Revisão de Literatura Ajuste oclusal em ortodontia: uma revisão de literatura literatura
AJUSTE OCLUSAL EM ORTODONTIA: UMA REVISÃO DA LITERATURA Occlusal adjustment in Orthodontics: literature review Marcus Vinicius CREPALDI1, Adriana Aparecida CREPALDI2, Karina Maria Salvatore de FREITAS3, Guilherme JANSON4, Renato PICHININ5
RESUMO Introdução: O procedimento de ajuste oclusal pode ser empregado pelos ortodontistas como um complemento do tratamento ortodôntico, a fim de obter uma melhor distribuição das forças mastigatórias entre os dentes posteriores e a eliminação das interferências oclusais aos movimentos funcionais mandibulares, propiciando assim um equilíbrio entre a oclusão dentária, a articulação temporomandibular e a musculatura mastigatória. Objetivo e metodologia: Desta forma, este artigo propõe uma revisão e análise da literatura, enfatizando os aspectos funcionais da oclusão e sua relação com o tratamento ortodôntico, bem como a importância do ajuste oclusal em Ortodontia, suas principais indicações, e quais os benefícios que este procedimento pode proporcionar aos casos tratados ortodonticamente. Resultados e conclusão: o ajuste oclusal tem indicações precisas e eficazes, desde que realizado de forma criteriosa e sistemática. Os principais objetivos do ajuste oclusal são o aprimoramento da função oclusal, proporcionando uma máxima eficiência do sistema estomatognático, ausência de contatos prematuros e interferências oclusais, relações oclusais mais estáveis e forças melhor direcionadas e distribuídas. Palavras-chave: Odontologia. Ortodontia. Ajuste oclusal.
ABSTRACT Introduction: The occlusal adjustment procedure can be used by orthodontists as an adjunct to orthodontic treatment that aims to obtain a better distribution of masticatory forces among posterior teeth and to remove occlusal interferences in mandibular functional excursions, providing balance among dental occlusion, temporomandibular t and masticatory muscles. Objective and methodology: Then, this article proposes a review and analysis of literature, emphasizing the functional aspect of occlusion and its relation with orthodontic treatment, as well as the importance of the occlusal adjustment in Orthodontics, the main indications, and what benefits this procedure can provide to orthodontically treated cases. Results and conclusion: occlusal adjustment has precise and efficacy indications, since performed in a criterious and systematic way. The main objectives of occlusal adjustment are the improvement of occlusal function, providing a maximum efficiency of masticatory system, absence of premature and occlusal interference, more stable occlusal relationships and forces better directed and distributed. Keywords: Dentistry. Orthodontics. Occlusal Adjustment. 1 Mestre e Doutorando em Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru – USP. Professor do curso de especialização em Ortodontia da Uningá, Palmas-TO. 2 Mestre em Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru – USP. Professora do curso de especialização em Ortodontia da Uningá, Palmas-TO. 3 Mestre e Doutora em Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru – USP. 4 Professor do Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP. 5 Aluno do curso de especialização em Ortodontia da Uningá, Palmas-TO. 38
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Revisão de Literatura Ajuste oclusal em ortodontia: uma revisão de literatura literatura INTRODUÇÃO A oclusão é uma das áreas do conhecimento que mais está presente dentro das diversas especialidades odontológicas. Devido à sua importância no equilíbrio e saúde do sistema estomatognático, o estabelecimento e a preservação de uma oclusão normal tornaram-se uns dos mais importantes objetivos do tratamento odontológico. Neste contexto, o ajuste oclusal insere-se como uma terapia oclusal que auxilia na obtenção de uma oclusão equilibrada e funcionalmente eficiente. O tratamento ortodôntico tem como objetivo a obtenção de uma oclusão funcional que esteja em harmonia com o sistema neuromuscular e a articulação temporomandibular (SADOWSKY; BEGOLE, 1980). Porém, essa oclusão funcional nem sempre é possível de ser obtida pela movimentação ortodôntica, devido à presença de interferências oclusais, restaurações deficientes, dentes anômalos, etc. Desta forma, o procedimento de ajuste oclusal pode ser empregado pelos ortodontistas como um complemento do tratamento ortodôntico, a fim de obter uma melhor distribuição das forças mastigatórias entre os dentes e a eliminação das interferências oclusais aos movimentos funcionais mandibulares, propiciando assim um equilíbrio entre a oclusão dentária, a articulação temporomandibular e a musculatura mastigatória (JANSON; MARTINS, 1990). Sendo assim, a maioria dos autores preconiza a utilização do ajuste oclusal após o tratamento ortodôntico, como auxiliar na obtenção de uma oclusão funcional (AHLGREN; POSSELT, 1963; ZACHRISSON; MJOR, 1975; INGERVALL, 1976; TIMM; HERREMANS, 1976; SADOWSKY; BEGOLE, 1980; ROTH, 1981; JANSON; MARTINS, 1990; LE BELL, 1993; MCNEILL, 1997; POLING, 1999; CREPALDI, 2005). Alguns pesquisadores chegam até a especular que os casos tratados com ajuste oclusal apresentam uma maior estabilidade (BLUME, 1958; AHLGREN; POSSELT, 1963) e período de contenção reduzido. Desta forma, este artigo propõe
uma revisão e análise da literatura, enfatizando os aspectos funcionais da oclusão e sua relação com o tratamento ortodôntico, bem como a importância do ajuste oclusal em Ortodontia, suas principais indicações, e quais os benefícios que este procedimento pode proporcionar aos casos tratados ortodonticamente. REVISÃO DA LITERATURA O sexto Glossário de Termos Protéticos define o ajuste como sendo “a modificação das formas oclusais dos dentes com intuito de equalizar o estresse oclusal, produzindo contatos oclusais simultâneos ou harmonizando as relações entre as cúspides” (BOUCHER, 1994). O objetivo geral é desenvolver o estado de homeostasia entre os tecidos que interagem dentro do sistema mastigatório e os fatores locais ambientais. Este processo de modificação pode ajudar a estabelecer um equilíbrio funcional entre os dentes, as estruturas de e, sistema neuromuscular e articulação temporomandibular. Resumindo, o ajuste oclusal é a terapia oclusal que promove alterações seletivas e irreversíveis das superfícies oclusais dos dentes, visando melhorar suas relações funcionais. A preocupação com o aspecto funcional da oclusão e a introdução do ajuste oclusal na Odontologia surgiram da necessidade de distribuição dos esforços mastigatórios a fim de evitar traumas ao periodonto. O conceito de alteração ou modificação da porção coronal dos dentes não é novo. A história tem sido marcada por períodos de pouca utilização do ajuste oclusal até o seu abuso, resultando muitas vezes na mutilação dos dentes. Um dos primeiros ortodontistas a verificar a presença de oclusão traumática, em casos tratados ortodonticamente, foi Arnold (1927). Esta condição foi atribuída à existência de interferências oclusais em relação cêntrica e durante os movimentos funcionais, conseqüentemente causando problemas periodontais. Sendo assim, ele 38
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Revisão de Literatura Ajuste oclusal em ortodontia: uma revisão de literatura literatura recomendou a realização do procedimento de ajuste oclusal como um complemento ao tratamento ortodôntico, em todos os casos. Porém, nessa época, o procedimento de ajuste oclusal ainda não se apresentava fundamentado por regras cientificamente comprovadas. A primeira contribuição realmente válida para o ajuste oclusal foi dada por Schuyler (1935), que sistematizou o procedimento, para se alcançar os seguintes objetivos: uma máxima distribuição dos esforços mastigatórios em relação cêntrica; uma perfeita harmonia entre as inclinações guias dos dentes, distribuindo as forças excêntricas oclusais; a manutenção das pontas das cúspides de e; o correto escoamento dos alimentos entre os dentes; e a diminuição das superfícies de contato dos dentes. De Coster (1935), avaliando cefalometricamente pacientes com mordida aberta, comentou alguns métodos até então propostos para o tratamento desta má oclusão. Dentre eles, citou o ajuste oclusal e mostrou-se favorável aos desgastes oclusais dos molares a um nível suficiente para permitir que os dentes anteriores entrem em oclusão. A partir dessa época, de posse dessas informações, é que os ortodontistas aram a preconizar o ajuste oclusal, pós-tratamento ortodôntico, como um auxiliar na obtenção do equilíbrio funcional, com a finalidade de evitar a instalação de oclusão traumática ao periodonto, à articulação temporomandibular e aos músculos da mastigação (JANSON; MARTINS, 1990). Com o objetivo de observar a presença ou não de contatos prematuros após o tratamento ortodôntico, Blume (1958), realizou um estudo que se compôs de dez casos avaliados em relação cêntrica. Verificou que a maioria apresentava contatos prematuros em relação cêntrica, e citou a possibilidade desses contatos serem responsáveis por uma movimentação dentária indesejável, alterando assim a oclusão tratada, causando recidiva. Salientou os
benefícios do ajuste oclusal para propiciar um refinamento da oclusão funcional e conseqüentemente diminuir a tendência de recidiva. Como o ajuste oclusal era um procedimento amplamente utilizado no tratamento das disfunções mandibulares e da musculatura mastigatória, Ahlgren e Posselt (1963), realizaram um estudo eletromiográfico em 6 pacientes tratados ortodonticamente, que apresentavam interferências oclusais, para verificar se a eliminação das mesmas proporcionaria uma melhora na coordenação muscular. Avaliaram os pacientes antes e após o ajuste oclusal. Os resultados demonstraram que o ajuste oclusal propiciou uma melhoria da coordenação muscular pela eliminação das interferências oclusais. Ressaltaram então a necessidade de se avaliar os resultados ortodônticos quanto às interferências, e a correção das mesmas por meio de ajuste oclusal. Roth (1968) afirmou que havia certas divergências entre os ortodontistas e os gnatologistas. Os objetivos eram diferentes, ou seja, havia diferentes conceitos de “oclusão ideal”. Além disso, havia o desconhecimento, pelos gnatologistas, dos objetivos, limitações e problemas mecânicos dos tratamentos ortodônticos. Por outro lado, os ortodontistas também desconheciam os conceitos gnatológicos funcionais. Sendo assim, o autor apresentou uma série de conceitos gnatológicos básicos para uma boa oclusão aos ortodontistas, que, aos poucos, foram introduzindo os conceitos de prótese e periodontia para a obtenção da oclusão funcionalmente ótima. Com isso, diversos trabalhos foram publicados na literatura ortodôntica incluindo os objetivos funcionais como parte do tratamento ortodôntico. Estes conceitos gnatológicos são: coincidência entre a máxima intercuspidação dentária e a relação cêntrica; nas excursões de lateralidade, a desoclusão deve ser efetuada pelo canino; na protrusiva, deve haver contato dos seis dentes ântero-superiores com os seis dentes ântero-inferiores e primeiros ou segundos pré-molares (em caso de extração dos 39
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Revisão de Literatura Ajuste oclusal em ortodontia: uma revisão de literatura literatura primeiros pré-molares); não devem ocorrer contatos em balanceio; todos os dentes posteriores devem apresentar contato em relação cêntrica e os dentes anteriores devem apresentar uma folga de 12,7µm entre si (ROTH, 1981). Observando atentamente estes objetivos funcionais, nota-se que os contatos dos dentes posteriores, em balanceio e na excursão protrusiva são considerados como interferências oclusais. Cobin (1969) observou que o ajuste oclusal e outras técnicas de tratamento oclusal que reposicionam a mandíbula para a relação cêntrica, geralmente proporcionavam um alívio dos sintomas dolorosos na região da articulação temporomandibular. Roth (1973), com a finalidade de determinar os tipos mais comuns de interferências oclusais relacionadas com a síndrome da dor-disfunção temporomandibular, e de mostrar os métodos utilizados para se evitar ou eliminar os sintomas, não apenas após o tratamento ortodôntico, mas também durante a mecânica ortodôntica, realizou um estudo em 9 pacientes tratados ortodonticamente. Sete deles apresentavam sintomas da síndrome, e dois, ausência. Os resultados obtidos foram: somente pacientes com sintomas apresentaram interferências; pacientes com sintomas mais severos apresentaram maiores desvios da relação cêntrica e mais interferências oclusais; houve correlação entre a severidade e a localização dos sintomas, com a situação das interferências em balanceio; e, após realização do ajuste oclusal, houve o desaparecimento dos sintomas, o que comprova a validade do ajuste póstratamento ortodôntico. Dawson (1973, 1974) salientou que existe uma relação de causa e efeito bastante definida entre as interferências deflectivas e espasmo muscular, que pode ser empregada como interdependência para um diagnóstico diferencial. Constatou que, sempre que existir uma interferência oclusal, diversos músculos do sistema mastigatório podem estar envolvidos, sendo que o músculo pterigoideo lateral impreterivelmente se
apresentará sensível à palpação. Afirmou que o diagnóstico diferencial deve incluir a manipulação mandibular em relação cêntrica, a palpação do músculo pterigoideo lateral e a confecção de um dispositivo que impeça a intercuspidação dos dentes (front-plateau), que deve ser usado por 24 horas. Caso haja remissão da sintomatologia após o uso do “frontplateau”, é sinal de que realmente as interferências oclusais eram as causadoras da sintomatologia apresentada. Neste caso, o ajuste oclusal em relação cêntrica deve ser realizado. Timm, Herremans e Ash (1976), citaram que a oclusão em relação cêntrica deve incluir o contato de todos os dentes posteriores para produzir uma oclusão estável. Ao final do tratamento ortodôntico, a diferença entre a relação cêntrica e a máxima intercuspidação habitual deve ser de cerca de 1 mm ou menos. Uma redução dessa diferença a zero, ou seja, a alteração da máxima intercuspidação habitual para uma oclusão em relação cêntrica não é uma prática comum, mas esta redução deve ser consistente com a relação cêntrica, e pode ser obtida com a realização de ajuste oclusal após o término do tratamento ortodôntico. Costa (1976) demonstrou uma melhora acentuada das relações oclusais após a realização do ajuste oclusal, em 15 pacientes tratados ortodonticamente, montados em articulador totalmente ajustável. O autor confeccionou dois pares de modelos de cada paciente, sendo um utilizado para controle e o outro, para a realização do ajuste oclusal. Os resultados demonstraram que o ajuste oclusal promoveu uma estabilidade da oclusão em relação cêntrica e levou a um aumentou no número de contatos oclusais, além de eliminar as interferências oclusais durante os movimentos mandibulares. Janson e Martins (1990), examinaram 20 pacientes e concluiu que 85% dos casos examinados não foram terminados com coincidência da máxima intercuspidação dentária com a relação cêntrica; a guia anterior imediata para a excursão protusiva foi estabelecida em 40
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Revisão de Literatura Ajuste oclusal em ortodontia: uma revisão de literatura literatura 90% dos casos, enquanto que a guia anterior imediata, para as excursão de lateralidade, foi constatada em 50% dos casos. O ajuste oclusal realizado propiciou a obtenção da oclusão de relação cêntrica, a eliminação das interferências durante os movimentos funcionais, de acordo com o padrão de desoclusão estabelecido e o aumento do número de contatos dentários em oclusão de relação cêntrica. Muchitsch et al. (1990) avaliaram a discrepância ântero-posterior entre a máxima intercuspidação habitual e a relação cêntrica em pacientes em crescimento, após o tratamento ortodôntico, e observaram que após 2 anos a discrepância não mais existia, devido ao crescimento mandibular. Ressaltaram que as interferências devem ser eliminadas por meio da mecânica ortodôntica, para obtenção de uma oclusão funcional. Se as discrepâncias ainda estiverem presentes ao final do tratamento ortodôntico, o ajuste deve ser realizado. Porém, este procedimento só deve ser empregado se não acarretar alterações da relação das bases apicais. Para Motsch (1990), as principais indicações do ajuste oclusal são: oclusão traumática; dor articular e muscular; parafunções; dores nevrálgicas e neuralgia do trigêmeo; antes de reconstruções oclusais; após os tratamentos ortodônticos; tratamento profilático da oclusão e melhoria da eficiência da função mastigatória. Afirmou que, em muitos casos, o tratamento ortodôntico somente não consegue alcançar um equilíbrio oclusal e funcional satisfatório, pois o tratamento ortodôntico cria novas condições oclusais, e o novo relevo oclusal deve ser complementado pelo ajuste oclusal. Le Bell et al. (1993), analisando a função do sistema estomatognático após tratamento cirúrgico-ortodôntico, concluíram que, embora o tratamento possa reduzir significantemente os sintomas originais, o ajuste oclusal póstratamento ainda é recomendado, pois este procedimento é de máxima importância para a eliminação das possíveis interferências oclusais.
Para McNeill (1997), o ajuste oclusal está indicado se houver trauma oclusal resultante em sensibilidade periodontal ou pulpar, mobilidade anormal dos dentes, frêmito ou fratura dentária, função mastigatória impossibilitada, necessidades estéticas ou em casos de preparação para tratamento oclusal extensivo. As contra-indicações são as mesmas para qualquer tratamento oclusal irreversível. Com relação aos objetivos específicos, o ajuste oclusal visa a distribuição máxima simétrica dos contatos cêntricos na posição de intercuspidação, o carregamento axial ou quase axial dos dentes, um plano oclusal aceitável, contatos e guias permitindo a liberdade no fechamento e nos movimentos excursivos sem deflexão, e uma dimensão vertical aceitável. Ash e Ramfjord (1995) relataram que o ajuste oclusal deveria ser considerado nas seguintes situações: trauma oclusal; hipermobilidade dentária relacionada às funções oclusais; aparecimento de contatos oclusais instáveis e alteração na posição dos dentes; restrição da função mastigatória; preparação para procedimentos restauradores extensos; após tratamento periodontal avançado; melhora da estética; desordens musculares de etiologia dentária, com sintomatologia. De acordo com Batista (1996), sob o ponto de vista ortopédico, a oclusão dentária de um paciente jovem, que finalizou o tratamento aos 15 anos, deve ser discutida e analisada de forma diferente da oclusão após tratamento ortodôntico de um paciente adulto com mutilações dentárias. Os contatos grosseiros em dentes naturais devem ser eliminados por meio da movimentação ortodôntica. Já os contatos envolvendo dentes restaurados ou com prótese provisória, podem ser eliminados por desgastes seletivos realizados por um especialista da área. Para Cerveira e Zanatta (1998), a forma anatômica das superfícies oclusais poderia dificultar a finalização do tratamento ortodôntico, impedindo o adequado posicionamento entre dentes, 41
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Revisão de Literatura Ajuste oclusal em ortodontia: uma revisão de literatura literatura numa determinada posição mandibular. Assim, a montagem dos modelos no articulador deve identificar pequenas interferências nas áreas de esmalte íveis de remoção através do desgaste seletivo. Segundo Janson et al. (1999), o ajuste oclusal é recomendado para muitos casos ortodônticos, para corrigir relações interoclusais e distribuir forças nos dentes posteriores. Além disso, o ajuste oclusal também é recomendado em casos cirúrgicos de pacientes adultos ou com mutilações, com extrações assimétricas, com discrepância de Bolton, com restaurações irregulares ou com protocolo de extrações anormal. Crepaldi (2005) avaliou as alterações cefalométricas e oclusais do tratamento da mordida aberta anterior com a técnica do ajuste oclusal. A amostra consistiu de 20 pacientes com mordida aberta anterior e que haviam sido previamente tratados ortodonticamente e apresentaram recidiva do trese vertical negativo (média de – 1,06 mm) em longo prazo. As alterações cefalométricas foram avaliadas em telerradiografias em norma lateral, que foram obtidas de todos os pacientes no início e no final do ajuste oclusal. Os resultados mostraram que houve uma rotação no sentido anti-horário da mandíbula, uma melhora da relação maxilomandibular e uma diminuição estatisticamente significante de todas as variáveis dos componentes do padrão de crescimento. Houve um aumento do número de pontos de contato em relação cêntrica e um aumento médio de 2,38 mm do trese vertical. A proporção entre a alteração no trese vertical e o desgaste efetuado ao nível dos segundos molares foi de 2,13/1. Como se depreende, todos os autores defendem a necessidade da eliminação das interferências, tanto em relação cêntrica como nas excursões funcionais, para harmonizar a articulação dentária com a articulação temporomandibular, e a musculatura mastigatória, nos casos pós-ortodônticos.
Roteiro prático para realização do ajuste oclusal A técnica do ajuste oclusal baseiase nas regras adotadas pelo departamento de prótese da Faculdade de Odontologia de Bauru, da Universidade de São Paulo e contidas no Manual de Oclusão do referido Departamento (JANSON et al., 1982). O procedimento de ajuste oclusal consiste, geralmente, de uma a quatro sessões, não necessitando de acompanhamento ortodôntico posterior. Basicamente a técnica de ajuste oclusal dos dentes, com finalidade ortodôntica, envolve quatro fases, a saber: preparação, desgaste propriamente dita, polimento e acompanhamento. Na fase preparatória, inicia-se por uma profilaxia geral, com remoção de placa bacteriana e conseqüentemente polimento da coroa dentária com taça de borracha e pó abrasivo. É necessário frisar que todos os procedimentos de biossegurança devem ser observados nesta e demais fases de tratamento, tanto no que diz respeito ao paciente quanto ao ortodontista. Os instrumentos rotatórios abrasivos que foram utilizados são diamantados tronco-cônicos da série dourada, Sorensen 38 e série prateada 38, com granulações grossa e fina, respectivamente. Outra precaução necessária diz respeito à refrigeração, que precisa ser contínua e abundante nesta fase, em que normalmente se emprega instrumentos rotatórios. Qualquer aquecimento no esmalte é imediatamente transmitido à dentina, com danos consideráveis aos odontoblastos (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 1990). Face ao aquecimento, o prolongamento citoplasmático destas células se retraem transmitindo irritação às terminações nervosas e conseqüente sensação dolorosa. A quantidade de esmalte que pode ser retirado clinicamente sem prejuízo ao paciente é extremamente variável, dependendo principalmente da região e do dente a ser considerado, bem como de seu formato (ZACHRISSON; MJOR, 1975; PIACENTINI; SFONDRINI, 1996). 42
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Revisão de Literatura Ajuste oclusal em ortodontia: uma revisão de literatura literatura Para conduzir à mandíbula em relação cêntrica, durante o procedimento de ajuste utilizou-se a manipulação bilateral, preconizada por Dawson (DAWSON, 1974). Inicialmente, coloca-se o paciente na posição supina; o operador atrás do paciente estabiliza firmemente sua cabeça entre a caixa torácica e o antebraço esquerdo, para que não se movimente durante a manipulação. Pedese ao paciente que incline a cabeça para trás, obtendo-se naturalmente a retrusão da mandíbula. A seguir o operador posiciona suavemente os quatros dedos de cada mão na borda inferior da mandíbula, com o dedo mínimo no ângulo goníaco. Como esta manobra destina-se a exercer uma pressão para cima, posicionam-se as polpas dos dedos de modo que não produzam incômodo ao paciente. Posicionam-se então os polegares sobre o sulco mentoniano para exercerem pressão para baixo e para trás. As pontas dos polegares devem se aproximar ou até mesmo se tocarem. Inicia-se, a seguir, uma suave manipulação arciforme, sem pressão alguma, pois, esta provocaria um reflexo do paciente contra o operador. Quando a mandíbula arqueia livremente, pressiona-se gentilmente para cima e para trás, conduzindo automaticamente o côndilo para sua posição mais superior na fossa mandibular. Manipula-se dessa forma a mandíbula até ocorrer o primeiro contato entre os dentes. A partir desta posição, solicita-se ao paciente para exercer ligeira pressão de fechamento, enquanto o operador liberava a mandíbula. Com a ocorrência de um desvio mandibular clinicamente perceptível, para anterior ou lateral, até a máxima intercuspidação habitual, já que o paciente não apresentava coincidência desta posição com a relação cêntrica, neste ponto era iniciado o desgaste oclusal para obtenção da guia anterior imediata e do maior números de contatos oclusais. Durante o desgaste deve-se manter a morfologia dentária. Quanto mais polida a região trabalhada, menores os riscos de acúmulo de placa bacteriana e instalação de processo carioso
(FERREIRA-TORMIN, 2000). O polimento é iniciado com discos de lixa sof-lex pop-on (3M), em ordem decrescente de granulação (grossa, média, fina) ando -se, a seguir, para o polimento com tiras de lixa com centro neutro, grossa, fina e ultrafina (FERREIRA-TORMIN, 2000). A cada o do polimento é pedido ao paciente que bocheche água tépida, com a finalidade de eliminar toda e qualquer partícula abrasiva que possa permanecer sobre o esmalte. Em continuação, dá-se polimento à área desgastada com pedra pomes e a seguir branco de Espanha, lavando-se a região a cada o da técnica. Nessa fase, utiliza-se taça e cone de borracha, com o objetivo de atingir toda e qualquer área da região desgastada. Após o polimento, é fundamental que se aplique, na área trabalhada, solução de flúor em forma de gel, pelo período de cinco minutos, orientando ao paciente para não comer ou beber em seqüência, pelo espaço de tempo de meia hora (PIACENTINI; SFONDRINI, 1996). O flúor restabelece a maturidade de esmalte exposto pelo desgaste; daí a importância de sua aplicação. Bochechos diários com solução de fluoreto de sódio a 0,05% estão indicados, durante seis meses. Para obtenção do sucesso com a técnica de desgaste nos tratamentos ortodônticos necessitamos: diagnosticar e planejar corretamente o desgaste; seguir rigorosamente os os da técnica, refrigerando abundantemente a região a ser desgastada com água tépida, durante todas as fases da operação; obter um polimento o mais perfeito possível e manter um acompanhamento preciso do caso, aplicando-se flúor durante, pelo menos, seis meses após realizado o desgaste. DISCUSSÃO Os princípios para uma oclusão funcional, de acordo com a maioria dos conceitos recentes, já foram descritos (BEYRON, 1969; INGERVALL, 1976; TIMM; HERREMANS; ASH, 1976; ROTH, 1981) e podem ser resumidos desta forma: os côndilos devem estar em relação 43
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Revisão de Literatura Ajuste oclusal em ortodontia: uma revisão de literatura literatura cêntrica, com a máxima intercuspidação dos dentes posteriores e coincidindo com esta relação (oclusão de relação cêntrica). A força mastigatória deve ser dirigida o mais próximo do longo eixo dos dentes. Os dentes anteriores não devem apresentar contato efetivo em oclusão de relação cêntrica; e os caninos e incisivos devem desocluir todos os dentes posteriores em qualquer movimento mandibular excêntrico (ROTH, 1981), ou seja, a desoclusão dos dentes posteriores deve ser imediata. Dessa maneira, estabelece-se uma oclusão mutuamente protegida, em que os dentes anteriores protegem os dentes posteriores das forças laterais durante as excursões excêntricas, e os dentes posteriores protegem os dentes anteriores das forças laterais durante o fechamento em oclusão de relação cêntrica (ROTH, 1981). Um dos principais objetivos do tratamento ortodôntico, além de promover uma estética facial agradável e uma oclusão estática ideal, obtendo as seis chaves da oclusão normal de Andrews (ANDREWS, 1972), é a obtenção de uma oclusão funcional ideal. Porém, a obtenção dessa finalização ortodôntica ideal nem sempre é possível, então os ortodontistas podem lançar mão do procedimento de ajuste oclusal, como complementar ao tratamento ortodôntico. O principal objetivo do ajuste oclusal é conseguir um relacionamento oclusal estável e atraumático entre os dentes superiores e inferiores, além de uma oclusão fisiológica. Uma oclusão fisiológica é aquela em que há um equilíbrio do sistema estomatognático, a oclusão dentária, a articulação temporomandibular e o sistema neuromuscular (MCNAMARA, 1977). Apesar de o ajuste oclusal ser recomendado na maioria dos casos tratados ortodonticamente, para refinamento das relações interoclusais e melhor distribuição das forças mastigatórias entre os dentes posteriores, existem algumas indicações mais específicas. As principais indicações do ajuste oclusal em Ortodontia são:
tratamentos com extrações assimétricas, casos cirúrgicos em pacientes adultos ou com mutilações, discrepância de Bolton, restaurações irregulares e protocolos de extrações não convencionais (JANSON et al., 1999). A melhor época para a realização do ajuste oclusal é logo após o término do tratamento ortodôntico ativo. Porém, existem algumas exceções. Em alguns casos, o ajuste pode ser realizado durante o tratamento ortodôntico, para facilitar a movimentação dentária, a verticalização de molares permanentes, e para melhorar o conforto dos pacientes (JANSON et al., 1999). As principais vantagens do ajuste oclusal em Ortodontia são: o procedimento permite a obtenção de uma oclusão em relação cêntrica; melhora a desoclusão durante os movimentos funcionais mandibulares; elimina as interferências oclusais; remissão dos sintomas nos pacientes com desordens temporomandibulares; aumento do número de contatos em oclusão de relação cêntrica; reduz a necessidade de contenção; e diminui a tendência à recidiva. CONCLUSÕES A oclusão constitui um fator de estabelecida importância na preservação da integridade das estruturas do sistema estomatognático, sendo assim, uma oclusão funcional normal, deve sempre ser estabelecida. Com este propósito, o ajuste oclusal tem indicações precisas e eficazes, desde que realizado de forma criteriosa e sistemática. Em Ortodontia, a melhor época para a realização do ajuste oclusal é logo após o término do tratamento ortodôntico ativo, e este procedimento é recomendado em todos os casos. Os principais objetivos do ajuste oclusal são: o aprimoramento da função oclusal, que proporcione uma máxima eficiência funcional do sistema estomatognático, ausência de contatos prematuros e interferências oclusais, relações oclusais mais estáveis e forças melhor distribuídas e direcionadas. 44
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