicotômico do homem moderno. E depois de firmar a base do qual se partirá os ataques e defesas do cristianismo, que é fé bíblica histórica unificadora da realidade. É necessário uma estratégia de ataque, que é a transmissão da fé cristã ao homem moderno, que via de regra também pode ser usada na defesa do cristianismo. A estratégia de Francis Schaeffer, que é a sua tarefa apologética, consiste em mostrar e demonstrar
a fraqueza e inutilidade do pensamento moderno, em suas
expressões desesperadas e desintegradas. E com base no cristianismo histórico, depois, apresentar uma solução para preencher o lugar vazio que foi deixado pela ausência do pensamento moderno. Esta solução esta no kerygma evangélico. C.1 - Identificação do Ponto de Contato Toda tarefa apologética, pressupõe um ponto de contato, ou como alguns dizem, “ponto de conexão”. Pois a natureza da tarefa do apologista é intelectual e discursiva. 15 Nenhum argumento pode ser demonstrado, se não houver uma acordo sobre a veracidade das premissas envolvidas. Deve haver uma crença em comum, uma premissa pelo qual se desenvolverá o argumento, na defesa ou ataque apologético. Francis Schaeffer, encontra este “ponto de conexão”, na realidade da vida do homem moderno. Como o universo em sua natureza envolve uma unidade entre a razão e a fé, entre a natureza e a graça, desconsiderar esta unidade, é necessariamente entrar em conflito com a própria realidade, e se colocar em estado de inconsistência existêncial.
14 15
Ibid, 91-92. Ver Alan Richardson, Apologética Cristã (Rio de Janeiro-RJ: JUERP, 1978), 22-26.
14 Portanto, o ponto de contato da apologética schaffiana é a própria realidade presente na vida dos homens modernos. Pois embora eles no pensamento neguem esta realidade, na prática em maior ou menor grau, afirmam esta realidade negada. E é ai que se situa o ponto de conexão. Como poderia o homem moderno negar que é um ser moral, que acredita no bem? Como poderia negar que tem sentimentos de amor e estéticos? Como poderia negar a realidade que diz que ele é um ser pessoal? É nestas verdades práticas do homem, que Schaeffer começa sua argumentação. C.2 – Confronto Negativo: Mostrar o “Ponto de Tensão” Uma vez estabelecido o ponto de conexão, em que tanto o cristão com o homem moderno estão de acordo com certos fatos da realidade humana, que não podem ser negados na prática. O próximo o, é de natureza negativa, é o processo de limpar o terreno, bombardeando o inimigo em seus pontos fracos, e deixando o território vazio. Este o, para Franscis, é o o em que as pressuposições modernistas tem que ser abandonadas, por se mostrarem inadequadas para explicar a realidade. Neste momento, é importante, mostrar que o conceito de verdade relativa nega a realidade prática da vida do homem. É mister portanto, mostrar ao homem moderno que sua concepção de mundo exige posturas impossíveis de serem realizadas na prática. Um exemplo pode ser dado: Uma moral relativa, pressupõe a falta de sentido de qualquer moral, pois não havendo um padrão, qualquer padrão é válido. É por isto que dentro desta concepção, o homem moderno não pode julgar como errado, alguém cuja ética e moral permite casar com várias mulheres, matar crianças e velhinhos, abusos sexuais, o roubo, e assim por diante. Viver sem a concepção de um bem moral absoluto, é pressupor que tudo é permitido. A tarefa do apologista será portanto, identificar na prática do homem moderno, quais os valores que ele mantém em sua vida, que são negados em seu sistema. Schaefer chama isto de identificar “o ponto de tensão”. Ele trabalha com a premissa universal básica que diz: “ninguém consegue viver coerentemente com suas pressuposições não cristãs e, consequentemente, por se defrontar com o mundo real e consigo mesmo, na prática você encontrará um ponto sobre o qual possam falar.”16 Portanto, na tarefa negativa da apologética, o procedimento não é apresentar o kerygma evangélico: Deus existe, Jesus morreu pelos pecados, Jesus ressuscitou dos mortos, você é um pecador, você deve crer em Jesus, para não ir para o inferno. Tudo 16
Schaeffer, O Deus que Intervém, 125.
15 isto é verdade, sim, mas não deve ser usado neste momento. Schaeffer diz que a “verdade que permitimos entrar primeiro não é uma afirmação dogmática da verdade das Escrituras, mas a verdade do mundo externo e a verdade daquilo que a própria pessoa é.”17 Uma vez que se encontra “o ponto de tensão”, a pessoa que estiver consciente da realidade, e não quer viver em vão, tem que escolher entre sua vida prática e entre seu sistema de pensamento moderno. Schaeffer fala disto como um teto de “proteção contra os golpes do mundo real”. É dever do apologista retirar este teto, que é uma tarefa delicada. “O cristão, amorosamente e com lágrimas verdadeiras, deve remover o teto e permitir que a verdade do mundo externo e do que o homem é o atinjam. Quando o teto removido, cada indivíduo precisa ficar nu e ferido perante a verdade do que existe.”18 C.3 – Confronto Positivo: Mostrar a Saída. Depois ter realizado o aspecto negativo, e o terreno ter ficado limpo, é necessário construir algo no lugar, e esta é tarefa positiva da apologética. Seria muito inadequado para o cristão, demolir o sistema de crenças de uma pessoa, e deixar esta desampara e vazia sem uma solução. O cristão a partir da sua base irá apresentar o Cristianismo como a alternativa entre o desespero e o desespero. É nesta parte, que o Cristianismo tem que ser apresentado, ou seja, a mensagem kerygmática da fé cristã. Tal como foi estada como o fundamento da apologética neste trabalho.
Schaeffer, mostra os principais pontos que devem ser confessados pelo
homem moderno que queira se tornar um cristão. 1 – Você crê que Deus existe, que é um Deus pessoal e que Jesus Cristo é Deus – sempre lembrando que não estamos falando da palavra ou da idéia Deus, mas do Deus infinitopessoal que existe? 2 – Você reconhece que é culpado perante este Deus – lembrando que não estamos falando de sentimentos de culpa, mas de culpa moral verdadeira? 3 – Você crê que Jesus Cristo morreu no espaço e no tempo, na história, na cruz e que quando morreu, Sua obra substitutiva em sofrer o castigo de Deus pelo pecado foi inteiramente alcançada e que é completa? 4 – Baseado nas promessas de Deus em sua comunicação escrita conosco, a Bíblia, você quer se entregar (ou já se entregou) a este Cristo como seu Salvador pessoal – não confiando em nada que você tenha feito ou venha a fazer?19
Estes pontos devem ser transmitidos, deixando que tornar cristão é o ato possível somente com base no que Cristo fez na cruz, e somente a fé nisto que pode iniciar a 17
Ibid, 128. Ibid, 127. 19 Ibid, 134. 18
16 pessoa no Cristianismo. Não se pode esquecer de falar que a vida cristã, é uma vida de santificação do pecado.
17
3 – Avaliação da Apologética de Schaeffer Ao se avaliar a apologética de Francis Schaeffer pode-se referir a dois pontos: A crítica propriamente dita desta e a relevância desta para o contexto pós-moderno dos dias atuais. Quanto à critica propriamente dita, Collin Brown, faz um bom comentário, Schaeffer, mais especificamente A Morte da Razão, diz algumas coisas importantes: 1 – “A Morte da Razão deve ser lida e julgada por aquilo que é – não uma história definitiva do pensamento, mas, sim, um ensaio sugestivo e provocador.”20 2 – A fortaleza da posição de Schaeffer é dupla: A primeira é que procura apresentar um conceito integrado da totalidade da vida. Procura relacionar a fé cristã com a totalidade da vida; a segunda é que de forma diferente de “dalgumas versões do cristianismo, especialmente as mais radicais dos últimos duzentos anos, não se trata de elaborar uma filosofia preconcebida, e depois enfeitá-la com linguagem teológica.” 21 É sim uma tentativa de unificar o natural e sobrenatural na Bíblia. 3 – Schaeffer não procura demonstrar a veracidade de elementos dentro da fé cristã, e.g. a existência de Deus, ou a vida após a morte. Na verdade ele procura mostrar duas coisas. “De um lado, a filosofia secular fracassa totalmente quanto ao fazer sentido do homem, do mundo, da história e da experiência pessoal com um todo, ao recusar-se a aceitar qualquer coisa senão aquilo que suas premissas racionalistas permitirão. E, do outro lado, o sistema de crenças apresentado pela Bíblia realmente faz bom sentido.”22 No que diz respeito à relevância da apologética de Francis Schaeffer, para os dias atuais da pós-modernidade, pode-se dizer que a sua apologética ainda é relevante. 20
Brown, Filosofia e Fé Cristã, 167. Ibid, 167. 22 Ibid, 167. 21
18 Alguém poderia objetar dizendo que este método foi usado e elaborado para ser aplicado num contexto de um mundo de mentalidade moderna, e visto que, os dias atuais são marcados pelo pensamento pós-moderno, a apologética schaeffiana teria que ser reformulada, caso contrário perderia seu valor. Respondendo a esta objeção, pode-se dizer que o termo “moderno” pode ser mal entendido neste contexto. Na verdade quando Schaeffer falar de pensamento moderno, ele está tratando da concepção dicotômica da realidade, que divide esta, e que torna o homem inconsistente. Como foi visto, Francis não visa combater, de modo específico, as várias modalidades do pensamento moderno e sim, a forma por trás destes, que é a concepção de uma verdade à moda de Hegel, dialética, em outras palavras, a verdade relativa. Portanto, quando o autor estudado fala sobre mentalidade moderna, fala da sua atitude para com a verdade. Sendo assim, no mundo pós-moderno, muito mais do que no período moderno se encaixa neste conceito de homem moderno. Se tem uma verdade mais bem defendida, nos dias de hoje, é o conceito relativista da verdade, expresso no pluralismo pós-moderno. A mesma lógica que valeu para o tempo de Schaeffer continua valendo para os dias de hoje. Não se pode negar que existem novas ênfases e tendências no pensamento pós-moderno, porém não são estes conteúdos que são combatidos e sim o princípio básico por trás destes.
19
Conclusão Concluindo este trabalho, é bom falar que o método apologético de Francis Schaeffer é pertinente à nossa época. Foi um método que mostrou ser eficaz, quando aplicado pelo nosso apologista cristão. Sua Comunidade L’Abri é a prova maior de que seus esforços, como disse Paulo, não foram em vão. Porém, uma nota aqui deve ser feita, de nada vale toda esta metodologia apologética, se o Espírito Santo de Deus não se utilizar deste meio para tocar no coração do homem moderno ou pós-moderno. A apologética é necessária sim, embora não é a eficiência e eficácia desta que irá trazer os frutos e resultados.
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Bibliografia Brown, Colin, Filosofia e Fé Cristã. São Paulo-SP: Vida Nova, 1983. Richardson, Alan, Apologética Cristã. Rio de Janeiro-RJ: JUERP, 1978 Schaeffer, Francis A, A Morte da Razão. São José dos Campos-SP: Fiel, 1993. __________________, O Deus que Intervém. Brasília-DF: Refúgio, 1981. __________________, Verdadeira Espiritualidade. São Paulo-SP: Cultura Cristã,1999.